Por Pr. Silas Figueira
Texto base: Lucas 3.7-14
A mensagem de João não era uma
mensagem evangelística como conhecemos hoje. Geralmente as mensagens
ditas evangelísticas hoje costumam se falar assim: “Há
um Deus apaixonado por você, que se importa com o que você está
sentindo, sofrendo e vivendo. Ele entende a linguagem do seu
sofrimento, e Ele é profundamente apaixonado por você!”.
No entanto, não foram essas palavras que as pessoas que foram até
ao deserto ouviram de João Batista. William Barclay disse que a
mensagem de João “não
se tratava de boas novas; eram novas de terror”.
Porque “essas novas”
que estava sendo anunciada denunciava o pecado do povo.
É interessante destacar que João
passou a vida no deserto, então não podíamos esperar outra forma
de se expressar se não daquilo que ele vivenciou ali. Ele conviveu
com cobras, escorpiões, aridez, sol escaldante. Por isso que ele
chamou as pessoas que iam até o deserto para vê-lo batizar de “raça
de víboras”. Por
exemplo, Amós que era um criador de ovelhas e colhedor de figos
silvestres, chamou as mulheres de Samaria de “vacas
de basã” (Os 4.1),
era a linguagem que ele estava acostumado a usar. Essa expressão
raça de víboras
era uma dura crítica ao pecado que havia se instalado em Israel em
sua época. Por isso que em qualquer lugar que João visse o mal,
fosse no Estado, na templo, na multidão, intrépidamente ele o
denunciava. João era como uma luz acesa em meio a uma total
escuridão que havia se instalado em todo o Israel, era como um vento
de Deus que varria todo o país.
O relato de Lucas coincide quase
textualmente com Mt 3.7-10. Mas, ao contrário de Mateus, Lucas nada
diz sobre o grande afluxo de pessoas, particularmente da parte dos
fariseus e saduceus, ao batismo de João. Lucas também não diz nada
sobre o batismo em si, nem tampouco sobre o alimento e a vestimenta
de João (cf. Mc 1.5s; Mt 3.7). Mateus dirige as palavras de
arrependimento também aos fariseus e saduceus. De acordo com Lucas,
essas palavras de arrependimento, no entanto, são dirigidas ao povo.
Marcos aponta mais para aqueles que vinham de Jerusalém. – Ainda
que em Lucas as camadas dirigentes, a saber, os fariseus e saduceus,
não sejam citados, o espírito predominante da época em todo o povo
não deixa de ser criticado com palavras duras.
Quais as lições que podemos
aprender com esse texto?
1 – O CHAMADO AO
ARREPENDIMENTO É UNIVERSAL (Lc 3.7).
Observe que o sermão de João é
dirigido a todos que iam até onde ele se encontrava. João não foi
muito polido, podemos dize assim, na forma de ministrar o seu sermão.
Ele, tomado pelo Espírito Santo, não pregou para agradar seus
ouvintes, mas para feri-los com a espada do Espírito Santo e
levá-los ao arrependimento. Ele trouxe uma palavra dura, para um
povo de dura cerviz, ou seja, que não dobrava a “nuca” ou o
pescoço em reverência ou em submissão a vontade de Deus (At 7.51).
Afinal, eles eram o povo da aliança, no entanto a haviam abandonado!
Podemos destacar três coisas
aqui:
1o
– O sermão de João denuncia a hipocrisia do povo e dos religiosos
(Lc 3.7; Mt 3.7).
Quando João Batista desmascarou o coração de todo o povo,
principalmente dos fariseus e saduceus, com a expressão “raça
de víboras”, isso
incidiu com impacto no âmago da hipocrisia e do fingimento
farisaicos (Mt 5.17 e Mt 23), pois isso abalou as estruturas
religiosas de sua época. A nação como um todo se via como povo
escolhido de Deus, no entanto, a vida que estavam levando não
condizia com o que eles diziam ser. Essa foi a hipocrisia denunciada.
Esta mesma denúncia Jesus fez
posteriormente aos líderes religiosos em João 8.41,44: “Vós
fazeis as obras de vosso pai. Disseram-lhe, pois: Nós não somos
nascidos de fornicação; temos um Pai, que é Deus. [Disse Jesus]
Vós tendes por pai ao diabo e quereis satisfazer os desejos de vosso
pai; ele foi homicida desde o princípio e não se firmou na verdade,
porque não há verdade nele; quando ele profere mentira, fala do que
lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira”.
Jesus aqui está se referindo a
Satanás que havia enganado Eva com suas mentiras (Gn 3.1-5; 2Co
11.3; Ap 12.9). Por isso João os chama de “raça
de víboras”, pois
era exatamente assim que eles eram. Entenda uma coisa, na condição
de profeta, João denunciava o estado espiritual do povo que ia até
ele dentro da visão que Deus tinha. Ele falava o que Deus via. João
revela que o veneno que eles carregavam era pior que o veneno da
serpente, pois o veneno da serpente foi o próprio Deus quem nelas
colocou, mas o veneno da hipocrisia que eles carregavam no coração
fora neles colocado pelo diabo.
Os fariseus = os separados,
eram os piedosos praticantes do judaísmo. Seu agir inicialmente era
excelente e visava erguer o povo humilhado como nação e observar
rigorosamente a lei. Posteriormente sua influência tornou-se
perniciosa. Não se satisfaziam em cumprir a lei mosaica (Torá), mas
também consideravam como compromissiva para a vida e o comportamento
a tradição dos pais, os artigos dos anciãos, pelos quais a lei
mosaica foi interpretada e ampliada. No tempo Jesus contavam 248
mandamentos e 365 proibições. Com temerosa preocupação cuidavam
do cumprimento de todas as determinações da lei cerimonial e eram
extremamente meticulosos na prática de obrigações religiosas
exteriores (jejuar, lavar-se, orar, dar esmolas, pagar o dízimo e
santificar o sábado).
Os saduceus = os justos,
derivavam seu nome do rabino Sadoque. Ao contrário dos israelitas
ortodoxos, eles eram os livres-pensadores incrédulos, que negavam a
doutrina da existência dos anjos, a imortalidade, a ressurreição e
o juízo, bem como qualquer influência do regimento universal de
Deus sobre as ações das pessoas.
Eram esses líderes que iam até
João para verem o seu batismo e, com certeza, criticá-lo.
2o
– O sermão de João denuncia a realidade do inferno (Lc 3.7,9).
Mais uma vez João usa de uma figura de linguagem. Era muito comum no
deserto quando a relva seca pegava fogo os animais que nela se
escondiam fugirem de suas tocas para salvar suas vidas se não
morreriam queimadas. E dentre muitos animais estavam as serpentes.
Jesus usou esta mesma figura de linguagem para se referir aos
fariseus e aos saduceus em Mateus 23.33: “Serpentes,
raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno?”.
João não evitou falar de temas
graves como a ira vindoura. É melhor escutar sobre o inferno do que
ir para lá. É melhor exortar as pessoas a fugirem da ira vindoura
do que acalmá-las com o anestésico da mentira, mantendo-as no
caminho da perdição. Você já se perguntou do que Deus lhe salvou?
A resposta é simples, talvez você diga: “Ele me salvou dos meus
pecados”. “Não. Ele lhe salvou dEle”. Ele lhe salvou da Sua
ira. Veja o que nos fala Paulo em Efésios 2.1-3:
“E vos vivificou, estando
vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes
segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do
ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência; entre
os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa
carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e
éramos por natureza filhos da ira,
como os outros também”.
3o
– A religiosidade não leva ninguém para o céu (Lc 3.8).
O que nos salva da ira divina é reconhecimento de que somos
pecadores e recebermos Jesus como nosso Salvador pessoal. Isso se
chama arrependimento. Mas para os judeus que iam até João e
rejeitavam o seu batismo ele mostrava que a religiosidade deles não
os impediam de ir para o inferno. Por eles descenderem de Abraão não
os tornava melhores que os gentios, aliás, os tornava piores, pois
eles conheciam a lei e os gentios não. Os filhos de Abraão são os
que tem Jesus como seu salvador pessoal.
A Bíblia é muito clara em
relação a esta doutrina. Veja o que Paulo nos diz em Romanos
4.16,17:
“Portanto, é pela fé, para
que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme a toda
a posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é
da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós, (Como está
escrito: Por pai de muitas nações te constituí) perante aquele no
qual creu, a saber, Deus, o qual vivifica os mortos, e chama as
coisas que não são como se já fossem”.
O mesmo nos é apresentado em
Gálatas 3.7-9,29:
“Sabei, pois, que os que são
da fé são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que
Deus havia de justificar pela fé os gentios, anunciou primeiro o
evangelho a Abraão, dizendo: Todas as nações serão benditas em
ti. De sorte que os que são da fé são benditos com o crente
Abraão. E, se sois de Cristo, então sois descendência de Abraão,
e herdeiros conforme a promessa”.
No Evangelho de João 3.11-13
encontramos o mesmo princípio:
“Veio para o que era seu, e
os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes
o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome; os
quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da
vontade do homem, mas de Deus”.
2 – O CHAMADO AO
ARREPENDIMENTO TEM QUE GERAR FRUTOS (Lc 3.8,10-14).
João agora mostra que há uma
forma de salvação. Ela ocorre com a conversão e fruto dessa
conversão. O arrependimento tem que ser demonstrado através de uma
nova vida. Através de atos de bondade não só de palavras.
1o
– A palavra “arrependimento” no grego é “metanoia”.
O que significa essa palavra no grego secular? Indica a mudança do
pensamento, precisamente no sentido de que intelectualmente mudei
minha opinião sobre um ou outro assunto. No Novo Testamento a
palavra metanoia,
por sua vez, não significa mudar a opinião sobre algo qualquer
(talvez sobre algumas coisas), mas estende-se sobre a opinião toda e
o pensamento todo da pessoa. Quer dizer uma mudança radical de
coração.
A metanoia (meia-volta,
conversão). A conversão é ato de Deus ou da pessoa? Citemos o
seguinte aspecto: A pessoa não pode converter-se a si própria, mas
pode deixar-se converter! – Nosso sim a ele, a nosso Senhor,
origina-se unicamente do sim de Deus por nós. Nosso não, porém, é
unicamente a nossa culpa!
Usando uma ilustração: Quando
se joga uma boia salva-vidas a uma pessoa que está se afogando e ela
a segura, e de fato a agarra firmemente com toda a sua energia – a
pessoa assim resgatada não pode dizer: Eu me salvei, mas terá de
dizer: Eu fui resgatada. Da mesma forma, a pessoa salva terá de
reconhecer: Se eu não tivesse agarrado com toda a seriedade aquela
boia, eu sozinho seria culpado da minha morte nas ondas. Assim, ter
sido salvo é um presente. Afogar-se, porém, é culpa!
Conversão não é produto do
esforço, mas dádiva! Perder-se, no entanto, é culpa, culpa
própria, cem por cento!
2o
– João diz que o arrependimento tem que vir acompanhado de frutos
(Lc 3.8-14).
Um dos melhores exemplos que encontramos na Bíblia a esse respeito é
a conversão de Zaqueu. Ele não só se converteu como tentou reparar
os erros do passado. Essa é a conversão que João Batista está
pregando aqui.
É
o que Tiago diz quando aborda em sua carta que a fé sem as obras é
morta (Tg 2.14-18). A fé tem que vir acompanhada de testemunho de
vida e não só de palavras. Paulo fala a mesma coisa em Efésios
4.28: “Aquele
que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o
que é bom, para que tenha o que repartir com o que tiver
necessidade”.
O arrependimento tira o egoísmo
do coração do homem. É o resumo da lei: “amar a Deus acima de
todas as coisas e ao próximo como a si mesmo” (Mt 22.37-39).
3
– A SECULARIDADE DA VIDA É CULTO A DEUS (Lc 3.10-14).
Muitas
pessoas pensam que culto é o momento que passamos juntos para adorar
a Deus, mas, na verdade, o culto é vida que levamos. Estamos em
culto em tudo que fazemos de forma honesta. Veja o que o Senhor Jesus
nos diz em Mateus 5.16: “Assim
resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas
boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus”.
Deus será glorificado em nossas vidas lá fora, na nossa vida
secular. Deus é glorificado em nosso testemunho diário em um mundo
em trevas.
João mostra que a vida é um
culto e ele se revela nas nossas atitudes.
1o
– João fala de um Evangelho social (Lc 3.10,11).
João diz que não devemos ser egoístas, mas compartilhar nossos
bens com os que estão passando por necessidade, pois Deus nunca
absolverá ao homem que se contente tendo muito enquanto outros têm
pouco (Pv 19.17; Lc 6.38; Rm 12.19-21; Tg 2.14-16; 1Jo 3.17,18).
2o
– João fala de um Evangelho de gente honesta (Lc 3.12-14).
Ordenava aos homens não deixarem seus trabalhos, e sim trabalhar com
honestidade, fazendo seu trabalho como devia ser feito. Que o coletor
de impostos seja um bom funcionário, que um soldado seja um bom
defensor. O dever do homem era servir a Deus onde Ele o tinha posto.
João estava convencido de que em nenhuma parte se pode servir a Deus
melhor que no trabalho diário. O nosso culto é prestado a Deus lá
fora no mundo.
Como
nos fala o autor de Hebreus 13.12,13: “E
por isso também Jesus, para santificar o povo pelo seu próprio
sangue, padeceu fora da porta. Saiamos, pois, a ele fora do arraial,
levando o seu vitupério”.
O culto a Deus não começa aqui
dentro, começa lá fora. Na minha vida secular, no meu
relacionamento em meu lar, na escola, na faculdade, no trabalho, no
laser. A fé cristã não se limita o estar dentro da igreja, nas
manifestações de adoração que exercemos quando nos reunimos para
culto. Por exemplo, o louvor não começa quando eu me reúno para o
culto, na verdade o louvor não começa, ele é uma continuidade lá
de fora. Pois louvor é vida! A adoração dentro da igreja só é
legitimado quando manifesto no meu dia a dia lá fora. No secular.
Pois ele é uma extensão do que eu fiz do lado de fora do portão.
CONCLUSÃO
A mensagem de João Batista foi
uma mensagem dura, mas necessária. Ela foi um alerta para as
multidões que iam até ele para serem batizadas. João chamou a
atenção para a hipocrisia que estava sendo a religião que estavam
praticando. Era uma religião descompromissada com Deus, havia
sacrifício de animais, mas não sacrifício de vida. Havia culto,
mas não havia adoração verdadeira. O povo era o reflexo dos
líderes religiosos da época. Foi contra essa hipocrisia que João
criticou de forma tão veemente. João estava preparando o coração
do povo para a vinda do Messias. João deixou claro que o Messias
tinha o seu machado na mão e cortaria toda árvore que não
estivesse dando bom fruto.
Hoje,
assim como nos dias de João, devemos entender que a nossa religião
deve der pautada numa fé demonstrada na vida fora da igreja e
refletida dentro dela. Que a adoração é vivida na vida secular,
onde Deus será exaltado através do nosso viver diário. Como nos
fala um antigo hino: “Se
eu tiver Jesus ao lado e por Ele auxiliado, se por Ele for mandado,
aonde quer que for irei”.
E onde estivermos, ali será lugar de culto e adoração, pois Deus
se faz presente em nossas vidas.
Pense nisso!
Bibliografia:
1 – Barclay, William.
Comentário do Novo Testamento, Mateus.
2 – Barclay, William.
Comentário do Novo Testamento, Lucas.
2 – Champlin, R. N. O Novo
Testamento Interpretado, versículo por versículo, volume 2, Lucas e
João. Editora Candeia, São Paulo, SP, 1995.
3 – Davidson, F. O Novo
Comentário da Bíblia, volume 2. Edições Vida Nova, São Paulo,
SP, 1987.
4 – Keener, Craig S. Comentário
Histórico-Cultural da Bíblia, Novo Testamento. Edições Vida Nova,
São Paulo, SP, 2017.
5 – Lopes, Hernandes Dias.
Mateus, Jesus, Rei dos reis. Comentário Expositivo Hagnos. Editora
Hagnos, São Paulo, SP, 2019.
6 – Lopes, Hernandes Dias.
Lucas, Jesus, o homem perfeito. Comentário Expositivo Hagnos.
Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017.
7 – MacArthur, John. Comentário
Bíblico. Editora Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, 2019.
8 – Manual Bíblico SBB.
Barueri, SP, 3a edição, 2018.
9 – Morris, Leon L. Lucas,
Introdução e Comentário. Edições Vida Nova e Mundo Cristão, São
Paulo, SP, 1986.
10 – Rienecker, Fritz.
Evangelho de Mateus, Comentário Esperança. Editora Esperança,
Curitiba, PR, 2017.
11 – Rienecker, Fritz.
Evangelho de Lucas, Comentário Esperança. Editora Esperança,
Curitiba, PR, 2005.
12 – Tasker, R. V. G. Mateus,
Introdução e Comentário. Edições Vida Nova e Mundo Cristão, São
Paulo, SP, 1980.
Nenhum comentário:
Postar um comentário