quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

JESUS E O JOVEM RICO - Lucas 18.18-30


Por Silas Figueira

Texto base: Lucas 18.18-30

INTRODUÇÃO 

Todos os três sinóticos relatam o episódio seguinte na mesma sequência após a bênção das crianças. [1] Somente Lucas nos conta que este homem era de posição (príncipe). [2] Este também é o único homem dos Evangelhos a colocar-se aos pés de Jesus e, depois, partir numa situação pior do que quando havia chegado. [3]

Pelos três sinóticos este homem é descrito como uma pessoa muito rica, alguém que possuía muitas propriedades (Mt 19.22; Mc 10.22; Lc 18.23). Portanto, o título composto, rico jovem governante lhe é geralmente aplicado. Ele era provavelmente um dos oficiais a cargo da sinagoga local. [4]

James R. Edward destaca que Lucas:

[...] se refere quatro vezes às pessoas ricas e abastadas com tanta frequência quanto Mateus e Marcos. Algumas pessoas com meios financeiros desempenham papéis positivos em Lucas-Atos, incluindo José de Arimatéia (Lc 23.50-54), Barnabé (At 4.37), centuriões romanos (Lc 7.2-10; At 10), talvez Lídia, uma comerciante de púrpura (At 16.14). Nenhuma dessas pessoas, no entanto, é designada como rica (gr. plousios). Em Atos dos Apóstolos, ninguém é chamado plousios, enquanto no terceiro evangelho as pessoas são chamadas de plousios em treze ocasiões, mas só uma vez positivamente (Zaqueu, Lc 19.1-10). Duas das três referências ao “dinheiro” também são negativas (Lc 16.9,11,13). Não é possível dizer que a riqueza é um mal categórico no terceiro evangelho, mas é necessário dizer que ela representa um perigo inquestionável para a fé e o discipulado. [5]

O significado central dessa história é claro. Não importa no que alguém pode acreditar, ninguém entra no reino sem humildemente confessar seu pecado e, pela fé, submeter-se completamente ao senhorio de Jesus. A salvação é mais do que simplesmente acreditar nos fatos relativos ao evangelho; envolve o reconhecimento sobre a sua própria natureza pecaminosa e a autoridade do Senhor como nosso Salvador. A salvação genuína requer reconhecer que não se pode agarrar a nada neste mundo temporal, mas devemos estar dispostos a deixar tudo, se necessário for, em prol da salvação que Senhor tem para nós (Lc 9.23,24).

Wiersbe destaca que esse jovem apesar de ter buscado a Pessoa certa, de ter feito a pergunta certa e de ter recebido a resposta certa, tomou a decisão errada. [6]

Vamos analisar esse texto e ver quais lições podemos tirar desse texto.

1 – ESTE JOVEM ERA UM EXEMPLO NA SOCIEDADE.

Ao lermos os relatos de sua vida nos evangelhos sinópticos, nos deparamos com um homem exemplar. Podemos destacar alguma de suas virtudes.

Em primeiro lugar, ao contrário do fariseu em Lucas 18.9-14, ele reconheceu a sua necessidade (Lc 18.18). Ele estava ciente de que ele não tem a vida eterna de Deus em sua alma, nem a esperança do céu. Em vez de ser calmo e confiante, ele estava inquieto e ansioso. Ele queria alívio do peso esmagador do legalismo, e a certeza da presença de Deus que traz esperança, paz, alegria, contentamento e uma esperança confiante do céu. Este jovem provavelmente pensava que, com algum ato, poderia obter a vida eterna.

Fritz Rienecker destaca que interiormente sua consciência constantemente lhe mostrava claramente que o tesouro de suas boas obras não bastava. Buscava acrescentar à sua justiça algo extraordinário, a fim de assegurar com plena certeza a posse da vida eterna. Esses pensamentos o levaram a ouvir do Senhor uma resposta à sua mais importante indagação vital. O rico presidente, portanto, era um homem cheio de boa vontade, porém sem uma visão correta de si mesmo. [7]

Em segundo lugar, ele se aproxima de Jesus de forma humilde (Mc 10.17). “E, pondo-se a caminho, correu para ele um homem, o qual se ajoelhou diante dele”. Ele não foi arrogante perante o Senhor Jesus, apesar de não o vê-lo como o Deus encarnado, o Messias de Israel. Mas sabia que Jesus era um Mestre usado por Deus. Ele demonstra humildade ao tratar respeitosamente Jesus como Bom (gr. agathos); bom em essência ou por natureza. Nenhum rabino judeu era chamado “bom” quando em tratamento direto. [8] No entanto, esse jovem o fez.

Em terceiro lugar, ele veio para a pessoa certa (Lc 18.18). Muitos dos que procuram a vida espiritual, infelizmente, procuram nos lugares errados; na igreja errada, na religião errada, ou no líder errado. Este homem, no entanto, veio para a única fonte de vida, o Senhor Jesus Cristo, que é Ele mesmo a vida eterna (1Jo 5.20). Ele não buscou atalhos; buscou a Jesus, o único que pode levar o ser humano ao céu. [9]  

Em quarto lugar, ele observa a Lei desde sua infância (Lc 18.20,21). Segundo alguns, ele queria dizer “desde que me tornei um bar mitzvah”, isto é, “um filho da lei”, o nome dado a um menino judeu que havia alcançado a idade da responsabilidade religiosa. Outros interpretam a expressão num sentido mais geral: “a partir da infância.” [10]

Em quinto lugar, ele era proeminente na sociedade judaica (Lc 18.18). Poucos príncipes tinham qualquer apreço por Cristo, mas aqui estava um que o tinha; não nos é informado se ele era um príncipe da sinagoga ou do governo, mas ele era alguém investido em autoridade. [11] Leon Morris diz que não podemos ser específicos e sugerir, por exemplo, que fosse um chefe de sinagoga. Mas pelo menos fazia parte das classes dominantes. [12]

Em sexto lugar, ele era um jovem virtuoso (Mt 19.16; Lc 18.21). Esse jovem fora criado na Lei do Senhor e em pleno alvorecer da vida permanecia firme. Assim como Paulo, este Jovem era proeminente, investindo o seu futuro no reino de Deus. Era um jovem que dava exemplo na sociedade judaica. Considerava-se um fiel cumpridor da lei. Chegou a dizer a Jesus: Tudo isso tenho observado, que me falta ainda? (Mt 19.20). Aquele jovem se olhava no espelho da lei e dava nota máxima para si mesmo. Considerava-se um jovem íntegro. Não vivia em orgias nem saqueava os bens alheios. Vivia de forma honrada dentro dos mais rígidos padrões morais. [13]    

Em sétimo lugar, ele era riquíssimo (Lc 18.23). Os três Evangelhos sinóticos descrevem esse jovem como uma pessoa muito rica (Lc 18.23; Mt 19.22; Mc 10.22). Ser rico não é pecado, o pecado é ser possuído pela riqueza. Como disse Paulo: “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores” (1Tm 6.10).

Em oitavo lugar, ele foi amado por Jesus (Mc 10.21). Somente Marcos cita a forma amorosa que o Senhor olhou para ele. E por amor, o Senhor lhe diz que ainda lhe faltava uma coisa para alcançar a vida eterna. Se desfazer de seus bens materiais.

2 – AS VIRTUDES DO JOVEM RICO ERAM APENAS EXTERNAS (Lc 18.18-23).

O jovem rico tinha muitas qualidades, isso era inquestionável. A sociedade local podia comprovar isso. No entanto, ele as superestimava. Ele deu a si mesmo a melhor nota, afinal ele era um observador da Lei e a guardava com dedicação desde a sua meninice. No entanto, Jesus o desmascarou em relação a avaliação que fazia de si mesmo e até mesmo em relação a avaliação que fazia do próprio Jesus.

Com isso em mente, podemos destacar alguns pontos a esse respeito.

Primeiro, ele estava enganado a respeito da salvação (Lc 18.18). Ele supunha que a vida eterna devesse ser merecida, e que fosse necessária alguma boa obra que não estava fazendo na ocasião. [14] Seu desejo de ter a vida eterna era sincero, mas ele estava enganado quanto à maneira de alcançá-la. Ele queria obter a salvação por obras, e não pela graça. [15]

Segundo, ele estava enganado a respeito da guarda da Lei (18.20,21). Dos dez mandamentos, Jesus pergunta cinco: “Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe”. Esses cinco mandamentos dizem respeito a lidar com outras pessoas. E, segundo ele, os estava observando. Não podemos imaginar uma resposta mais repleta de trevas e ignorância pessoal, diz John C. Ryle. Aquele que deu essa resposta não sabia nada corretamente a respeito de si mesmo, de Deus e de sua Lei. Nenhum homem verdadeiramente ensinado pelo Espírito jamais falará que desde a sua juventude tem “observado” todos os mandamentos de Deus. Pelo contrário, ele clamará, assim como o apóstolo Paulo: “A lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal... eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum” (Rm 7.14,18). [16]

Sanner destaca que outro hebreu que mais tarde fez uma confissão semelhante (Fp 3.6) também descobriu que “o homem não é justificado pelas obras da lei” (G1 2.16). [17] Wiersbe diz que Jesus não cita a Lei para ele como um meio de alcançar a salvação, pois a obediência à Lei não salva. Antes, coloca a lei diante do jovem como um espelho para revelar seus pecados (Rm 3.19, 20; Gl 2.21; 3.21). [18]

Terceiro, ele estava enganado em relação ao pecado (Lc 18.22). Esse jovem não percebeu quanto idólatra ele era. O dinheiro tomava o seu coração de tal forma que virou o seu deus.

Vende tudo o que tens era o desafio do reino de Deus (cf. 12.33). A vida eterna valia mais do que qualquer outra coisa, e, portanto, era preciso renunciar a tudo para obtê-la. Jesus referiu-se então, em essência, ao mandamento contra a cobiça. Conhecendo o coração do jovem, Jesus pediu-lhe que ultrapassasse o decálogo, enquanto lhe assegurava que continuaria tendo um tesouro, que, apesar de diferente, era muito maior (veja Mt 6.20). [19]

Jesus não está dizendo para este jovem que salvação vem através da filantropia, mas por meio de humildade, abnegação e obediência à Cristo (cf. Lucas 9.23,24). Jesus mostrou para o jovem rico que ele estava equivocado em achar que estaria salvo por guardar a Lei. Jesus deu-lhe uma ordem para abandonar todas as suas prioridades terrenas e despojar-se de tudo o que importava para ele. Deus deve ser a nossa principal prioridade nesta vida. Tudo o que toma o lugar de Deus em nosso coração deve ser abandonado.

À primeira vista, não havia qualquer razão pela qual esse homem não podia ser instruído no caminho de Deus e tornar-se um discípulo de Cristo. Mas infelizmente existia uma coisa que ele amava mais do que a “vida eterna”. Era a sua própria riqueza. Quando convidado por Cristo a abandonar tudo que possuía na terra e ajuntar um tesouro nos céus, esse homem não teve fé para aceitar o convite. O amor ao dinheiro era o pecado que dominava seu coração. [20]

Em quarto lugar, ele estava enganado a respeito de Jesus (Lc 18.18,19). Anthony Lee Ash diz que Jesus estava verificando se o jovem iria depender de Deus e confiar nEle para dar-lhe a resposta de Deus. [21] Mas pelo que observamos, quando este jovem se aproxima de Jesus e o chama de “Bom Mestre”, essa forma de dirigir-se a Jesus tinha sabor de adulação insincera. De modo que Jesus começou dirigindo seus pensamentos a Deus.

Ele chama Jesus de Bom Mestre, mas não está pronto para lhe obedecer. Ele pensa que Jesus é apenas um rabi, e não o Deus encarnado. Quando Jesus lhe deu algo para fazer, ele se recusou a obedecer! Desejava ser salvo de acordo com suas próprias condições, não de acordo com o que Deus havia determinado, de modo que se virou e partiu profundamente entristecido. [22]

Em quinto lugar, ele estava enganado acerca da verdadeira riqueza (Lc 18.23). Depois de perturbar a complacência do jovem com a constatação de que uma coisa lhe faltava, Jesus o desafia com uma série de quatro imperativos: “Vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-me” (Lc 18.23). Esses quatro imperativos são uma única ordem que exige uma só reação. O jovem deve renunciar aquilo que se constitui no objeto de sua afeição antes de poder viver debaixo do senhorio de Deus. [23]

Por causa de sua atitude cheia de cobiça com relação a riquezas, ele se tornara culpado de violar também o primeiro e mais importante dos mandamentos: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3; Dt 5.7). Esse homem não conseguiu abrir mão de sua fortuna para seguir a Jesus, daí sua tristeza. Sua reação ilustra muito bem o enunciado de Jesus: “Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Lc 16.13; v. também Mt 6.24). [24]

O jovem rejeitou a Cristo e a vida eterna. Agarrou-se ao seu dinheiro e com ele pereceu. Saiu triste e pior, por ter rejeitado a verdadeira riqueza, aquela que não perece. O jovem rico se tornou o mais pobre entre os pobres. [25]

3 – AS RIQUEZAS PODEM SER UM EMPECILHO PARA A SALVAÇÃO (Lc 18.24-30).

Aqui encontramos o segredo e a tragédia deste importante homem rico. Vivia egoisticamente. Era rico, mas não dava nada a ninguém. Seu verdadeiro Deus era a comodidade, e o que realmente adorava eram suas posses e sua riqueza. Por essa razão Jesus pediu que ele desse tudo. [26]

Podemos destacar duas lições aqui.

Primeiro, este jovem confiava na riqueza e não em Deus (Lc 18.24,25). Esse acontecimento levou Jesus a fornecer aos seus um ensinamento sobre o perigo da riqueza. Um rico dificilmente entra no reino de Deus, porque o coração pecaminoso se apega demais à propriedade terrena. [27] O dinheiro é mais do que uma moeda; é um ídolo. A confiança em Deus implica o abandono de todos os ídolos. Quem põe a sua confiança no dinheiro não pode confiar em Deus para a própria salvação. [28]

Leon Morris diz que Jesus disse que os afluentes sempre são tentados a depender das coisas da terra, e não acham fácil lançar-se sobre a misericórdia de Deus. [29]

Mas vejamos o que a Bíblia nos fala a respeito do perigo de confiarmos nas riquezas. Em Mateus 6.24 o Senhor disse:

“Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom (riquezas)”.

Paulo também alertou Timóteo a esse respeito quando lhe escreveu:

“Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas gozarmos; que façam bem, enriqueçam em boas obras, repartam de boa mente, e sejam comunicáveis; que entesourem para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam se apoderar da vida eterna” (1Tm 6.17-19).

A raiz de todos os males não é o dinheiro, mas o amor ao dinheiro (lTm 6.10). Não é o fato de possuir riquezas que impede as pessoas de entrarem no céu, pois Abraão, Davi e Salomão foram homens extremamente ricos. Antes, é o fato de ser possuído pelas riquezas e de confiar nelas que dificulta a salvação dos ricos. A riqueza dá uma falsa sensação de sucesso e de segurança, e quando as pessoas estão satisfeitas consigo mesmas, não sentem necessidade de buscar a Deus. [30]

Jesus ilustrou a impossibilidade da salvação daqueles que confiam no dinheiro: “É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Lc 18.25). Os persas expressavam a impossibilidade usando um provérbio familiar, afirmando que seria mais fácil um elefante passar pelo buraco de uma agulha. Os judeus pegaram esse provérbio e substituíram por um camelo, uma vez que os camelos eram os maiores animais na Palestina, e o fundo de uma agulha era o menor orifício conhecido na época. Belone (gr) significa, originalmente, a ponta de uma lança, e depois, a agulha do cirurgião. Esse termo é encontrado somente aqui no Novo Testamento. [31]

Frequentemente se diz que havia uma porta em Jerusalém chamada “Fundo de Agulha”, pela qual os camelos somente poderiam atravessar ajoelhados, e com muita dificuldade. O problema desta exegese, no entanto, é que simplesmente não é verdadeira. Nunca houve semelhante porta em Jerusalém, em qualquer período da sua história. [32]

Segundo, a salvação é uma obra milagrosa de Deus (Lc 18.26,27). Aqueles que ouviram as palavras do Senhor entenderam o que ele quis dizer. Eles ficaram surpresos e exclamou: “Então, quem pode ser salvo?” O rico pode se dar ao luxo de dar mais esmolas que as outras pessoas, e os judeus acreditavam que a esmola era chave para entrar no reino. O livro apócrifo de Tobias expressou esse ponto de vista quando ele disse: “É melhor dar esmolas do que juntar ouro: uma esmola livrará da morte, e deve perdoar todos os pecados. Aqueles que exercem esmolas e justiça deve ser preenchido com a vida” (Tobias 12.8,9; cf. Eclesiástico 3.30). Mas o Senhor mostrou que esta era uma interpretação errada. Como disse Paulo aos Efésios: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9).

Rienecker destaca que a declaração do Senhor ensinou os ouvintes a lançarem um olhar sincero para seu próprio coração. Consternados eles perguntam quem, então, poderá ser salvo? Não obstante, tornar-se bem-aventurado, ser salvo, algo impossível a partir do ser humano, pode ser viabilizado por Deus. Nenhuma pessoa é capaz de transformar seu coração por força própria, para não se apegar mais às coisas terrenas. A onipotência da graça de Deus, porém, consegue renovar o coração, para que abra mão de tudo o que é terreno por causa do reino de Deus, para que busque, ao invés de bens terrenos, o tesouro celestial. [33A salvação, para os ricos ou para os pobres, sempre é um milagre da graça divina. Sempre é a dádiva de Deus. [34]

4 – RICOS EM CRISTO (Lc 18.28-30).

Pedro é o porta-voz, como era usual. Neste caso ele não falou com orgulho, mas fez uma observação justa, conforme a resposta de Jesus certamente o indica. Pedro deve ser contrastado aqui com o jovem rico. É verdade que Simão não tinha “muito a perder”, materialmente falando, como era o caso do jovem rico. Contudo, ele tinha “muito a dar”, como pessoa, como alma. Aquilo a que podia renunciar, renunciou; e o que podia dar, deu. [35]

Podemos destacar algumas lições aqui.

Em primeiro lugar, a abnegação dos discípulos (Lc 18.28). Todos os discípulos fizeram aquilo a o que o homem rico não conseguiu se decidir. A forma peculiar aqui em Lucas “Nós abandonamos o próprio (ta idia), a propriedade”, destaca a dificuldade do sacrifício prestado. Em lugar do temor de não ser salvos, surge entre os discípulos a expectativa de uma recompensa extraordinária. Afinal, o próprio Senhor relacionou o despojamento da propriedade terrena com a obtenção do tesouro celestial. [36] Seguir a Cristo é o maior projeto da vida. Vale a pena abrir mão de tudo para ganhar a Cristo. Ele é a pérola de grande valor. [37]

Uma vez uma pessoa, pensando em todas as provas que tinha suportado David Livingstone, as penúrias que o tinham abatido, e como tinha perdido sua esposa e arruinado sua saúde na África, disse-lhe: “Quantos sacrifícios você tem feito!” Livingstone lhe respondeu: “Sacrifícios? Não fiz nenhum em toda minha vida”. [38]

Em segundo lugar, a motivação dos discípulos (Lc 18.29). Não basta deixar tudo por Cristo; é preciso fazê-lo pela motivação certa. Jesus é claro em sua exigência: ... por causa do reino de Deus (Lc 18.29). Marcos ainda é mais enfático no seu registro: ... por amor de mim e por amor do evangelho (Mc 10.29). Precisamos fazer a coisa certa, com a motivação certa. O objetivo da abnegação não é receber recompensa. Não servimos a Deus por aquilo que ele dá, mas por quem ele é (Dn 3.16-18). Muitos hoje pregam um evangelho de barganha com Deus. Você dá para receber de volta. Você oferece algo para Deus a fim de receber uma recompensa maior. [39]

Em terceiro lugar, a recompensa dos discípulos (Lc 18.30). Jesus reassegura a Pedro e aos outros que tudo quanto deixamos para trás por amor do evangelho e do reino de Deus (Mc 10.29 diz: “por amor de mim e do evangelho”) será recompensado inúmeras vezes (Mc 10.30 diz: “cem vezes tanto”) neste mundo e no mundo vindouro a vida eterna. Deus não deve nada a nenhum ser humano. Lucas modificou o texto de Marcos provavelmente porque desejou evitar a ideia de que os discípulos são motivados a seguir a Jesus porque esperam recompensas materiais nesta vida. [40]

Anthony Lee Ash destaca que Jesus respondeu que as bênçãos espirituais e a comunhão no presente e no mundo por vir iriam mais do que compensar qualquer perda, por causa do seu valor mais alto (cf. Lc 14.26). [41]

Mesmo no presente tempo, isto é, antes do grande dia do juízo, e para cada crente antes de sua morte, esses fiéis seguidores recebem as bênçãos indicadas em passagens como Pv 15.16; 16.8; Mt 7.7; Jo 17.3; Rm 8.26-39; Fl 4.7; 1Tm 6.6; Hb 6.19, 29; 10.34; lPe 1.8. Apesar das perseguições que eles terão de enfrentar, eles serão capazes de apreciar até mesmo suas possessões materiais muito mais do que os ímpios usufruem as deles. [42]

Jesus fala sobre duas recompensas e duas realidades.

Primeiro, há uma recompensa imediata. Seguir a Cristo é um caminho venturoso. Deus não tira; ele dá. Ele dá generosamente. Quem abre mão de alguma coisa ou de alguém por amor ao reino de Deus recebe já no presente muitas vezes mais.

Segundo, há uma recompensa futura. No mundo por vir, receberemos a vida eterna. Essa vida é superlativa, gloriosa e feliz. Então, receberemos um novo corpo, semelhante ao corpo da glória de Cristo. Reinaremos com ele para sempre. [43]

CONCLUSÃO

A graça, e não a posição, é o eixo em torno do qual gira a nossa salvação. O dinheiro não fechará a porta do céu para nós, se nossos corações estiverem em retidão diante de Deus. Cristo pode nos tornar mais do que vencedores e capacitar-nos a vencer em cada provação. Disse o apóstolo Paulo: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp 4.13). [44]

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005, p. 373.

2 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 250.

3 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 323.

4 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 396.

5 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 645.

6 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 324.

7 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curi-tiba, PA, 2005, p. 375.

8 – Robertson, A. T. Comentário de Lucas, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 313.

9 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 527.

10 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 398.

11 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 683.

12 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 250.

13 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 526.

14 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 250.  

15 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 528.

16 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 295.

17 – Sanner, A. Elwood. Comentário Bíblico Beacon, Marcos, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 286.

18 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 324.

19 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 264.

20 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 295.

21 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 264.

22 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 324.

23 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 530.

24 – Evans, Craig A. O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 310.

25 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 530.

26 – Barclay, William. O Novo Testamento Comentado, Lucas, p. 199.

27 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005, p. 377.

28 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 530.

29 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 252.

30 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 324.

31 – Robertson, A. T. Comentário de Lucas, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 314.

32 – Fee, Gordon D. e Stuart, Douglas. Entendes o Que Lês? Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 21

33 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005, p. 377.

34 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 252.

35 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 179.

36 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005, p. 377.

37 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 532.

38 – Barclay, William. O Novo Testamento Comentado, Lucas, p. 200.

39 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 532.

40 – Evans, Craig A. O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 311.

41 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 266.    

42 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 532.

43 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 406.

44 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 297.

sábado, 16 de novembro de 2024

JESUS E AS CRIANÇAS - Lucas 18.15-17

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 18.15-17

INTRODUÇÃO

Jesus, após a sua ressurreição, disse para Pedro quando o confrontou no mar de Tiberíades: “Apascenta os meus cordeiros” (Jo 21.15). Os cordeiros são os mais novos do rebanho. Os cordeiros aqui não são somente crianças, mas os novos na fé. Por isso, devemos cuidar de modo especial daqueles que são novos na graça. Podem ser velhos em anos, mas ainda assim serem bebês na graça quanto à idade de sua vida espiritual, e por isso precisarem da tutela de um bom pastor.

No entanto, o texto que lemos não está falando de pessoas novas na fé, mas de crianças. Crianças (brephos), uma palavra antiga que significa “bebês”. Em Marcos 10.13 e Mateus 19.13 trazem (paida, podem ter entre 8 dias e 12 anos) “criancinhas”. [1] Só compreenderemos a beleza desta passagem ao observar quando esse fato aconteceu. Jesus estava indo para Jerusalém. Ele marchava para a cruz. Foi nessa caminhada dramática, dolorosa, que ele encontrou tempo em sua agenda e espaço em seu coração para acolher as crianças, orar por elas e abençoá-las. [2]

James R. Edwards destaca que no judaísmo, as mulheres e as crianças derivavam sua posição na sociedade principalmente em relação aos adultos do sexo masculino. Os filhos, é claro, eram considerados uma bênção de Deus, mas em grande parte porque eles garantiam a continuidade da família por mais uma geração. A “infância”, em geral, era um intervalo inevitável e não uma celebração até o jovem amadurecer o bastante para ter filhos e contribuir com a força de trabalho. É vã a busca na literatura da Antiguidade por simpatia pelos jovens comparável com a demonstrada por Jesus. [3]

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições sobre este assunto.

 1 – OS PAIS DEVEM SE PREOCUPAR EM LEVAR SEUS FILHOS À CRISTO (Lc 18.15).

Era costume os pais levarem os filhos para serem abençoados pelos rabinos, de modo que não causa surpresa terem levado os pequeninos até Jesus. Algumas dessas crianças ainda eram de colo (Lc 18.15), outras já sabiam andar; Jesus recebeu todas de braços abertos. [4] Lucas chama essas criancinhas, que lhe eram trazidas, de “lactentes”. [5]

Mas esse versículo destaca dois grupos.

Em primeiro lugar, vemos os que os que levam as crianças a Jesus (Lc 18.15a). William Hendriksen destaca que presumivelmente, essas crianças eram levadas por seus pais ou outros parentes íntimos, talvez até mesmo crianças maiores. O propósito era que Jesus “tocasse” os pequeninos, isto é, que impusesse suas mãos sobre eles enquanto rogava ao Pai que os abençoasse. [6]

Todos os pais cristãos têm a responsabilidade dada por Deus de “criar seus filhos na doutrina e admoestação do Senhor” (Ef 6.4). Sua maior preocupação deve ser o destino eterno de seus filhos; seu maior desejo para eles é que passem a eternidade no céu, e não no inferno. Para isso, os pais cristãos devem orar pela salvação de seus filhos, e trabalhar em direção a esse objetivo, ensinando-lhes o evangelho em uma atitude de amor e disciplina, evitando irritá-los e desencorajá-los (Cl 3.21), e viver de forma que seus filhos conheçam o amor de Deus mediante o testemunho em suas vidas.

Na cultura grega e judaica as crianças não recebiam o valor devido, mas no reino de Deus elas não apenas são acolhidas, mas também tratadas como modelo para os demais que ali querem entrar. [7]

Em segundo lugar, os que impedem as crianças de irem a Cristo (Lc 18.15). Por que os discípulos repreenderam essas pessoas e tentaram impedir que as crianças fossem até o Mestre? Provavelmente, pensaram estar lhe fazendo um favor, ajudando-o a não desperdiçar seu tempo e a guardar suas energias. Em outras palavras, não deram importância às crianças! [8]

Champlin destaca que as mulheres buscavam a influência do poder espiritual de Jesus sobre seus filhos. Para elas isso não era algo trivial. Elas e Jesus sabiam disso. Mas os discípulos de Jesus presumiram que o ato era uma trivialidade, e tentaram “proteger” a Jesus dos pais e seus filhos. [9]  

As almas das crianças são preciosas aos olhos de Deus, diz John C. Ryle. Tanto nesta passagem quanto em outras das Escrituras, existem provas claras de que Cristo se interessa por elas, na mesma intensidade com que se interessa pelos adultos. [10]

Ainda hoje muitos líderes não se importam com as crianças. Fazem muitos cultos “para os jovens” – não para Deus. Com a intenção de mantê-los na igreja. Só que tais líderes desconhecem que se aduba a planta enquanto ela é bem pequena (semente), e não depois que está desenvolvida. Se queremos ver “frutos” nos jovens, devemos “regá-los e adubá-los” na tenra idade.

Creio também que a causa desse descaso seja o preconceito para com as crianças. Charles Spurgeon conta que uma pessoa que quis, supunha ele, fazer com que sentisse sua própria insignificância, lhe escreveu para dizer que havia se encontrado com alguns negros que tinham lido seus sermões com grande prazer; e essa pessoa acreditava que eram muito adequados para eles. Sim, minha pregação era justamente o tipo de coisa para esses homens, disse Spurgeon. O remetente nem sonhava que me dava um prazer muito sincero; pois se sou compreendido por pessoas pobres, por empregadas, por crianças, estou certo de que posso ser entendido por outros. [10]

Os discípulos repreendiam aqueles que levavam as crianças por acharem que Jesus não devia ser incomodado com questões irrelevantes. O verbo grego usado pelos discípulos indica que eles continuaram repreendendo enquanto as pessoas levavam seus filhos. Eles agiam com preconceito. Ainda hoje podemos impedir as pessoas de levarem as crianças a Cristo por comodismo, por negligência ou por uma falsa compreensão espiritual. [11]

2 – JESUS REPREENDE OS DISCÍPULOS POR TAL ATITUDE (Lc 18.16).

Naquele tempo, como já falamos, os adultos normalmente ignoravam as crianças. Jesus, no entanto, fica indignado, porque ele valoriza as crianças. “Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis”. Jesus, então, os toma nos braços e os abençoa: aquele que tem tempo para as crianças enquanto está a caminho do Calvário ainda ama as crianças e as abençoa. Esse é o sentido literal das ações de Jesus aqui. [12]

Alguns princípios precisam ser observados aqui.

Em primeiro lugar, Jesus repreende os discípulos com veemência por essa atitude (Mc 10.14). O texto em Marcos 10.14 nos diz: “Jesus, porém, vendo isto, indignou-se”. Essa é a única passagem nos evangelhos que se diz que Jesus ficou indignado. A palavra para “indignado” (gr. aganaktein) significa “ficar com raiva”, ou seja, demonstrar com veemência o desprazer de forma expressa, em vez de apenas reclamar sobre a situação. [13]

Em segundo lugar, Jesus chama as crianças para si (Lc 18.16). Jesus tem afeição por elas. O apelo de Jesus para que as crianças tenham permissão de vir até Ele é um apelo que muitos pais precisam ouvir. E uma tragédia pensar nos pais “proibindo” seus filhos ou em pregadores fazendo a mesma coisa, ou que ambos sejam obstáculos para as crianças. [14]

Eu conheço uma pessoa que disse que preferia ver sua filha no mundo a frequentar uma igreja. E fazia de tudo para impedi-la de frequentar a igreja. Pois bem, a menina cresceu afastada da igreja. Hoje ela não só não frequenta nenhuma igreja como está envolvida no lesbianismo. Agora, depois de anos passados, a mãe reclama da situação que se encontra a sua filha.

Charles H. Spurgeon diz que Jesus não batizava as crianças, mas as abençoava. O toque de suas mãos significava mais do que uma caneta pode descrever. Foram bem-aventuradas as crianças que compartilharam aquela imposição de mãos [15]

Adolf Pohl diz que não devemos deixar as crianças esperando; não hesite em trazê-las para as mãos de Jesus, não conte com “mais tarde”: mais tarde, quando você for maior, quando entender mais da Bíblia, quando for batizado etc. As crianças podem ser trazidas com muita confiança no poder salvador de Jesus. O reinado de Deus rompe a barreira da idade assim como a barreira sexual (o evangelho para as mulheres), da profissão (para cobradores de impostos), do corpo (para doentes), da vontade pessoal (para endemoninhados) e da nacionalidade (para gentios). Portanto, também as crianças podem ser trazidas dos seus cantos para que Jesus as abençoe. [16] Nenhuma igreja pode ser considerada saudável se não acolhe bem as crianças. Jesus, o Senhor da igreja, encontrou tempo para dedicar-se às crianças. Ele demonstrou que o cuidado com as crianças é um ministério de grande valor. [17]

3 – JESUS FAZ UMA REVELAÇÃO (Lc 18.16).

A razão impressionante que o Senhor deu, e a Sua preocupação especial para as crianças é “porque dos tais é o reino de Deus”. Mas o que essa palavra de Jesus quer dizer? Qual é o seu real significado? Vejamos.

Primeiro, as crianças são criaturas inocentes. Isso não significa que as crianças não são pecadoras; todas as pessoas são pecadoras e nascidas em pecado, como lemos no Salmo 51.5: “Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe”. No Salmo 58.3, Davi acrescentou: “Alienam-se os ímpios desde a madre; andam errados desde que nasceram, falando mentiras” (cf. Gn 8.21; 1Rs 8.46; Sl 143.2; Jr 17.9). Todo mundo herda a culpa do pecado de Adão e da corrupção de sua natureza (cf. Rm 5.12). A realidade que crianças morrem prova que elas são pecadoras e não moralmente neutras. Mas em uma criança, o pecado ainda não desenvolveu na medida em que produz resistência consciente à lei e à vontade de Deus.

A luz do Novo Testamento, as crianças não são anjinhos (nem viram anjinhos no céu quando morrem). Elas são briguentas (lCo 3.1-3), imaturas (lCo 13.11; Hb 5.13), imprudentes (lCo 14.20), volúveis (Ef 4.14) e dependentes (Gl 4.1,2). [18]

Em segundo lugar, as crianças que morrem são eleitas. Acreditamos que as Escrituras realmente ensinam que todas as pessoas que morrem na infância estão entre os eleitos. Isso não deve ser baseado apenas em nossa esperança de que seja verdade, mas em uma leitura cuidadosa da Bíblia.

Qual é, então, a base para afirmar que todos aqueles que morrem na infância estão entre os eleitos? A Bíblia ensina que devemos ser julgados com base em nossos atos cometidos “no corpo” (2Co 5.10). Ou seja, enfrentaremos o tribunal de Cristo e seremos julgados, não com base no pecado original, mas por nossos pecados cometidos durante nossas próprias vidas.  Cada um responderá “segundo o que fez” e não pelo pecado de Adão. A imputação do pecado e da culpa de Adão explica nossa incapacidade de responder a Deus sem regeneração, mas a Bíblia não ensina que responderemos pelo pecado de Adão. Nós responderemos por nós mesmos.  Mas e os bebês?  Aqueles que morrem na infância cometeram tais pecados no corpo?  Acreditamos que não.

O Reverendo Hernandes Dias Lopes diz que quando uma criança morre antes da idade da razão, ela vai para o céu não por ser criança, mas porque o Espírito Santo aplica nela a obra da redenção. Nenhuma criança entra no céu pelos seus próprios méritos, mas pelos méritos de Cristo. [19]

Em terceiro lugar, Jesus deixa claro com essa palavra que a alma de uma criança é capaz de receber a graça divina. As crianças são nascidas em pecado e sem a graça de Deus não podem ser salvas. Não existe nada, em toda a Bíblia ou na experiência humana, que nos faça pensar que as crianças não podem receber o Espírito Santo e serem justificadas, mesmo na infância. A mente da criança é igual à do adulto para receber ensinos espirituais. [20]

Ralph Earle destaca que a palavra grega também pode significar “aos quais pertence o Reino dos céus”, ou “o Reino dos céus é composto dos tais”. Na verdade, as duas ideias são verdadeiras. “Amor, simplicidade de fé, inocência e, acima de tudo, humildade, são as características ideais das criancinhas, e dos súditos do reino. [21]

4 – JESUS ADVERTE QUE SÓ ENTRA NO REINO QUEM AGIR COMO UMA CRIANÇA (Lc 18.17).

O significado é: a única maneira possível para se entrar no reino é recebendo-o real e confiadamente como uma criança recebe um presente. Uma criança não é tão orgulhosa a ponto de não aceitar um presente! [22]

Podemos tirar algumas lições aqui.

Em primeiro lugar, somos totalmente dependentes da graça de Deus. Assim como uma criança depende do cuidado dos pais ou de um tutor, nós, da mesma maneira, dependemos dos cuidados de Deus. Como disse Adolf Pohl:

Elas estão absolutamente no começo, ainda não têm nada, não sabem fazer nada, ainda não valem nada. Portanto, a exclamação de Jesus significa: Deixem-se passar para trás de tudo que já conquistaram e se tornaram. Voltem para trás em sua sabedoria e comecem de novo diante de Deus, “como crianças recém-nascidas” (1Pe 2.2). Não é estocando o que se tem, mas nascendo de novo que se entra no reino de Deus (Jo 3.3). Esta é a “perfeição” espiritual da “criança”: ter necessidade de Deus em tudo, até o fundo. Ficar firme nisto e receber o “Abba” de presente – isto é o que importa! [23]

Em segundo lugar, desfrutamos do reino de Deus pela fé. Champlin diz que as crianças ilustram seu espírito despretensioso, sua ausência dos efeitos aleijadores do ceticismo e do engano. [24]

Quando algo de ruim acontece com uma criança, ela corre para os braços do pai ou da mãe. Ela busca socorro naqueles que podem socorrê-la. Isso é total dependência e confiança. Esse é um exemplo para o nosso relacionamento com o Pai celestial. Sim, Deus espera que sejamos como crianças! [25]

John C. Ryle destaca que a sua fé simples, sua dependência dos outros, sua indiferença às riquezas do mundo, sua despreocupação para com as coisas do mundo, sua comparativa humildade, seu caráter inofensivo e sua falta de malícia são aspectos que fornecem aos crentes excelentes exemplos. Feliz é aquela pessoa que pode se aproximar de Cristo e das Escrituras com o mesmo espírito de uma criancinha. [26]

CONCLUSÃO

Jesus não deseja que sejamos infantis, mas sim que sejamos como crianças. Uma criança inocente ilustra a humildade, a fé e a dependência. A criança maravilha-se de tai modo com as coisas que torna a vida empolgante. A única maneira de entrar no reino de Deus é tornar-se como uma criança e nascer de novo (Jo 3). Se os fariseus orgulhosos tivessem se tornado como crianças também teriam voltado para casa justificados. [27]

Pense nisso!

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Bibliografia:

1 – Robertson, A. T. Comentário de Lucas, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 312.

2 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 517.

3 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 641.

4 – Wiersbe, Warren W. Marcos, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 187.

5 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005, p. 372.

6 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 394.

7 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 518.

8 – Wiersbe, Warren W. Marcos, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 187.

9 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 177.

10 – Spurgeon, C. H. Pescadores de Crianças, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2004, p. 4.

11 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 518.

12 – Mulholland, Dewey M. Marcos Introdução e Comentário, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 2014, p. 158.  

13 – Edwards, James R. O Comentário de Marcos, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2018, p. 384.

14 – Robertson, A. T. Comentário de Lucas, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 313.

15 – Spurgeon, Charles H. O evangelho Segundo Mateus, Ed. Estação da Fé, Goiânia, GO e Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2018, p. 397.

16 – Pohl, Adolf. O Evangelho de Marcos, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 1998, p. 297.

17 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 519.

18 –Ibidem, p. 521.

19 – Ibidem, p. 522.

20 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 293.

21 – Earle, Ralph. Comentário Bíblico Beacon, Mateus, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 137.

22 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 394.

23 – Pohl, Adolf. O Evangelho de Marcos, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 1998, p. 298.

24 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 177.

24 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 523.

26 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 294.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

A PARÁBOLA DO FARISEU E DO PUBLICANO - Lucas 18.8-14

Por Pr Silas Figueira 

Texto base: Lucas 18.8-14

INTRODUÇÃO

Esta introdução, indubitavelmente, foi acrescentada pelo evangelista ou sua fonte. Como tal, ela é uma interpretação da parábola. O intérprete diz ao leitor que o assunto é justiça e, em particular, justiça própria. [1]

Esta parábola se segue para ensinar o espírito em que as pessoas devem orar. É, além disto, um repúdio enfático de qualquer sugestão de que um homem pode ser salvo por meio de adquirir mérito. Aquilo que o fariseu dizia acerca de si mesmo era verdadeiro. Seu problema não era que não tinha progredido suficientemente ao longo da estrada, era que estava na estrada totalmente errada. [2]

Não temos razão para duvidar de que Jesus dirigiu essa parábola a um grupo de fariseus. Esse é o sentido claro da declaração de Lucas. [3] Para John C. Ryle a parábola da viúva perseverante nos ensina o valor da importunidade na oração. A parábola do publicano e do fariseu nos ensina a atitude que deve permear nossas orações. A primeira nos encoraja a orar e não desfalecer; a segunda nos recorda como e em que disposição devemos orar. Ambas devem ser meditadas por todo verdadeiro crente. [4]

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições.

1 – A ORAÇÃO É AUTODEPENDÊNCIA DE DEUS E NÃO AUTOAFIRMAÇÃO (Lc 18.9,10).

O fariseu e o publicano foram ambos ao templo, orar. Note que entre os adoradores de Deus, na igreja invisível, há uma mistura de bons e maus, de alguns que são aceitos por Deus, e de alguns que não são; e assim tem sido desde que Caim e Abel levaram as suas ofertas para o mesmo altar. [5] A cena teria sido algo familiar para os ouvintes de Jesus; era natural orações serem oferecidas no templo, a “casa de oração” (Is 56.7; Mat 21.13).

Jesus dirige essa parábola a quem confiava em si mesmo e pensava que ninguém mais tinha valor. Não há dúvida de que a situação descrita não era um exagero, mas um quadro fiel do equívoco dos fariseus desse tempo. As duas parábolas apresentam dois homens, duas orações, dois resultados. [6]

Em primeiro lugar, Jesus nos apresenta dois homens orando. O primeiro era um fiel fariseu. Uma pessoa bem-quista na sociedade judaica. Uma pessoa que procurava ser exemplo para as pessoas mediante seu testemunho.  O outro, um publicano. Uma pessoa odiada pelos judeus, pois era um integrante da corrupta classe de coletores de impostos para os romanos. E se enriqueciam roubando o povo.

Em segundo lugar, Jesus mostra como oravam. A oração de ambos era completamente diferente. O fariseu se auto vangloriava pelo testemunho que dava diante da sociedade, e se via superior ao publicano. Já o publicano tinha consciência de seus pecados.

Em terceiro lugar, Jesus mostra como ambos saíram da presença de Deus. O fariseu foi para casa cheio de si, o publicano foi para casa justificado. Não surpreende que esses dois tipos de homens, ambos pecadores, estejam na mesma igreja, disse Eugene Peterson. [7]

A grande questão aqui em relação ao exercício espiritual da oração é como chegamos à Deus, e como saímos de Sua presença. Podemos chegar cheios de mazelas e sairmos justificados, ou podemos chegar cheios de si e sairmos do mesmo jeito.  

De forma alguma, porém, queremos sugerir que a religião dos fariseus representa a pior perversão possível da religião, diz John MacArthur. Longe disso. Os fariseus ensinavam muitas coisas verdadeiras, pois suas crenças estavam intimamente vinculadas às Escrituras. O próprio Jesus disse sobre eles: “Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem” (Mt 23.3). Diferentemente de tantos cultos e religiões falsas descaradamente não ortodoxos, excessivamente diabólicos ou totalmente indiferentes em relação à Lei de Deus, os fariseus eram tradicionalistas e idealistas famosos por sua atenção obsessiva aos pormenores da lei. [8] Os fariseus, na sua grande maioria, se viam justos demais em comparação ao restante da população judaica. No entanto, a verdadeira justiça é uma questão de confiança em Deus, e não no ego (Is 8.17; 2Co 1.9; Hb 2.13). [9]

2 – A ORAÇÃO DO FARISEU (Lc 18.11,12). 

Aqui estão as palavras do fariseu a Deus (porque não podemos chamar isto de oração): Estando em pé, orava consigo... (vv. 11,12). Em algumas versões, lemos: Colocando-se de pé, orava assim... Aquele homem estava totalmente centrado em si mesmo, não via nada além de si mesmo, de seu próprio louvor, e não enxergava a glória de Deus. [10]

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições.

Em primeiro lugar, sua oração foi apenas um discurso exaltando suas próprias virtudes (Lc 18.11,12). O fariseu não orou; ele fez um discurso eloquente para se autopromover. Ele não orou; ele tocou trombetas. Ele não orou; ele aplaudiu a si mesmo. Ele não orou; ele fez cócegas no seu próprio ego. Ele não orou; ele fez um solo do hino “Quão grande és tu” diante do espelho. [11]

Eugene Peterson diz ironicamente      

que as igrejas carregam a má fama de serem negligentes em solicitar verificações para identificar pessoas com antecedentes criminais e em instalar sistemas de segurança para filtrar pessoas que podem usar a igreja como um disfarce para suas maldades. [...] Se a igreja tivesse feito essas verificações de segurança em fariseus e publicanos, nenhum deles teria passado da porta. [12] 

Em segundo lugar, sua oração não demonstrava qualquer senso de pecado ou de necessidade (Lc 18.11). Sua oração não continha nenhuma confissão, súplica, reconhecimento de culpa e insignificância, nenhum pedido de misericórdia e graça. [13] Pelo fato de ter permanecido cerimonialmente puro e dentro da lei e porque jejuou com regularidade (sinal de seriedade religiosa), e entregou seus dízimos com fidelidade (conforme o requer a lei de Moisés), ele presume ser aceitável diante de Deus. Ele presume com grande exagero sua impecável retidão. O fariseu não tem uma percepção real de sua própria pecaminosidade e indignidade diante de Deus, pelo que demonstra uma apreciação inadequada da graça de Deus. [14]

A sua oração revelava a sua verdadeira face, a da hipocrisia. Ele não se via como ele realmente era perante Deus. Eugene Peterson diz que todos os pecados mais comuns são razoavelmente óbvios. Aqueles que o cometem sabem o que estão fazendo, por mais que se enganem quanto às motivações. Mas eu nunca fui pastor de hipócrita que soubesse que era hipócrita, pelo menos nos estágios iniciais. [15]

Em terceiro lugar, ele não orava a Deus, ele fazia um monólogo (Lc 18.11). “O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo” (ARA). Sua oração não se dirigia precisamente a Deus, mas a si mesmo. Sua oração era voltada para a exaltação de si mesmo e dirigida ao plenário que estava ali concentrado. Deus era apenas uma moldura para realçar os seus feitos notáveis e a perfeição de suas ações. Deus era apenas um trampolim para o fariseu alcançar a notoriedade pública e a admiração do povo. [16] William Hendriksen destaca que exteriormente falando, ele se dirige a Deus, porquanto ele diz: “Ó Deus”. Interiormente, porém, e realmente, o homem está falando de si e a si mesmo. Além do mais, havendo mencionado Deus uma vez, ele não volta mais a citá-lo. [17]

Em quarto lugar, ele não era humilde e desprezava os outros (Lc 18.9,11,12). Concordo com John C. Ryle quando diz

Por natureza, todos somos cheios de justiça pessoal, uma doença hereditária de todos os filhos de Adão. Desde o maior ao menor, pensamos mais elevadamente do que deveríamos pensar a respeito de nós mesmos. Em nosso íntimo, bajulamos a nós mesmos, afirmando que não somos tão maus como algumas pessoas e que temos algo para nos recomendar ao favor de Deus. “Muitos proclamam a sua própria benignidade” (Pv 20.6). Esquecemos o testemunho das Escrituras: “Tropeçamos em muitas coisas” (Tg 3.2); “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque” (Ec 7.20). “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser justo?” (Jó 15.14). [18] 

Sua oração é uma peça de acusação leviana contra todos os homens e mais particularmente contra o humilde publicano. O fariseu olha para o próximo com desdém e desfere contra ele perversas acusações e caluniosas referências. O fariseu nada pediu. Ele tinha tudo e era tudo. Ele pensava ser quem não era. Ele era um megalomaníaco, uma pessoa adoecida pelo sentimento de auto exaltação. [19]

Champlin enfatiza que ter sido preservado de iniquidades grosseiras, sem dúvida alguma era causa justa de ações de graças a Deus; porém, ao invés da atitude devotamente humilde que isso deveria inspirar nele, (sem dúvida) arrogantemente ele se separou do resto da humanidade e do pobre publicano, agradeceu a Deus que estava longe de ser semelhante a ele. [20] 

2 – A ORAÇÃO DO PUBLICANO (Lc 18.13,14). 

Tanto a sua atitude quanto o conteúdo da sua oração eram opostos ao do fariseu. Ele estava profundamente consciente dos seus pecados, e estava também espantado pelo seu próprio senso de indignidade. Ele não tinha nada para dizer a seu próprio favor; sua única súplica era por misericórdia. [21]

Com isso em mente, podemos algumas lições da oração do publicano.

Em primeiro lugar, mediante sua oração o publicano foi justificado (Lc 18.14). A mensagem de Jesus é simples: todos que estiverem determinados a estabelecer uma justiça por conta própria fracassarão e assim condenarão a si mesmos; mas aqueles que se submeterem à justiça     de Deus serão graciosamente justificados por ele (cf. Rm 10.3,4). Ninguém pode se justificar perante Deus; apenas Deus é “justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26). Esse princípio é a simples linha divisória entre o evangelho de Jesus Cristo e todos os outros sistemas de crença equivocados ou demoníacos. [22]

Anthony Lee Ash destaca que o publicano foi justificado, não pelo seu passado, mas pela sua atitude presente. Ele sabia que sua única reivindicação era a bondade de Deus. [23]

Em segundo lugar, a oração do publicano consiste em cinco aspectos. John C. Ryle destaca esses cinco pontos

 

Primeiro, foi uma petição genuína. Uma oração que só contém ações de graça e afirmações, sem qualquer súplica, é uma oração deficiente. Pode ser conveniente para um anjo, mas não para um pecador.

Segundo, foi uma oração pessoal. O publicano não falou a respeito de seu próximo, e sim a respeito de si mesmo. Incerteza e generalidade são os grandes defeitos do cristianismo de muitas pessoas. Abandonar o “nós”, o “nosso” e o “nos”, passando para o “eu”, o “meu” e o “me” é um grande passo em direção ao céu.

Terceiro, foi uma oração humilde, que colocou o “eu” no seu devido lugar. O publicano confessou claramente que era um pecador. Este é o próprio “abc” do cristianismo que salva. Não começamos a nos tornar bons, enquanto não podemos sentir e confessar que somos maus.

Quarto, foi uma oração em que a misericórdia foi a principal coisa desejada e em que foi demonstrada, embora com fragilidade, a fé na aliança da misericórdia divina. A misericórdia é a primeira coisa que temos de pedir quando começamos a orar. A misericórdia e a graça divina têm de ser o assunto de nossas súplicas diárias junto ao trono da graça, enquanto vivermos.

Quinto, a oração do publicano foi proveniente de seu coração. Ele sentiu-se profundamente comovido, ao pronunciá-la. Batia no peito como alguém que tinha mais sentimentos do que podia expressar. São orações que causam deleite em Deus. Um coração compungido e contrito, Ele não o desprezará (SI 51.17). [24]

James R. Edwards destaca que no texto grego, o publicano não se refere a si mesmo como um pecador, mas como o pecador (to hamatolo), indicando tanto o grau de seu pocado tanto sua consciência dele. [25] Bailey enfatiza que a postura aceita para a oração era as mãos sobre o peito e conservar os olhos baixados. Mas os braços cruzados deste homem não permanecem imóveis. Pelo contrário, ele bate no peito. Este gesto é usado em ocasiões de extrema angústia ou intensa ira. [26]

Esta parábola nos ensina algumas lições a respeito da oração.

1) Nenhum orgulhoso pode orar. A porta do céu é tão baixa que ninguém pode entrar a não ser ajoelhado.

2) Ninguém que menospreze a seus semelhantes pode orar. Na oração não nos elevamos acima de nossos semelhantes. Recordamos que somos um do grande exército da humanidade pecadora, que sofre e está contrita, ajoelhados todos perante o trono da misericórdia de Deus.

3) A verdadeira oração brota da aproximação de nossas vidas a de Deus. Sem dúvida tudo o que o fariseu dizia era verdade. Jejuava; dava meticulosamente, o dízimo; não era como os outros homens; sem dúvida não era como o coletor de impostos. Mas a pergunta não é: “Sou tão bom como meus semelhantes?” A pergunta é: “Sou tão bom como Deus?” [27]

 CONCLUSÃO 

O fariseu cheio de si voltou para casa da mesma forma como chegou ao templo, no entanto, o publicano, o mais pecador dos pecadores, foi para casa justificado. Essa é uma parábola que nos mostra que a graça de Deus, e somente por ela, é que somos justificados. Literalmente é um perdão imerecido para aqueles que verdadeiramente se arrependem de seus pecados.

O fariseu estava cheio de si, o publicano vazio de tudo. O coração do fariseu não tinha espaço para a graça do Senhor, mas o publicano estava com ele pronto para receber do Senhor, Seu perdão e Sua graça.

Como está o seu coração?

Pense nisso! 

Bibliografia:

1 – Bailey, Kenneth. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 326.

2 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 248.

3 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 380.

4 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 289.

5 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 681.

6 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 381.

7 – Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2011, p. 151.

8 – MacArthur, John. As Parábolas de Jesus, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, p. 131.

9 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 635.

10 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 681.

11 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 511.

12 – Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2011, p. 151.

13 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 290.

14 – Evans, Craig A. O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 305.

15 – Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2011, p. 154.

16 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 512.

17 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 382.

18 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 290.

19 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 513.

20 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 176.

21 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 468.

22 – MacArthur, John. As Parábolas de Jesus, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, p. 140.

23 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 263.

24 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 291.

25 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 639.

26 – Bailey, Kenneth. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 337.

27 – Barclay, William. Comentário do Novo Testamento, Lucas, p. 195,196.