quinta-feira, 25 de maio de 2023

A EXORTAÇÃO DE JESUS À HUMILDADE - Lucas 14.7-14

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 14.7-14

INTRODUÇÃO

O episódio da cura do homem hidrópico aconteceu imediatamente depois da chegada dos convidados, antes que tivessem ocupado os seus lugares à mesa. Assim que o homem curado deixou a casa e o Mestre silenciou os seus críticos, os convidados escolheram os seus lugares. O egoísmo deles imediatamente mostrou como cada um – como crianças indisciplinadas – tentava conseguir os lugares de maior honra. [1] Diante dessa cena, o Senhor começou a observar a atitude desses fariseus, ou seja, assim como os fariseus examinavam e observavam o Senhor detidamente ao entrar na casa, para ver se ele diria ou faria algo que não era lícito no sábado, Jesus dirigiu seu olhar aos convidados, vendo como escolhiam os primeiros lugares. Esse comportamento dos convivas então motivou Jesus a ilustrar uma verdade superior e mais importante mediante uma figura. Suas palavras de forma alguma contêm mero bom senso. A ilustração utilizada aqui não é extraída de um banquete, mas do convite para uma festa nupcial, porque essa solenidade traz consigo uma classificação da importância dos convidados. [2]

As mesas naquela época eram, geralmente, arrumadas nessas ocasiões em forma de U ou um arranjo de mesas separadas no meio da sala. Na cabeceira ficava o anfitrião, em cada lado dele, os dois convidados mais honrados, e abaixo dos lados os restantes dos convidados. Quando os convidados entraram para esta refeição, houve uma precipitação para escolher os lugares de honra à mesa, os mais próximos ao hospedeiro. Foi diante desse quadro que o Senhor Jesus então proferiu está parábola.

Diante desse quadro, podemos tirar algumas lições.

1 – UMA LIÇÃO À HUMILDADE (Lc 14.7-11).

Jesus conta uma parábola para ensinar o princípio demonstrado no versículo 11: “Porquanto qualquer que a si mesmo se exaltar será humilhado, e aquele que a si mesmo se humilhar será exaltado”. O que estava sendo ensinado aqui era uma lição sobre a humildade, e não simplesmente regras para serem observadas nesses encontros sociais [3].

Podemos destacar três princípios aqui:

1º - Em primeiro lugar, nem todos que pensam que tem honra, são honrados (Lc 14.8,9). Muitos daqueles homens que estavam naquele banquete pensavam que eram mais honrados que os outros homens, mas o único que merecia o lugar de honra era o Senhor Jesus. Somente Ele tinha honra naquele lugar. No entanto, aos olhos dos fariseus e doutores da Lei, Jesus era o único que não tinha honra alguma.

Hoje não está diferente daquela época. Muitas pessoas pensam que merecem lugar de honra, no entanto não tem honra alguma. Algumas pessoas pensam que pôr terem algum “título” são mais honradas que outras pessoas. Muitos destes podem até ter o título de doutor, juiz, ministro, pastor..., mas quantos destes desonram o título que tem. São uma desonra para a sociedade. São uma vergonha para o título que carregam.

Deus não se impressiona com nosso status na sociedade nem na igreja. Não é influenciado pelo que dizem ou pensam a nosso respeito, pois vê o que há por trás das motivações de nosso coração (1Sm 16.7). Deus continua a humilhar os arrogantes e a exaltar os humildes (Tg 4.6) [4].

2º - Em segundo lugar, devemos aprender o valor da humildade (Lc 14.10). Jesus, para ilustrar esse ensinamento, conta a parábola de uma festa de casamento, porque essa solenidade traz consigo uma classificação da importância dos convidados. No entanto, em vez de o convidado chegar à festa e imediatamente ocupar os primeiros lugares, deve procurar os últimos lugares. Pois é um grande constrangimento ser solicitado para sair de um lugar de honra a fim de dar a vez a outro convidado mais digno. Porém, é uma grande honra estar assentado nos últimos lugares e ser convidado pelo dono da festa a ocupar lugar de maior destaque [5]. No entanto, a intenção de Jesus é muito maior do que dar meros conselhos de bom comportamento nos banquetes. A vista do significado da parábola da grande ceia, que vem a seguir, nos vv. 15-24, parece-nos razoável que interpretemos a festa de casamento como referência velada ao banquete no reino, no final dos tempos [6].

John C. Ryle diz que a humildade pode ser chamada de a rainha de todas as virtudes [7].

Observe a expressão “Amigo...”. Não se trata da mesma palavra grega que figura em Mt 20.13; 22.12; 26.50, mas aquela usada em João 11.11, acerca de Lázaro, o amigo de Jesus que morreu, e em João 15.14, acerca dos discípulos de Jesus, aos quais ele começou a chamar de “amigos” em determinado instante. O vocábulo implica em um afeto de grande amizade. O hospede humilde como que cruza os olhos com o seu anfitrião e é convidado a uma posição mais elevada, ao mesmo tempo que a amizade do dono da casa por ele pelo menos aumenta um pouco mais. E assim o convidado humilde é elevado não apenas a uma posição mais próxima do dono da casa, mas também na estima dele. Aqui vemos, igualmente, uma lição concernente a nossa humildade diante de Deus, pois a promessa que ele faz é que exaltará aos humildes e humilhará aos soberbos. Veja essa lição ensinada no trecho de 1Pe 5.5,6 [8].

O que Jesus estava dizendo é quase uma repetição do que há tanto tempo é ensinado em Provérbios 25.6,7 (NVI): “Não se engrandeça na presença do rei e não reivindique lugar entre os homens importantes; é melhor que o rei lhe diga: Suba para cá!, do que ter de humilhá-lo diante de uma autoridade” [9].

Como nos diz Paulo em sua carta aos Filipenses 2.3: “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo”.

A humildade é a virtude que tem sido a característica distintiva no caráter dos cristãos mais piedosos em todas as épocas [10].

3º - Em terceiro lugar, os que se exaltam serão humilhados (Lc 14.11). Essa parábola mostra que a humildade é a antessala da honra, mas a soberba é a plataforma da vergonha. Quem se humilha é exaltado; quem se exalta é humilhado [11]. A atitude humilde não apenas evita o risco da humilhação, mas é sempre o caminho da exaltação [12].

Os rabinos contavam uma parábola semelhante a esta: “Três homens foram convidados para um banquete. Um sentou-se no lugar mais alto, dizendo, eu sou um príncipe. Outro se sentou a seu lado dizendo: eu sou um homem sábio. O outro no lugar mais baixo, dizendo, eu sou um homem humilde. O rei colocou o homem humilde assentado no lugar mais alto, e colocou o príncipe no lugar mais baixo” [13].

John C. Ryle é enfático ao dizer que o conhecimento correto é a raiz e a fonte da humildade. O homem que conhece a si mesmo e ao seu próprio coração, conhece a Deus e sua majestade e santidade infinitas, conhece a Cristo e o preço que Ele pagou por nossa redenção – tal homem jamais será orgulhoso. Assim como Jacó, haverá de considerar-se “indigno de todas as misericórdias” de Deus (Gn 32.10). A semelhança de Jó, dirá a respeito de si mesmo: “Sou indigno” (Jó 40.4). Clamará, assim como o apóstolo Paulo: “Eu sou o principal dos pecadores” (1Tm 1.15). Não achará nada bom em si mesmo. Em humildade de espírito, julgará os outros melhores do que ele mesmo (Fp 2.3). Ignorância, nada menos do que ignorância – ignorância acerca de si mesmo, de Deus e de Cristo — é o verdadeiro segredo do orgulho [14].

2 – A NECESSIDADE DA MOTIVAÇÃO CERTA (Lc 14.12-14).

Assim como faz parte da natureza humana buscar posições de honra, assim também é de a tendência humana fazer coisas boas para os amigos (ou para as pessoas que, assim o esperamos, venham a tornar-se nossos amigos), pois antecipamos que nos retribuam nossos favores. Jesus adverte ao que o tinha convidado: a bondade demonstrada aos que vão retribuir com bondade não impressiona a Deus [15].

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições.

1º - Em primeiro lugar, Jesus não está criticando o anfitrião por convidar os seus amigos para um banquete, mas a motivação desse convite (Lc 14.12). Jesus sabia que o anfitrião havia convidado os presentes por dois motivos: (1) para retribuir convites anteriores; e (2) para que ficassem em dívida com ele e continuassem a convidá-lo para outros banquetes. Esse tipo de hospitalidade não é uma expressão de amor e graça, mas sim uma demonstração de orgulho e de egoísmo. Estava “comprando” o reconhecimento dos convidados [16].

Há muitos que expressam a sua vaidade num banquete, em vez de demonstrar sua generosidade. Ressaltam sua grandeza, em vez de demonstrar sua compaixão. Fazem propaganda de sua riqueza, em vez de revelar sua bondade. Convidam pessoas ricas para receber em troca redobrada recompensa, em vez de expressarem amor aos que não têm com o que retribuir [17].

Vou lhe dar um exemplo. Uma vez eu fui a um congresso de um determinado pastor. Esse congresso durava certa de três dias. Ficamos hospedados no hotel em que seria o congresso. Vários pastores convidados, além dos cantores e bandas. Mas o que eu descobri nesse congresso, era que cada pregador ali convidado tinha que convidar o líder do congresso posteriomente, dando oferta, acomodações e despesa paga na mesma proporção que cada um recebia. Mas quem pagava a conta era a igreja. Fizeram daquele congresso, e de outros congressos, um comércio que beneficiava grandemente o pastor convidado.

2º - Em segundo lugar, a bem-aventurança em convidar quem não pode retribuir (Lc 14.13,14). Primeiramente devemos destacar que Jesus não está ensinando que a salvação é mediante as obras de caridade. Longe disso. Jesus nunca ensinou tal coisa. Somos salvos mediante a graça e não mediante obras. Outro detalhe que precisamos destacar, é que o bem que fazemos, seremos recompensados por Deus, e não necessariamente por quem fizemos o bem. Como lemos em Atos 10.1-4: “E havia em Cesareia um homem por nome Cornélio, centurião da coorte chamada italiana, piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, o qual fazia muitas esmolas ao povo, e de contínuo orava a Deus. Este, quase à hora nona do dia, viu claramente numa visão um anjo de Deus, que se dirigia para ele e dizia: Cornélio. O qual, fixando os olhos nele, e muito atemorizado, disse: Que é, Senhor? E disse-lhe: As tuas orações e as tuas esmolas têm subido para memória diante de Deus”.

Um indivíduo é bem-aventurado quando age motivado por pura graça, sem qualquer pensamento e nem possibilidade de ser recompensado por isso, porquanto, ao assim agir, está no processo de tornar-se mais parecido com Deus Pai e com Deus Filho [18].

Os israelitas eram obrigados, pela lei de Moisés, a incluir os pobres, os estrangeiros, os órfãos, e as viúvas em suas festas (Dt 14.28-29; 16.11; 26.11-13). A menção que Jesus faz aqui em relação aos mandamentos de Deus a Moisés relembra a ênfase dada aos deficientes físicos – os aleijados, os mancos, os cegos. Visto que o motivo desta prática de ajudar sem egoísmo é o amor, e que não há chance de recompensa terrena, recompensado serás na ressurreição dos justos [19].

Como disse Paulo: “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” (At 20.35).

3º - Em terceiro lugar, a importância de pensar sobre a ressurreição dos mortos (Lc 14.14). Haverá uma ressurreição após a morte. Isto jamais deve ser esquecido. A vida que temos neste corpo não é tudo. O mundo visível que nos cerca não é o único com o qual temos de lidar. Tudo não está acabado quando o último suspiro é dado e homens e mulheres são levados à sua residência no sepulcro. Um dia a trombeta soará, e os mortos ressurgirão incorruptíveis. Todos os que se encontram no sepulcro ouvirão a voz de Cristo e sairão: aqueles que tiverem feito o bem ressurgirão para a ressurreição da vida, e os que tiverem feito o mal, para a ressurreição da condenação. Essa é uma das grandes verdades fundamentais do cristianismo. Apeguemo-nos com firmeza a essa verdade e dela jamais nos afastemos [20].

CONCLUSÃO

Esse conselho teria ressoado com muita estranheza aos ouvidos de muitos dos contemporâneos de Jesus. Segundo o modo errado de aquelas pessoas pensarem, os pobres, os aleijados, os mancos e os cegos são pessoas a quem Deus negou suas bênçãos. Com toda a probabilidade, julgava-se que suas aflições eram resultantes do pecado. Tais pessoas, ao lado dos gentios, seriam as últimas a ter entrada no reino de Deus. Por que então alguém haveria de convidar essa gente para uma festa? Comer ao lado de tais pessoas resultaria em o judeu tornar-se cerimonialmente imundo. Portanto, o israelita piedoso procuraria naturalmente manter companhia com pessoas de mesma piedade. No entanto, Jesus não compartilha esse ponto de vista estreito, corroído de auto retidão. Sua proclamação das Boas-Novas declara que até mesmo os humildes e os desprezados devem ser incluídos no reino de Deus. Em nenhuma outra passagem essa ideia é vista com maior intensidade do que na parábola que se segue [21].

Ao olharmos para esta parábola observamos as prioridades do Reino de Deus, que é totalmente contrária as nossas prioridades. Se dissermos que não nos identificamos com o anfitrião e com os fariseus dessa história mentimos. Com certeza, a nossa identificação com os ensinamentos de Jesus é uma lição incômoda para todos nós. Mas é um alerta para sermos menos egoístas e sermos mais altruístas. Não para sermos vistos pelos homens, mas para sermos vistos e recompensados por Deus.  

Pense nisso!

Bibliografia

1 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 446.

2 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 306.

3 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 144.

4 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 298.

5 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 442.

6 – Evans, Craig A. O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 252.

7 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 251.

8 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 144.

9 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 258.

10 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 251.

11 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 442.

12 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 446.

13 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 642.

14 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 251.

15 – Evans, Craig A. O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 252.

16 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 299.

17 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 443.

18 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 145.

19 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 447.

20 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 252.

21 – Evans, Craig A. O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 253.

sábado, 15 de abril de 2023

A CURA DO HIDRÓPICO - Lucas 14.1-6

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 14.1-6

INTRODUÇÃO

A frase “aconteceu num sábado”, indica um tempo indeterminado durante a jornada de Jesus a caminho de Jerusalém (Lc em 9.51-19.27). O local exato onde o incidente ocorreu não é certo, embora Jesus provavelmente estivesse na Perea. Estas festas no dia de sábado eram comuns, e Jesus foi convidado para várias delas. A única restrição feita nestas ocasiões era que a comida deveria ser preparada no dia anterior. [1] Esta refeição foi na casa de um dos chefes dos fariseus, possivelmente, o chefe da sinagoga local ou até mesmo um membro do Sinédrio. A refeição foi ao meio-dia de sábado, que teve lugar após a reunião da manhã na sinagoga. A adoração do sábado e a refeição do sábado são um reflexo uma da outra – momentos de receptividade descontraída, alegria, recebendo o que Deus generosamente dá na criação e na salvação, e agora compartilha dessa fartura uns com os outros na hospitalidade de uma refeição e de uma boa conversa. Somos criaturas necessitadas. Precisamos comer e beber, precisamos de abrigo e roupa. E Deus. Nenhum de nós é autossuficiente. [2]

Fritz Rienecker destaca que para o banquete na casa do fariseu estavam convidados também outros fariseus, que faziam parte da categoria dos rabinos. A formulação “os mestres da lei e fariseus” (Lc 14.3) assinala que as pessoas ali presentes não devem ser divididas em dois grupos, mas que elas eram ao mesmo tempo mestres da lei e fariseus. Tal unificação de funções obviamente não ocorria sempre (cf. Lc 11.39,45). Os diálogos subsequentes permitem reconhecer que o grupo era numeroso e formado por pessoas abastadas. [3]

Essa é a terceira e última cura de Jesus no sábado (Lc 6.6; 13.10), e o último incidente no sábado em Lucas (Lc 4.16-30,31-37; 6.1.1-5,6-11; 13.10-17). A intensidade com que os fariseus se opõem a Jesus no sábado torna um convite para uma refeição no sábado na casa de um fariseu algo um tanto surpreendente. [4]

Vejamos o que esse texto tem a nos ensinar.

1 – UM CONVITE COM MÁS INTENÇÕES (Lc 14.1).

Praticar a hospitalidade no sábado era parte importante da vida dos judeus, de modo que não há nada de estranho no convite que Jesus recebeu para uma refeição depois do culto semanal na sinagoga. Com frequência, porém, esses convites eram um pretexto para que os inimigos de Jesus o pudessem observar e encontrar alguma coisa nele para criticar e condenar. Foi o que aconteceu na ocasião descrita em Lucas 14, quando um dos líderes dos fariseus convidou Jesus para jantar. [5]

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições importantes.

1º - Em primeiro lugar, Jesus não rejeita o convite do fariseu. O Filho do Homem veio comendo e bebendo, conversando intimamente com todos os tipos de pessoas; não rejeitando a companhia de publicanos, embora eles fossem de má fama. O Senhor também não rejeitava os fariseus, embora eles o tratassem com má vontade, mas aceitava os convites amistosos tanto de uns como dos outros, para que, se possível, pudesse fazer o bem a ambos. [6] Por isso Jesus aceitou o convite, para apresentar mais uma vez o evangelho para aqueles pecadores religiosos que, desesperadamente, necessitavam de salvação. Homens cegos que precisavam ver e entender a verdade que liberta. Jesus quando aceitou esse convite demonstrou duas coisas: coragem e amor. Coragem para estar entre seus inimigos e amor para com eles, levando sempre lições de vida que demonstra amor aos seus inimigos, para que, de alguma forma, alcançar alguns (Mt 5.43-48).

Muitas vezes nós também estaremos entre pessoas que são inimigas do Evangelho. Estaremos entre aqueles que não desejam verdadeiramente a nossa companhia. No entanto, essa poderá ser uma grande oportunidade de demonstramos o amor de Deus para com elas.

2º - Em segundo lugar, o convite a Jesus era para observa-lo (Lc 14.1b). Eles o estavam observando. Esta é a primeira pista que temos de que seu anfitrião tinha um motivo secreto para convidá-lo, e explica porque um fariseu de nível elevado convidaria Jesus para comer em sua companhia em tal ocasião. O preconceito e o ódio dos membros daquele partido em relação a Jesus tinham chegado a um ponto tão crítico, que procuravam a sua destruição. Esta é uma das muitas ocasiões em que os fariseus agiam como hipócritas – sempre fingindo ser amigos de Jesus para alcançar os seus objetivos malignos. Eles até mesmo colaboraram com inimigos tradicionais durante as suas campanhas contra o Senhor. [7]

“Observando...” traduz a forma do verbo grego paratēreō, o que significa “observar cuidadosamente”, “para estar à procura”, ou “prestar atenção a”. Mas nos evangelhos a palavra assume um tom sinistro, e poderia ser traduzida, “espreitar”, “espiar”, “prestar atenção para uma oportunidade com intenção maliciosa” (cf. Lc 14.1; 20.20; Mc 3.2). Jesus foi convidado na esperança de apanhá-lo na quebra da lei rabínica, principalmente porque eram rigorosas quanto o sábado.

Nós também temos sido observados. Principalmente agora com o “novo normal”. As leis que estão sendo estabelecidas, estão cada vez mais longe da Bíblia e seus princípios. Veja por exemplo a ideia de que uma pessoa é o que pensa que é. Se um homem se vê como mulher ele é mulher. Não está mais em discussão a genética, a ciência e outras coisas lógicas da natureza humana. E dizem, que nós cristãos, temos que aceitar esse tipo de coisa. O pior de tudo é que tem líderes (pastores) que aceitam tal loucura. Eu conheço pessoas que se dizem cristãs que apoiam, sem nenhum pudor, o aborto. Acham que é uma questão de saúde da mulher.

Por isso que estamos sendo observados, criticados e hostilizados em muitos lugares. Estamos caminhando para o fim dos tempos.   

2 – JESUS CURA UM ENFERMO NA CASA DO FARISEU (Lc 14.2-4).

Não sabemos se esse homem hidrópico, estava diante de Jesus fortuitamente ou se havia sido “plantado” ali pelos escribas e fariseus, como uma armadilha, para acusar Jesus. [8]        

Charles L. Childers, no entanto, é enfático ao dizer que este homem foi obviamente trazido pelo anfitrião e seus comparsas como uma cilada para o Senhor. Sem qualquer preparação ou apresentação, ele apareceu perante o Mestre. O fato de a presença deste homem ser parte de uma trama contra Jesus está fortemente implícito na “observação” por parte dos fariseus (2). Isto também é evidenciado pela imediata defesa de Jesus da sua prática de curar no sábado (3-6). [9]

A palavra “hidrópico” só aparece aqui no Novo Testamento. A hidropisia era caracterizada pelo excesso de água nas cavidades e tecidos do corpo, sendo sintoma de alguma doença mais grave, não indicada no texto. [10] Este é um termo médico, derivado do vocábulo grego hidro que representa água. [11] Esse acúmulo anormal de líquido não só é por si mesmo algo grave, é um sinal de uma enfermidade dos rins, do fígado, do sangue e/ou do coração. Além disso, os rabinos tinham a opinião de que a pessoa assim afetada havia cometido algum pecado muito grave. [12]

Com isso em emente, podemos destacar algumas lições.

1º - Em primeiro lugar, Jesus faz uma pergunta embaraçosa (Lc 14.3). Jesus, conhecendo as intenções maliciosas dos líderes religiosos postados à mesa, armados até os dentes para acusá-lo no caso de alguma cura ao enfermo ali postado, antecipa o problema e sai da posição de acuado para o ataque, perguntando aos seus críticos: “É ou não é lícito curar no sábado?” Em outras palavras, é ou não é lícito fazer o bem no sábado? Diante da pergunta contundente de Jesus, guardaram silêncio e nada disseram. Eles, que pensaram em pegar Jesus na rede de sua astúcia, foram apanhados pela armadilha de seu legalismo medonho. [13] Embora, de modo geral defendia-se que no sábado não era permitido curar caso não existisse um real risco de vida. Os convidados presentes defendiam essa visão, mas se negavam a afirmá-la abertamente. A pergunta do Senhor, formulada com singela simplicidade, veracidade e amor, fez calar todos os adversários. O silêncio dos hóspedes denota constrangimento ou falsidade odiosa e rancorosa (cf. Mc 3.5). [14]

Como destaca James R. Edwards, a regra geral que governava as atividades no sábado pertencia à necessidade: se algo não pudesse ser adiado, então era permitido fazer no sábado; mas se pudesse ser adiado até o fim do sábado, era proibido ser feito no sábado. Presumindo que o inchaço do homem não colocava sua vida em risco, esse caso pertencia à última categoria e, por isso, a cura no sábado seria proibida. [15]

Aqueles homens não tinham nenhuma capacidade para diagnosticar a doença do hidrópico para dizer se era grave ou não, se podia esperar mais algumas horas ou não. A insensibilidade deles revelava a dureza dos seus corações.  No entanto, a perfeição do comportamento de nosso Senhor se manifestou nessa ocasião, assim como em todas as outras. Ele sempre dizia a coisa certa, na ocasião oportuna e da maneira correta. Nunca esquecia, por um momento sequer, quem Ele era e onde se encontrava. [16]

2º - Em segundo lugar, Jesus cura o enfermo (Lc 14.4). Diante do silêncio de seus críticos, sabendo que já estavam derrotados pelo seu silêncio covarde, Jesus cura o homem hidrópico e demonstra ao mesmo tempo seu poder e sua compaixão. O sábado foi criado por Deus para o bem do homem, para fazer o bem e não o mal, para trazer alívio e não fardo. Foi criado para que as obras de Deus sejam realizadas na terra, e não para que o legalismo mortífero seja colocado como jugo pesado sobre os homens. [17]

O homem hidrópico não era um partidário daquela trama, mas um inocente sofredor que estava sendo usado por aquele ardiloso anfitrião. O Mestre, sábio e bondoso como sempre, o curou e o despediu. [18] A malignidade do coração daquela turba era tanta que foram capazes de usar da desgraça de uma pessoa para terem do que acusar Jesus.

3 – JESUS FAZ UMA PERGUNTA CONSTRANGEDORA (Lc 14.5,6).

Jesus fez duas perguntas que deixaram seus adversários calados: “É lícito curar no sábado? Eles, porém, calaram-se” e “Qual será de vós o que, caindo-lhe num poço, em dia de sábado, o jumento ou o boi, o não tire logo? E nada lhe podiam replicar sobre isto”.

Jesus revelou a falsa piedade dos escribas. Diziam defender as leis divinas do sábado, quando, na verdade, abusavam do povo e acusavam o Salvador. Há grande diferença entre guardar a verdade de Deus e promover a tradição dos homens. [19]

Com isso em mente podemos destacar duas lições aqui.

1º - Em primeiro lugar, a cura desse homem revelou a hipocrisia dos fariseus (Lc 14.5). Jesus passou a justificar Sua ação por meio de apelar ao próprio procedimento deles. [20] Na versão ARA traz “filho” ao invés de “jumento”. Já a versão ACF traz “jumento” ao invés de “filho”.

O filho ou o jumento? Encontram-se diferentes textos como variantes desse versículo, na tradição dos manuscritos. Alguns deles dizem: “jumento e boi” (ou “boi e jumento”) ou “ovelha e boi”. Tais variantes provavelmente se devem a Lc 13.15 (“boi e jumento”) e à estranheza de ligar a palavra “filho” à palavra “boi”. Houvesse Jesus dito “jumento ou boi” seu argumento implícito seria o seguinte: se vocês estão muito preocupados em resgatar um animal mudo no dia de sábado, certamente deveriam mostrar a mesma preocupação para com um ser humano, seu próximo. Entretanto, ao referir-se a um “filho” (que muito provavelmente é a palavra do original), o argumento é ligeiramente diferente, expresso mais ou menos como segue: se você está preocupado em salvar seu próprio filho (e até mesmo um boi) em dia de sábado, é certo que nada há de errado em salvar uma pessoa. [21]

Fritz Rienecker destaca que na expressão “filho” Jesus expressa sua profunda compaixão pelo enfermo, ao contrário da impiedade dos fariseus. Por meio do primeiro exemplo Jesus pergunta se um ato de amor para com um ser humano no sábado não seria tão lícito quanto celebrar um banquete no sábado e ser convidado para ele como hóspede. No entanto, os adversários consideravam justificado trabalhar no sábado por motivação egoísta, a fim de salvar um dos animais domésticos mais úteis. [22]

A incoerência deles era gritante. Eles nem sequer permitiam que seus animais ficassem sem água no sábado (Lc 13.15), por que, então, eles deveriam se opor a Jesus de chegar no sábado para salvar um homem se afogando em seus próprios fluidos?

2º - Em segundo lugar, os acusadores ficaram calados (Lc 14.6). Novamente silenciaram diante da pergunta do Senhor, não porque se negassem a dar uma resposta, mas porque não tinham como responder. O feito milagroso de Jesus e sua pergunta tirada de um exemplo cotidiano deixaram embaraçados os inimigos. [23] Ora, se a lei permitia socorrer um boi que caiu num buraco, por que a lei proibiria socorrer um homem, criado à imagem e semelhança de Deus, caído no fosso da enfermidade? Não valem os homens mais do que os animais? A isto nada puderam responder (14.6). [24]

Cristo será sempre justificado quando falar. E toda boca deve se calar diante dele. [25]

CONCLUSÃO

A cura desse homem nos mostra o quanto o Senhor se preocupa com cada um de nós e sempre está pronto a nos abençoar. Mesmo sabendo que aquele almoço era uma armadilha, o Senhor não deixou de ir, para que o que ali foi ocorrido chegasse até nós hoje. Para que pudéssemos desfrutar do Seu amor e de quanto Ele valoriza a cada um de nós.

Jesus mostra mais uma vez que tem compromisso e coerência com as Escrituras e não com as tradições dos homens. Que possamos olhar para esse texto e agir da mesma forma, ver o que é prioridade no Reino e o que é secundário.

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 445.

2 – Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2011, p. 91.

3 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 304.

4 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Sheed, Santo Amaro, SP, 2019, p. 528.

5 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 297.

6 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 641.

7 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 445.

8 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p.151.

9 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 445.

10 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 229.

11 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 143.

12 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 254.

13 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 441.

14 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 305.

15 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Sheed, Santo Amaro, SP, 2019, p. 530.

16 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 248.

17 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 441.

18 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 445.

19 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 298.

20 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 217.

21 – Evans, Craig A. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 248.

22 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 305.

23 – Ibidem, p. 305.

24 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 442.

25 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 642.

domingo, 2 de abril de 2023

A AMEAÇA DE HERODES E O LAMENTO SOBRE JERUSALÉM - Lucas 13.31-35

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 13.31-35

INTRODUÇÃO

Os atentados contra a vida de Jesus começaram muito antes do início do seu ministério público. Quando ele ainda era um bebê, Herodes, o Grande, patriarca da dinastia herodiana, governador da Judéia intentou matar Jesus quando Ele ainda era criança. Herodes era um sociopata cuja paranoia atingiu um clímax horrível quando, no final de seu reinado, chegaram do oriente uns magos declarando que o rei dos judeus havia nascido e que eles estavam procurando por Ele (Mt 2.1-12). Temendo um rival para o seu trono, Herodes informado, a partir dos líderes religiosos judeus que o Messias havia de nascer em Belém (Mq 5.2), mandou matar todos os meninos de dois anos para baixo de Belém (Mt 2.16-18). Agora, O filho de Herodes, o Grande, Herodes Antipas, que havia mandado matar João Batista, está intentando matar Jesus também. Este era o tetrarca que tinha sob sua jurisdição Galileia e Pereia, a mesma região por onde Jesus passara e continuava viajando. [1]

O que lemos nos mostra que o evangelista Lucas diz que naquela mesma hora, alguns fariseus vieram dizer a Jesus para sair da jurisdição do governo de Herodes, porque este queria matá-lo. Não sabemos se os fariseus estavam precisamente informando a intenção de Herodes ou se estavam inventando a história para forçar Jesus a sair daquela localidade. Duas coisas parecem estar claras na visão do que se sabe sobre Herodes e os fariseus. Em primeiro lugar, os fariseus eram hostis o bastante para se utilizar tanto da verdade como da falsidade contra Jesus, e de forma alguma iriam colaborar com um inimigo. Em segundo lugar, Herodes mostrou, ao assassinar João Batista, que era capaz de matar um líder religioso. Também era evidente que Herodes e os fariseus podiam estar esperando se beneficiar com o resultado de tal informação. [2]

Com isso em mente, podemos tirar algumas lições importantes para nós.

1 – ALIANÇAS FORAM FEITAS CONTRA JESUS (Lc 13.31).

Alguns acreditam que os fariseus estavam tentando alertar Jesus do perigo que corria, pois, assim como João fora morto por Herodes, Jesus corria risco de morrer também. Mas essa ideia não se sustenta devido ao ódio que os fariseus tinham de Jesus. Certamente, os fariseus não tinham nenhum apreço por Herodes. Entretanto, com o propósito de se oporem a Jesus, os fariseus se uniram a ele e seus seguidores (Mc 3.6). [3]

Há um ditado que diz: “Se não pode com ele, junte-se a ele”. Aqui, no entanto, esse ditado é ao inverso, se não se pode calar Jesus, junte-se aos seus inimigos para calá-lo. Ainda que esses inimigos sejam também seus inimigos. Como dizem: “inimigo do meu inimigo é meu amigo”.

Os fariseus tentaram calar Jesus de duas formas:

1º - Em primeiro lugar, tentaram intimidar Jesus. Uma vez que os fariseus não foram motivados pela preocupação com a segurança de Jesus, este aviso sugere que a sua intenção final era para matar Jesus, no entanto, o seu objetivo imediato era intimidá-lo e calar o Seu ensino.

Assim como tentaram calar Jesus muitas vezes, tentaram calar a Igreja no decorrer dos séculos, e estão tentando calar a igreja hoje. Alguns, para não serem perseguidos, estão maculando a mensagem da cruz para que ela fique mais palatável ao gosto dos ouvintes. São os falsos profetas que Jesus falou que viriam em seu nome (Mt 24,23,24).

2º - Em segundo lugar, estavam tentando levar Jesus para Jerusalém para mata-lo. O desejo de Herodes de que Jesus saísse de seu território e acelerasse a viagem para Jerusalém também correspondia ao interesse dos fariseus. Em Jerusalém eles podiam ter a esperança de que, com auxílio do Sinédrio, seria dado fim à atuação de Jesus. [4]

Tentaram calar a Igreja no decorrer dos séculos, mas como não conseguiram, com isso, começaram perseguir e a matar os cristãos (At 8.1-3, 9.1,2). Hoje, muitos dos nossos irmãos têm sido perseguidos e mortos em países comunistas como em países muçulmanos. A liberdade de expressão está cada vez mais restrita até mesmo em países livres. Expor as Escrituras está virando crime. Ainda podemos falar dentro de nossas igrejas, mas até quando isso vai durar?

2 – AS AUTORIDADES DESTA TERRA NÃO PODEM MUDAR A AGENDA DE JESUS (Lc 13.32,33).

Herodes é a única pessoa da qual há registro a quem Jesus tratou com desprezo. Jesus deixa claro que nem Herodes nem os fariseus mudariam sua agenda. Ele não estava fazendo sua obra na dependência dos poderosos deste mundo, mas cumprindo uma agenda eterna do Pai do céu. [5] David Neale diz que Herodes era uma figura patética e sem poder, que pensava que podia subverter o propósito divino da marcha de Jesus para Jerusalém. [6]

Podemos destacar algumas lições importante aqui.

1º - Em primeiro lugar, Jesus despreza as autoridades ímpias desta terra (Lc 13.32). Jesus responde à instrução dos fariseus “Retira-te daqui” com as palavras “Ide” e “Dizei a essa raposa!”. A raposa é emblema de ardil e de esperteza. [7] Charles L. Childers diz que Herodes era cruel e ousado, e seria mais esperado que fosse representado como um leão do que como uma raposa. Mas ele também era astuto e vil, e era este aspecto de sua personalidade que Jesus tinha em mente. Se, como sugerido acima, Herodes estivesse propositalmente enviando os fariseus até Jesus, com um aviso contra Ele, o motivo para a designação raposa estaria evidenciado. [8] Champlin destaca também que a raposa era uma metáfora comum entre os judeus e os gregos para indicar um homem astucioso; mas com frequência, na literatura rabínica, simplesmente significava um indivíduo destituído de importância, sendo usado como termo de menosprezo. [9]

O apóstolo Paulo escrevendo aos Romanos no capítulo 13.1-7 nos diz que devemos nos sujeitar as autoridades superiores. Com isso, devemos entender que o Senhor instituiu o governo, e não a anarquia. E este governo foi levantado para governar com justiça. Em outras palavras, é a autoridade de Deus que se exerce, quando a autoridade exerce sua autoridade a serviço do bem. Mas quando essa autoridade faz leis que burlam a Palavra de Deus, esta autoridade está a serviço de Satanás e não do Senhor.

Nós, como cristãos, não podemos nos sujeitar a nenhuma autoridade que apoia o aborto, o uso das drogas, o casamento homo afetivo, ou qualquer outra coisa que fere os princípios bíblicos. Nenhuma autoridade tem poder para alterar a agenda de Deus, que é a Sua Palavra. Jesus nos deixou o exemplo e os apóstolos o seguiram (At 5.29).

2º - Em segundo lugar, Jesus tinha uma agenda imutável (Lc 13.33). A resposta que Jesus manda transmitir a Herodes por meio dos fariseus atesta que ele realizará exorcismos e curas enquanto lhe aprouver e pelo tempo que Deus lhe determinar. Ele não se retiraria hoje, como eles pretendem, mas prosseguirá sua atividade pelo tempo necessário até que sua incumbência tenha sido concluída. Jesus cita apenas a atividade de cura, pois o governante não seria capaz de imaginar nada específico acerca da pregação. Herodes também deveria admitir por si mesmo que uma atuação tão benéfica não merece a morte ou o banimento. [10] Nem os fariseus nem Herodes determinam o destino de Jesus, mas este, em obediência à providência divina, determina o seu destino, seu objetivo. O verbo grego para “alcançar um objetivo”, teleioun, do qual deriva a palavra “teologia”, significa “cumprir ou completar um propósito pretendido”. [11]

Charles J. Ryle destaca que não havia chegado ainda o tempo para Jesus deixar o mundo. Sua obra ainda não estava concluída. Até que chegasse o momento específico, Herodes não teria poder para fazer-lhe qualquer mal. Até que a obra estivesse terminada, nenhuma arma forjada contra Ele prosperaria. [12] Jesus não vai alterar seus planos, nem se deixará intimidar. É preciso que prossiga seu caminho (é o sentido de hoje e amanhã), para que não suceda que morra um profeta – alguém que traz a mensagem de Deus para o seu povo – fora de Jerusalém. [13]

Assim é a Igreja. Os homens ímpios só tocam na Igreja se o Senhor permitir, fora isso, nenhuma arma forjada contra ela prosperará. Quando lemos o livro de Atos, vemos que, por permissão de Deus, Tiago foi decapitado, no entanto, Pedro foi solto milagrosamente da prisão (At 12.1-10; Ap 13.7).

3 – O LAMENTO SOBRE JERUSALÉM (Lc 13.34,35).

Aqui Jesus derrama a amarga agonia do amor rejeitado. A amargura da sua tristeza mostra que embora seu amor não tenha sido requisitado e sua oferta de ajuda não tenha sido aceita, o seu amor não mudou. Jerusalém está sem esperança não porque Cristo tenha ido embora, mas porque eles literalmente não desejaram, não tiveram vontade, não quiseram o que Ele oferecia. Deus não forçará ninguém a aceitar as suas bênçãos. [14]

Podemos destacar algumas verdades aqui.

1º - Em primeiro lugar, Jerusalém era uma cidade assassina (Lc 13.34a). De acordo com a santa ironia acerca de Jerusalém, que se tornou covil de assassinos de profetas, irrompe em Jesus o tom de lamentação de profunda dor. Sua consternação interior já fica clara pela duplicação do nome “Jerusalém”. [15] A Jerusalém que eles chamavam de santa, Jesus chama de assassina de profetas. A Jerusalém que eles exaltavam, Jesus diz que apedrejava os que a ela foram enviados. A Jerusalém que Jesus quis, tantas vezes, acolher sob suas asas, como uma galinha ajunta os seus pintinhos, essa o expulsou para fora de seus muros e o crucificou no topo do Calvário. [16]

Jesus sempre fará o diagnóstico correto do coração humano. Jesus não se deixa levar pelas aparências. Ele não vê como vê o homem. Ele esquadrinha os corações e seu julgamento e justo (Jr 17.9,10, Ap 3.17,18).

2º - Em segundo lugar, Jesus trata Jerusalém com ternura (Lc 13.34b). Há ternura na linguagem figurada da galinha e seus pintinhos. A responsabilidade dos judeus pela sorte deles é atribuída diretamente a eles mesmos com a expressão final, vós não o quisestes! [17] O lamento perturbador de Jesus a respeito de Jerusalém é o resultado de sua compaixão (“eu quis reunir os seus filhos”) sendo oposta por uma contracorrente obstinada de rejeição humana (“mas vocês não quiseram”). Muitas vezes Deus é tratado no Antigo Testamento como ave mãe protetora (Sl 17.8, 91.4; Is 31.5). [18]

O motivo pelo qual os pecadores não são protegidos e sustentados pelo Senhor Jesus – como os pintinhos o são pela galinha – é que eles não querem: Eu quis, eu quis frequentemente, e não quiseste. A boa vontade e a disposição de Cristo agravam a má vontade dos pecadores, deixando o seu sangue sobre as suas próprias cabeças. [19]

3º - Em terceiro lugar, uma profecia dramática (Lc 13.35). A partícula idou (eis) indica que o que se segue é surpreendente e chocante. Casa simboliza não só o templo, mas também Jerusalém e a nação como um todo. A rejeição do reino da graça implica a exclusão do reino da glória. Os judeus, tão arrogantes e soberbos ao rejeitarem a Cristo, o Messias, veriam sua casa ficar deserta. [20]

No entanto, Israel ainda tem um futuro. Virá o tempo em que o Messias voltará, será reconhecido e recebido pelo povo, que dirá: “Bendito o que vem em nome do Senhor” (Lc 13.35; ver também SI 118.26). Algumas pessoas usaram essas palavras na “entrada triunfal” de Jesus (Lc 19.38), mas elas só se cumprirão quando ele voltar em glória (ver Zc 12.10; 14:4ss; Mt 24.30,31). [21]

CONCLUSÃO

A agenda de Jesus não foi alterada mediante as ameaças de Herodes e nem dos líderes religiosos de Israel, e não será alterada hoje também devido a incredulidade do mundo ímpio e suas ameaças à Igreja. Assim como tentaram calar Jesus e o levaram a morte de cruz, o mundo ímpio tem tentado calar a Igreja através da perseguição e morte, mas o Coliseu não calou a Igreja, as perseguições no decorrer dos séculos não calaram a Igreja. Não conseguiram, porque a Igreja é a agência de Deus na terra. Nós não fazemos e falamos o que queremos, mas somos guiados pelo Espírito Santo. Somos guiados pela Palavra de Deus e caminharemos até o fim. Até a volta do Senhor em Glória!

Pense nisso!

Bibliografia

1 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 241.

2 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 443.

3 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 434.

4 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 301.

5 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 435.

6 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 147.

7 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 301.

8 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 443.

9 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 140.

10 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 301.

11 – Edwards, James A. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 518.

12 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 245.

13 – Evans, Craig A. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 244.

14 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 444.

15 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 302.

16 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 436.

17 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 215.

18 – Edwards, James A. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 519.

19 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 640.

20 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 436.

21 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 296.

quinta-feira, 2 de março de 2023

ENTRAI PELA PORTA ESTREITA - Lucas 13.22-30

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 13.22-30

INTRODUÇÃO 

O início dessa viagem para Jerusalém foi indicado em 9.51 e vai até 19.27. É ao viajar por Samaria, indo da Galileia para Jerusalém, que Jesus separa um tempo para contar histórias que preparam seus seguidores a trazer o comum da vida a uma percepção consciente e a uma participação nessa vida do reino.[1] Parecia que Jesus não tinha pressa. Ele se detinha nas cidades e vilas que ficavam em seu caminho. Aliás, ele permaneceu tempo suficiente nesses lugares para poder ensinar neles.[2] E foi durante esse percurso que uma pessoa lhe pergunta “Senhor, são poucos os que se salvam?”. A vaga referência de Lucas a esta pessoa, com a indicação no contexto seguinte de que ele está fora do Reino, indica que não se tratava de um dos apóstolos, mas alguém dentre a multidão que seguia Jesus.[3]

Wiersbe destaca que os escribas costumavam discutir a questão do número de pessoas que seriam salvas, e alguém pediu a Jesus para dar sua opinião sobre o assunto. Da mesma forma que havia feito com a questão a respeito de Pilatos, Jesus passou a discussão imediatamente para o nível pessoal.[4] Jesus não falou com esta pessoa de forma genérica a respeito da salvação, mas tratou a questão de forma muito pessoal, de foro íntimo. Isso mostra que o Senhor não salva por atacado, mas de forma pessoal.

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições importantes aqui:

1 – VEMOS AQUI UMA PERGUNTA EXTRAORDINÁRIA (Lc 13.23).

Essa pergunta deveria ser a pergunta de todo cristão, pois ser cristão não nos dá garantia de salvação. A religião cristã envolve Catolicismo Romano, Catolicismo Ortodoxo, Testemunhas de Jeová, Adventistas, Mórmons, Evangélicos. O quadro é um pouco mais amplo, mas por aqui já temos uma ideia. Diante disso já sabemos que religião nenhuma tem o poder de salvar ninguém. Que a salvação é por meio de Jesus Cristo e de uma vida totalmente consagrada a Ele.  

Wiersbe destaca que “a pergunta não é quantos serão salvos, mas se você será salvo ou não! Primeiro resolva isso, depois conversaremos sobre o que fazer para ajudar outros a serem salvos”. [5]

Hendriksen destaca que segundo uma opinião amplamente difundida entre os judeus, endossada pelos rabinos, Israel como um todo seria salvo. Em contrapartida, segundo o ensino de Jesus, a linha de demarcação entre salvos e não-salvos não era de cunho nacionalista, mas distintamente espiritual. Veja Lucas 4.25-27; 6.20-38, 46-49; 7.9; 8.4-15; 11.29-52. Não surpreende que alguém perguntasse a Jesus se os salvos seriam poucos em número. Não é verdade que sempre que Jesus proclamava que somente aqueles cujo coração eram comparáveis à boa terra, somente os que estavam dispostos a negar-se a si mesmos, somente os que não só ouviam seu ensino, mas também o punham em prática, seriam salvos? Isso deixava fora a muitos. [6]

Matthews Henry destaca quatro coisas em relação a pergunta desta pessoa:

1º - Em primeiro lugar, talvez esta fosse uma pergunta capciosa. Alguém lhe fez a pergunta, tentando-o, com o propósito de apanhá-lo em uma armadilha e assim diminuir a sua reputação.

2º - Em segundo lugar, talvez a pergunta tenha sido feita por curiosidade, ou como uma boa especulação. As pessoas geralmente perguntam: “Será que este e aquele podem ser salvos?” Mas é melhor que possamos ser salvos sem saber detalhes a respeito da vida dos outros, detalhes que realmente não nos interessam.

3º - Em terceiro lugar, talvez fosse uma pergunta ocasionada pela admiração. Ele havia notado como a lei de Cristo era rigorosa, e como o mundo era mau. Assim, comparando-as, ele exclama, “Quão poucos serão salvos!” Note que temos motivos para nos admirar por causa de um fato curioso: a palavra de salvação é enviada a muitos, porém ela só é realmente uma palavra salvadora para poucos.

4º - Em quarto lugar, talvez fosse uma pergunta investigadora: “Se há poucos que são salvos, e então? Que influência isto deveria ter sobre mim?” Note que todos nós temos a responsabilidade de entender seriamente a grande verdade de que poucos serão salvos.[7]

É possível que essa pergunta tenha sido feita por um verdadeiro seguidor de Cristo. Mas depois de quase três anos de ministério, inúmeros milagres, ensino incomparável, e multidões segui-lo, no entanto, havia apenas um decepcionante e pequeno número de verdadeiros crentes que criam nele como Salvador. Poucos, em número, foram alcançados pela fé salvadora, tanto que Jesus mesmo se referiu a eles como um “pequeno rebanho” (Lc 12.32).

Apesar de tudo que Jesus realizava os líderes religiosos da nação o haviam rejeitado dizendo que Ele era habilitado por Satanás. Muitas pessoas também viram o poder sobrenatural de Jesus como satânico. Outros o rejeitaram porque Ele não cumpria a expectativa messiânica. Quando uma grande multidão tentou forçá-lo a ser um messias político-militar Jesus recusou-se (Jo 6.14,15). A realidade de ontem é a mesma realidade de hoje, são muito poucos os crentes genuínos que seguem a Cristo. Isso ocorre porque as pessoas querem um Jesus segundo o seu bel-prazer e não o Jesus que se revela nas Escrituras.

Por isso, essa pergunta é de suma importância para todos nós hoje.

2 – NÃO SE ENTRA PELA PORTA ESTREITA DE QUALQUER MANEIRA (Lc 13.24-30).

O fato da resposta de Jesus não ter abordado a questão diretamente, mostra que não é importante quantas pessoas estão sendo salvas; o que importa para cada pessoa é que ela seja uma delas. Em vez de responder à questão de quantidade, Jesus foca na qualidade de fé dos verdadeiros crentes e fez um convite pessoal para um dos presentes para receber a salvação que Ele oferece.

Cinco aspectos desse convite podem ser discernidos: Jesus falou a respeito do esforço espiritual, da oportunidade da porta aberta, da falta de relacionamento com Ele, a rejeição eterna e por fim, a escolha dos gentios.

Vejamos cada um deles:

1º - Em primeiro lugar, um esforço espiritual (Lc 13.24). A palavra grega aqui traduzida como esforçai-vos (porfiai) é a nossa palavra “agonizar” (um termo que vem do grego agonizesthai). A palavra estreita denota aperto. Com uma porta estreita restringindo a entrada, forçando aquele que entra a se livrar de qualquer peso ou bagagem, e com forças opostas bloqueando a sua entrada, as pessoas deverão se esforçar ardentemente (agonizar) para entrar. [8] Por isso que Jesus falou que aquele que “não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lc 14.26), ou seja, não pode entrar pela porta estreita.

Champlin destaca que o versículo 24 diz que o número dos eleitos será pequeno. Assim será porque participarão da natureza divina (2Pe 1.4), possuidores da imagem e da natureza de Cristo (Cl 2.10), transformados em sua imagem pelo poder do Espirito (2 Co 3.18; Ro 8.29). Trata-se de algo elevadíssimo, e a maioria dos homens jamais chegará lá. Os eleitos participarão da mesma forma de vida que Deus tem (Jo 5.25,26). Tudo isso transcende infinitamente ao anúncio normal do evangelho, que fala apenas de perdão e de mudança futura para os céus. Essas bênçãos são apenas o início da inquirição eterna em busca da perfeição, da perfeição divina, que é infinita.[9]

2º - Em segundo lugar, uma oportunidade ainda possível (Lc 13.25a). Não é só estreita a porta para o reino, mas também pode ser fechada. Uma vez que Cristo, o chefe da casa, levantar-se e fechar a porta, não haverá admissão; a oportunidade de entrar no reino será permanentemente impossível para os que ficaram do lado de fora (ex. a arca de Noé – Gn 7.16c). Há um sentimento de desespero e urgência neste quadro; pecadores, com um tempo limitado para responder ao convite do evangelho, deixam essa oportunidade passar, e ela será fechada permanentemente.

A porta do reino é estreita, mas é bastante ampla para admitir o principal dos pecadores. A porta do reino é estreita, mas não estará aberta para sempre. O tempo de entrar no reino é agora. Postergar essa decisão é cometer a maior de todas as loucuras. Amanhã pode ser tarde demais. [10]

Dois pecados são provavelmente responsáveis pela chegada dos atrasados: rebeldia e presunção. O amor ao pecado os seguraria, e uma falsa esperança de que o amor e a bondade do Mestre o levariam a abrir uma exceção para eles, os impediriam de agir conforme uma boa consciência.[11]

Usando as mesmas imagens como na parábola das virgens onde encontramos cinco prudentes e cinco insensatas (Mt 25.1-13), Jesus advertiu que aqueles que perdem a oportunidade de salvação vão ficar do lado de fora, e ao baterem à porta dizendo: “Senhor, abre-nos a porta!”, terão a expressa surpresa e horror ao ver fechada permanentemente a porta do reino de Deus. Afinal, eles eram pessoas religiosas, muitos dos quais afirmavam ter ministrado em nome de Jesus (Mt 7.22). Claramente, o inferno será preenchido não só pelos que rejeitam a Deus abertamente, mas também por aqueles que exteriormente foram religiosos e “reverentemente” falavam em nome de Jesus, mas sem nenhum compromisso com Ele.

3º - Em terceiro lugar, a falta de relacionamento com Jesus (Lc 13.25b-27). Os que tinham comido e bebido com ele achavam, erradamente, que isso garantia a sua entrada no banquete messiânico. Mas Ele só reconhece os obedientes,[12] por isso o Senhor responderá: “Não sei donde sois” (cf. Mt 7.23); isso revela aqueles que desperdiçaram sua oportunidade e ficarão de fora do reino. Apesar de sua fachada religiosa externa, eles não tinham nenhuma relação ou união de vida com Cristo.

Como disse Hendriksen “Onde estavam eles quando a porta estava ainda aberta? Estavam sempre ‘em algum lugar’, não onde teriam de estar”. E possível que algumas dessas pessoas tenham comido do pão multiplicado! Como se a presença e o ensino de Jesus em suas ruas fossem suficientes para salvação! Nem ainda se afastaram de seu caminho para ouvir Jesus? Mas se o fizeram, pelo menos não creram nem agiram conforme sua mensagem. O mero contato externo com Jesus nunca salvou alguém. Demanda-se uma mudança interior.[13]

4º - Em quarto lugar, a rejeição eterna (Lc 13.28). Como consequência, serão totalmente rejeitados. O dono da casa diz que não sabe donde são, e os marca como os que praticais iniquidades (cf. Sl 6.8). Eles chorarão (expressando, assim, sua grande aflição) e rangerão os dentes (na sua fúria). Estas expressões marcam o máximo da frustração e da decepção. Mas estes homens não sentirão menos do que isto quando virem os grandes heróis da fé no reino que sempre pensavam que seria deles também, e se acham lançados fora.[14] No inferno não há nenhum arrependido, mas haverá aflição e ódio eterno.

Ali haverá choro e ranger de dentes, o grau máximo de dor e indignação. E aquilo que é a sua causa, e que contribui com ela, é uma visão da felicidade daqueles que são salvos: Quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no Reino de Deus; e vós lançados fora. Observe que os santos do Antigo Testamento estão no Reino de Deus; estes foram beneficiados pelo Messias que morreu e ressuscitou, porque eles viram o seu dia à distância e isto refletiu a consolação sobre eles. A visão da glória dos santos será um grande agravo da infelicidade do pecador; eles então verão o Reino de Deus de longe, e nele contemplarão os profetas a quem odiaram e desprezaram, e eles mesmos, embora estivessem certos de entrarem no reino, serão lançados fora. Esta é a principal razão pela qual rangerão os dentes, Salmos 112.10.[15]

5º - Em quinto lugar, a escolha dos gentios (Lc 13.29,30). Jesus fala sobre aqueles que virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul e tomarão lugares à mesa no reino de Deus. Esses são os gentios que vêm de todas as raças, tribos, línguas e nações (Ap 5.9). Sendo eles os últimos, virão a ser primeiros, e os judeus com todos os privilégios que desfrutaram, por terem rejeitado o seu Messias, virão a ser os últimos. A pirâmide está de ponta-cabeça. A ordem está invertida. Jesus está golpeando de morte a presunção dos judeus, especialmente a presunção dos escribas e fariseus![16]

Jesus conclui a resposta que lhe fizeram dizendo: “E eis que derradeiros há que serão os primeiros; e primeiros há que serão derradeiros”. Essa expressão intensifica ainda mais o choque que esses judeus perdidos irão sentir. Não só os gentios estarão no reino, mas também serão iguais com os judeus que estarão lá. No reino da salvação “não há judeu nem grego, não há escravo nem homem livre, não há homem nem mulher; para [os redimidos] todos são um em Cristo Jesus” (Gl 3.28; cf. Ef 2.11-16).

CONCLUSÃO

A lição a ser aprendida com o convite de Cristo para a salvação é dupla. Em primeiro lugar, a verdadeira Igreja de Jesus Cristo deve pregar a mensagem certa; pois uma mensagem corrompida, alterada e falsa é um convite a um evangelho distorcido, fácil e impotente para salvar os pecadores perdidos. Além disso, o falso evangelismo deixa as pessoas não convertidas e, posteriormente, céticos do verdadeiro evangelho e, portanto, mais abertos a um maior engano. O Senhor Jesus Cristo nunca diluiu Sua mensagem para evitar ofender as pessoas; Ele os fez, ou se sentir mal o suficiente para se arrepender, ou furioso o suficiente para rejeitar.

E em segundo lugar, a mensagem para os não-redimidos é que Deus não salva ninguém além do arrependimento genuíno. A batalha para negar a si mesmo e seguir a Cristo é intenso, o tempo é curto e o destino eterno está em jogo.

Pense nisso!

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Bibliografia:

1 – Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2011, p. 23.

2 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 237.

3 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 441.

4 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 294.

5 – Ibidem, p. 294.

6 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 237.

7 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 637.

8 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 442.

9 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 140.

10 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 433.

11 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 442.

12 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 226.

13 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 239.

14 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 213.

15 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 639.

16 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 434.