Os historiadores têm, normalmente, identificado quatro pilares da Reforma do Século 16. Quatro temas principais que dominaram os escritos e ensinamentos dos reformadores, por serem essenciais à propagação da sã doutrina. Esses “pilares” são normalmente identificados por palavras latinas, não tão difíceis de compreender: Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide e Solus Christus. Vamos identificar esses significados e ver a relação deles, um para com os outros, bem como a razão da Reforma ter se concentrado nesses temas.
Sola Scriptura, significando que somente as Escrituras providenciam a fonte do nosso conhecimento religioso, das coisas espirituais cujo conhecimento é essencial à compreensão da vida. Essa era uma ênfase necessária, pois a igreja havia incorporado muitas doutrinas que não procediam da Bíblia, mas meramente de tradições humanas. Questões tais como culto às imagens, a existência do purgatório, etc., faziam parte das doutrinas ensinadas ao povo. Os reformadores, investigaram e deram um sonoro “não” a esse ensino e à consideração da “tradição” como fonte de autoridade igual ou superior à Palavra de Deus. Eles consideraram, corretamente, que isso era mortal para a saúde espiritual de qualquer um e da própria igreja.
Sola Gratia, significando que somente a Graça de Deus é a origem da nossa salvação. Na época da reforma, e mesmo nos nossos dias a tendência humana é a de exaltar a habilidade humana de salvar-se a si mesmo. Os reformadores apontaram que a Bíblia indica sem sombra de dúvidas que somente a graça de Deus, o favor não merecido da parte dele, origina um meio de salvação. Estamos todos mortos em delitos e pecados e, conseqüentemente, nada podemos fazer para nossa própria salvação. A iniciativa, de providenciar um plano de salvação, é de Deus e dele procedem todas as providências, nesse sentido.
Sola Fide, significando que somente a Fé é o meio pelo qual nos apropriamos da salvação efetivada por Cristo Jesus para o seu povo. Se a iniciativa da salvação é a graça de Deus, a Fé representa a resposta a essa iniciativa. Essa ênfase, extraída da Bíblia, era muito necessária, pois enfatizava-se as ações humanas como forma de se adquirir a salvação. Vendiam-se indulgências – pedaços de papel que, segundo os vendedores, representavam uma espécie de passaporte para o céu. Quanto mais se contribuía, mais certeza se obtinha, diziam eles, do perdão de pecados – do próprio comprador ou de parentes ou amigos que desejava beneficiar. Lutero e os demais reformadores, não encontraram qualquer base para esses ensinamentos nas Escrituras. Eles identificaram a Fé como sendo a resposta humana, provocada pelo toque regenerador do Espírito Santo de Deus, no processo de salvação.
Solus Christus, significando que somente Cristo é a base da nossa salvação. Somos salvos somente pelos méritos e pelo sacrifício de Cristo e não com base em qualquer outra situação ou ação humana. Cristo é o nosso único intermediário – assim a Bíblia especifica – e isso contrasta com tudo o que se ensinava, e ainda se ensina, relacionado com a intermediação de Maria e de outros “santos”.
Além dos “quatro pilares”, acima explicados, adiciona-se normalmente mais um: Soli Deo Gloria– Glória a Deus somente, significando o propósito da existência de nossas pessoas e de tudo o que temos ao nosso redor. Essa ênfase, igualmente bíblica, foi surgindo com o trabalho dos reformadores que se seguiram a Lutero, especialmente com o de João Calvino, que ensinou a doutrina da vocação – o chamado de Deus para que nos envolvamos em todos os aspectos da vida, sempre centralizando nossas ações na glória que é devida a Deus. Deus fez todas as coisas para sua própria glória e nos enquadramos em nossa finalidade e encontramos a felicidade quando abraçamos esse ensino em nossas vidas.
No meio desses pontos cardeais, dessas ênfases centrais nas doutrinas bíblicas, é interessante notarmos que Martinho Lutero considerava a questão da fé: Sola Fide – Somente a Fé, como sendo aquela ênfase crucial, que devia ser propagada e defendida a qualquer custo. Obviamente que, para ele, todas as demais eram importantes, mas com a questão da fé – como único e exclusivo meio pelo qual nos apropriamos da salvação – ele tinha um cuidado todo especial. Possivelmente isso ocorreu porque foi estudando a doutrina da fé que ele foi atingido pela contundência da mensagem divina de salvação. Lutero, atribulado porque estava acostumado a ouvir a pregação das indulgências, ou a validade de relíquias e amuletos, como meios de se tornar agradável a Deus, identificou-se como “um pecador perante Deus com a consciência atribulada”. Ele estudava a carta de Paulo aos Romanos, mais especificamente o capítulo 3, quando se deparou com a declaração: “o justo viverá pela fé”, no verso 28. Lutero escreveu o seguinte: “...então eu compreendi que a justiça de Deus é o fundamento de direito pelo qual, pela graça e pela misericórdia, ele nos justifica através da fé. Imediatamente eu me senti como se tivesse atravessado uma porta aberta e penetrado no paraíso”.
Assim, a justificação pela fé passou a ser uma das doutrinas centrais dos que abraçaram a fé reformada, que ficaram historicamente conhecidos como “protestantes”. Lutero escreveu, ainda: “esta doutrina é a principal e a angular. Somente ela gera, nutre, constrói, preserva e defende a igreja de Deus; sem ela a igreja de Deus não sobreviverá por uma hora”. O ensinamento bíblico, principalmente contido no terceiro capítulo de Romanos, sobre a justificação pela fé, não significa que nós somos considerados justos com base na fé. A base de nossa justificação é Cristo e o seu sacrifício na cruz, com a subseqüente vitória da morte, obtida em sua ressurreição. Somos salvos, portanto, pela Graça de Deus, por meio da fé, com base no trabalho de Cristo. Explicando o que é justificação, João Calvino nos ensina que ela “consiste no perdão dos pecados e na imputação da justiça de Cristo”. Uma das expressões que ele utiliza, é a de que os cristãos são “inseridos na justiça de Cristo”. Ou seja, não temos justiça própria, mas recebemos a justiça de Cristo sobre nós.
Na carta de Paulo aos Efésios (capítulo 2, versos 8 a 10), lemos: “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”. A fé, aqui mencionada, é essa fé que salva. Aprendemos, nestes versos, que somos salvos somente pela graça proveniente de um Deus soberano. A fé, é o meio – “mediante a fé”. Mas note que não temos qualquer razão ou motivo de nos orgulharmos de termos exercitados fé. Nem temos qualquer prerrogativa ou direitos perante Deus. Somente exercemos a fé, porque ela é dom de Deus. Ele é que nos concede esse meio de resposta ao seu toque salvador. Aprendemos, também, que a salvação não vem das obras – não podemos nos orgulhar, ou nos gloriar, das nossas ações, pois elas não levam à salvação. No entanto, somos instruídos sobre o verdadeiro relacionamento entre graça, fé e obras (ações). Não existe graça verdadeira, sem a respectiva fé que salva. Não existe fé salvadora, sem as evidências dessa salvação, dessa transformação de vida – as obras, as ações de mérito, representadas pelo cumprimento dos mandamentos e das diretrizes divinas contidas nas Escrituras e que existem “para que andemos nelas”.
Essa é a fé que salva. A fé que não é simplesmente uma manifestação mística em algumas coisas. Muitos têm fé sincera em objetos que não podem salvar – em ídolos, em ritos de umbanda, em espíritos desencarnados. Mesmo em sinceridade, essa fé leva à perdição. Somente a fé em Cristo Jesus é fé salvadora (Atos 4.12: “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos”). A fé que salva é conseqüência natural da graça. A fé que salva não é incompatível com as obras, mas as obras são uma conseqüência necessária a essa fé. Há quase 500 anos os reformadores entenderam isso e resgataram essa doutrina que não estava sendo ensinada e se encontrava velada debaixo do entulho de tradição humana que a havia soterrado. Você entende que essa fé é o único meio para a sua salvação?