sábado, 19 de novembro de 2022

A DIVISÃO CAUSADA PELO EVANGELHO - Lucas 12.49-59

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 12.49-59

INTRODUÇÃO

Jesus não mudou de assunto aqui; Ele simplesmente entrou em uma nova seção de seu discurso. A partir do versículo 14 Ele está discutindo o perigo de uma atenção egoísta às coisas deste mundo. Agora Ele vai em frente para dizer que a sua vinda à Terra não foi planejada para suavizar o caminho para o gozo do bem-estar deste mundo. Pelo contrário, a sua vinda traria, inevitavelmente, divisão e conflito.1

O Evangelho divide toda a humanidade em duas categorias, tanto para o tempo presente quanto para a eternidade: os salvos e os perdidos; os remidos e os não-redimidos; aqueles que vão passar a eternidade no céu, e aqueles que vão passa-la no inferno. Jesus deixou bem claro que existe o caminho estreito que leva ao céu e o caminho largo que leva ao inferno, a porta estreita que leva ao céu e a porta larga que leva ao inferno (Mt 7.13,14). Jesus mesmo disse que Ele era o caminho a verdade e a vida e que ninguém poderia ir ao Pai a não ser por Ele (Jo 14.6). Não existe um meio termo, uma terceira via, meios humanos para chegarmos a Deus. Por isso que o Evangelho não é palatável para o homem natural (1Co 2.14).

No entanto, andam pregando um evangelho relativista, com uma mensagem que oculta esses fatos que Jesus não deixou de falar abertamente com os seus discípulos. Como disse o Reverendo Hernandes D. Lopes “O cristianismo nunca será popular. O mundo odiou a Cristo e vai odiar seus discípulos, pois um cristão é uma pessoa que crê na verdade absoluta, mas vive num mundo de relativismo. A Palavra de Deus é a verdade e rege nossa fé e nossa conduta. O mundo, porém, repudia os preceitos de Deus e escarnece deles. Por isso, não fomos chamados para ser populares, mas para sermos fiéis. Nosso papel não é agradar o mundo, mas levar a ele a mensagem da salvação em Cristo”.2 Como bem disse A. W. Tozer: “Não devemos imaginar que fomos comissionados para tornar Cristo aceitável aos homens de negócio, à imprensa, ao mundo dos esportes ou à educação moderna. Não somos diplomatas, mas profetas, e nossa mensagem não é um acordo, mas um ultimato”.3

Pensando nisso, nós podemos tirar algumas lições desse texto para nós hoje.

1 – A CERTEZA DO JULGAMENTO VINDOURO (Lc 12.49-53).

Embora Jesus tenha vindo para salvar os perdidos, a missão de Jesus foi também um juízo; Ele veio para lançar fogo sobre a terra. O tema escatológico (doutrina acerca das coisas que hão de suceder depois do fim do mundo) começado em 12.35 continua na presente passagem com referência a “fogo”, “batismo” e “divisão na família”, o cerne da comunidade social humana.4 David Neale diz que essa passagem é o centro apocalíptico do Evangelho.5

Vamos analisar esses três fatos que Jesus destacou aqui.

1º - Em primeiro lugar, o fogo do julgamento (Lc 12.49). Jesus veio trazer fogo sobre a terra e estava desejoso de que ele já estivesse a arder. Esse é o fogo do julgamento contra o pecado. E o fogo da santidade de Deus que não suporta aquilo que é impuro.6

Hendriksen diz que o fogo de que Jesus fala com toda probabilidade se refere ao juízo de Deus sobre os pecados de seu povo. Esse juízo se realizará no Calvário. E Jesus mesmo quem fará satisfação à justiça de Deus e suportará o castigo.7 Nesse caso não se trata mais do povo judaico, mas de toda a humanidade, representada pelo termo “terra”.8

O povo judeu estava familiarizado com as previsões do Antigo Testamento de um julgamento de Deus com fogo, mas eles acreditavam que o julgamento cairia sobre os gentios. Eles não esperavam que a vinda do Messias traria julgamento sobre eles. Mas Jesus veio para salvar somente os pecadores perdidos que se arrependem e creem, e julgar aqueles que se recusam a fazê-lo, seja judeu ou gentio. “Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não veem vejam, e os que veem sejam cegos” (Jo 9.39; cf. 5.22-30).

O julgamento contra o pecado começou quando Jesus levou sobre si os nossos pecados, mas no fim dos tempos esse julgamento recairá sobre a humanidade perdida. Já não haverá remissão para ela. O Senhor é o justo Juiz que julgará com equidade todos os que não se arrependeram.

2º - Em segundo lugar, o batismo do sacrifício (Lc 12.50). As palavras batismo e ser batizado são aqui provavelmente usadas em um sentido figurado: Jesus está para ser “esmagado” pela agonia. Ele será mergulhado num dilúvio de horrível sofrimento. Jesus veio com o fim de tomar sobre si o fardo da ira de Deus que resulta do pecado de seu povo e sofrer as agonias do inferno – o inferno do Calvário.9 Antes julgar os incrédulos do seu pecado, o próprio Cristo foi julgado por Deus em nosso lugar. Isso aconteceu na cruz, quando Ele “nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós” (Gl 3.13; cf. Is 53.5,6,11,12; Rm 4.25; 2Co 5.21; 1Pe 2.24).

Champlim diz que a pessoa é inteiramente imersa por ocasião do batismo, e assim também, o ser inteiro de Jesus haveria de sofrer, sendo envolvido por todos os lados pelo sofrimento e pela morte.10 Ele, sendo santo, foi feito pecado. Sendo bendito, fez-se maldição. Sendo imaculado, bebeu sozinho o cálice amargo da ira de Deus contra o nosso pecado. Ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelos nossos pecados. Levou sobre si nossos pecados e morreu a nossa morte.11

3º - Em terceiro lugar, a divisão na família (Lc 12.51-53). Lucas começou seu livro anunciando paz na terra (Lc 2.14), mas agora Jesus fala que veio lançar fogo sobre a terra (Lc 12.49). Na verdade, Jesus concede paz aos que creem nele, confessam o seu nome e são justificados (Rm 5.1), mas essa confissão de fé se transforma numa declaração de guerra contra a família e os amigos.12

Fritz Rienecker é enfático em afirmar que a exigência de Jesus a respeito da entrega total a Ele acenderá uma guerra interior até mesmo na comunhão humana mais íntima, na família, a saber, causando uma discórdia capaz de romper os mais estreitos laços quando houver impedimento no seguir a Jesus.13 Jesus usou o texto de Miquéias 7.6 para ilustrar o que estava dizendo: “Porque o filho despreza ao pai, a filha se levanta contra sua mãe, a nora contra sua sogra, os inimigos do homem são os da sua própria casa”.

À pergunta de se achamos que Jesus veio trazer paz, a maioria de nós responderia “Sim” sem hesitação. Mas o Não de Jesus é enfático. Há, é claro, um sentido em que realmente traz a paz, aquela profunda paz com Deus que leva à paz verdadeira com os homens. Mas noutro sentido, sua mensagem é divisiva. A cruz é um desafio aos homens. Jesus conclama os Seus seguidores a tomar sua própria cruz enquanto O seguem (Lc 9.23ss.; 14.27). Quando os homens não ficam à altura deste desafio, não incomumente tornam-se críticos dos que o aceitam. As divisões que assim surgem podem percorrer famílias inteiras.14 Devemos entender que o parentesco na nova comunidade é baseado na obediência à Palavra de Deus: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam” (Lc 8.21). E, afinal, uma questão de lealdade. A abnegação, o carregar de sua cruz e o ato de seguir Jesus são a “base para a lealdade cristã”.15

Jamais nos permitamos ser desmotivados por aqueles que acusam o Evangelho de ser a causa de contendas e divisões na terra. Não é o Evangelho e sim o corrupto coração do homem que deve receber a culpa. Não é o glorioso remédio de Deus que se encontra em deficiência, e sim a natureza enferma da raça de Adão, que, à semelhança de uma criança voluntariosa, rejeita o remédio que Deus providenciou para a cura. Enquanto existirem homens e mulheres que recusam arrepender-se e existirem outros que se arrependem e creem, haverá divisões.16 Não temos como fugir disso, a não ser que neguemos a fé.  

2 – O PERIGO DA FALTA DE DISCERNIMENTO (Lc 12.54-56).

A severidade e a veemência do Mestre nestes versículos parecem indicar que algumas das pessoas mostravam desagrado ou hostilidade em relação ao que Ele vinha dizendo. Talvez, mais uma vez, os fariseus estivessem incitando a oposição contra os seus ensinos.17

Com isso em mente, podemos destacar duas coisas:

1º - Em primeiro lugar, o discernimento das coisas secundárias (Lc 12.54,55). Depois que Jesus anunciou a seus discípulos a ruptura na família, da qual já visualizara os primeiros indícios e experimentara também em sua própria família, no final ele dirige-se outra vez “às multidões”. Jesus fala primeiramente dos sinais climáticos de fenômenos naturais: chuva e brilho do sol. Em vista desses sinais os camponeses consideram-se bons profetas do tempo, e de fato não são enganados pelos indícios. Contudo não colocam essa percepção de que o ser humano foi dotado a serviço de um interesse superior.18

2º - Em segundo lugar, a falta de discernimento das coisas essenciais (Lc 12.56). Mas aqueles que eram tão sábios para ler os sinais do céu não podiam, ou não queriam, ler os sinais dos tempos. Se tivessem podido fazê-lo teriam visto que o Reino de Deus se aproximava. Alguém como João Batista e como Jesus surge, vive e morre, e esse povo moralmente ignorante não entende em absoluto o que isso significa! Jesus caracteriza essa contradição em seu modo de agir por meio da palavra “Vós hipócritas!” Não lhes falta o olho, e sim a vontade de usá-lo.19

Muitas pessoas conseguem discernir as estações, mas são totalmente displicentes em discernir o tempo da vinda de Cristo. Muitas pessoas vivem como se o Senhor não estivesse preparando o mundo para o Seu retorno. Discernem se irá chover, se irá fazer sol, mas não discernem o tempo escatológico que se aproxima. Guerras, rumores de guerras, terremotos, fome, esfriamento do amor... leia 1Tm 4.1,2; 2Tm 3.1-13.

3 – A NECESIDADE DE DILIGÊNCIA (Lc 12.57-59).

Jesus conclui seu ensino contando uma parábola para mostrar a necessidade urgente e imperativa de se preparar para o encontro com o juiz de vivos e de mortos. Estamos a caminho da eternidade. Teremos de prestar contas da nossa vida. Nossas palavras, ações, omissões e pensamentos serão julgados naquele grande dia. Compareceremos perante o Tribunal de Deus. Somos devedores à lei de Deus. Pecamos contra a santidade de Deus. Não podemos comparecer a esse tribunal sem estarmos em paz com Deus. Precisamos ser reconciliados com Deus antes daquele grande dia. É consumada loucura deixar para a última hora esse ajuste de contas.20

Destaquemos três pontos aqui:

1º - Em primeiro lugar, cada pessoa deve examinar a sua vida (Lc 12.57). Jesus os chamou para julgar o que é certo, examinando suas vidas com referência ao pecado. Robertson diz que sem a presença e o ensinamento de Jesus, eles tinham luz suficiente para dizer o que é certo e, assim, não tinham desculpas, como argumenta Paulo em Romanos 1-3.21

2º - Em segundo lugar, faça as pazes com Deus enquanto há tempo (Lc 12.58). Ao meirinho, “o fiscal, o que cobra as multas, o que executa as punições”, essa expressão é somente encontrada aqui em Lucas.

Isto é apenas bom senso. Reconcilie-se antes de chegar ao tribunal, pois é certo que não encontrará clemência lá, apenas a plena força de uma lei violada. Qualquer acordo, em vista disso, é clemência, e a busca desse acordo é sabedoria. É óbvio que aqui é o adversário quem está do lado da lei, e que o outro é o transgressor. Na ilustração dada, as opções são reconciliação ou prisão; e só um tolo escolheria esta última. Em outras palavras Jesus está dizendo: “Por que vocês não podem ser suficientemente sábios para se humilharem e se reconciliarem com Deus – se converterem – em vez de se arriscarem às inevitáveis consequências de irem ao Julgamento como incorrigíveis adversários de Deus?”.22 Todo homem tem uma causa perdida na presença de Deus; e se for sábio fará as pazes com Deus enquanto houver tempo.

3º - Em terceiro lugar, depois do julgamento não há acordo (Lc 12.59). O Archon (magistrado) foi o oficial que conduziu a audiência preliminar. Se ele encontrou motivos suficientes para prosseguir com o caso, ele iria entregá-lo ao juiz que, se ele encontrou o acusado culpado, seria enviado ao oficial responsável pela prisão, e o oficial iria joga-lo na prisão. Se isso acontecesse, Jesus advertiu, ele não sairá de lá até que ele tinha pago o último centavo.

O criminoso na prisão tem a esperança da libertação. Há sempre uma chance de que, de alguma forma, ele possa pagar o derradeiro ceitil. Mas não há tal esperança para o pecador no inferno. Estas almas totalmente arruinadas não poderão jamais pagar a menor parte de suas dívidas inestimáveis.23

Por isso, o tempo de se reconciliar com Deus é hoje, pois, amanhã, pode ser muito tarde. Como diz o hino da Harpa Cristã número 570: A Última Hora.

CONCLUSÃO

O Senhor Jesus mais uma vez alerta aos seus ouvintes que o julgamento contra o pecado irá acontecer. Ele levará sobre si o pecados de todos os que se arrependerem, mas os que não se arrependerem serão lançados no inferno. Jesus não deixou de alertar aos seus ouvintes desse fato, no entanto, em muitos púlpitos hoje não se fala a esse respeito ou nunca foi falado. Por isso, esse é o alerta que o Senhor está nos dando hoje.

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 433.

2 – Lopes, Hernandes Dias. COMO PREGAR UMA VERDADE ABSOLUTA NUM MUNDO DE RELATIVISMO? https://www.facebook.com/hernandesdiaslopes/posts/como-pregar-uma-verdade-absoluta-num-mundo-de-relativismoo-cristianismo-nunca-se/532209750153421/, acessado em 16/11/22.

3 – Figueira, Silas; Castor, Cláudia. AS SETE PALAVRAS DA CRUZ: O Último Sermão do Monte (p. 8). Edição do Kindle.

4 – Edwards, James A. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 490.

5 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 133.

6 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 409.

7 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 206.

8 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 286.

9 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 207.

10 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 133.

11 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 410.

12 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 290.

13 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 287.

14 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 207.

15 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 134.

16 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 228.

17 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 435.

18 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 288.

19 – Ibidem, p. 288.

20 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 411.

21 – A. T. Robertson. Comentário de Lucas, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 245.

22 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 435.

23 – Ibidem, p. 436. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A PARÁBOLA SOBRE O SERVO FIEL E O SERVO INFIEL - Lucas 12.41-48

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 12.41-48

INRODUÇÃO

O Senhor ensinou esse mesmo princípio em Mt 24.44-51 (cf. Mc 13.33-37 e o ensinamento similar na parábola dos talentos Mt 25.14-30), indicando que esse assunto era um tema recorrente de seu ensino. Pedro, incerto de quem as analogias no ponto anterior foram dirigidas, agindo como sempre fazia, como o porta-voz dos outros discípulos disse: “Senhor, dizes essa parábola a nós, ou também a todos?”. Jesus não respondeu diretamente a Pedro, mas indiretamente o respondeu com outra parábola envolvendo dois servos.

Leon Morris diz que a pergunta de Pedro talvez visasse levantar a questão dos privilégios e das responsabilidades do apostolado. Certamente tem relevância à obra do ministério, tópico este que deve ter sido importante aos leitores de Lucas. Jesus não responde diretamente, mas chama a atenção à responsabilidade de todos os servos. Ressalta que quanto maior o privilégio, tanto maior a responsabilidade.[1]

Para Robertson, Pedro está certo de que o sermão se destina aos Doze, mas deseja saber se estão incluídos outros, pois Ele tinha se dirigido à multidão, nos versículos 13-21. A resposta de Jesus a Pedro deixa claro que Pedro é este mordomo prudente, cada um dos Doze o é, a despeito de quem quer que aja desta maneira.[2]

Com isso em mente, podemos tirar lições preciosas para nossas vidas.

1 – JESUS ALERTA A RESPEITO DA NECESSIDADE DE FIDELIDADE (Lc 12.41-44)

Como falamos, Jesus não respondeu diretamente a Pedro, mas indiretamente com outra parábola envolvendo dois servos. O primeiro é fiel, que representa os crentes, que estão prontos para o retorno de Cristo e serão abençoados. O outro é infiel, e representa os incrédulos, que não estão prontos para seu retorno e será punido. Uma vez que todas as pessoas caem em uma dessas duas categorias, a parábola de Jesus abrange todas as pessoas.

O servo fiel (Lc 12.42-44).  Jesus começa fazendo uma pergunta: “Qual é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor pôs sobre os seus servos, para lhes dar a tempo a ração?”. O mordomo (grego, oikonomos) era um escravo e este era responsável por cuidar de todas as coisas do seu senhor. Era o administrador geral da casa e de todos os bens do seu senhor. Nessa qualidade, o administrador recém-nomeado não só vigia o trabalho dos demais servos, mas também e especificamente cuida para que recebam as provisões necessárias.[3]

Os apóstolos eram responsáveis por alimentar a casa de Deus, sua Igreja. Porém, cada um de nós possui determinado trabalho a fazer neste mundo, uma incumbência que recebemos de Deus. Temos a responsabilidade de nos manter fiéis até sua volta. Talvez não pareçamos bem-sucedidos a nossos próprios olhos nem aos olhos do mundo, mas isso não importa. O que Deus quer é fidelidade: “Além disso requer-se dos despenseiros que cada um se ache fiel” (1Co 4.2).[4]

Esse servo fiel, como já falamos, representa todos os crentes que aguardam a volta do Senhor agindo com fidelidade àquilo que lhes foi determinado. Eles geram bens e riquezas espirituais que Deus confiou aos seus cuidados, e estão prontos para o retorno de Cristo.

Quais são as características desse mordomo fiel?

1º - Em primeiro lugar, o mordomo sabe que não é o dono da casa (Rm 1.1). “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho de Deus”. 1.1). A palavra grega doulos, traduzida por “servo”, significa escravo, aquele que foi comprado por um preço, pertence a seu senhor e está completamente à sua disposição. Um escravo não tem vontade própria nem liberdade para fazer o que lhe agrada. Um escravo vive para agradar a seu senhor e obedecer-lhe às ordens.[5]

Paulo foi um dos apóstolos que mais escreveu e doutrinou a Igreja de Cristo. Ele é um dos melhores exemplos de mordomo entre os apóstolos. Vejamos as suas credencias:

1) Era um servo de Jesus Cristo (Rm 1.1a). O termo que Paulo usa para servo era particularmente significativo para os romanos, pois se referia a um escravo. Acredita-se que havia cerca de sessenta milhões de escravos em todo o império romano, e um escravo não era considerado uma pessoa, mas apenas uma propriedade. Em sua terna devoção, Paulo tornou-se escravo de Cristo para lhe servir e fazer sua vontade.

2) Era um apóstolo (Rm 1.1b). O termo significa “alguém enviado por certa autoridade com uma comissão”. Naquela época, aplicava-se aos representantes do imperador ou aos emissários de um rei. Um dos requisitos para ser apóstolo da Igreja era ter visto o Cristo ressurreto (1Co 9.1,2). Paulo viu Cristo quando estava na estrada de Damasco (At 9.1-9), e foi nessa ocasião que o Senhor o chamou para ser seu apóstolo aos gentios. Paulo recebeu de Cristo revelações divinas que deveria compartilhar com as igrejas.

3) Era um pregador do evangelho (Rm 1.1c-4). Quando era um rabino judeu, Paulo consagrou-se, como fariseu, às leis e tradições dos judeus. Mas quando entregou a vida a Cristo, se consagrou ao evangelho e ao ministério. O termo evangelho significa “as boas novas”. É a mensagem de que Cristo morreu por nossos pecados, foi sepultado, ressuscitou e agora pode salvar todo o que crer nele (1Co 15.1-4). É o “evangelho de Deus” (Rm 1.1), pois Deus é sua origem; não foi inventado pelo homem. É o evangelho de Cristo, pois seu cerne é Cristo, o Salvador. Paulo também o chama de “evangelho de seu Filho” (Rm 1.9), o que mostra que Jesus Cristo é Deus!

Jesus Cristo é o cerne da mensagem do evangelho. Paulo identifica Cristo como um homem, um judeu e o Filho de Deus. Nasceu de uma virgem (Is 7.14; Mt 1.18-25) na família de Davi, fato que lhe conferia o direito ao trono de Davi. Morreu pelos pecados do mundo e foi ressuscitado dentre os mortos. É esse acontecimento maravilhoso da morte vicária e da ressurreição vitoriosa que constitui o evangelho, e era esse evangelho que Paulo pregava.[6]  

Paulo é um exemplo de um mordomo fiel. Ele sabia quem ele era – escravo de Jesus Cristo. Sabia quais eram as suas obrigações – chamado para ser apóstolo e separado para o Evangelho de Deus. O mesmo acontece hoje com os servos de Jesus Cristo, somos chamados para sermos fiéis e servi-lo com empenho e dedicação. Tendo uma vida exemplar para que a glória de Deus brilhe mediante o nosso bom testemunho (Mt 5.16).

2º - Em segundo lugar, um mordomo administra a casa como se fosse o Senhor da casa. Embora sempre falemos sobre as coisas como “nossas”, a realidade é que tudo que temos e tudo que somos pertence a outro – a Deus. Como disse o apóstolo Paulo: “Que tens tu que não tenhas recebido?” (1Co 4.7). Portanto, foi de Deus que recebemos nossa vida e o tudo que há nela; e somos responsáveis por isso. Temporariamente – ou seja, até que Deus os exija de nós – somos mordomos desses dons.

A mordomia, frequentemente é associada ao dinheiro, ela deve ser descrita também como incluindo o nosso tempo, talentos e riqueza. Mas a mordomia não diz respeito apenas a sermos bons administradores de nossa agenda, nossas habilidades e nossas coisas. A disciplina da mordomia bíblica nos chama a usar todas essas coisas da maneira como o Senhor quer, a empregá-las para a sua glória. No entanto, ninguém pode ser um mordomo no sentido bíblico se, antes disso, não entende o evangelho – a história do que Deus realizou por meio da vida e da morte de Jesus Cristo.

A pergunta do Senhor aos doze “Quem é, pois, o servo fiel e prudente?” deixa a resposta por conta de cada um. Cada um deve examinar seriamente a si mesmo. Até mesmo entre os discípulos estava Judas, o traidor, de modo que Jesus não podia considerar “todos” como fiéis e sensatos administradores. O Senhor visava levar os apóstolos a que cada um deles se decidisse por uma das duas descrições. Há diferenças entre os servos que são colocados como superiores de outros. Porém a “todos” Jesus incute a seriedade da responsabilidade.[7]

3º - O mordomo fiel será recompensado (Lc 43,44). Há alegria em servir a Jesus. Há recompensa também. Há aquela confiança e esperança íntima que se derivam de estarmos certos com Deus. Há um desenvolvimento espiritual que é satisfatório, pois assim estaremos deixando para trás o homem mortal e físico, tornando-nos semelhantes ao Homem imortal, ao próprio Senhor.[8]

Rienecker observa que há uma diferença entre a recompensa no v. 44, prometida ao mordomo fiel, e a recompensa no v. 37, prometida ao servo vigilante. A promessa dada ao servo vigilante tem algo mais íntimo em si. É expressão de apego pessoal, de gratidão do Senhor pelo amor pessoal que o servo fiel lhe demonstrou. A promessa dada ao administrador no v. 44 é mais honrosa. Ela é a recompensa oficial e pública pelos serviços prestados à casa. Assim como sua esfera de atuação aqui na terra foi ampla e pública, assim também sua posição na glória abrangerá um grande e elevado raio de ação.[9]

2 – JESUS ALERTA A RESPEITO DA INFIDELIDADE (Lc 12.45-48).

Em contraste com o servo fiel, o servo infiel ignora a exortação no versículo 40: “Portanto, estai vós também apercebidos; porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais”, e diz em seu coração: “O meu senhor, tarda em vir”.

Observemos como o servo infiel age e o seu fim:

1º - Em primeiro lugar, ele não tem senso de urgência (Lc 12.45). Na falta de um senso de urgência ele continuou a fazer o que o satisfaz. E isso incluía brutalidade infligida aos outros escravos, homens e mulheres, bem como continuar a comer, beber e ficar embriagado. Em vez de administrar adequadamente os recursos colocados à sua responsabilidade, ele usou e abusou para seu próprio prazer. Ele viveu sob a ilusão de que ele tinha muito tempo para desfrutar de seu pecado antes do seu senhor voltar. Leon Morris diz que a prolongada ausência do senhor, porém, poderia levar um mordomo descuidadoso a um falso senso de independência.[10]

Muitas pessoas vivem suas vidas sob a mesma ilusão, achando que podem fazer o que quiserem e que se converterão a Deus pouco antes do fim da vida terrena (da morte ou da vinda de Jesus). Tal raciocínio é tanto insensato quanto perigoso, uma vez que ninguém sabe quando vai morrer, ou quando o Senhor voltará. Esse raciocínio é um perigo mortal, pois é uma grande apostasia (cf. Hb 6.4-8). Tal pessoa não percebe que Deus pode endurecer os corações daqueles que persistem em seu endurecimento, a um ponto onde eles não podem se arrepender e crer (Jo 12.37-40.; Rm 1.24,26,28; Hb 10.26,27).

2º - Em segundo lugar, esse servo será castigado (Lc 12.46,47). Uma vez que o cristão começa a pensar que o Senhor não está prestes a voltar, sua vida entra num processo de deterioração.[11] O juízo será severo para os fingidos, os quais, o tempo todo, eram piores que os incrédulos declarados. Serão “despedaçados”, uma metáfora que ilustra o juízo de modo não literal, embora mostre sua severidade e inexorabilidade. Que ninguém se equivoque a respeito, pois a lei da colheita segundo a semeadura é absoluta em suas operações (Gl 6.7,8).

James Edwards diz que o termo grego dichotomein (cortar em pedaços, desmembrar, “separá-lo-á”, “cortá-lo-á pelo meio), não ocorre em nenhuma outra passagem da Escritura, embora vários Salmos lembrem uma imagem semelhante (Sl 50.22).[12] Isso só revela a seriedade do que é ser negligente a obra de Deus e agir de forma hipócrita dentro da Igreja. É o que vemos em Mt 7.22,23, ou seja, com Deus não se brinca, e quem acha que pode fazer o que bem entende sem sofrer consequências está muito enganado.  

3º - Em terceiro lugar, a ignorância não será inocentada (Lc 12.48). Jesus deixou claro que existem pessoas que não sabem a vontade de Deus, no entanto, a sua ignorância não irá exonerá-lo do julgamento, já que ele cometeu atos dignos de um açoitamento. O pecado por desconhecimento, embora traga trágicas consequências, é um atenuante que implica uma pena mais branda.[13] Será que essa palavra de Jesus constitui a base para os diferentes graus de punição no inferno? Para Childers o princípio dos graus de recompensa e punição é claramente ensinado aqui e em outras passagens do Novo Testamento, mas a forma exata como Deus aplicará o princípio nem sempre é aparente. Uma coisa é clara, entretanto: O grau de fidelidade ou infidelidade determinará o grau de recompensa ou punição e esta fidelidade é julgada à luz do conhecimento da vontade de Deus e das oportunidades que o servo tem.[14]

John MacArthur é enfático em dizer que o grau de punição é proporcional à intencionalidade do comportamento infiel. Observe, contudo, que a ignorância é indesculpável (v. 48). O fato de que haverá vários níveis de punição no inferno é claramente ensinado em Mt 10.15, 11.22,24; Mc 6.11; Hb 10.29.[15]

4º - Em quarto lugar, quanto maior a luz espiritual possuída por uma pessoa, tanto maior será a sua culpa (Lc 12.48b). A quem muito foi dado, Jesus advertiu, muito será exigido. Depois de falar aos de fora, Jesus volta-se novamente aos discípulos. Ele mostrara a culpabilidade de um servo desobediente, de um discípulo. O v. 48b: “Àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido”. Muito foi dado ao que pela fé acolheu o testemunho de Jesus. Será julgado segundo sua medida de conhecimento. Desse modo a frase leva nitidamente de volta à parábola dos v. 42-46. A pergunta de Pedro, portanto, foi exaustivamente respondida.[16]

CONCLUSÃO

O julgamento de Deus será justo. Tomará como base o que o servo sabe sobre a vontade de Deus. Isso não quer dizer que, quanto mais ignorantes somos, mais leniente será o julgamento final diante de Cristo! Somos admoestados a conhecer a vontade de Deus (Rm 12.2; Cl 1.9) e a crescer no conhecimento de Jesus Cristo (2Pe 3.18). Jesus está declarando um princípio geral: quanto mais recebermos de Deus, mais teremos de prestar contas diante dele![17]

Muitas vezes fazemos perguntas, mas será que estamos preparados para a resposta? Jesus não deixou de responder a Pedro, e a Sua resposta trouxe a todos os discípulos um senso de responsabilidade ainda maior. Somos discípulos de Jesus e essa mesma responsabilidade está sobre os nossos ombros hoje também.

Pense nisso! 

Bibliografia                                                                                         

1 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 205.

2 – Robertson, A. T. Comentário de Lucas, à luz do Novo Testamento Grego, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 241.

3 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 202.

4 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 289.

5 – Lopes, Hernandes Dias. Romanos, O Evangelho segundo Paulo, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2010, p. 36.

6 – Wiersbe, Warren W. 1 Coríntios, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 668,669.

7 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 284.

8 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 132.

9 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 284.

10 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 205.

11 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 289.  

12 – Edwards, James A. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 488.

13 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 409.

14 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 433.

15 – MacArthur, John. Comentário Bíblico John MacArthur, Gênesis a Apocalipse, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, 2019, p. 1266.

16 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 286.

17 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 290.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A VIDA EM ESTADO DE PRONTIDÃO - Lucas 12.35-40

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 12.35-40

INTRODUÇAO 

A comunhão com Jesus chama e equipa discípulos para o extraordinário. Na seção anterior (Lc 12.22-34), Jesus advertiu os discípulos que é fácil as ansiedades da vida desviarem a atenção do cuidado fiel de Deus com seus filhos. Na presente seção, Jesus passa de uma advertência para uma exortação – a vigilância, a disponibilidade e a prontidão para o inesperado. Essa exortação ressoa em toda a Escritura.1 Wiersbe destaca que Jesus desloca a ênfase da preocupação com o presente para a atenção quanto ao futuro.2

Childers diz que Jesus ainda está se dirigindo a seus discípulos na presença da multidão e Ele ainda está pensando no perigo da avareza – de estar alguém fortemente preso às coisas materiais e temporais.3 Leon Morris é do mesmo pensamento de que Jesus reforça Seu ensino sobre o uso correto dos bens com a lembrança de que as coisas terrestres são temporárias, e de que a vinda do Filho do homem e certa.4

Pensando nisso, vamos destacar algumas lições importantes desse texto.

1 – ESTEJAMOS PRONTOS PARA A VOLTA DO MESTRE (Lc 12.35,36).

A Bíblia ensina que a história humana vai acabar quando o Senhor Jesus Cristo voltar à Terra para levar seu povo para estar com Ele, estabelecer o Seu reino, e punir os maus. A segunda vinda do Filho de Deus marca o fim do mundo como nós o conhecemos. Assim como Ele veio a primeira vez e estabeleceu a Sua Igreja, Ele garantiu para os seus discípulos que retornaria par buscar a Sua Igreja (conf. Mt 16.27, 24.42; Mc 13,26,27; Lc 21.34-36; Jo 14.1-3; At 1.11; 1Ts 4.16-18, 5.23; Hb 9.28; Ap 22.20).  A Escritura é clara e confiável quando fala a respeito da segunda vinda de Cristo. A volta do Senhor Jesus em plena glória é uma doutrina essencial e central da fé cristã.

Na verdade, em alguns aspectos a doutrina da segunda vinda é a verdade mais importante de tudo. Ela identifica e descreve o ponto culminante da história da redenção, que engloba o julgamento dos ímpios, a bênção dos justos, a exaltação final e permanente e glória do Rei dos reis e Senhor dos senhores.

No entanto, existem muitas pessoas que dizem ser crentes em Jesus, mas que vivem como se a vota de Cristo nunca ocorrerá. Vivem tão apegados as coisas dessa terra como se o céu fosse aqui. Observamos isso de forma clara na nova geração de crentes. Em sua grande maioria levam uma vida sem dar qualquer testemunho de que são cristãos. Digo que são crentes porque constam no rol de membros de alguma igreja. Mas não demonstram nenhum fruto. Muitos frequentam bares e boates. Vão as festas de Halloweens fantasiados de diabo. Isso quando não fazem coisa pior.  

Por isso que o Senhor depois de falar a respeito do perigo do apego as riquezas chama os seus discípulos e dá esse alerta.

A Bíblia revela, pelo menos, algumas razões pelas quais o Senhor Jesus Cristo deve retornar a terra da mesma forma que Ele a deixou, como lemos em Atos 1.10,11: “E, estando com os olhos fitos no céu, enquanto ele subia, eis que junto deles se puseram dois homens vestidos de branco. Os quais lhes disseram: Homens galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir assim como para o céu o vistes ir”.

1º - Em primeiro lugar, o testemunho do Antigo Testamento. O Antigo Testamento contém mais de três centenas de profecias da vinda do Messias, mais de uma centena foram cumpridas na primeira vinda de Jesus Cristo. Isso deixa pelo menos duas centenas de profecias restantes a serem cumpridas na Sua segunda vinda. Por exemplo, no Sl 2.6-9 Deus prometeu que seu filho iria ser rei sobre toda a terra e governar com mão de ferro. Is 9.6-7 descreve seu reinado como do trono de Davi. Zc 14.4-9 descreve Seu retorno à Terra para reinar como Rei. Deus não pode mentir (Tt 1.2) e não vai mudar de ideia (Nm 23.19.). As promessas que Ele fez irá cumpri-las, o Senhor Jesus Cristo voltará para cumpri-las.

2º - Em segundo lugar, as próprias afirmações de Jesus. Durante Seu ministério terreno Jesus se referiu várias vezes a respeito da sua segunda vinda (por exemplo, Mt 24.27, 30,37,39,44; Mc 13.26; 14.62; Jo 14.2,3). Ele deu um discurso extenso e detalhado (Mt 24-25.) O capítulo final da Bíblia registra a promessa de Jesus para vir novamente em suas próprias palavras (Ap 22.7,12,20). Veracidade e credibilidade de Cristo são, portanto, inseparavelmente ligada à Sua segunda vinda.

3º - Em terceiro lugar, o testemunho do Espírito Santo. O “Espírito da verdade” (Jo 14.17; 15.26; 16.13), foi Ele que inspirou os autores das Escrituras (2Pe 1.20,21), que repetidamente escreveu do retorno de Cristo (por exemplo, 1Co 1.4-7; Fl 3.20; Cl 3.4; 1 Ts 4.16,17; Tt 2.13; Hb 9.28 e Tg 5.7,8; 1Pe 1.13; 5.4; 1Jo 3.2). O Espírito, juntamente com o Pai e o Filho, testificam que Jesus Cristo voltará à Terra em triunfo e glória.

4º - Em quarto lugar, a corrupção do mundo. O retorno de Jesus Cristo é a bendita esperança dos crentes. Mas para o mundo incrédulo é a perspectiva aterrorizante de julgamento imediato, pois o Senhor Jesus Cristo trará destruição, devastação e morte para os ímpios (cf. Jo 5.25-29; 2Ts 1.7-10; Jd 14,15; Ap 19.11-16) e estabelecerá o Seu reino justo. O capítulo final da história da Terra será escrito por Jesus, o legítimo herdeiro do mundo (Hb 1.2; cf. Ap 5.1-5). Isso ocorrerá no Seu triunfante retorno.

A resposta adequada a essa realidade, em cada geração é vigilância (Mt 24.42-44; Mc 13.33-37; Lc 21.34-36). Nesta passagem Jesus tanto exortou seus seguidores a permanecerem em todos os momentos prontos para seu retorno, e disse-lhes por que tal disposição é importante.

2 – COMO DEVEMOS AGUARDAR A VOLTA DE CRISTO (Lc 12.35-40).

Champlin diz que temos aqui uma espécie de alegoria cujo principal motivo é advertir os crentes a se conservarem sempre vigilantes quanto à vinda de Cristo, que a igreja primitiva esperava que haveria de ocorrer dentro de sua própria geração.5

Nesta passagem, Jesus dá outro motivo pelo qual esta fixação àquilo que é material é perigosa. Se alguém quiser estar pronto para a volta do Mestre, a qualquer hora, deve ter o seu tesouro e o seu interesse nas coisas espirituais e eternas. A forte ligação com aquilo que é material se tornará a corrente que os prenderá aqui, quando os santos forem levados no arrebatamento.6

Jesus exorta os seus ouvintes para estarem prontos para seu retorno por meio de quatro analogias simples da vida cotidiana: roupas, lâmpadas, servos, e os ladrões.

1ª - A primeira analogia diz respeito as roupas (Lc 12.35a). “Estejam cingidos os vossos lombos”. James R. Edwards destaca que Jesus está trazendo a ideia do que ocorreu com os israelitas em Êxodo 12.11, que eles deveriam estar de prontidão para saírem do Egito.7 Os longos mantos orientais podiam impedir tanto o caminhar como o trabalho, a menos que fossem amarrados acima da cintura, para dar liberdade de movimentos aos pés e pernas. O cinto servia, portanto, a um propósito prático. O servo assim cingido estava pronto para a ação imediata, como o cristão que removeu todos os obstáculos para servir a Deus, e receber os seus favores.8

Em 1Pe 1.13 nós lemos: “Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sóbrios, e esperai inteiramente na graça que se vos ofereceu na revelação de Jesus Cristo”. As palavras de Jesus são uma chamada para prontidão, à luz do Seu retorno iminente. Que nada nos impeça de subir com quando Cristo retornar.

2ª - A segunda analogia diz respeito as lâmpadas (Lc 12.35b). Lâmpadas tem apenas uma função: para fornecer luz. Neste caso, como muitas vezes é, a luz é uma figura de conhecimento. O cristão não deve jamais negligenciar a sua luz; ele não deve permitir que seu pavio fique chamuscado ou que o seu óleo se esgote. A devoção pessoal – oração e leitura da Bíblia – e o serviço fiel manterão a lâmpada da alma ardendo com brilho.9 Jesus poderá voltar a qualquer momento, por isso, precisamos nos mantermos alertas, tendo as nossas lâmpadas sempre acesas, e não nos perdermos na escuridão espiritual.

Como disse Paulo na sua carta aos Colossenses 3.1-4: “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas que são de cima, e não nas que são da terra; porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos manifestareis com ele em glória”.

3ª - A terceira analogia diz respeito aos servos (Lc 12.36-38). Jesus passa a retratar servos cujo senhor fora para uma festa de casamento, e que o esperam de volta a qualquer momento. Não serão achados despreparados, mas, sim, abrirão a porta tão logo ele bata, e se demonstrarão prontos para qualquer serviço que ele desejar.10

Devido a essa prontidão, o senhor não iria deixar de recompensar aqueles servos que ele encontrou em estado de alerta, quando ele voltou. Em uma inversão de papéis incrível, para demonstrar o prazer do senhor em tal disposição, Jesus diz que o senhor passou a cingir-se a servir os que o serviam e tinham eles à mesa como seus iguais. Isso é o que o próprio Jesus fez para Seus amados discípulos (Jo 13.1-5; cf. Mt 20.28; Lc 22.27). Que grande privilégio!

4ª - A quarta analogia diz respeito ao ladrão (Lc 12.39,40). O quadro agora apresentado não é de um senhor de volta, mas de um ladrão. O elemento surpresa associada à chegada clandestina de um ladrão se encaixa o ponto da imprevisibilidade da volta do Senhor. Em Apocalipse 3.3 Jesus advertiu a igreja de Sardes, “Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, e guarda-o, e arrepende-te. E, se não vigiares, virei sobre ti como um ladrão, e não saberás a que hora sobre ti virei”. Tanto 1 Tessalonicenses 5.2-4 e 2 Pedro 3.10 comparam a vinda do Dia do Senhor com a de um ladrão.

Jesus resume os quatro das analogias dando uma exortação final: “Portanto, estai vós também apercebidos; porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais” (Lc 12.40). Este versículo amplifica e completa o anterior. O dono da casa está despreparado para o ladrão porque ele não “sabe” de sua vinda. Mas quando o Filho do Homem vier, é desnecessário que os seus seguidores professos sejam apanhados despreparados, pois eles podem e vão “saber”. Eles não sabem a hora de sua vinda, mas sabem, com certeza, que Ele virá. A solução é: Esteja sempre pronto. Portanto, o verdadeiro segredo da vinda do Senhor Jesus Cristo é um incentivo adicional para um permanente e elevado grau de discipulado.11

CONCLUSÃO

Jesus traz um alerta para seus discípulos para não ficarem presos as coisas dessa terra, não que seja proibido obter bens materiais, mas o grande perigo é quando essas coisas tomam o lugar de adoração em nossas vidas. Quando os bens materiais se tornam o nosso deus. O alerta de Jesus é para estarmos com os nossos olhos fixos no céu. Não nos esquecendo que a qualquer momento o Senhor virá e nós não sabemos a que hora isso ocorrerá. Por isso, devemos estar em estado de prontidão porque o Senhor logo virá.

Pense nisso!

Bibliografia

1 – Edwards, James R. o Comentário em Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 484.

2 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 288.

3 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 431.

4 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 204.

5 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 130

6 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 431.

7 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 484.

8 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 431.

9 – Ibidem, p. 431.

10 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 204.

11 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 432.