Por Lucas Banzoli
Há
uma discussão muito grande no meio apologético, se Maria era “cheia de
graça” ou “agraciada”. Sei que entrar na discussão sobre o original
grego de Lucas 1:28 é pura perda de tempo. Ambos os lados estão armados
até os dentes com argumentos que tem por base o original grego, mais
especificamente com relação a uma palavrinha quase mágica, chamada “kecharitomene”. Bem, eu vou dizer aqui neste site anticatólico uma coisa que pode apavorar muitos crentes:
-Sim, eu creio que Maria é “cheia de graça”!
“Nossa, Lucas, agora você foi radical, pegou pesado, virou mariano!”,
você poderia dizer. Calma. Antes que você discorde do que escrevi e me
crucifique, é importante que você entenda exatamente o que estou
querendo dizer:
-Eu creio que todos os cristãos (não apenas Maria) que alcançam o favor divino são cheios da graça de Deus!
Isso mesmo. Às vezes eu fico abismado em ver o bate-boca que se resume se Maria é o ou não “cheia de graça”, quando, na verdade, o ponto principal não tem nada a ver com isso, mas sim se os demais cristãos são desprovidos dessa plenitude da graça, que seria um atributo único e exclusivo de Maria.
Portanto,
o que deveríamos tentar fazer é ver se, biblicamente, os demais
cristãos são cheios de graça ou se tem uma “graça pela metade”, ao invés
de discutirmos se Maria era ou não era cheia de graça, o que é uma
discussão secundária, importante somente para os devotos marianos
fanáticos.
A
verdade bíblica é que todos aqueles que são preenchidos com a graça de
Deus são “cheios de graça”. Não existe ninguém com uma “graça pela
metade”. Deus não olha para um ser e diz:
“Puxa vida, eu não fui muito com a tua cara. Vou te dar uma ‘meia-graça’, e é bom que fique contente com isso”!
Aí ele olha pra outro e diz:
“Você
é mais simpático, vou te dar 80% de graça. E se você for muito
bonzinho, fizer boas obras, pagar penitência e subir as escadarias da
catedral de joelhos, vai ganhar uma promoção e terá 90% de graça! Daqui a
pouco você chega lá”!
Não, não, não...
Essa
teologia de “muita graça” e “pouca graça” é totalmente falida,
antibíblica e cheia de engano. Deus não dá uma graça “meia-boca” ou
“pela metade”. Ele sempre a dá sem limitações:
“Porque aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus; pois não lhe dá Deus o Espírito por medida” (João 3:34)
A Nova Versão Internacional traduz este verso da seguinte maneira:
“Pois aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus, porque ele dá o Espírito sem limitações” (João 3:34)
Portanto,
Deus não dá do Seu Espírito “por medida”. Ele não o dá “limitado” a
alguém, que fica “somente com uma parte”. Não. Ele dá o Seu Espírito completamente. É por isso que a Bíblia sempre diz que somos cheios do Espírito Santo (At.4:8; 7:55; 13:9; 9:17; Lc.1:55; 1:67), e não incompletos do Espírito Santo, tendo apenas uma parte dEle em nós.
Acontece
que com a graça divina é a mesma coisa que ocorre. Se Deus concede a
nós o Seu Espírito de forma completa, de tal modo que ficamos “cheios” dele,
então ele também não dá uma graça “incompleta”, pois o Espírito Santo é
tão ou mais importante do que a própria graça de Deus. O Espírito Santo
é uma pessoa, a graça não. O Espírito Santo é o próprio Deus, a graça é somente um favor de Deus. E, se a graça é um favor divino, o Espírito Santo é muito mais (Lc.11:13).
Sendo assim, ser “cheio do Espírito Santo” é
algo tão ou mais forte e significativo do que ser “cheio de graça”.
Negar isso é inferiorizar o valor e importância do Espírito Santo na
vida do cristão. E o que nós vemos é que todos os cristãos são “cheios do Espírito Santo”, e não apenas Maria:
“Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: Autoridades e líderes do povo...” (Atos 4:8)
“Seu pai, Zacarias, foi cheio do Espírito Santo e profetizou” (Lucas 1:67)
“Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de Deus, e Jesus de pé, à direita de Deus” (Atos 7:55)
“Então Saulo, também chamado Paulo, cheio do Espírito Santo, olhou firmemente para Elimas e disse” (Atos 13:9)
“Ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé; e muitas pessoas foram acrescentadas ao Senhor” (Atos 11:24)
“Ele nunca tomará vinho nem bebida fermentada, e será cheio do Espírito Santo desde antes do seu nascimento” (Lucas 1:55)
“Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que lhe apareceu no caminho por onde você vinha, enviou-me para que você volte a ver e seja cheio do Espírito Santo” (Atos 9:17)
Em outras palavras, vemos que:
1º O Espírito Santo é um favor divino tão grande quanto a graça ou até maior.
2º Todos os verdadeiros cristãos são cheios do Espírito Santo, pois Deus não dá o Seu Espírito por medida, limitamente.
3º Sendo
assim, a graça de Deus (que é outro favor divino) deve seguir este
mesmo caminho: ela é dada liberalmente, e não por medida!
Ora,
se ser cheio do Espírito Santo é algo tão ou mais profundo do que ser
cheio de graça, então este último não implica em ser imaculado ou sem
pecado, pois todos aqueles que foram cheios do Espírito Santo, inclusive
desde antes do nascimento (como é o caso de João Batista – Lc.1:55), pecaram.
Vemos,
portanto, que o argumento católico em favor da imaculada conceição de
Maria tendo como única base bíblica o polêmico texto de Lucas 1:28 é no
mínimo falaciosa. Se João Batista era cheio do Espírito Santo desde
antes do seu nascimento e isso não o impediu de pecar, por que Maria
deveria ser imaculada pelo simples fato de que (segundo os católicos)
ela teria sido cheia de graça desde antes do nascimento? Não faz
sentido, a não ser que o valor do Espírito Santo seja menor do que a
graça.
O
que vemos é que o argumento católico é totalmente falacioso e sem
sentido. Ser cheio de graça não é ser livre de pecado, mas ser cheio de
favor divino. Graça é isso: favor imerecido. Ser cheio de graça implica,
não em não poder mais pecar para o resto da vida, mas sim que Deus está
em seu favor, ajudando-o. Mesmo Deus sendo totalmente a favor de todos
os grandes homens do povo de Deus no passado, todos eles pecaram ao
mínimo uma vez na vida. Por que com Maria deveria ser diferente?
Além
disso, biblicamente Maria não é a única pessoa a ser considerada “cheia
de graça” por Deus. A Sagrada Escritura dá o seguinte testemunho acerca
de Estêvão:
“Estêvão, homem cheio da graça e do poder de Deus, realizava grandes maravilhas e sinais entre o povo” (Atos 6:8)
Aqui vemos que Estêvão também era “cheio de graça”; portanto, tal coisa não era nem nunca foi “exclusividade” de Maria. A expressão usada aqui para Estêvão é no original grego χαριτος [charitos], que é exatamente a mesma de onde provém a palavra grega “kecharitomene”, que foi dirigida a Maria. Ambas são do verbo “charitoô”, e significam “favorecer” ou “encher de favores”. Portanto, Estêvão também era “cheio de graça” [charitos] tanto quando Maria era “cheia de graça” [charitos].
Alguns
católicos argumentam que o tempo verbal para Maria em Lucas 1:28 é
diferente do tempo verbal para Estêvão em Atos 6:8. Que grande
descoberta! Que diferença faz? Os católicos argumentam que o tempo no
particípio perfeito significa que Maria sempre foi cheia de graça,
diferentemente de Estêvão, que teria recebido graça a partir daquele
momento. Mas eu continuo repetindo: Eeee... daí? Isso não muda nada.
Será que depois de Atos 6:8 Estêvão passou a ser “imaculado”? É claro
que não.
Então,
tal palavra não tem nada a ver com cometer ou não cometer pecados. Se
ela foi aplicada a Estêvão e nem por isso Estêvão deixou de ser pecador
nem por um instante, então mesmo se a interpretação católica estivesse
correta e implicasse que Maria sempre foi cheia de graça, isso
igualmente não implicaria que Maria não era pecadora.
Além
disso, o verbo se encontra no particípio presente porque o anjo quis
corroborar com as palavras de Isaías em Isaías 7:14, que profetizou, há muito tempo antes, que uma virgem conceberia.
Portanto, a razão do verbo no particípio presente não tem nada a ver com Maria nunca ter pecado (pois já vimos que charitos jamais implicou em não ter pecados), mas sim para indicar que a graça recebida por Maria já era algo esperado e anunciado desde
há muito tempo (antes do nascimento da própria Maria), pois o próprio
Deus já havia predito, muitos séculos antes, que uma virgem seria
escolhida para dar a luz ao Salvador do mundo.
Prova disso é que logo em seguida, no verso 30, o mesmo verbo é aplicado no tempo presente (o mesmo que foi aplicado para Estêvão e para os demais), e não mais no particípio perfeito: “Disse-lhe, então, o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça [χαριν [charin] Acus. Sing] diante de Deus” (Lc.1:30).
Além
disso, vemos, biblicamente, que todos os cristãos são cheios de graça
(não apenas Maria e Estêvão), pois Paulo se referiu a todos os cristãos
quando disse: “para o louvor da glória da sua graça, com a qual nos encheu de favores (ou “nos encheu de graça”, echaritôsen) no Amado” (Ef.1:6). Essa passagem de Efésios nos diz que Deus nos “encheu de graça”, e Paulo usa precisamente o mesmo verbo charitoô, apenas mudando o tempo verbal, o que obviamente não muda o significado do verbo.
Vemos também o apóstolo Paulo dizendo com respeito a todos os cristãos o seguinte:
“E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda a boa obra” (2ª Coríntios 9:8)
Paulo usa o termo grego “perisseuo”, que, de acordo com o léxico da Concordância de Strong, significa:
4052 περισσευω perisseuo
de 4053; TDNT - 6:58,828; v
1) exceder um número fixo previsto, ter a mais e acima de um certo número ou medida.
1a) ter em excesso, sobrar.
1b) existir ou estar à mão em abundância.
1b1) ter muito (em abundância).
1b2) algo que vem em abundância, ou que transborda, algo que cae no campo de alguém em grande medida.
1b3) contribuir para, despejar abundantemente para algo.
1c) abundar, transbordar.
1c1) ser abundantemente suprido com, ter em abundância, abundar em (algo), estar em afluência.
1c2) ser preeminente, exceder.
1c3) exceder mais que, superar.
2) fazer abundar.
2a) fornecer ricamente a alguém de modo que ele tenha em abundância.
2b) tornar abundante ou excelente.
Paulo diz que toda a graça “superabundaria” neles, que os cristãos teriam “em excesso, sobrando, em abundância” (significados de perisseuo), toda a graça,
e não “uma parte dela”. Ora, se Paulo diz que todos os cristãos
superabundam de toda a graça, então obviamente são cheios de graça. Não é
possível alguém abundar ou exceder a totalidade de algo, sem ser cheio daquilo. “Perisseuo” não é apenas ser cheio, é ser transbordante. E Paulo diz que somos transbordantes de toda a graça! Aleluia!
Isso
serve para calar todos aqueles que pensam que ser “cheio de graça”
significa ser algo maior do que os outros ou ser imaculado. Todos nós
somos abundantes de toda a graça de Deus, não apenas Maria. E isso não
impede que nós pequemos e erremos, cometendo falhas e deslizes, pequenos
e graves, como meros seres humanos mortais. Mas os católicos, é claro,
preferem esconder toda a verdade de povo, para que todos idolatrem a
deusa-mãe deles tendo como bode expiatório a única passagem de Lucas
1:28, como se justificasse todos os dogmas marianos!
Ora, Atos 4:33 nos diz que:
“E os apóstolos davam, com grande poder, testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça” (Atos 4:33)
“Abundante graça” aqui é a tradução de “megas charis”. “Megas”, no grego, significa “numeroso, grande, abundante... coisas que excedem os limites de um ser criado” (Concordância
de Strong, 3173). Portanto, uma numerosa, grande, abundante e
transbordante graça envolvia cada um dos apóstolos, estando sobre todos
eles abundante graça. Se isso significasse aquilo que os católicos
pensam com base em sua interpretação defeituosa e tendenciosa de Lucas
1:28, então todos os apóstolos seriam “imaculados”.
Devemos crer, portanto, que todos os cristãos recebem a plenitude da graça de Deus, não só Maria. O evangelista João nos escreveu sobre isso, dizendo:
“E todos nós recebemos também da sua plenitude, e graça sobre graça” (João 1:16)
Ele nos diz que nós recebemos graça da plenitude de Deus. Em outras palavras, os católicos que afirmam que Maria era “gratia plena” terão que acordar e perceber que todos os genuínos cristãos também tem graça plena, pois é uma graça que vem da plenitude de Deus, por isso João diz: “graça sobre graça”, representando uma graça transbordante, e não uma graça incompleta.
No original grego, João emprega a palavra “pleroma”, que significa: “aquilo que enche ou com o qual algo é preenchido... plenitude, abundância”. E essa plenitude, que João diz, não é aplicada somente a Maria, mas a todos nós, como ele diz:
“E todos nós recebemos também da sua plenitude...”
E o que é que recebemos plenamente de Deus?
“...graça sobre graça”
Sendo
assim, é inegável que todos os cristãos têm a plenitude da graça de
Deus, e não Maria exclusivamente. Sendo assim, não se pode formular um
argumento com base em Lucas 1:28 no fato de Maria ser “cheia de graça”,
tendo em vista que todos os cristãos também recebem graça plenamente, e
não uma graça incompleta.
Católicos,
sejam sinceros: qual expressão tem mais significado e mais intensidade
para vocês – “cheia de graça” ou “superabundante de graça”?
“Veio, porém, a lei para que a ofensa abundasse; mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça” (Romanos 5:20)
“E a graça de nosso Senhor superabundou com a fé e amor que há em Jesus Cristo” (1ª Timóteo 1:14)
O
termo “superabundou de graça”, etimologicamente falando, possui
inegavelmente um significado muito mais forte do que “cheia de graça”.
Se eu digo: “estou cheio de alegria por causa disso”, tal expressão será muito menos forte do que “estou superabundante de alegria”!
E,
sendo que a superabundante graça de Jesus Cristo foi derramada não
apenas sobre Maria, mas sobre todos os cristãos (1Tm.4:14; Rm.5:20;
Jo.1:16; At.4:33; 2Co.9:8; Ef.1:6), fica claro e evidente que este termo
não implica de modo algum em ser sem pecado, em ser superior a alguém
ou em ser mais santo e mais pio que os demais.
Alguns
católicos poderiam chegar ao final deste estudo e não ter palavras para
refutar uma vírgula (como de fato não tem, nem nunca tiveram), mas vão
apelar para a falsa alegação de que as Bíblias protestantes estão
“mutiladas”, porque, mesmo sem favorecer em nada a doutrina católica, o
texto de Lucas 1:28 deveria ser traduzido por “cheia de graça”, e não
por “agraciada”. Nem vou perder meu tempo debatendo essa inutilidade, já
disse que isso não faz a menor diferença.
Nem
uma nem outra tradução servem de base para a mariolatria católica,
nenhuma delas fornece uma base sólida para o dogma da imaculada
conceição ou para qualquer outro que seja, de modo que debater sobre
isso é uma questão significativa apenas para os sensacionalistas
mariólogos que querem deturpar o significado do termo bíblico, fazendo
pura mistificação papista em cima dele.
Porém,
para que não me apareça ninguém aqui berrando e dizendo que “os
protestantes adulteraram a Bíblia”, vou passar aqui uma lista de versões
católicas da Bíblia que
traduzem da mesma forma que as protestantes, para que os católicos me
digam se elas também adulteraram o texto bíblico de forma criminosa e
anticatólica:
-Bible de Jérusalem
"L`ange entra chez elle, et dit: Je te salue, toi à qui une grâce a été faite; le Seigneur est avec toi" – Lucas 1:28
-The New American Bible
"And coming to her, he said, "Hail, favored one! The Lord is with you" – Lucas 1:28
-Bíblia católica Latinoamericana
"Alégrate tú, la Amada y
Favorecida; el Señor está contigo" – Lucas 1:28
-Bíblia de Mateos-Schökel
"Alégrate, favorecida, el Señor está contigo" – Lucas 1:28
-New Jerusalem Bible
"He went in and said to her, 'Rejoice, you who enjoy God's favour!
The Lord is with you" – Lucas 1:28
-Bíblia do Peregrino
"O anjo entrou onde ela estava e lhe disse: Alegra-te, favorecida, o Senhor está contigo" – Lucas 1:28
-Revised Standard Version
"And he came to her and said, "Hail, O favored one, the Lord is with you!" – Lucas 1:28
-Versão Nácar-Colunga (revisão de 1960)
"E entrando o anjo onde ela estava, disse: Salve agraciada; o Senhor é contigo" – Lucas 1:28
Portanto, fica evidente que as diferenças nas versões em Lucas 1:28 é questão de tradução,
e não de “adulteração protestante anticatólica”, visto que muitas
versões católicas traduzem da mesma forma que as traduções evangélicas.
Isso vem do fato de que elas identificaram que o verbo no particípio
presente não é porque Maria foi sempre alvo da graça de Deus, mas diz
respeito ao anúncio feito pelo anjo, como já explanamos anteriormente,
fato este ressaltado pelo contexto imediato (v.30).
Outras pensam diferente disso. Mas repito: isso é questão de tradução, e não de adulteração proposital.
Se alguém aqui está mais propenso a adulterar passagens bíblicas são os
católicos. Pois, enquanto nós não temos as mãos e os pés amarrados a um
catecismo ou uma reza “Ave Maria” que nos obrigue a traduzir de um
jeito para não entrar em contradição com essas tradições humanas, eles
estão tendenciados (e até certo ponto forçados) a traduziram por “cheia
de graça”, ou senão a própria reza deles e o catecismo (que repetem a
forma “cheia de graça”) ficariam sem sentido.
Sendo
assim, os evangélicos estão livres para traduzirem de acordo com aquilo
que for o mais coerente segundo o original grego (pois tanto faz se o
texto diz que Maria era cheia de graça ou agraciada, pois todos nós
recebemos uma graça completa e não incompleta), enquanto os católicos
estão tendenciados a se viciarem na tradução por “cheia de graça”, em
razão de seus próprios dogmas.
Portanto,
apelar para distorções ou adulterações nas Bíblias protestantes é um
duplo tiro no pé. Primeiro, porque várias traduções católicas vertem o
texto por “agraciada” ou “muito favorecida”; e, segundo, porque quem
realmente está mais fadado a fazer uma tradução tendenciosa do texto
bíblico são os próprios católicos, que muitas vezes se veem forçados a
tal, perante a crítica católica.
Por
fim, vamos listar um pouco do que vimos aqui. Eis algumas das
principais razões pelas quais o dogma da imaculada conceição de Maria
não se justifica com base em Lucas 1:28:
1º Porque todos os cristãos são cheios do Espírito Santo (At.4:8; 7:55; 13:9; 9:17; Lc.1:55; 1:67),
e isso não é uma exclusividade de Maria. E, se ser cheio do Espírito
Santo não significa viver sem pecado, então ser cheio de graça também
não significa ser sem pecado, a não ser que o Espírito Santo seja algo
inferior à graça.
2º Porque
Deus não nos dá do Seu Espírito ou da Sua Graça de maneira limitada
(Jo.3:34). Todos nós recebemos da plenitude de Deus (Jo.1:16), não
apenas Maria.
3º Porque Paulo disse aos efésios que Deus “os encheu de graça” (Ef.2:6), e nem por isso eles viraram imaculados.
4º Porque o mesmo verbo que aparece a Maria também aparece a Estêvão, na descrição bíblica de que este era “cheio de graça” (At.6:8). Mas isso não tornou Estêvão imaculado, nem antes e nem depois daquele acontecimento.
5º Porque
Paulo diz que todos nós somos abundantes em toda a graça (2Co.9:8). Se
nós temos abundantemente toda a graça, então nós também somos “cheios de
graça”.
6º Porque entre os apóstolos também havia “abundante graça” (At.4:33), e, embora a palavra grega muitas vezes represente algo transbordante (acima de “cheio”), isso não implica que os apóstolos eram imaculados ou sem pecado.
7º Porque João nos diz que todos nós recebemos plenamente a graça de Deus (Jo.1:16). Portanto, todos nós somos gratia plena, e não Maria somente.
8º Porque
Paulo diz que a graça de Deus superabundou sobre nós (1Tm.4:14;
Rm.5:20), e tendo em vista que “superabundar” é algo etimologicamente
tão ou mais forte quando estar “cheio”, fica claro que nós também somos
cheios da graça divina.
9º Porque
muitas traduções católicas seguem a maioria das versões evangélicas e
também traduzem Lucas 1:28 por “agraciada” ou “muito favorecida”
(incluindo a New Jerusalem Bible), e nem por isso os católicos dizem que
essas traduções católicas da Bíblia são tendenciosas, criminosas ou
anticatólicas.
10º Porque,
mesmo na ilusão de que só Maria fosse cheia de graça e mais ninguém,
isso não implicaria que ela fosse imaculada, visto que ser cheio de
graça não implica em não ter pecado, assim como ser cheio do Espírito
Santo não implica em não poder pecar mais. Ou será que o Espírito Santo é
incapaz de realizar algo que a graça sozinha faz?
Conclusão
Tendo em vista todo este nosso estudo sobre Lucas 1:28 e o termo aplicado a Maria, chegamos a conclusão de que o
termo grego não diz nada de especial sobre Maria. Todo ser humano é
κεχαριτωμένος quando tocado pela graça de Deus. Ninguém pode dizer que a
graça em Maria foi maior do que em qualquer outro ser humano. Deus não
calcula a "quantidade" de graça, ele é sempre generoso e total em sua
entrega amorosa.
Ele nos derramou “abundante graça” (At.4:33), “superabundante graça” (1Tm.4:14; Rm.5:20), “graça sobre graça” (Jo.1:16), “plenitude” (Jo.1:16), “toda a graça” (2Co.9:8), nos “encheu de toda a graça” (Ef.2:6) para sermos “cheios de graça” (At.6:8).
Todas essas passagens não se aplicam somente a Maria, mas o texto
bíblico aplica a todos os cristãos (2Co.9:8; Ef.2:6), aos apóstolos
(At.4:33), a Estêvão (At.6:8), e também a Maria (Lc.1:28).
Os
católicos costumam se apegar unicamente no texto que fala sobre Maria
porque é o único que lhes interessa na formulação de suas falsas
doutrinas e de seus dogmas heréticos. Mas que isso fique claro: até
mesmo essa apegação única a Lucas 1:28 é uma interpretação tendenciosa,
sem critério, desprovida de exegese e apelativa.
Seria
mais fácil eles abandonarem seus “argumentos bíblicos” e admitirem que
não os tem (como já fazem em outros assuntos), apelando somente para o
seu bode expiatório chamado de “tradição oral”, do que passarem vergonha
tentando deturpar a Bíblia com interpretações forçadas que vão além
daquilo que o texto bíblico diz.
Então sim, Maria era cheia de graça.
E os demais cristãos?
Também.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.
Por Cristo e por Seu Reino,
Lucas Banzoli