segunda-feira, 9 de setembro de 2024

A PARÁBOLA DO FARISEU E DO PUBLICANO - Lucas 18.8-14

Por Pr Silas Figueira 

Texto base: Lucas 18.8-14

INTRODUÇÃO

Esta introdução, indubitavelmente, foi acrescentada pelo evangelista ou sua fonte. Como tal, ela é uma interpretação da parábola. O intérprete diz ao leitor que o assunto é justiça e, em particular, justiça própria. [1]

Esta parábola se segue para ensinar o espírito em que as pessoas devem orar. É, além disto, um repúdio enfático de qualquer sugestão de que um homem pode ser salvo por meio de adquirir mérito. Aquilo que o fariseu dizia acerca de si mesmo era verdadeiro. Seu problema não era que não tinha progredido suficientemente ao longo da estrada, era que estava na estrada totalmente errada. [2]

Não temos razão para duvidar de que Jesus dirigiu essa parábola a um grupo de fariseus. Esse é o sentido claro da declaração de Lucas. [3] Para John C. Ryle a parábola da viúva perseverante nos ensina o valor da importunidade na oração. A parábola do publicano e do fariseu nos ensina a atitude que deve permear nossas orações. A primeira nos encoraja a orar e não desfalecer; a segunda nos recorda como e em que disposição devemos orar. Ambas devem ser meditadas por todo verdadeiro crente. [4]

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições.

1 – A ORAÇÃO É AUTODEPENDÊNCIA DE DEUS E NÃO AUTOAFIRMAÇÃO (Lc 18.9,10).

O fariseu e o publicano foram ambos ao templo, orar. Note que entre os adoradores de Deus, na igreja invisível, há uma mistura de bons e maus, de alguns que são aceitos por Deus, e de alguns que não são; e assim tem sido desde que Caim e Abel levaram as suas ofertas para o mesmo altar. [5] A cena teria sido algo familiar para os ouvintes de Jesus; era natural orações serem oferecidas no templo, a “casa de oração” (Is 56.7; Mat 21.13).

Jesus dirige essa parábola a quem confiava em si mesmo e pensava que ninguém mais tinha valor. Não há dúvida de que a situação descrita não era um exagero, mas um quadro fiel do equívoco dos fariseus desse tempo. As duas parábolas apresentam dois homens, duas orações, dois resultados. [6]

Em primeiro lugar, Jesus nos apresenta dois homens orando. O primeiro era um fiel fariseu. Uma pessoa bem-quista na sociedade judaica. Uma pessoa que procurava ser exemplo para as pessoas mediante seu testemunho.  O outro, um publicano. Uma pessoa odiada pelos judeus, pois era um integrante da corrupta classe de coletores de impostos para os romanos. E se enriqueciam roubando o povo.

Em segundo lugar, Jesus mostra como oravam. A oração de ambos era completamente diferente. O fariseu se auto vangloriava pelo testemunho que dava diante da sociedade, e se via superior ao publicano. Já o publicano tinha consciência de seus pecados.

Em terceiro lugar, Jesus mostra como ambos saíram da presença de Deus. O fariseu foi para casa cheio de si, o publicano foi para casa justificado. Não surpreende que esses dois tipos de homens, ambos pecadores, estejam na mesma igreja, disse Eugene Peterson. [7]

A grande questão aqui em relação ao exercício espiritual da oração é como chegamos à Deus, e como saímos de Sua presença. Podemos chegar cheios de mazelas e sairmos justificados, ou podemos chegar cheios de si e sairmos do mesmo jeito.  

De forma alguma, porém, queremos sugerir que a religião dos fariseus representa a pior perversão possível da religião, diz John MacArthur. Longe disso. Os fariseus ensinavam muitas coisas verdadeiras, pois suas crenças estavam intimamente vinculadas às Escrituras. O próprio Jesus disse sobre eles: “Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem” (Mt 23.3). Diferentemente de tantos cultos e religiões falsas descaradamente não ortodoxos, excessivamente diabólicos ou totalmente indiferentes em relação à Lei de Deus, os fariseus eram tradicionalistas e idealistas famosos por sua atenção obsessiva aos pormenores da lei. [8] Os fariseus, na sua grande maioria, se viam justos demais em comparação ao restante da população judaica. No entanto, a verdadeira justiça é uma questão de confiança em Deus, e não no ego (Is 8.17; 2Co 1.9; Hb 2.13). [9]

2 – A ORAÇÃO DO FARISEU (Lc 18.11,12). 

Aqui estão as palavras do fariseu a Deus (porque não podemos chamar isto de oração): Estando em pé, orava consigo... (vv. 11,12). Em algumas versões, lemos: Colocando-se de pé, orava assim... Aquele homem estava totalmente centrado em si mesmo, não via nada além de si mesmo, de seu próprio louvor, e não enxergava a glória de Deus. [10]

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições.

Em primeiro lugar, sua oração foi apenas um discurso exaltando suas próprias virtudes (Lc 18.11,12). O fariseu não orou; ele fez um discurso eloquente para se autopromover. Ele não orou; ele tocou trombetas. Ele não orou; ele aplaudiu a si mesmo. Ele não orou; ele fez cócegas no seu próprio ego. Ele não orou; ele fez um solo do hino “Quão grande és tu” diante do espelho. [11]

Eugene Peterson diz ironicamente      

que as igrejas carregam a má fama de serem negligentes em solicitar verificações para identificar pessoas com antecedentes criminais e em instalar sistemas de segurança para filtrar pessoas que podem usar a igreja como um disfarce para suas maldades. [...] Se a igreja tivesse feito essas verificações de segurança em fariseus e publicanos, nenhum deles teria passado da porta. [12] 

Em segundo lugar, sua oração não demonstrava qualquer senso de pecado ou de necessidade (Lc 18.11). Sua oração não continha nenhuma confissão, súplica, reconhecimento de culpa e insignificância, nenhum pedido de misericórdia e graça. [13] Pelo fato de ter permanecido cerimonialmente puro e dentro da lei e porque jejuou com regularidade (sinal de seriedade religiosa), e entregou seus dízimos com fidelidade (conforme o requer a lei de Moisés), ele presume ser aceitável diante de Deus. Ele presume com grande exagero sua impecável retidão. O fariseu não tem uma percepção real de sua própria pecaminosidade e indignidade diante de Deus, pelo que demonstra uma apreciação inadequada da graça de Deus. [14]

A sua oração revelava a sua verdadeira face, a da hipocrisia. Ele não se via como ele realmente era perante Deus. Eugene Peterson diz que todos os pecados mais comuns são razoavelmente óbvios. Aqueles que o cometem sabem o que estão fazendo, por mais que se enganem quanto às motivações. Mas eu nunca fui pastor de hipócrita que soubesse que era hipócrita, pelo menos nos estágios iniciais. [15]

Em terceiro lugar, ele não orava a Deus, ele fazia um monólogo (Lc 18.11). “O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo” (ARA). Sua oração não se dirigia precisamente a Deus, mas a si mesmo. Sua oração era voltada para a exaltação de si mesmo e dirigida ao plenário que estava ali concentrado. Deus era apenas uma moldura para realçar os seus feitos notáveis e a perfeição de suas ações. Deus era apenas um trampolim para o fariseu alcançar a notoriedade pública e a admiração do povo. [16] William Hendriksen destaca que exteriormente falando, ele se dirige a Deus, porquanto ele diz: “Ó Deus”. Interiormente, porém, e realmente, o homem está falando de si e a si mesmo. Além do mais, havendo mencionado Deus uma vez, ele não volta mais a citá-lo. [17]

Em quarto lugar, ele não era humilde e desprezava os outros (Lc 18.9,11,12). Concordo com John C. Ryle quando diz

Por natureza, todos somos cheios de justiça pessoal, uma doença hereditária de todos os filhos de Adão. Desde o maior ao menor, pensamos mais elevadamente do que deveríamos pensar a respeito de nós mesmos. Em nosso íntimo, bajulamos a nós mesmos, afirmando que não somos tão maus como algumas pessoas e que temos algo para nos recomendar ao favor de Deus. “Muitos proclamam a sua própria benignidade” (Pv 20.6). Esquecemos o testemunho das Escrituras: “Tropeçamos em muitas coisas” (Tg 3.2); “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque” (Ec 7.20). “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser justo?” (Jó 15.14). [18] 

Sua oração é uma peça de acusação leviana contra todos os homens e mais particularmente contra o humilde publicano. O fariseu olha para o próximo com desdém e desfere contra ele perversas acusações e caluniosas referências. O fariseu nada pediu. Ele tinha tudo e era tudo. Ele pensava ser quem não era. Ele era um megalomaníaco, uma pessoa adoecida pelo sentimento de auto exaltação. [19]

Champlin enfatiza que ter sido preservado de iniquidades grosseiras, sem dúvida alguma era causa justa de ações de graças a Deus; porém, ao invés da atitude devotamente humilde que isso deveria inspirar nele, (sem dúvida) arrogantemente ele se separou do resto da humanidade e do pobre publicano, agradeceu a Deus que estava longe de ser semelhante a ele. [20] 

2 – A ORAÇÃO DO PUBLICANO (Lc 18.13,14). 

Tanto a sua atitude quanto o conteúdo da sua oração eram opostos ao do fariseu. Ele estava profundamente consciente dos seus pecados, e estava também espantado pelo seu próprio senso de indignidade. Ele não tinha nada para dizer a seu próprio favor; sua única súplica era por misericórdia. [21]

Com isso em mente, podemos algumas lições da oração do publicano.

Em primeiro lugar, mediante sua oração o publicano foi justificado (Lc 18.14). A mensagem de Jesus é simples: todos que estiverem determinados a estabelecer uma justiça por conta própria fracassarão e assim condenarão a si mesmos; mas aqueles que se submeterem à justiça     de Deus serão graciosamente justificados por ele (cf. Rm 10.3,4). Ninguém pode se justificar perante Deus; apenas Deus é “justificador daquele que tem fé em Jesus” (Rm 3.26). Esse princípio é a simples linha divisória entre o evangelho de Jesus Cristo e todos os outros sistemas de crença equivocados ou demoníacos. [22]

Anthony Lee Ash destaca que o publicano foi justificado, não pelo seu passado, mas pela sua atitude presente. Ele sabia que sua única reivindicação era a bondade de Deus. [23]

Em segundo lugar, a oração do publicano consiste em cinco aspectos. John C. Ryle destaca esses cinco pontos

 

Primeiro, foi uma petição genuína. Uma oração que só contém ações de graça e afirmações, sem qualquer súplica, é uma oração deficiente. Pode ser conveniente para um anjo, mas não para um pecador.

Segundo, foi uma oração pessoal. O publicano não falou a respeito de seu próximo, e sim a respeito de si mesmo. Incerteza e generalidade são os grandes defeitos do cristianismo de muitas pessoas. Abandonar o “nós”, o “nosso” e o “nos”, passando para o “eu”, o “meu” e o “me” é um grande passo em direção ao céu.

Terceiro, foi uma oração humilde, que colocou o “eu” no seu devido lugar. O publicano confessou claramente que era um pecador. Este é o próprio “abc” do cristianismo que salva. Não começamos a nos tornar bons, enquanto não podemos sentir e confessar que somos maus.

Quarto, foi uma oração em que a misericórdia foi a principal coisa desejada e em que foi demonstrada, embora com fragilidade, a fé na aliança da misericórdia divina. A misericórdia é a primeira coisa que temos de pedir quando começamos a orar. A misericórdia e a graça divina têm de ser o assunto de nossas súplicas diárias junto ao trono da graça, enquanto vivermos.

Quinto, a oração do publicano foi proveniente de seu coração. Ele sentiu-se profundamente comovido, ao pronunciá-la. Batia no peito como alguém que tinha mais sentimentos do que podia expressar. São orações que causam deleite em Deus. Um coração compungido e contrito, Ele não o desprezará (SI 51.17). [24]

James R. Edwards destaca que no texto grego, o publicano não se refere a si mesmo como um pecador, mas como o pecador (to hamatolo), indicando tanto o grau de seu pocado tanto sua consciência dele. [25] Bailey enfatiza que a postura aceita para a oração era as mãos sobre o peito e conservar os olhos baixados. Mas os braços cruzados deste homem não permanecem imóveis. Pelo contrário, ele bate no peito. Este gesto é usado em ocasiões de extrema angústia ou intensa ira. [26]

Esta parábola nos ensina algumas lições a respeito da oração.

1) Nenhum orgulhoso pode orar. A porta do céu é tão baixa que ninguém pode entrar a não ser ajoelhado.

2) Ninguém que menospreze a seus semelhantes pode orar. Na oração não nos elevamos acima de nossos semelhantes. Recordamos que somos um do grande exército da humanidade pecadora, que sofre e está contrita, ajoelhados todos perante o trono da misericórdia de Deus.

3) A verdadeira oração brota da aproximação de nossas vidas a de Deus. Sem dúvida tudo o que o fariseu dizia era verdade. Jejuava; dava meticulosamente, o dízimo; não era como os outros homens; sem dúvida não era como o coletor de impostos. Mas a pergunta não é: “Sou tão bom como meus semelhantes?” A pergunta é: “Sou tão bom como Deus?” [27]

 CONCLUSÃO 

O fariseu cheio de si voltou para casa da mesma forma como chegou ao templo, no entanto, o publicano, o mais pecador dos pecadores, foi para casa justificado. Essa é uma parábola que nos mostra que a graça de Deus, e somente por ela, é que somos justificados. Literalmente é um perdão imerecido para aqueles que verdadeiramente se arrependem de seus pecados.

O fariseu estava cheio de si, o publicano vazio de tudo. O coração do fariseu não tinha espaço para a graça do Senhor, mas o publicano estava com ele pronto para receber do Senhor, Seu perdão e Sua graça.

Como está o seu coração?

Pense nisso! 

Bibliografia:

1 – Bailey, Kenneth. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 326.

2 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 248.

3 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 380.

4 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 289.

5 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 681.

6 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 381.

7 – Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2011, p. 151.

8 – MacArthur, John. As Parábolas de Jesus, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, p. 131.

9 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 635.

10 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 681.

11 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 511.

12 – Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2011, p. 151.

13 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 290.

14 – Evans, Craig A. O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p. 305.

15 – Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2011, p. 154.

16 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 512.

17 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 382.

18 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 290.

19 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 513.

20 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 176.

21 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 468.

22 – MacArthur, John. As Parábolas de Jesus, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, p. 140.

23 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 263.

24 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 291.

25 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 639.

26 – Bailey, Kenneth. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 337.

27 – Barclay, William. Comentário do Novo Testamento, Lucas, p. 195,196.