Por Pr Silas Figueira
Texto base: Lucas 18.8-14
INTRODUÇÃO
Esta introdução, indubitavelmente, foi acrescentada pelo evangelista ou sua fonte. Como tal, ela é uma interpretação da parábola. O intérprete diz ao leitor que o assunto é justiça e, em particular, justiça própria. [1]
Esta
parábola se segue para ensinar o espírito em que as pessoas devem orar. É, além
disto, um repúdio enfático de qualquer sugestão de que um homem pode ser salvo por
meio de adquirir mérito. Aquilo que o fariseu dizia acerca de si mesmo era
verdadeiro. Seu problema não era que não tinha progredido suficientemente ao
longo da estrada, era que estava na estrada totalmente errada. [2]
Não
temos razão para duvidar de que Jesus dirigiu essa parábola a um grupo de
fariseus. Esse é o sentido claro da declaração de Lucas. [3] Para John C. Ryle
a parábola da viúva perseverante nos ensina o valor da importunidade na oração.
A parábola do publicano e do fariseu nos ensina a atitude que deve permear
nossas orações. A primeira nos encoraja a orar e não desfalecer; a segunda nos
recorda como e em que disposição devemos orar. Ambas devem ser meditadas por
todo verdadeiro crente. [4]
Com isso em mente, podemos destacar algumas lições.
1 – A ORAÇÃO É AUTODEPENDÊNCIA DE DEUS E NÃO AUTOAFIRMAÇÃO (Lc 18.9,10).
O
fariseu e o publicano foram ambos ao templo, orar. Note que entre os adoradores
de Deus, na igreja invisível, há uma mistura de bons e maus, de alguns que são
aceitos por Deus, e de alguns que não são; e assim tem sido desde que Caim e
Abel levaram as suas ofertas para o mesmo altar. [5] A cena teria sido algo
familiar para os ouvintes de Jesus; era natural orações serem oferecidas no
templo, a “casa de oração” (Is 56.7; Mat 21.13).
Jesus
dirige essa parábola a quem confiava em si mesmo e pensava que ninguém mais
tinha valor. Não há dúvida de que a situação descrita não era um exagero, mas
um quadro fiel do equívoco dos fariseus desse tempo. As duas parábolas
apresentam dois homens, duas orações, dois resultados. [6]
Em
primeiro lugar, Jesus nos apresenta dois homens orando. O primeiro era um
fiel fariseu. Uma pessoa bem-quista na sociedade judaica. Uma pessoa que
procurava ser exemplo para as pessoas mediante seu testemunho. O outro, um publicano. Uma pessoa odiada
pelos judeus, pois era um integrante da corrupta classe de coletores de
impostos para os romanos. E se enriqueciam roubando o povo.
Em
segundo lugar, Jesus mostra como oravam. A oração de ambos era
completamente diferente. O fariseu se auto vangloriava pelo testemunho que dava
diante da sociedade, e se via superior ao publicano. Já o publicano tinha
consciência de seus pecados.
Em
terceiro lugar, Jesus mostra como ambos saíram da presença de Deus. O
fariseu foi para casa cheio de si, o publicano foi para casa justificado. Não
surpreende que esses dois tipos de homens, ambos pecadores, estejam na mesma
igreja, disse Eugene Peterson. [7]
A
grande questão aqui em relação ao exercício espiritual da oração é como
chegamos à Deus, e como saímos de Sua presença. Podemos chegar cheios de
mazelas e sairmos justificados, ou podemos chegar cheios de si e sairmos do
mesmo jeito.
De forma alguma, porém, queremos sugerir que a religião dos fariseus representa a pior perversão possível da religião, diz John MacArthur. Longe disso. Os fariseus ensinavam muitas coisas verdadeiras, pois suas crenças estavam intimamente vinculadas às Escrituras. O próprio Jesus disse sobre eles: “Obedeçam-lhes e façam tudo o que eles lhes dizem” (Mt 23.3). Diferentemente de tantos cultos e religiões falsas descaradamente não ortodoxos, excessivamente diabólicos ou totalmente indiferentes em relação à Lei de Deus, os fariseus eram tradicionalistas e idealistas famosos por sua atenção obsessiva aos pormenores da lei. [8] Os fariseus, na sua grande maioria, se viam justos demais em comparação ao restante da população judaica. No entanto, a verdadeira justiça é uma questão de confiança em Deus, e não no ego (Is 8.17; 2Co 1.9; Hb 2.13). [9]
2 – A ORAÇÃO DO FARISEU (Lc 18.11,12).
Aqui
estão as palavras do fariseu a Deus (porque não podemos chamar isto de oração):
Estando em pé, orava consigo... (vv. 11,12). Em algumas versões, lemos: Colocando-se
de pé, orava assim... Aquele homem estava totalmente centrado em si mesmo, não
via nada além de si mesmo, de seu próprio louvor, e não enxergava a glória de
Deus. [10]
Com
isso em mente, podemos destacar algumas lições.
Em
primeiro lugar, sua oração foi apenas um discurso exaltando suas próprias
virtudes (Lc 18.11,12). O fariseu não orou; ele fez um discurso eloquente
para se autopromover. Ele não orou; ele tocou trombetas. Ele não orou; ele aplaudiu
a si mesmo. Ele não orou; ele fez cócegas no seu próprio ego. Ele não orou; ele
fez um solo do hino “Quão grande és tu” diante do espelho. [11]
Eugene Peterson diz ironicamente
que as igrejas carregam a má fama de serem negligentes em solicitar verificações para identificar pessoas com antecedentes criminais e em instalar sistemas de segurança para filtrar pessoas que podem usar a igreja como um disfarce para suas maldades. [...] Se a igreja tivesse feito essas verificações de segurança em fariseus e publicanos, nenhum deles teria passado da porta. [12]
Em
segundo lugar, sua oração não demonstrava qualquer senso de pecado ou de
necessidade (Lc 18.11). Sua oração não continha nenhuma confissão, súplica,
reconhecimento de culpa e insignificância, nenhum pedido de misericórdia e
graça. [13] Pelo fato de ter permanecido cerimonialmente puro e dentro da lei e
porque jejuou com regularidade (sinal de seriedade religiosa), e entregou seus
dízimos com fidelidade (conforme o requer a lei de Moisés), ele presume ser
aceitável diante de Deus. Ele presume com grande exagero sua impecável retidão.
O fariseu não tem uma percepção real de sua própria pecaminosidade e
indignidade diante de Deus, pelo que demonstra uma apreciação inadequada da graça
de Deus. [14]
A
sua oração revelava a sua verdadeira face, a da hipocrisia. Ele não se via como
ele realmente era perante Deus. Eugene Peterson diz que todos os pecados mais
comuns são razoavelmente óbvios. Aqueles que o cometem sabem o que estão
fazendo, por mais que se enganem quanto às motivações. Mas eu nunca fui pastor
de hipócrita que soubesse que era hipócrita, pelo menos nos estágios iniciais. [15]
Em
terceiro lugar, ele não orava a Deus, ele fazia um monólogo (Lc 18.11).
“O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo” (ARA). Sua oração
não se dirigia precisamente a Deus, mas a si mesmo. Sua oração era voltada para
a exaltação de si mesmo e dirigida ao plenário que estava ali concentrado. Deus
era apenas uma moldura para realçar os seus feitos notáveis e a perfeição de
suas ações. Deus era apenas um trampolim para o fariseu alcançar a notoriedade
pública e a admiração do povo. [16] William Hendriksen destaca que exteriormente
falando, ele se dirige a Deus, porquanto ele diz: “Ó Deus”.
Interiormente, porém, e realmente, o homem está falando de si e a si mesmo.
Além do mais, havendo mencionado Deus uma vez, ele não volta mais a citá-lo. [17]
Em quarto lugar, ele não era humilde e desprezava os outros (Lc 18.9,11,12). Concordo com John C. Ryle quando diz
Por natureza, todos somos cheios de justiça pessoal, uma doença hereditária de todos os filhos de Adão. Desde o maior ao menor, pensamos mais elevadamente do que deveríamos pensar a respeito de nós mesmos. Em nosso íntimo, bajulamos a nós mesmos, afirmando que não somos tão maus como algumas pessoas e que temos algo para nos recomendar ao favor de Deus. “Muitos proclamam a sua própria benignidade” (Pv 20.6). Esquecemos o testemunho das Escrituras: “Tropeçamos em muitas coisas” (Tg 3.2); “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque” (Ec 7.20). “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser justo?” (Jó 15.14). [18]
Sua
oração é uma peça de acusação leviana contra todos os homens e mais
particularmente contra o humilde publicano. O fariseu olha para o próximo com
desdém e desfere contra ele perversas acusações e caluniosas referências. O
fariseu nada pediu. Ele tinha tudo e era tudo. Ele pensava ser quem não era.
Ele era um megalomaníaco, uma pessoa adoecida pelo sentimento de auto
exaltação. [19]
Champlin enfatiza que ter sido preservado de iniquidades grosseiras, sem dúvida alguma era causa justa de ações de graças a Deus; porém, ao invés da atitude devotamente humilde que isso deveria inspirar nele, (sem dúvida) arrogantemente ele se separou do resto da humanidade e do pobre publicano, agradeceu a Deus que estava longe de ser semelhante a ele. [20]
2 – A ORAÇÃO DO PUBLICANO (Lc 18.13,14).
Tanto
a sua atitude quanto o conteúdo da sua oração eram opostos ao do fariseu. Ele
estava profundamente consciente dos seus pecados, e estava também espantado
pelo seu próprio senso de indignidade. Ele não tinha nada para dizer a seu
próprio favor; sua única súplica era por misericórdia. [21]
Com
isso em mente, podemos algumas lições da oração do publicano.
Em
primeiro lugar, mediante sua oração o publicano foi justificado (Lc 18.14).
A mensagem de Jesus é simples: todos que estiverem determinados a estabelecer
uma justiça por conta própria fracassarão e assim condenarão a si mesmos; mas
aqueles que se submeterem à justiça de
Deus serão graciosamente justificados por ele (cf. Rm 10.3,4). Ninguém pode se
justificar perante Deus; apenas Deus é “justificador daquele que tem fé em
Jesus” (Rm 3.26). Esse princípio é a simples linha divisória entre o evangelho
de Jesus Cristo e todos os outros sistemas de crença equivocados ou demoníacos.
[22]
Anthony
Lee Ash destaca que o publicano foi justificado, não pelo seu passado, mas pela
sua atitude presente. Ele sabia que sua única reivindicação era a bondade de
Deus. [23]
Em
segundo lugar, a oração do publicano consiste em cinco aspectos. John C.
Ryle destaca esses cinco pontos
Primeiro, foi uma petição genuína.
Uma oração que só contém ações de graça e afirmações, sem qualquer súplica, é
uma oração deficiente. Pode ser conveniente para um anjo, mas não para um
pecador.
Segundo, foi uma oração pessoal. O
publicano não falou a respeito de seu próximo, e sim a respeito de si mesmo.
Incerteza e generalidade são os grandes defeitos do cristianismo de muitas
pessoas. Abandonar o “nós”, o “nosso” e o “nos”, passando para o “eu”, o “meu”
e o “me” é um grande passo em direção ao céu.
Terceiro, foi uma oração humilde, que
colocou o “eu” no seu devido lugar. O publicano confessou claramente que
era um pecador. Este é o próprio “abc” do cristianismo que salva. Não começamos
a nos tornar bons, enquanto não podemos sentir e confessar que somos maus.
Quarto, foi uma oração em que a
misericórdia foi a principal coisa desejada e em que foi demonstrada, embora
com fragilidade, a fé na aliança da misericórdia divina. A misericórdia é a
primeira coisa que temos de pedir quando começamos a orar. A misericórdia e a
graça divina têm de ser o assunto de nossas súplicas diárias junto ao trono da
graça, enquanto vivermos.
Quinto, a oração do publicano foi proveniente de seu coração. Ele sentiu-se profundamente comovido, ao pronunciá-la. Batia no peito como alguém que tinha mais sentimentos do que podia expressar. São orações que causam deleite em Deus. Um coração compungido e contrito, Ele não o desprezará (SI 51.17). [24]
James
R. Edwards destaca que no texto grego, o publicano não se refere a si mesmo como
um pecador, mas como o pecador (to hamatolo), indicando tanto o
grau de seu pocado tanto sua consciência dele. [25] Bailey enfatiza que a
postura aceita para a oração era as mãos sobre o peito e conservar os olhos
baixados. Mas os braços cruzados deste homem não permanecem imóveis. Pelo
contrário, ele bate no peito. Este gesto é usado em ocasiões de extrema
angústia ou intensa ira. [26]
Esta
parábola nos ensina algumas lições a respeito da oração.
1)
Nenhum orgulhoso pode orar. A porta do céu é tão baixa que ninguém pode entrar
a não ser ajoelhado.
2)
Ninguém que menospreze a seus semelhantes pode orar. Na oração não nos elevamos
acima de nossos semelhantes. Recordamos que somos um do grande exército da
humanidade pecadora, que sofre e está contrita, ajoelhados todos perante o
trono da misericórdia de Deus.
3)
A verdadeira oração brota da aproximação de nossas vidas a de Deus. Sem dúvida
tudo o que o fariseu dizia era verdade. Jejuava; dava meticulosamente, o
dízimo; não era como os outros homens; sem dúvida não era como o coletor de
impostos. Mas a pergunta não é: “Sou tão bom como meus semelhantes?” A pergunta
é: “Sou tão bom como Deus?” [27]
CONCLUSÃO
O
fariseu cheio de si voltou para casa da mesma forma como chegou ao templo, no
entanto, o publicano, o mais pecador dos pecadores, foi para casa justificado.
Essa é uma parábola que nos mostra que a graça de Deus, e somente por ela, é
que somos justificados. Literalmente é um perdão imerecido para aqueles que
verdadeiramente se arrependem de seus pecados.
O
fariseu estava cheio de si, o publicano vazio de tudo. O coração do fariseu não
tinha espaço para a graça do Senhor, mas o publicano estava com ele pronto para
receber do Senhor, Seu perdão e Sua graça.
Como
está o seu coração?
Pense nisso!
Bibliografia:
1
– Bailey, Kenneth. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP,
1985, p. 326.
2
– Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições
Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 248.
3
– Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura
Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 380.
4
– Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed.
FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 289.
5
– Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD,
Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 681.
6
– Hendriksen, William. Lucas,
vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 381.
7
– Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP,
2011, p. 151.
8
– MacArthur, John. As Parábolas de Jesus, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro,
RJ, p. 131.
9
– Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 635.
10
– Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD,
Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 681.
11
– Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São
Paulo, SP, 2017, p. 511.
12
– Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP,
2011, p. 151.
13
– Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos,
SP, 2002, p. 290.
14
– Evans, Craig A. O Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São
Paulo, SP, 1996, p. 305.
15
– Peterson, Eugene H. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP,
2011, p. 154.
16
– Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São
Paulo, SP, 2017, p. 512.
17
– Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003,
p. 382.
18
– Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos,
SP, 2002, p. 290.
19
– Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São
Paulo, SP, 2017, p. 513.
20
– Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo,
Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 176.
21
– Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio
de Janeiro, RJ, 2006, p. 468.
22
– MacArthur, John. As Parábolas de Jesus, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro,
RJ, p. 140.
23
– Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP,
1980, p. 263.
24
– Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos,
SP, 2002, p. 291.
25
– Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 639.
26
– Bailey, Kenneth. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP,
1985, p. 337.
27
– Barclay, William. Comentário do Novo Testamento, Lucas, p. 195,196.