domingo, 27 de junho de 2021

A CURA DA MULHER HEMORRÁGICA

Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 8.40-48

INTRODUÇÃO

O retorno de Jesus da região dos gadarenos para Cafarnaum (cf. Mt 9.1) é descrito por Lucas com a mesma clareza que Marcos. Ao contrário da atitude dos habitantes de Gadara, que rejeitaram o Senhor, aqui uma grande multidão esperava por ele com grande expectativa [1]. A multidão o comprimia, mas apenas duas pessoas se destacam nesse relato entrelaçado: Jairo e a mulher hemorrágica. Essas duas personagens nos ensinam alguns contrastes: Jairo era um líder da sinagoga; ela era uma mulher anônima; Jairo era um líder religioso; ela era excluída da comunidade religiosa; Jairo era rico; ela perdera todos os seus bens em vão buscando saúde; Jairo tivera a alegria de conviver doze anos com sua filhinha que agora estava à morte; ela sofria há doze anos de uma doença que a impedia de ser mãe; Jairo fez um pedido público a Jesus; ela se aproximou de Jesus com um toque silencioso e secreto. Jesus atende ambos, mas ela primeiro [2].

Apesar de ser contada duas histórias diferentes, ambas têm muitas coisas em comum. Observe os principais pontos comuns: nas histórias das duas mulheres estão as palavras “filha” (Mc 5.34,35; Lc 8.42,48), “doze anos” (Mc 5.25,42; Lc 42,43), ajoelhar-se (Mc 5.22,33; Lc 8.41,47), “temer” (Mc 5.33,36; Lc 8.47,50), fé (Mc 5.34,36; Lc 8.48,50) e “salvar” (Mc 5.23,34, Lc 8.48,50). As duas mulheres estão enfrentando a morte, uma espiritual, a outra fisicamente. Ambas são impuras em termos cerimoniais e experimentam o toque do Senhor da vida (Mc 5.27,41; Lc 8.44,54) [3].

Vamos agora nos deter na história da mulher hemorrágica e a bênção que ela alcançou ao tocar em Jesus, e quais as lições que podemos tirar para as nossas vidas:

1 – POR QUE ESTÁ MULHER TOCA EM JESUS COM TANTA FÉ?

O texto que estamos analisando nos responde a esta pergunta com várias respostas.

1º - Esta mulher tocou em Jesus com fé porque havia ouvido falar dele (Mc 5.27). No Evangelho de Marcos nos diz assim: Ouvindo falar de Jesus, veio por detrás, entre a multidão, e tocou na sua veste”. O apóstolo Paulo nos diz em Romanos 10.17: “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”.

Alguém contou para ela do que Jesus estava fazendo. Quantas pessoas eram libertas e curadas por Ele. Diante desse relato, ela se propôs a ir ao encontro Jesus. A fé foi despertada nela mediante o testemunho de alguém. Por isso não podemos deixar de testemunhar da graça e da misericórdia de Jesus. A graça e a misericórdia de Jesus agiram no passado, agem no presente e continuarão agindo no futuro.  

Como disse os apóstolos Pedro e João perante das autoridades judaicas: “Porque não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido” (At 4.20).  

2º - Esta mulher toca em Jesus com fé porque ela tinha uma grande necessidade (Lc 8.43). Esta mulher vinha sofrendo com esta hemorragia a doze anos. Era um sofrimento que vinha se prolongando no decorrer dos anos sem ver resultado no tratamento. Como disse Marcos: “...antes indo a pior” (Mc 5.26).

A questão maior não é ter um problema, mas ter consciência de que a pessoa tem um problema. Geralmente quatro coisas ocorrem que impedem a cura: (a) a pessoa não assume que tem um problema, (b) outros tentam amenizar o problema, (c) outros tentam terceirizar o problema – o problema é sempre o outro, e por fim, (c) tem gente que se acostuma com o problema. 

A cura começa com a conscientização de que nós nos encontramos doentes e precisamos buscar tratamento, e foi isso que esta mulher fez.

Alguém testemunhou do poder de Jesus para esta mulher e o Espírito Santo tocou em seu coração para buscar ocorro no Senhor. Ela creu que podia ser curada. Ela estava inquieta com aquela situação e resolveu mudar de uma vez por todas.

No entanto, o gatilho para uma pessoa reconhecer que precisa mudar, só dispara quando:

1) Acaba o conforto – Enquanto o que ela estiver vivendo de algum modo for confortável, ela não muda.

2) Conveniência – Se ainda houver conveniência, ela não muda.

3) Sentindo prazer – Se for mantida a sensação de prazer no problema que ela enfrenta, ela não muda.

O ser humano é muito complexo, por isso que o Senhor age com cada pessoa de forma diferente. Tanto que muitos tocavam em Jesus, mas só esta mulher foi curada. Não basta tocar em Cristo, o que gera o milagre é a maneira como Ele é tocado.   

3º - Esta mulher toca em Jesus com fé porque ela se negou a sepultar os seus sonhos (Lc 8.43). Aquela mulher perdia sangue diariamente. Ela tinha uma anemia profunda e uma fraqueza constante. O sangue é símbolo da vida. Seu diagnóstico era sombrio; ela parecia morrer pouco a pouco; a vida parecia esvair-se aos borbotões do seu corpo. Ela não apenas estava perdendo a vida, como não podia gerar vida. Seu ventre, em vez de ser um canteiro de vida, tinha se tornado o deserto da morte [4].

No entanto, ao ouvir falar de Jesus ela viu a possibilidade de ser curada desse mal e ver seus sonhos se tornarem realidade. Ver seus projetos, antes sepultados, ressuscitarem. É isso que Jesus faz, Ele traz renovo para as nossas vidas. Ele tem poder para nos tirar dos nossos buracos existenciais e nos fazer respirar novos ares. Ele nos faz sonhar com a certeza de que o sonho se tornará realidade.

4º - Esta mulher toca em Jesus com fé porque ela creu no médico dos médicos (Lc 8.43). Lucas não informa se essa mulher doente era atribulada ou explorada pelos médicos. Tão-somente menciona que ela não podia ser curada por nenhum médico [5].

Marcos declara: “Tinha sofrido muito nas mãos de muitos médicos”. Ainda que isso fosse verdade, não surpreende que Lucas, sendo ele mesmo um médico (Cl 4.14), expresse o fato de que a enfermidade dessa mulher era, humanamente falando, incurável à luz da terapêutica de seu tempo [6]. E quanto mais médicos procurava e tratamentos fazia, mais ela perdia a esperança e todos os seus haveres.

Mas quando ela ouviu falar de Jesus e das curas que Ele estava realizando, imediatamente ela tomou uma decisão: Vou procurar o médico dos médicos. Vou me tratar com quem pode resolver o meu problema.

Hoje, em meio a tantos recursos na medicina, nós não podemos depositar a nossa confiança de forma cega nos médicos e nos tratamentos. Se Deus não olhar para nós e por nós com misericórdia e graça nós vamos padecer nas mãos dos médicos, usando vários medicamentos. Não quero com isso dizer que não devemos procurar os médicos para nos tratarmos de alguma enfermidade. Eu quero dizer que a nossa confiança está no Senhor que usa os médicos e os medicamentos.

Primeiro vem Deus e a nossa fé nele, depois a nossa confiança que Ele abençoará os médicos e o tratamento. Deus vem em primeiro lugar e permanece em primeiro lugar, pois, depois do tratamento feito e, pela misericórdia, termos alcançado a cura, vamos dizer: “Graças a Deus!”.

2 – OS OBSTÁCULOS QUE ESTA MULHER ENFRENTOU PARA ALCANÇAR A BÊNÇÃO.

Ela tinha várias razões para não estar ali para buscar a cura. Ela poderia ter usado muita coisa como desculpa para não se aproximar de Jesus – a multidão que se comprimia ao redor de Jesus; todos os fracassos naqueles doze anos (o tempo); o fato de não ser correto buscar a Jesus como último recurso; o fato de ela não ser uma pessoa importante, mas ela não permitiu que coisa alguma a impedisse [7]. Cada obstáculo foi vencido com perseverança e fé. Aquilo que nós estamos chamando de obstáculo, na verdade, para muitas pessoas são apenas desculpas para não ir à Cristo. 

No entanto, para essa mulher chegar até Jesus, ela teve que enfrentar verdadeiros obstáculos. Que eram a segregação física, social e religiosa, que a Lei determinava que ela deveria obedecer. Vejamos essas três segregações [8]:

1º - A segregação conjugal. Segundo a lei judaica, uma mulher com fluxo de sangue não podia relacionar-se com homem algum. Se ela era solteira, não podia casar-se; se era casada, não podia relacionar-se com o marido. A mulher menstruada era niddah (impura) e proibida de ter relações sexuais. Os rabinos ensinavam que, se os maridos teimassem em relacionar-se com elas nesse período, a maldição viria sobre os filhos. O rabino Shimeon bar Yohai, ao comentar Levítico 15.31, afirmou que ao homem que não se separa da sua mulher perto da menstruação dela, mesmo que tenha filhos como os filhos de Arão, estes morrerão. Mulheres menstruadas transferiam sua impureza a tudo o que tocavam, inclusive utensílios domésticos e seus conteúdos. Os rabinos decretavam que até o cadáver de uma mulher que morreu durante sua menstruação deveria passar por uma purificação especial com água.

2º - A segregação social. Uma mulher com hemorragia devia viver confinada, na caverna da solidão, no isolamento, sob a triste realidade do ostracismo social. Por doze anos, ela não pudera abraçar nenhum familiar sem lhe causar dano. Ela vivia possuída de vergonha, com a autoestima amassada. Por isso, chegou anonimamente para tocar em Jesus, com medo de ser rejeitada, pois quem a tocasse ficaria cerimonialmente impuro.

3º - A segregação religiosa. Uma mulher com fluxo de sangue era considerada impura e não podia entrar no templo nem na sinagoga para adorar. Não podia participar do culto nem das festas. Estava proibida de participar do culto público, visto que estava em constante condição de impureza ritual (Lv 15.25-33).

Meus irmãos, se olharmos para os obstáculos nós não chegaremos a lugar algum. A Bíblia nos compara a três tipos de pessoas, a um soldado em serviço, a um atleta e a um lavrador. Veja o que nos diz Paulo: “Nenhum soldado em serviço se envolve em negócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer àquele que o arregimentou. Igualmente, o atleta não é coroado se não lutar segundo as normas. O lavrador que trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos” (2Tm 2.4-6).

Meus irmão, não existe vitória sem lutas e dificuldades. Enquanto estivermos neste mundo enfrentaremos provas e adversidades, umas mais intensas, outras menos. Mas sempre enfrentaremos problemas. Entenda: “O céu não é aqui!”.

3 – O QUE ACONTECE QUANDO TOCAMOS EM JESUS COM FÉ (Lc 8.44-48).

Essa mulher quebra todos os paradigmas sociais e religiosos de sua época para chegar até Jesus e tocar-lhe as vestes. Como resultado de tamanha fé ela foi honrada pelo Senhor. A atitude dessa mulher nos deixa exemplos marcantes.

1º - O toque da fé gera cura (Mc 5.27-29; Lc 8.44). O texto de Marcos é mais enfático em relação a esse toque dessa mulher nas vestes de Jesus. Em Marcos lemos assim: “Ouvindo falar de Jesus, veio por detrás, entre a multidão, e tocou na sua veste. Porque dizia: Se tão-somente tocar nas suas vestes, sararei. E logo se lhe secou a fonte do seu sangue; e sentiu no seu corpo estar já curada daquele mal”.

Diante desse toque de fé saiu virtude do Senhor. Tanto que Jesus pergunta: “Quem é que me tocou? E, negando todos, disse Pedro e os que estavam com ele: Mestre, a multidão te aperta e te oprime, e dizes: Quem é que me tocou? E disse Jesus: Alguém me tocou, porque bem conheci que de mim saiu virtude” (Lc 8.45,46).

Podemos destacar três fatos desse toque:

1 – Foi um toque intencional. Ela não estava como todos na multidão tocando em Jesus por tocar. Ela não era mais uma a tocar Jesus. Ela queria tocar Jesus porque ela cria no milagre.

2 – Foi um toque com um propósito de cura. Foi um toque de fé. Tanto que ela dizia: “Se tão-somente tocar nas suas vestes, sararei” (Mc 5.28). Os homens judeus usavam franjas ou borlas de cordão azul presas às vestes para lembrá-los de que deviam obedecer aos mandamentos de Deus (Nm 15.37-40; Dt 22.12). Os fariseus levavam essa regra ao extremo para impressionar as pessoas com sua santidade (Mt 23.5). Não sabemos por que a mulher escolheu tocar essa parte da veste, mas Jesus sentiu que alguém com fé o havia tocado, sendo curado por seu poder. A cura foi imediata e completa [9].

3 – Foi um toque eficaz. Deus honrou a sua fé. A cura foi imediata, Lucas diz que logo estancou o fluxo do seu sangue” (Lc 8.44). Foi algo que aconteceu de imediato. Não foi um processo de cura, como em outros casos registrados na Bíblia. Por exemplo, Naamã teve que mergulhar sete vezes no Jordão para ser curado da lepra (2Rs 5.14). Teve um homem cego que o Senhor orou por ele duas vezes para voltar a enxergar normalmente (Mc 8.22-25). Teve um cego de nascença que Jesus mandou que ele se lavasse no tanque de Siloé para enxergar (Jo 9.7). Com está mulher o milagre foi imediato, foi um toque eficaz.

2º - Jesus sabe quem lhe toca com fé (Lc 8.45). A pergunta de Jesus não foi uma pergunta de dúvida, de desconhecimento de quem lhe havia tocado, mas foi uma pergunta para mostrar que não foi um toque qualquer. Tanto que Pedro e os demais apóstolos não entenderam a pergunta e lhe falaram: “Mestre, a multidão te aperta e te oprime, e dizes: Quem é que me tocou?”. Jesus estava dizendo em outras palavras que o toque foi um toque de fé. Veja o versículo 46: “Alguém me tocou, porque bem conheci que de mim saiu virtude”. 

Jesus conhece quem é quem na multidão. Ele não se deixa impressionar por elas. Ele conhece os que lhe tocam com fé e os que são apenas curiosos. Tanto que daquela multidão nos é dito somente de dois milagres, a da mulher do fluxo de sangue e da ressurreição da filha de Jairo.

A mulher hemorrágica não estava apenas no meio da multidão que apertava Jesus; ela tocou em Jesus pela fé e foi curada! Seu toque pode ser descrito de quatro formas, como vemos a seguir.

a) Ela tocou em Jesus sob grandes dificuldades. Havia uma grande multidão embaraçando seu caminho. Ela se pôs no meio da multidão, apesar de estar enferma, fraca, impura e rejeitada.

b) Ela tocou em Jesus secretamente. A mulher tocou as vestes de Jesus sem alarde. Vá a Jesus, mesmo que a multidão não o perceba ou que sua família não saiba, pois ele pode libertar você do seu mal.

c) Ela tocou em Jesus sob um senso de indignidade. Por ser cerimonialmente impura, a mulher estava coberta de vergonha e medo. Conforme o ensinamento judaico, o toque dessa mulher deveria ter tornado Jesus impuro, mas foi Jesus quem a purificou.

d) Ela tocou em Jesus humildemente. Ela o tocou por trás, silenciosamente. Prostrou-se trémula aos seus pés. Quando nos humilhamos, Deus nos exalta. Ela não tocou Pedro, João ou Tiago, mas Jesus, e por isso foi liberta do seu mal [10].

4 – O TOQUE DA FÉ RESTAUROU ESSA MULHER EM CINCO ÁREAS.

O que ocorreu com essa mulher hemorrágica foi mais que uma cura. O Senhor lhe restaurou áreas que antes lhe atingiam profundamente.

1º - Social. Ela não precisava mais viver isolada da sociedade.

2º - Religiosa. Ela agora poderia frequentar tanto a sinagoga quanto ao templo. Ela não era mais uma mulher impura religiosamente.

3º - Conjugal. Ela agora poderia se relacionar com seu marido – caso fosse casada, ou poderia agora se casar e gerar filhos.  

4º - Emocional. Jesus a chama de filha (Lc 8.48). Ela agora não era mais uma pária na sociedade. Ela estava livre de seu mal. O Senhor não a mal disse, mas a acolheu.

5º - Ela alcançou não só a cura física, mas também a salvação (Lc 8.48). A bênção foi completa. Aliás, ela alcançou a única bênção necessária para sua vida.  

CONCLUSÃO  

A história dessa mulher é um renovo para a nossa fé. Uma mulher sem nome, sem recursos financeiros, até então, sem esperança de cura, mas ao ouvir falar de Jesus foi até Ele e o tocou com fé e foi curada.

Devemos olhar para esse exemplo e irmos a Cristo com o mesmo desejo e fé. Enfrentando todos os obstáculos, mas entendendo que vai valer a pena. Ninguém que toca em Jesus com fé fica da mesma maneira.

Toque em Jesus hoje e espere o milagre em sua vida!

Pense nisso!

Bibliografia

1 – Rienecker Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 130.

2 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 266.

3 – Pohl, Adolf. O Evangelho de Marcos, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 1998. p. 124.

4 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 267.

5 – Rienecker Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 131.

6 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 609.

7 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 262.

8 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 267, 268.

9 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 262.

10 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 271.

domingo, 20 de junho de 2021

A LIBERTAÇÃO DO ENDEMONINHADO GADARENO

Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 8.26-39

INTRODUÇÃO

Depois do incidente no mar da Galileia, quando os discípulos veem o poder de Jesus sobre a natureza, agora eles chegam a região dos gadarenos, a região a leste do lago, frente à Galileia. Esta região era conhecida como Decápolis (Dez cidades) e era uma região amplamente gentia [1]. Este é o primeiro incidente trans-galileu registrado por Lucas. Ele registra a jornada de Jesus de um mar agitado para um homem agitado. Humanamente falando, ambos eram indomáveis, mas Jesus subjugou a ambos [2].

Quando Jesus aportou neste território, veio ao seu encontro um endemoninhado. O infeliz não usava roupas, e vivia entre os sepulcros. O homem era violento. Já tinha sido preso com cadeias e grilhões (isto é, algemas para as mãos e os pés). Mas ele tudo despedaçava, o que demonstra sua grande força. Quando Jesus mandou o demônio sair dele, gritou e passou a uma resposta semelhante à do endemoninhado em Lc 4.34, só que Jesus agora é saudado como Filho do Deus Altíssimo ao invés de “o Santo de Deus” [3].

É interessante observarmos que no primeiro relato, os discípulos perguntam: “Quem é este?” que acalma as tempestades (Lc 8.25) e na sequência vem a resposta de um endemoninhado no território gentio: “Que tenho eu contigo, Jesus, Filho do Deus Altíssimo?”. Como disse Tiago: “Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o creem, e estremecem” (Tg 2.19), mas a fé dos demônios não é salvadora. Jesus não veio ao mundo para salvar Satanás e seus demônios.

Embora, Alziro Zarur - fundador da Legião da Boa Vontade fez uma poema com o título: POEMA AO IRMÃO SATANÁS (vejamos parte dele):

- Se Deus sempre é perfeito no que faz, E nada do que fez ao mal destina, Por que odiarmos nós a Satanás, Se ele, também, é criação divina?

- E, se Jesus nos veio esclarecer Que amássemos até “ao inimigo”, Por que não transformar num bom amigo A Satanás, em vez de o combater?

- Amigos meus, oremos por Satã, Amemo-lo de todo o coração, E respondamos sempre com perdão Aos males que nos faça, hoje e amanhã.

[...] - Por mim, com honra, eu amo Satanás, Meu pobre irmão perdido nos infernos, Com este amor dos sentimentos ternos, Para que ele, também, receba a paz.

Alziro Zarur era na verdade um prisioneiro de Satanás, por isso não o via como na verdade ele é, um inimigo de Deus e do Seu povo. Veja o que Jesus falou a seu respeito: “Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira” (Jo 8.44).

Satanás, ainda hoje, aprisiona as pessoas com suas mentiras de várias maneiras. E uma das formas que mais tem levado as pessoas cativas é através da falsa religião. Quantas pessoas estão cativas de Satanás mediante Tabuleiro ouija ou tábua ouija (Foi criado para ser usado como método de necromancia ou comunicação com espíritos). Muitos estão obcecados com o ocultismo, bruxaria, astrologia, espiritismo, cartomancia, leitura da palma da mão, videntes que supostamente preveem o futuro; a aberta adoração do diabo está cada vez mais popular hoje. Nós não podemos superestimá-lo e nem tão pouco subestimá-lo. Como disse o apóstolo Paulo: “para que não sejamos vencidos por Satanás; porque não ignoramos os seus ardis” (2Co 2.10,11).

Ao olharmos para esse texto nós nos deparamos com três forças diferentes em ação: Satanás, a sociedade e o Salvador. Essas mesmas forças continuam operando em nosso mundo, tentando controlar a vida das pessoas [4].

1 – COMO SATANÁS ATUAVA NA VIDA DESSE HOMEM (Lc 8.27-30).

A descrição do endemoninhado gadareno é uma descrição da desgraça e da brutalidade do pecado [5]. Satanás potencializou na vida desse homem as obras da carne (Gl 5.19-21) e o transformou em uma besta-fera.

A descrição que nos é apresentada deste homem possesso é lamentável. Vejamos:

1º - Este homem estava possesso a muito tempo e por muitos demônios (Lc 8.27,29b,30). A muito tempo que o diabo vinha oprimindo este homem. A possessão demoníaca não é um mito, mas uma triste realidade. A possessão não é apenas uma doença mental ou epilepsia. Ainda hoje milhares de pessoas vivem no cabresto de Satanás [6].

O texto nos diz que dentro dele havia uma legião de demônios (Lc 8.30). Legião não era o seu nome, mas significava que havia nele muitos demônios (Lc 8.30). Legião era uma corporação de 6 mil soldados romanos. Nada infundia tanto medo e terror como uma legião romana. Era um exército de invasão, crueldade e destruição. A legião romana era composta por infantaria e cavalaria. Numa legião havia flecheiros, estrategistas, combatentes, incendiários e aqueles que lutavam com espadas. Por onde uma legião passava, deixava um rastro de destruição e morte. Uma legião romana era irresistível. Aonde ela chegava, cidades eram assaltadas, dominadas, e seus habitantes eram arrastados como súditos e escravos. Uma legião era a mais poderosa máquina de guerra conhecida nos tempos antigos. As legiões romanas formavam o braço forte com o qual Roma havia subjugado o mundo. Assim era o poder diabólico que dominava aquele pobre ser humano. Havia um poder de destruição descomunal dentro dele, transformando sua vida num verdadeiro inferno [7].

Esse homem não estava no controle de si mesmo. Suas palavras e suas atitudes eram determinadas pelos espíritos imundos que estavam dentro dele (8.29). Ele era um capacho de Satanás, um cavalo dos demônios, um joguete nas mãos de espíritos assassinos. Não sei se você sabe, mas o médium na umbanda é chamada de cavalo, ou seja, alguém dominado.  

2º - Este homem havia perdido o pudor (Lc 8.27,29). Os espíritos que atuavam nele eram espíritos imundos. Este homem era a personificação ambulante do paganismo [8].

O texto de nos diz que este homem havia perdido o pudor. Ele andava nu. Ele havia perdido o senso de dignidade humana. A sociedade atual vive esse estado de descompostura. A ação de Satanás na sociedade é vista em vários seguimentos. Está nas novelas, nos filmes – dificilmente você não vê um filme que não aborda o homossexualismo, lesbianismo, adultério – até em filmes de super-heróis isso virou moda. Em determinados protestos políticos sempre há vandalismo e nudismo. Ainda hoje, vivemos numa cultura saturada pela influência dos demônios, uma cultura que se esforça para deixar as pessoas nuas. Nada escapa a ação de Satanás. Como já falamos, ele potencializa as obras da carne.   

3º - Este homem perdera o referencial de lar (Lc 8.27). Este pobre homem possesso perdeu o referencial de lar e passou a habitar nos sepulcros. A moradia dele era entre os mortos. Entre aqueles que nada tinham a lhe oferecer. Na verdade ele não só perdera o referencial de lar, como também perdera o referencial de vida. A vida e a morte para ele era a mesma coisa.

Uma das instituições que mais têm sido atacadas nos dias de hoje é a família. Satanás tem feito de tudo para deixa-la sem um referencial de lar. A família está sob ataque massivo do inferno. O referencial de família que encontramos em Efésios 5.22-33, 6.1-4 que nos fala do respeito entre os cônjuges e entre pais e filhos tem sido alvo de chacota. Ter uma família dentro dos princípios bíblicos hoje depende de um esforço hercúleo, pois Satanás tem feito de tudo para destruir esse modelo judaico-cristão.    

4º - Este homem tinha uma força sobre-humana (Lc 8.29). As forças malignas que o dominavam lhe davam uma força sobre-humana, ninguém conseguia dominá-lo. Isso nos faz lembrar que quando o Espírito Santo vinha sobre Sansão ele passava a ter uma força sobre-humana também. Aqui vemos Satanás imitando a ação de Deus. Sansão tinha o Espírito Santo, este homem tinha uma legião de demônios.  

5º - Este homem possesso sabia quem era Jesus (Lc 8.28). Uma das coisas que evidenciam uma pessoa possuída por demônios é a capacidade de falar a respeito da vida das pessoas. Fala do passado, do presente, mas não pode prever o futuro, pelo menos não a de um cristão, pois o futuro do cristão a Deus pertence.

Observe que imediatamente eles identificaram a pessoa de Jesus. Eles creem em Deus e conhecem qual futuro lhes reserva, mas fazem de tudo para que as pessoas descreiam tanto deles como de Jesus. Os demônios têm mais fé que os teólogos liberais.   

6º - Este homem se automutilava – “E ferindo-se com pedras” (Mc 5.5). Satanás faz de tudo para destruir o ser humano. Aqui em Marcos nos diz que ele se feria com pedras. Hoje nós vemos as pessoas se automutilando com vícios dos mais diversos. Até com o que aparentemente é bom, que é o alimento. Quantas pessoas se destruindo através da obesidade mórbida; comendo e bebendo comidas que não são saudáveis, fazendo isso regularmente.

Vivemos em uma sociedade viciada em quase tudo. Gente que precisa de ajuda psicológica e espiritual para se livrar dos vícios.

7º - Este homem era perigoso (Mt 8.28). É interessante observarmos que Mateus não nos fala de um possesso, mas de dois possessos, no entanto, Marcos e Lucas enfatizam somente um. Mateus nos fala do quanto esses homens eram perigosos. Causavam medo a população. Mateus diz que “tão ferozes eram que ninguém podia passar por aquele caminho”.

A violência que vemos hoje não passa da ação de Satanás na vida das pessoas. Pessoas dominadas por demônios causando terror a população. Famílias dominadas por pessoas com a mente cativa às forças do mal. Não são raros os casos de crianças sendo mortas ou mutiladas por familiares. Sofrendo nas mãos daqueles que deveriam ser os seus defensores, no entanto, são seus piores inimigos. O ódio tem dominado o coração das pessoas.

2 – COMO A SOCIEDADE ATUAVA NA VIDA DESSE HOMEM (Lc 8.27,29).

Devido ao grau de periculosidade desse homem possesso a sociedade teve que tomar algumas atitudes para tentar freá-lo.

1º - O tirou do convívio social e familiar (Lc 8.27,29). Não havia como conviver com uma pessoa assim. Os familiares sofriam, a sociedade sofria e ele mesmo era uma vítima do diabo. Observe que este homem vivia nos sepulcros, ele vivia entre os mortos e não entre os vivos.

Ele, para a sociedade e para os seus familiares, era um caso perdido. Não havia nada que pudessem fazer para controla-lo. Creio que a maioria das pessoas que hoje vivem nas ruas ou nos manicômios são pessoas perturbadas por demônios. São pessoas cativas de Satanás. Existem doenças mentais, mas muitas delas são agravadas por demônios.

2º - Tentaram mantê-lo preso (Lc 8.29). Apesar de todas as tentativas, nada surtia efeito. As cadeias lhe eram fracas diante das forças que o dominava.

Hoje a sociedade está debaixo de leis, mas quantas delas têm sido quebradas. Vemos na TV campanhas das mais diversas contra tantos vícios, mas nada disso tem surtido o efeito necessário. Hoje não vemos mais propaganda de cigarro na mídia, no entanto o número de fumantes é cada vez maior. Propagandas de bebidas alcóolicas falam que o excesso é prejudicial (beba com moderação), e que não se deve vender para menores de 18 anos. Mas o que mais temos visto são jovens alcoolizados, principalmente a noite nas ruas.

Aliás, o que mais temos visto são pessoas cativas de centenas de vícios.

Isolaram este homem, o prenderam, o expulsaram da sociedade e do meio familiar, mas nada disso adiantou. Tapar os olhos para os problemas não fazem com que eles desapareçam. Eles vão continuar ali. Sem a intervenção divina nada disso pode ajudar. Pode amenizar a situação, mas não se livrar dela por completo.

3º - A sociedade valorizava mais os porcos do que a alma humana (Lc 8.31-33,37). Diante da libertação do homem e da perda dos porcos, os porqueiros e a sociedade ao redor pediu para que Jesus os deixassem. Eles viam Jesus como um grande causador de prejuízo.

Na verdade, Jesus causa prejuízo ao inferno quando entra na vida de uma pessoa. Como disse o apóstolo Paulo: “Não deis lugar ao diabo. Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com o que tiver necessidade” (Ef 4.27,28).

Para uma sociedade cativa por Satanás uma alma humana vale menos que a de um porco. Hoje vemos a sociedade se mobilizando para salvar os animais da crueldade dos homens (veganos), mas esta mesma sociedade luta desesperadamente para aprovar o aborto. Segundo eles feto não é gente.  

4º - Este homem era o retrato da sociedade em que vivia (Mc 5.10). Este homem era o espelho do mal que habitava no coração da sociedade de Gadara. Veja o que nos diz Marcos 5.10: “E rogava-lhe muito que os não enviasse para fora daquela província”.

Eles consideravam aquela região gentílica seu território. As pessoas que ali habitavam estavam debaixo do tacão de Satanás. Aquele endemoninhado era apenas a carranca das pessoas daquele lugar. Infelizmente, a sociedade precisa de seus loucos, pois ao olharem para eles, ela se sente santa, pura e imaculada. Assim ela pode dizer que não tem os mesmos defeitos dos loucos. Mas a Bíblia nos fala que todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus (Rm 3.23). Como está escrito: “Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só” (Ro 3.10-12).

A diferença entre este endemoninhado e a sociedade em que ele estava inserido era o grau de decomposição. Todos estavam mortos.

Está província era um lugar de impureza. Observe que as pessoas ali estavam lidando com porcos, os espíritos que habitavam naquele homem eram espíritos imundos (Lc 8.29); como já falamos, este homem era só um reflexo da sociedade em que vivia.

3 – COMO JESUS ATUOU NA VIDA DESSE HOMEM (Lc 8.27,29-34).

A libertação desse homem começou muito antes de Jesus chegar a terra dos gadarenos. A sua libertação começou quando o Senhor na eternidade passada se propôs a vir a este mundo para libertar os cativos do diabo (At 10.38). Se Jesus não tivesse atravessado uma tempestade para resgatá-lo, ele teria permanecido nessa situação terrível [9].

1º - O Senhor enfrenta a fúria do mar para libertar um homem da fúria de Satanás (Lc 8.26,27). Jesus foi ali porque havia uma pessoa que precisava de seu socorro libertador. Jesus foi a terra dos gadarenos para libertar um cativo do diabo.

Aquele homem possesso que espalhava terror a região devido a quantidade de demônios que nele habitava, com a chegada de Jesus foram os demônios que ficaram aterrorizados. Quando Jesus chega o inferno estremece.

Aquele que a sociedade desprezava foi o alvo do amor de Deus. Aquele que todos temiam foi liberto dos demônios que o mantinham cativo. Onde as trevas pairavam foi invadida pela luz da glória de Deus na pessoa de Seu filho Jesus. Foi por este homem que Jesus foi para aquela região. Foi por você e por mim que Ele veio a este mundo que jaz no maligno, foi por você e por mim que Jesus se fez maldito na cruz do calvário, para que hoje nós fôssemos benditos do Senhor. Não éramos diferentes daquele endemoninhado gadareno.

2º - Jesus restaura a dignidade que ele havia perdido (Lc 8.35,36). Observe que este homem está completamente transformado no momento em que foi liberto.

1 – Este homem agora estava vestido. Se o diabo lhe havia tirado o senso de pudor, Jesus restaurou isto nele. Este homem que antes estava à margem não só da lei, mas também da decência, agora que Jesus o transformara, o primeiro expediente foi vestir-se, cuidar do corpo e apresentar-se com dignidade. A prova da conversão é a mudança [10].

Isso me faz lembrar de uma entrevista que ouvi no rádio com uma mulher famosa que dizia que agora era crente em Jesus, que estava na igreja e que estava muito feliz. Mas no meio da entrevista o entrevistador lhe perguntou se ela iria fazer filmes para adultos novamente, já que agora ela estava na igreja. A resposta dela foi simples e objetiva: “Pagando bem que mal tem?”.

Essa mulher pode ter tido uma experiência religiosa, mas nunca foi convertida.   

2 – Em perfeito juízo. Ele já não era o louco da região, mas o homem mais ajuizado daquele lugar. Aquele homem que tinha a mente cativa pelo diabo, agora tinha a mente de Cristo. Este homem não era mais um pária da sociedade, mas um homem em perfeito juízo. Jesus restaura a mente, o corpo e a alma desse homem. Esse homem não é mais violento. Ele não oferece mais nenhum perigo à família nem à sociedade. Jesus continua transformando monstros em homens santos; escravos de Satanás em homens livres, abortos vivos da sociedade em vasos de honra.

3 – Assentado aos pés de Jesus. Sua mudança foi radicalmente completa e inegável. Inexplicável do ponto de vista humano. O homem estava vestido, não nu; sentado aos pés de Jesus, não vagando sem rumo; longe dos túmulos, do reino dos mortos, mas na presença do Senhor da vida; tranquilo, não gritando como sempre fazia; ele estava calmo e pacífico, não fora de controle; consolado e não atormentado; em suma, manifestando sanidade dada por Deus e não insanidade de inspiração demoníaca. Esta é uma imagem magnífica de transformação através da salvação de Jesus. Sem dúvida, Jesus tinha explicado o evangelho para ele, dizendo-lhe que ele tinha vindo para salvar os pecadores perdidos (Lc 19.10), com esse entendimento do Evangelho ele se arrependeu e foi perdoado.

3º - Jesus lhe dá uma gloriosa missão (Lc 8.38,39). Jesus o envia como missionário para a sua casa, para ser uma testemunha na sua terra. Ele que antes espalhava medo e pavor, agora, anunciaria as boas-novas de salvação. Antes ele era um problema para a sua família, agora, é uma bênção. Antes, era um mensageiro de morte, agora, um embaixador da vida.

Jesus revela a ele que o testemunho precisa começar em sua própria casa. O nosso primeiro campo missionário precisa ser o nosso lar. Sua família precisa ver a transformação que Deus operou na sua vida. O que Deus fez por nós precisa ser contado aos outros [11].          

4 – VEMOS TRÊS PEDIDO FEITOS A JESUS, DOIS ELE ATENDE UM ELE SE NEGA (Lc 8. 8.28,31,32).

Ao olharmos esse texto nós encontramos três pedidos feitos a Jesus. Dois Ele atende, mas ao terceiro ele se nega em atender [12].

1º - Ele atende o pedido dos demônios (Lc 8.28,31,32). Para mostrar o potencial destruidor que agia naquele homem. O gadareno não estava fingindo nem encenando. Seu problema não era apenas uma doença mental. Não se transfere esquizofrenia para uma manada de porcos. Os demônios não são seres mitológicos nem a possessão demoníaca uma fantasia. O poder que estava agindo dentro daquele homem foi capaz de matar dois mil porcos.

Para revelar àquele homem que o poder que o oprimia tinha sido vencido. Assim como a ação do mal não é uma simulação, a libertação também não é apenas um efeito psicológico, mas, um fato real, concreto e perceptível. A Bíblia diz: “Se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”.

Para mostrar à população de Gadara que para Satanás um porco tem o mesmo valor que um homem. De fato Satanás tem transformado muitos homens em porcos. Jesus está alertando aquele povo sobre o perigo de ser um escravo do pecado e do diabo.

Para mostrar que os demônios estão debaixo da sua autoridade. Os demônios sabem que Jesus tem poder para expulsá-los e também para mandá-los para o abismo. Alguém mais poderoso que Satanás havia chegado e os mesmos demônios que atormentavam o homem agora estão atormentados na presença de Jesus. Os demônios só podem ir para os porcos se Jesus o permitir. Eles estão debaixo do comando e autoridade de Jesus. Eles não são livres para agir, fora da autoridade suprema de Jesus.

2º - Jesus atendeu ao pedido dos gadarenos (8.37). Os gadarenos expulsaram Jesus de sua terra. Eles amavam mais os porcos e o dinheiro do que a Jesus. Essa é a terrível cegueira materialista. Jesus não os constrangeu nem forçou sua permanência na terra deles. Sem nenhum questionamento ou palavra, entrou no barco e deixou a terra de Gadara. Os gadarenos rejeitaram a Jesus, mas Jesus não desistiu deles. Eles expulsaram a Jesus, mas Jesus enviou para o meio deles um missionário (8.38,39).

Hendriksen diz: que não deveriam ter felicitado o homem pelo fato de ele estar sentado aos pés de Jesus? Não deveriam ter levado seus enfermos inválidos a Jesus para que fossem curados? Certamente o povo de toda a região não podia ser totalmente ignorante acerca desse grande Benfeitor! Não deveriam ter tentado convencer a Jesus a ficar mais tempo em seu meio com o fim de comunicar bênçãos para o corpo e a alma? A verdadeira reação deles foi completamente diferente. Aliás, foi completamente contrária. Jesus tinha de ir embora e quanto antes melhor [13].

Está é uma rara ocorrência de uma cidade inteira encontrando Jesus, e essa cidade foi unânime em seu apelo a Ele. Infelizmente, foi uma unanimidade má! Aqui uma cidade inteira estava reunida em oração, orando contra a sua própria bênção. Pense no Senhor entre eles, curando a pior das doenças e ainda sendo instado a se afastar deles! Eles queriam estar longe do único ser glorioso que poderia abençoá-los. A oração deles foi horrível, mas foi ouvida, e Jesus saiu de seus termos. Ele não forçará a sua companhia a ninguém [14]. 

3º - Jesus indeferiu o pedido do gadareno salvo (8.38,39). O gadareno, agora liberto, curado e salvo, quer, por gratidão, seguir a Jesus, mas o Senhor não lhe permite. O mesmo Jesus que atendera à petição dos demônios e dos incrédulos agora rejeita a petição do salvo. E por quê?

Primeiro, a família precisa ser o nosso primeiro campo missionário. A família dele sabia como ninguém o que havia acontecido e, agora, poderia testificar sua profunda mudança. Não estaremos credenciados a pregar para os de fora se ainda não testemunhamos para os da nossa própria família. Esse homem torna-se uma luz no meio da escuridão. Ele prega não só para sua família, mas também para toda a região de Decápolis (Mc 5.20). Decápolis era uma liga de dez cidades helénicas: Citópolis, Filadélfia, Gerasa, Pela, Damasco, Kanata, Dion, Abila, Gadara e Hippo. Ele não anuncia apenas uma mensagem teórica, mas é um retrato vivo do poder do evangelho, um verdadeiro monumento da graça.

Segundo, porque Jesus sabe o melhor lugar onde devemos estar. Devemos submeter nossas escolhas ao Senhor. Ele sabe o que é melhor para nós. O importante é estar no centro da sua vontade. Esse homem tornou-se um dos primeiros missionários entre os gentios. Jesus saiu de Gadara, mas o homem permaneceu dando um vivo e poderoso testemunho da graça e do poder de Jesus em Gadara.

CONCLUSÃO

Esta notável história ensina várias verdades importantes. Em primeiro lugar, ela revela autoridade absoluta de Cristo sobre o reino demoníaco. Ela também ilustra a verdade de que a boa notícia do Evangelho é para os gentios, assim como os judeus. A passagem também demonstra que Deus alcança graciosamente mesmo aqueles que O rejeitam. Por fim, a história do maníaco que tornou-se um missionário ilustra que é a responsabilidade de todos os cristãos contar aos outros sobre como Jesus os livrou do poder do pecado (Mt 28.19-20).

Pense nisso!

Bibliografia

1 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Sheed, Santo Amaro, SP, 2019, p. 326.

2 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 254.

3 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p.147.

4 – Wiersbe, Warren W. Marcos, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 162.

5 – Sanner, A. Elwood. Comentário Bíblico Beacon, vol. 6, Marcos, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 252.

6 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 257.

7 – Ibidem, p. 256.

8 – Pohl, Adolf. O Evangelho de Marcos, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 1998. p. 121.

9 – Wiersbe, Warren W. Marcos, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 162.

10 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 260.

11 – Ibidem, p. 260.

12 – Ibidem, p. 260-263.

13 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 599.

14 – Spurgeon, Charles H. O Evangelho Segundo Mateus, a narrativa do Rei, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2018, p. 144.

sábado, 12 de junho de 2021

O PODER DE JESUS SOBRE AS TEMPESTADES

Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 8.22-25

INTRODUÇÃO

Esse episódio nós encontramos nos três evangelhos sinóticos (Mt 8.23-27; Mc 4.35-41 e Lc 8.22-25), sendo que no Evangelho de Marcos essa passagem tem mais detalhes que em Mateus e Lucas. Analisaremos esse texto fazendo um paralelo com os outros textos citados.

Algumas considerações:

D. A. Carson diz que a autoridade de Jesus sobre a natureza é demonstrada. Ele pode ter menos abrigo que os animais e as aves da natureza (Mt 8.20), todavia, ele é o mestre da natureza [1]. Ele tem o controle sobre todas as coisas, até sobre aquilo que mais nos apavora.

Isso demonstra que não existe “lei da natureza”, o que existe é um Deus Todo-poderoso que a natureza tem que seguir as suas leis. Por isso Jesus acalma a tempestade, cura os enfermos, ressuscita os mortos... isso se chama “milagre”, pois procede de um Deus Todo-poderoso e que tem toda supremacia. Aquele que tem o controle sobre todas as coisas.

Quando Jesus terminou de contar as “parábolas do reino” (Mt 13.1-52), é possível que os discípulos tenham se sentido verdadeiros alunos pós-graduados da Escola da Fé! Compreendiam mistérios obscuros aos escribas e rabinos e até aos profetas do Antigo Testamento. O que não perceberam (e como somos parecidos com eles!) é que antes de se tornar confiável, a fé deve ser testada. Uma coisa é aprender uma nova verdade espiritual, outra bem diferente é colocá-la em prática na vida diária [2]. Têm muitas pessoas hoje que tem uma fé intelectualizada, mas não uma fé prática. Tem tudo muito bem esquematizado na cabeça, mas não na prática.  

Por isso que esse incidente notável realça a importância vital de distinguir entre o dom da fé original – fé para a salvação –, e o andar pela fé, ou vida de fé que vem subsequentemente. A fé que recebemos tem que ser desenvolvida, pois andar por fé não é andar pelo que vemos, mas pelo que não vemos. Como nos fala Paulo em Romanos 8.24: “Porque em esperança fomos salvos. Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o esperará?”. E em 2Co 4.18 ele diz: “Não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas”.

Observamos em Lucas que este evento aconteceu..., num daqueles dias (Lc 8.22). Isso indica que a sequência dos eventos em Lucas não é cronológica, ele não estava seguindo uma sequência de tempo, mas estava arrumando seu material tematicamente. O relato de Marcos revela que este incidente ocorreu na noite do mesmo dia em que Jesus ensinou várias parábolas, incluindo a dos solos (Mc 4.35).  

É interessante observarmos que Marcos fala da travessia de vários barcos, bem como da despedida das multidões que foram instruídas por Ele (Mc 4.35,36). Certamente esses barcos eram de outros discípulos que o acompanhavam e, provavelmente, dos setenta discípulos que foram enviados por Ele posteriormente em certa ocasião.

O texto de Marcos nos informa que Jesus estava no barco com os apóstolos e estava dormindo sobre uma almofada (Mc 4.38), Mateus e Lucas só dizem que Jesus havia adormecido. Jesus estava fadigado. Tão cansado que adormeceu. Vemos aqui que não há nenhuma dúvida de Sua humanidade. Mas no momento em que Ele se levanta e acalma a tempestade os discípulos questionam quem é Ele. JESUS ERA HOMEM E NO ENTANTO GLORIOSAMENTE DEUS. Jesus foi 100% homem e 100% Deus. Deus e homem, duas naturezas, sem se misturar, e, no entanto, residentes na mesma pessoa. Dentro da teologia essa doutrina é chamada de “União Hipostálica”.

Esse episódio ocorreu no Mar da Galileia, um lago de águas doces, de 21 quilômetros de comprimento por quatorze de largura, a 220 metros abaixo do nível do Mar Mediterrâneo e é cercado por três montanhas, que têm até trezentos metros de altura. Os ventos gelados do Monte Hermom (2.790m), coberto de neve durante todo o ano, algumas vezes, descem ventos fortes com fúria que batem nas outras montanhas e assim caindo sobre o lago provocam ondas e terríveis tempestades.

Analisemos o texto e algumas lições que podemos tirar dele:

1 – MESMO COM JESUS EM NOSSO BARCO AS TEMPESTADES VEM (Lc 8.23,24).

Não é porque Jesus está em nosso barco que estamos isentos das tempestades da vida. As mesmas lutas que um descrente enfrenta, nós cristãos também enfrentamos. A única diferença é que temos a companhia do Senhor conosco que nos conforta, nos consola e podemos lhe pedir socorro. 

As tempestades da vida não anulam o cuidado amoroso de Jesus. Não haveria o arco-íris sem a tempestade, nem o dom das lágrimas sem a dor. Só conseguimos enxergar a majestade dos montes quando estamos no vale. Só enxergamos o brilho das estrelas quando a noite está trevosa É das profundezas da nossa angústia que nos erguemos para as maiores conquistas da vida [3].

Enquanto Jesus dormia se levantou grande tempestade de vento. O termo que Mateus traz é como se fosse um maremoto. “E eis que sobreveio no mar uma grande tempestade, de sorte que o barco era varrido pelas ondas” (Mt 8.24). Não um vento forte simplesmente, mas um vendo que os discípulos pensaram que fossem morrer no mar. Isso nos mostra que uma pequena brisa pode transformar-se em um tufão (At 27.13-15). Não é por Jesus estar em nosso barco que não seremos atingidos pelas tempestades da vida, mas com Ele no barco temos esperança que chegaremos do outro lado do mar. O problema não são as tempestades da vida, mas como reagimos diante delas.

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições sobre esse assunto:

1º - Existem quatro tipos de tempestades.

1 – As naturais - a tempestade que Paulo enfrentou é uma delas (At 27), e os discípulos também enfrentaram algumas durante o ministério de Jesus. Essas tempestades podem ser comparadas as dificuldades que a vida nos oferece; uma enfermidade, uma crise familiar, uma dificuldade financeira.

2 – As que nós provocamos - Jonas é um bom exemplo disso. Quando somos causadores de males para nós mesmos e para outras pessoas. Quando deixamos de obedecer a voz de Deus e passamos a seguir à nossa próprias vontade, as consequências são calamitosas. Existem pessoas que são experts em provocar tempestades. Temos como exemplo disso Ló sobrinho de Abraão. Ló só trouxe dor de cabeça para Abraão (Gn 13.1-12, 14.1-17; Abraão intercede por Ló (Gn 18.17-33).    

3 - As que procedem do diabo - São as tentações da vida. Aquelas tempestades que vemos que não são naturais, que sentimos que há algo errado, que não procede de Deus, mas tem a mão do diabo nisso. Jó passou por esse temporal.  

4 - As que procedem de Deus - Um bom exemplo é o de Abraão quando vai oferecer Isaque em sacrifício; diz-nos o texto em Gênesis 22.1 que o Senhor pôs Abraão à prova. A provação procede de Deus, a tentação procede do diabo. A provação é para o nosso crescimento espiritual a tentação é para nossa queda. São as provas da vida que Deus permite o nosso crescimento espiritual.     

Mas as quatro tem algo em comum: todas elas são inesperadas. Elas não avisam quando virão. Elas chegam como um ladrão de forma inesperada. Elas não mandam recado. As tempestades da vida são: um acidente, uma enfermidade, uma crise financeira, um casamento abalado, uma crise familiar, um desemprego e porque não dizer uma crise espiritual.

Com isso aprendemos que quando a tempestade chegar ela não deveria nos surpreender, pois afinal de contas ela sempre vem. Na tempestade não devemos perguntar: “Porque eu”, como muitos fazem pensando ser melhores que os outros, mas dizer: “Socorre-me Senhor!”, reconhecendo a nossa dependência de Deus. Essa é a diferença.

2º - Elas sempre são perigosas. Os três evangelistas mostram isso de forma muito clara. Veja: Mateus diz que o barco era varrido pelas ondas (Mt 8.24). Marcos diz que se levantou grande temporal de vento, e as ondas se arremessavam contra o barco, de modo que já o mesmo estava a encher-se de água (Mc 4.37). Lucas diz que sobreveio uma tempestade de vento no lago, correndo eles o risco de soçobrar (Lc 8.23) [4].

Por mais brandas que elas possam parecer elas sempre são perigosas, pois a situação pode se agravar. É o caso de uma pessoa que conheço que foi no dermatologista levar o filho que estava com uma pequena verruga no pé, chegando lá a dermatologista lhes disse que aquela verruga na verdade era um câncer. Foi algo pequeno que se agigantou.

3º - Elas sempre revelam quatro tipos de pessoas. Se há algo revelador na vida são as tempestades. Elas revelam como verdadeiramente somos, pois na bonança não temos que revelar a nossa fé, mas na tempestade ela é fundamental.

Vejamos as quatro tipos de pessoas que podemos encontrar na hora da tempestade:

1 – Os que começam a agir para resolver a situação, mas não oram. Já tentam resolver logo o problema de forma impensada, ou melhor, sem a direção do Espírito Santo. Logo pegam na lata para tirar a água do barco.

2 – Os que oram, mas não agem. São pessoas muito espirituais, mas que não saem disso. Não tomam a iniciativa de agir. Muitas pessoas estão como Moisés diante do Mar Vermelho, estão clamando a Deus, mas não entendem que o período de clamar já havia passado e agora é hora de agir: “Então disse o Senhor a Moisés: Por que clamas a mim? Dize aos filhos de Israel que marchem” (Êx 14.15). São os que não pegam na lata para tirar a água, pois estão ocupados orando.

3 – Os que duvidam. Por isso nem oram e nem agem, pois são incrédulos. Os que não fazem nada, só murmuram e por isso criticam os que agem e os que oram. É aquele tipo de pessoa que só sabe dizer que havia avisado; que o barco vai afundar mesmo, que não tem jeito mesmo. São como a Hiena Hardy o tempo todo dizendo: “Oh, céus! Oh, vida! Oh, azar! Isso não vai dar certo!” (A série “Lipy e Hardy” produzida em 1962 por Hanna-Barbera – William Hanna e Joseph Barbera).  

4 – Os que oram e agem e não vivem se lamentando. São pessoas que veem na tempestade a possibilidade de crescerem na fé. São pessoas que fazem da tempestade uma oportunidade para ajudar outros a vencerem-na. É o caso de Paulo (Fl 4.10-13), de Neemias (Ne 1 e 2).

2 – NÃO IMPORTA QUAIS SEJAM AS CIRCUNSTÊNCIAS, JESUS ESTÁ EM NOSSO BARCO (Lc 8.24).

Os discípulos estavam desesperados com a tempestade, tão desesperados que a impressão que temos é que por um momento eles haviam se esquecido de Jesus. É quando eles observam que Jesus estava dormindo em meio aos fortes ventos e no chacoalhar do barco em pleno mar; é quando eles resolvem chamá-lo, não para acalmar o mar e o vento, mas para ajudá-los na navegação, a tirar água do barco. Tanto que eles ficaram surpresos quando Jesus acalma a tempestade e perguntam: “Quem é este, que até aos ventos e à água manda, e lhe obedecem?” (Lc 8.25).

Com isso em mente, podemos destacar três coisas importantes para nosso crescimento espiritual:

1º - A grande questão não é saber que Jesus está no barco, mas é saber que Ele tem todo poder para acalmar a tempestade e força do vento. Há pessoas que veem os seus problemas maiores que Deus. Acham que o Senhor não pode intervir na situação que estão enfrentando. Algumas pessoas pensam que seus problemas são tão grandes que até para Deus é difícil resolver, isso quando não pensam que é impossível.

Aqui que está a grande questão. Muitos servem a Deus, mas o veem limitado, enclausurado dentro dos guetos teológicos. Tem gente que fala da soberania de Deus, mas não o veem como soberano em seus problemas. Limitam o seu poder e o seu agir ao tempo dos apóstolos, dos profetas, ou mais longe ainda, no período do deserto com Moisés. Eu sei que o Senhor age quando quer e sempre com um propósito definido no Seu agir. Por isso meu irmão não o limite, deixe Deus ser Deus em sua vida.

2º - As tempestades da vida muitas vezes revelam as nossas crises. Ninguém está livre de passar por crises diante das lutas da vida, principalmente quando somos cristãos. As crises mais comuns que enfrentamos são:

a) Achar que por sermos crentes em Jesus não iremos passar pelas tempestades, ou quando muito, ela será breve. Achar que a doença, que crise financeira, que a morte nunca chegará em nossa casa. Isso é uma grande ilusão e uma falsa teologia.  

b) Muitos entram em crise com o aparente descaso (sono) de Jesus. A impressão que nos passa é que o Senhor não se importa, não está vendo. Como nos fala Habacuque: “Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! e não salvarás?” (Hc 1.2). Veja o que o Senhor nos fala a respeito da insistência na oração e da resposta de Deus a oração dos seus servos: “E Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que clamam a ele de dia e de noite, ainda que tardio para com eles? Digo-vos que depressa lhes fará justiça. Quando porém vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” (Lc 18.7,8).

c) Diante das tempestades da vida muitos ficam apavorados. A tempestade provoca medo, porque ela é maior do que nós. Infelizmente, diante das tempestades da vida, muitas passam mais tempo criticando a Deus do que lhe pedindo ajuda. Às vezes, é mais fácil reclamar de Deus do que depositar nossa ansiedade aos seus pés e descansar na sua providência. Como nos fala o apóstolo Pedro em sua primeira carta: “Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (1Pe 5.7).

Por que Deus permite isso na vida do cristão? Ele permite isso para que venhamos crescer na fé. Para que possamos entender que vivemos em um mundo que as lutas são reais para todos, seja crente seja ou um não crente, todos nós passaremos por tempestades (Mt 7.24-27).

3º - Devemos entender que Seu aparente sono não é descaso à nossa crise. O texto nos diz que Jesus estava dormindo, mas não era o sono do descaso, mas era um sono de um “homem” cansado. No entanto, não quer dizer que Ele não estava a par do que iria acontecer e do que estava acontecendo.

Hernandes Dias Lopes diz que “talvez o maior drama dos discípulos não tenha sido a tempestade, mas o fato de Jesus estar dormindo durante a tempestade” [5]. Essa é, muitas vezes, a nossa crise também. Onde Jesus está que não percebe a crise que estamos enfrentando? Onde Jesus está que não intervém quando mais precisamos? Onde Jesus está quando as tempestades veem? Tanto que a pergunta dos discípulos foi: “Mestre, não te importa que pereçamos?”.

Eu quero lhe dizer que Ele está em nosso barco, que Ele se importa com você e comigo sim. Ele não está dormindo o sono do descaso, mas permitindo a tempestade para olharmos para Ele. Se não houvesse a tempestade, provavelmente os discípulos se quer se lembrariam que Jesus estava ali. Por isso que o autor de Eclesiastes nos diz: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração” (Ec 7.2).

3º - Quando clamamos Ele vem e acalma a tempestade. Entenda que há duas tempestades: Uma interna e outra externa. A principal é a interna. Primeiro Jesus acalma o nosso coração; tanto que o Senhor disse para os seus discípulos: “Não se turbe o vosso coração...” (Jo 14.1). Há duas maneiras de o Senhor tratar as nossas tempestades: uma é terminando com elas, a outra é nos preparando para enfrentá-la até o fim. Uma se chama substituição, a outra se chama transformação. De uma forma ou de outra há o agir de Deus em nosso problema.

3 – O SENHOR SEMPRE NOS SURPREENDE NAS TEMPESTADES (Lc 8.24,25).

Independentemente da fé dos discípulos o Senhor agiu socorrendo-os. Os discípulos o chamam não para acalmar a tempestade como já falamos, mas o Senhor criador dos céus e da terra sempre faz muito mais que do esperamos. Como nos diz Paulo em Efésios 3.20,21:

 Ora, àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!”  

Através desse ocorrido o Senhor aproveitou para mostrar para os seus discípulos que Ele era mais que um profeta, um operador de milagres na vida das pessoas ou um mestre por natureza; mas o Deus encarnado que veio para lhes trazer vida e paz em meio às tempestades da vida.

Nesse episódio podemos tirar algumas lições que o Senhor deixou para os seus discípulos:

1º - Os maiores problemas humanos encontram-se dentro de cada um, não nas circunstâncias ao nosso redor. Por isso que o Senhor os repreendeu por sua falta de fé. O Senhor os chamou de “Homens de pequena fé”, “Tímidos” – literalmente “covardes”. Eles já haviam visto tantas coisas que o Senhor havia operado, mas mesmo assim continuavam incrédulos. Continuavam com uma fé deficiente.

O tempo parece que não ajuda no amadurecimento de algumas pessoas. Parece que o tempo passa e a pessoa não cresce na fé, pelo contrário continuam pigmeus na fé. Davi quando enfrentou o gigante Golias não o temeu porque havia enfrentado gigantes tão perigosos quanto aquele gigante incircunciso. A experiência de Davi o ajudou a ver o quanto Deus o ajudaria mais uma vez, por isso não se acovardou (1Sm 17.31-37).

Meu irmão nossas experiências passadas com o Senhor é para o nosso crescimento e não para o nosso encolhimento. O Deus que agiu ontem irá agir hoje e irá agir amanhã.

2º - Quando clamamos por Jesus ele nos atende ainda que sejamos tímidos na fé (Lc 8.25). O Senhor nos socorre por sua misericórdia e não pela nossa muita fé. Se dependesse dela, confesso que há muito já teríamos perecido.

Alguns anos atrás eu tive uma experiência que me marcou profundamente. Eu tenho um casal de filhos e quando eles eram pequenos eles estavam brincando dentro de casa. Um correndo atrás do outro, quando de repente minha filha mais velha se esconde no banheiro e fecha a porta. Nisso o meu filho leva a mão para impedi-la de fechá-la. Não deu outra, ele prendeu o dedo na porta e arrancou a unha. Imagine um menino de três anos com o dedo esmagado e com a unha pendurada. No meu impulso de pai eu impus as minhas mãos sobre a sua cabeça e gritei: “Em nome de Jesus dor deixa ele!”. Meu filho olha para mim em seguida e diz: “Pai, passou!” Passou? Perguntei espantado. Passou disse ele. Levei-o ao hospital e enquanto aguardava atendimento ele dormiu tranquilamente em meu colo. Quando a médica o atendeu viu que não havia quebrado o seu dedinho, mas que a unha iria cair, mas que eu ficasse tranquilo que nasceria outra em breve. Assim aconteceu.

Isso é só uma amostra do que eu tenho visto nesses anos que tenho de crente em Jesus e fora o que já vi em meu ministério. E olha que eu sou Batista Reformado, eu não sou pentecostal e nem neopentecostal, pois são esses que atestam tantos milagres.

3º - As experiência nos fazem crescer na fé (Lc 8.25). “Quem é este, que até aos ventos e à água manda, e lhe obedecem?" As tempestades são pedagógicas, elas sempre têm algo a nos ensinar a respeito do nosso Deus. Aprendemos mais nelas do que quando não estamos passando por elas. Foi através desse episódio tremendo que os discípulos descobriram o quanto o Senhor Jesus era muito mais do que eles imaginavam. O Senhor se revelou na tempestade não na bonança.

A falta de fé vem por não conhecermos o nosso Deus como Ele realmente é. Foi isso que aconteceu com os discípulos naquela noite. Tanto que quando passa o medo da morte eles são acometidos por outro temor; o temor diante da deidade de Jesus.

Entenda uma coisa, não há como crescermos na fé sem passarmos pelas tempestades da vida. Nossa fé não irá desenvolver dentro do marasmo existencial, mas nas tormentas que a vida oferece.

4º - Nas bênçãos que o Senhor nos proporciona, outros são abençoados também. Quando o mar se acalma os outros barcos também desfrutaram da bonança. A bênção do Senhor vem com tanta abundância que outros são abençoados também. Veja o que Paulo nos fala a respeito de um crente dentro de casa e o que acontece com os outros membros da família que não são crentes (1Co 7.14); estamos falando aqui de “santificação conjugal”, santificação familiar e não de santificação espiritual produzida pela salvação de um homem. O ponto aqui é que você, que foi regenerado, vai exercer um efeito positivo na medida em que sua presença naquele ambiente íntimo, na casa, no casamento... é sustentado pela graça e o poder de Deus para uma nova vida, e a benção de Deus que flui através dessa nova vida, irá atenuar o mal, que num casamento entre incrédulos seria pleno. Ou seja, haverá um efeito santificador num sentido temporal, num sentido terreno sobre o seu cônjuge descrente.

Quantas pessoas estão sendo abençoadas através de nós crentes em Jesus e nem se quer sabem que essas bênçãos procedem de Deus para eles através de cada um de nós.

CONCLUSÃO

Há uma frase muito comum em nosso meio que diz: “Com Jesus no barco tudo vai bem”. Isso é uma grande realidade, mas se nós o chamarmos para nos socorrer e não deixá-lo de lado achando que podemos resolver o nossos problemas sozinhos, ou, na pior das hipóteses, achar que Ele não tem poder para resolvê-lo. Isso é falta de fé. Isso é ser tímido e duvidar. Meu irmão se você está passando pela tempestade clame por Jesus e Ele, com certeza, lhe socorrerá.

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Carson, D.A. O Comentário de Mateus, Ed. Shedd, Sto Amaro, São Paulo, SP, 2011, p. 258.

2 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 260.

3 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 245.

4 – Ibidem, p. 246.

5 – Ibidem, p. 248.