Por Maurício Zágari
A
senhora que faz limpeza em minha casa é uma irmã em Cristo. Há alguns
dias ela chegou para o trabalho, tocou a campainha e abri a porta. Ela
não deu dois passos dentro de casa e disparou a falar sobre o pastor
fulano de tal, que fora preso porque tinha estuprado não sei quantas
mulheres, isso, aquilo e aquilo outro. “No trem vindo pra cá todo mundo
só falava sobre esse assunto”, disse, tentando puxar papo e dar
continuidade à polêmica comigo. Eu estava por fora da história e, por
isso, fiquei escutando enquanto ela, empolgadíssima, praticamente
mandava o tal pastor para o inferno, já julgado e condenado. Depois de
relatar a arrepiante história com a empolgação de uma criança que ganhou
um presente novo, ela ficou enfim em silêncio, enquanto aguardava que
eu disparasse palavras de condenação ao tal pastor. Eu pensei um segundo
e disse a ela: “Bem, vamos aguardar que se prove que de fato ele é
culpado, não é? E, se for, vamos orar pela restauração da vida dele”.
Pela cara dessa senhora percebi que era tudo o que ela não esperava
ouvir. Porque é muito mais gostoso e empolgante acreditar que algum
cristão cometeu um pecado cabeludo do que crer na sua inocência –
afinal, saber que os outros pecaram faz com que nos sintamos melhor com
nossa própria natureza pecaminosa, como se o pecado alheio tivesse a
capacidade de diminuir o nosso. Pude perceber que ela ficou sem ação
diante do que falei, pois esperava que eu – como todas as pessoas do
trem – começasse a alimentar a polêmica, assumir a culpa do homem e
relegá-lo para o sétimo círculo do inferno. Só que não é isso que a
Bíblia ensina.
Na faculdade de Jornalismo, aprendemos uma regra básica da profissão:
nunca ouça um lado só da história. Pois todo relato sempre terá mais de
uma versão, mais de um ponto de vista, e os implicados sempre vão
defender os seus interesses. Isso é algo tão evidente que, se assim não
fosse, não haveria juízes para intermediar disputas, nem árbitros, para
dizer se foi pênalti ou não: o atacante sempre vai afirmar que o
zagueiro pôs a mão na bola dentro da área e o zagueiro sempre vai negar.
Por isso, ninguém conhece uma moeda por inteiro sem ver suas duas
faces. No entanto, muito frequentemente nós assumimos verdades sobre
outros só porque “alguém disse”. O que, em linguagem bíblica, é
exatamente o que significa “julgar o próximo”.
Existe a regra de ouro do trânsito que, se for aplicada a sua vida,
vai ajudá-lo muito a não cometer o pecado do julgamento: “Na dúvida, não
ultrapasse”. Em outras palavras, se alguém te diz algo negativo sobre
um terceiro indivíduo que não está ali para se defender, não assuma
imediatamente como uma verdade, mesmo que a pessoa que te passou a
informação em questão seja alguém próximo de você, o seu melhor amigo ou
alguém da sua família. Sempre desconfie.
Lembre-se
que uma mera afirmação contada como uma grande verdade não quer dizer
absolutamente nada: se eu digo que o céu é vermelho ele não será menos
azul por causa disso. Mas nós, seres humanos, somos como grandes
papagaios, que propagamos maldosas inverdades, meias-verdades ou
realidades distorcidas só porque alguém nos falou – e como o ser humano
tem um prazer sádico e inerente de falar mal dos outros, repetimos a
quem quiser ouvir sem ter sequer escutado o que os réus têm a dizer. E
acreditamos em tudo! Tenho visto isso com uma frequência avassaladora
entre nós, cristãos. Lembre-se das mulheres que foram a Salomão para ele
decidir de qual das duas era o filho. Ambas juravam de pés juntos que
eram a mãe. Salomão não acreditou, simplesmente tirou a prova dos nove e
averiguou sabiamente os fatos em sua totalidade.
Uma
passagem bíblica específica sobre o assunto é o julgamento de Jesus,
relatado em Mateus 26. Não só porque mostra como é a coisa mais fácil do
mundo levantar falsas testemunhas cheias de provas e afirmações contra
alguém, mas, principalmente, porque mostra o exemplo do Mestre acerca de
como reagir. Repare: “Ora, os principais
sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam algum testemunho falso contra
Jesus, a fim de o condenarem à morte. E não acharam, apesar de se terem
apresentado muitas testemunhas falsas“. Veja que estamos falando
de pessoas que na sociedade eram altamente conceituadas, eram sacerdotes
e autoridades e que apresentaram muitas provas. Mas foi tudo articulado
com um único objetivo: sujar o bom nome daquele homem.
Vamos adiante: “Mas, afinal,
compareceram duas, afirmando: Este disse: Posso destruir o santuário de
Deus e reedificá-lo em três dias. E, levantando-se o sumo sacerdote,
perguntou a Jesus: Nada respondes ao que estes depõem contra ti? Jesus,
porém, guardou silêncio“. De tudo, as
antipalavras do Mestre são o que mais me maravilha. O homem que teve sua
honra achincalhada e seu nome lançado na lama não berrou nem esperneou
para se defender. Não apresentou provas ou testemunhas que o
inocentassem. Mas “guardou silêncio”. Confirmando Isaías 53.7: “Ele
foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi
levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores,
ele não abriu a boca“. Eis o padrão cristão.
Sei
que é difícil, pois nossa natureza clama por justiça. Mas foi o que o
manso Cordeiro fez. Em seu exemplo, ele demonstrou que o juízo de Deus é
muito, muito, mas muito mais severo que o dos homens – e do que
qualquer coisa que você possa fazer para revidar ataques ou
maledicências contra você. Lembre-se de Hebreus 10.31: “Horrível coisa é cair nas mãos do Deus vivo“.
E tem mais uma coisa: um cristão autêntico – aquele que errou no
passado, se arrependeu de seus pecados, alcançou a misericórdia de Deus e
se esforça por não errar mais – não condena pessoas, ainda que sejam
culpadas. Pois sabe que elas são tão pó como ele. Porque o cristão que
se arrependeu de fato de seus erros e sabe que o ser humano é passível
de errar e ser reerguido por Cristo não devolve mal com mal. Ora e torce
pela restauração do pecador. O cristão de verdade não quer prejudicar
ninguém – pois sempre tem a esperança de que o outro chegue ao
arrependimento e produza frutos para o Reino de Deus. O cristão de
verdade não destrói: constrói. Pois quem veio para destruir você sabe
quem é.
Em Romanos 12, Paulo nos ensina algo que quase nenhum cristão faz: “Não
torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante
todos os homens; se possível, quanto depender de vós, tende paz com
todos os homens; não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à
ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que
retribuirei, diz o Senhor“. Depois de mostrar o que espera aquele
que receberá a vingança de Deus pelo mal que praticou contra o próximo,
o apóstolo nos diz o que fazer: “Pelo
contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede,
dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a
sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem“. Mas isso só faz quem é cristão de verdade.
Essa é a atitude bíblica. Esse é o procedimento. É isso o que pelo
menos devemos tentar fazer. Vejo pessoas famosas do “meio evangélico”
indo para a TV e a Internet para, em vez de pregar o Evangelho, agredir,
atacar, ofender. Os modelos que a Igreja tem hoje agem contrariamente
aos ensinamentos de Jesus. Não siga esses exemplos, meu irmão, minha
irmã. Há muitos frequentadores de igreja que desejam o mal ao próximo.
Que estimulam o disse-me-disse sobre o último escândalo da moda. Sem
meias palavras: isso é demoníaco. É assim, entre outras coisas, que se
mede um verdadeiro servo de Deus: como ele zela pelo próximo, em
especial os que erraram contra si. Então, se você de fato é trigo e não
joio, preserve as pessoas e lute em aconselhamento e oração para que
cheguem ao arrependimento e à salvação.
Minha sugestão sincera: não se junte à massa dos que tomam de Deus o
papel de juiz. Se pastor fulano estuprou alguém, se o irmão da tua
igreja cometeu esse e aquele pecado, se estoura a última polêmica
gospel… a atitude mais bíblica que você tem a fazer é se calar. Não se
assente na roda dos escarnecedores cristãos. Não alimente o
disse-me-disse. Não ponha lenha na fogueira. Sei que o Diabo fica
tentando pôr a lenha na sua mão, mas resista a ele. Deixe que a língua
coce, garanto que depois passa. Tente guardar silêncio e agir com amor
perdoador e sofredor, pois aí a justiça do alto funcionará em favor de
todos: dos acusados e dos acusadores. Inclusive você.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
Maurício
Fonte: Apenas