quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

A PARÁBOLA DO RICO E LÁZARO - Lucas 16.19-31

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 16.19-31

INTRODUÇÃO

Ninguém que leva a Bíblia a sério pode duvidar da existência do céu. Mas o inferno é negado por muitos e pregado por poucos. Muitos dos que professam crer na autoridade das Escrituras evitam falar sobre o inferno, outros expressam dúvidas de que mais do que alguns pecadores irão lá. E há aqueles que negam a sua existência totalmente, em contradição direta com o ensinamento do Senhor Jesus Cristo. Jesus, no entanto, falou mais sobre o inferno do que ninguém, e afirmou solenemente a sua existência como o lugar do eterno tormento (cf. Mt 5.22, 29,30; 7.19; 8.12; 10.28; 13.40, 42, 50; 18.8,9; 22.13; 23.15, 33; 24.51; 25.30, 41; Mc 9.43, 45, 47,48; Lucas 12.5; 13.28; Jo 15.6).

Hernandes Dias Lopes nos fala que há uma coisa notável acerca desta passagem das Escrituras: ela é fácil de entender. Podemos discordar dela, negar sua veracidade, ou desprezar seus ensinamentos, mas só uma coisa não se pode fazer: negar sua clareza. E continua:

 A verdade básica é que a vida é mais do que simplesmente viver, e a morte é mais do que simplesmente morrer. Há muitas especulações sobre o que acontece depois da morte. Há um profundo mistério acerca da morte, e milhões de pessoas recorrem aos médiuns para tentar falar com os mortos.

Jesus neste texto abre a cortina, levanta a ponta do véu e nos mostra o que vem depois da morte: o seio de Abraão (16.22) ou o inferno (16.23). Esta parábola fala-nos a respeito de dois homens: o rico e o Lázaro. A parábola está dividida em dois atos. O primeiro deles é o que acontece do lado de cá da sepultura. O segundo deles é o que acontece do lado de lá da sepultura. [1] 

Charles L. Childers destaca que muitos afirmam que esta história é o relato de um acontecimento real e não simplesmente uma parábola. Estes entendem que a frase um homem rico, indica uma pessoa histórica. Quer a parábola seja uma história verdadeira ou não, uma coisa é certa: Jesus deu um relato do que poderia acontecer. [2]

Champlin diz que alguns fazem objeção ao vocábulo “parábola”, quando aplicado a esta narrativa; porém, posto que as parábolas são usadas como símbolos de realidades espirituais, na realidade pouca diferença faz se usarmos ou não este termo no caso em foco. Não haveríamos de dizer que as palavras de Jesus, revestidas na forma de parábolas, são reflexos menos reais das realidades espirituais do que aquelas suas afirmações feitas sem tal simbolismo. [3] John C. Ryle diz que em um aspecto, esta parábola é singular nas Escrituras. É a única passagem da Bíblia que descreve a experiência do incrédulo após a morte. Por essa razão, assim como as demais, a parábola merece atenção especial. [4] 

Esta parábola pode ser dividida convenientemente em duas partes bem desiguais. Na primeira parte (vs. 19-22) somos confrontados com “o homem rico” e “o pobre mendigo” nesta vida; na segunda (vs. 23-31) os vemos novamente, mas então na vida além desta. [5]

Na vida, um é rico e o outro pobre; na morte, um é sepultado e o outro, como indigente, talvez não tenha tido um sepultamento digno; na eternidade, um está no céu e o outro no inferno. [6]

Analisemos o texto para um melhor entendimento sobre este assunto.

1 – O CONTRASTE DA VIDA DESSES DOIS HOMENS EM VIDA (Lc 16.19-21).

A história desses dois homens é marcada por contrastes extremos na vida e reversões chocantes após a morte. Jesus nesta parábola destaca duas realidades da vida desses dois homens. Um extremamente rico, e o outro, extremamente pobre. Um vivia abastado, o outro, no entanto, em profunda miséria. O homem rico estava dentro da casa, o pobre homem do lado de fora. O pobre homem não tinha comida, o homem rico tinha toda a comida que ele poderia comer. O pobre homem era uma pessoa sofrida, o homem rico estava satisfeito.

Pensando nisso, analisemos a vida desses dois personagens. 

Em primeiro lugar, a vida do homem rico (Lc 16.19). Tratava-se, de fato, de um homem rico, uma vez que usava roupas caras e oferecia banquetes fartos todos os dias. A palavra que melhor descreve esse estilo de vida é “ostentação”. Esse homem era, sem dúvida, um dos “ricos e famosos”, admirado e invejado. [7] Charles L. Childers destaca que este homem tinha em abundância tudo que o mundo podia oferecer para facilitar o conforto, o esplendor ou a felicidade mundana. Suas roupas eram de príncipe; sua casa era um palácio; suas refeições eram banquetes. [8]

Vestia-se de púrpura e linho finíssimo. Esta tintura púrpura era obtida do peixe púrpura, uma espécie de mexilhão ou murex. Era muito caro, e usado como manto pelos ricos e príncipes (púrpura real). Eles tinham três tons de púrpura (violeta intenso, escarlate ou carmesim intenso, azul profundo (Mc 15.17,20; Ap 18.12). O linho finíssimo, também conhecido como linho de Bisso ou o egípcio (também da índia e Acaia) é uma fibra de linho amarelada, da qual se extraía o linho fino, para roupas de baixo. Era usado para envolver múmias. “Havia alguns linhos egípcios, tão finos, que eram chamados de ar entrelaçado. [9] 

No versículo 20 e 21 nos diz que “Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele; e desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico...”. O texto nos mostra que este homem não era somente rico, mas ele não se importava com a situação daquele que estava à sua porta. Não se condoía de sua doença e nem com a fome que ele passava. O problema desse homem não era ser rico, mas ser ganancioso e sem misericórdia para com o próximo. 

Diferentemente de Jó que “fazia de olhos para o cego, e de pés para o coxo. Dos necessitados era pai, e as causas de que eu não tinha conhecimento inquiria com diligência” (Jó 29.15,16), este homem rico agia de forma inversa. Ele não se importava com ninguém, a não ser consigo mesmo e em estar saciado de bens.

Em segundo lugar, a vida de Lázaro (Lc 16.20,21). Esta é a única personagem que recebe um nome nas parábolas de Jesus. A miséria absoluta de Lázaro pode ser vista em quatro fatos dramáticos apontados no texto: 1) era mendigo; 2) estava com fome; 3) estava coberto de chagas; 4) os cães lambiam suas úlceras. [10] Eugene Peterson diz que Lázaro é invisível. Ninguém enxerga Lázaro. Em sua invisibilidade, ele compartilha do destino dos pobres, dos doentes, dos explorados e de todos os “infelizes da terra”. [11]

O nome que Jesus deu ao pobre homem, Lázaro, é significativo. Lázaro é a tradução grega do nome hebraico comum Eleazar, que significa, “a quem Deus tem ajudado”. É um nome apropriado, pois simboliza a única maneira que ele pôde entrar no céu, mediante a infinita graça de Deus. Em contraste com o seu estilo de vida extravagante do homem rico, Lázaro vivia na total miséria. O termo usado aqui para descrevê-lo é “ptōchos” (pobre), essa palavra descreve uma pessoa no estado na mais extrema pobreza (por exemplo, Mc 12.42-44).

Charles L. Childers diz que ele era a incorporação da pobreza, doença, e necessidade, assim como o rico o era da riqueza, prazer e saúde. Lázaro era, sem dúvida, colocado à porta do homem rico pelos seus amigos. Ali ele esperava comer as migalhas, ou pedaços de pão que se usavam para limpar os dedos e se atiravam aos cães debaixo da mesa. Mas este conforto lhe era evidentemente negado. O rico não tinha misericórdia nem compaixão. Os próprios cães vinham lamber-lhe as chagas. Estes provavelmente não eram os cães do homem rico. Eram cachorros selvagens sem donos, que perambulavam pelas ruas e comiam os restos que eram jogados ali. [12]

David A. Neale destaca que: 

O maior segmento da população era a classe camponesa. Esta, geralmente, não era tão afortunada. A população camponesa consistia, em sua maioria, de agricultores de subsistência e operários, para quem a existência cotidiana era uma luta contra a necessidade e a fome.

Além dessas classes, havia aqueles que eram considerados marginalizados. Eles eram os impuros, os aleijados e cegos, os cronicamente enfermos e os destituídos. Lázaro era das mais desesperadamente empobrecidas de todas essas classes. Para aqueles que faziam parte do público de Jesus, essa história de riqueza desperdiçada e de necessidade desesperadora teria sido uma dolorosa reflexão sobre a realidade da vida cotidiana deles. [13] 

“...desejava alimentar-se das migalhas...”. As migalhas que caíam da mesa do rico era o refugo que era jogado fora do portão, incluindo os pedaços de pão que o rico usava como guardanapos, segundo era o costume da época. Era uma comida própria para os cães que percorriam as ruas, mas era ansiosamente rebuscada por esse homem que vivia na mais abjeta pobreza que se possa imaginar, diz Champlin. [14]

Os cães vinham lamber suas chagas. James R. Edwards citando Bailay, diz que o cão vira-lata faz mais por Lázaro que o homem rico. [15] Os cães dão a Lázaro o conforto do azeite e vinho (Lc 10.34), que é negado pelo homem rico. Do que sabemos acerca dos cães do Oriente, podemos até afirmar que eles foram os seus agentes funerários, o seu cortejo e a sua sepultura. Com um estremecimento de nojo nos afastamos, dizendo: “Que tragédia!” [16]

2 – O CONTRASTE DA VIDA DESSES DOIS HOMENS NA MORTE (Lc 16.22).

O extremo contraste entre os dois homens na vida continuou em morte. Enquanto eles estavam vivos, o homem rico tinha tratado os pobres, o sofrimento, o homem que jazia ao seu portão, como se ele já estivesse morto. Mas então tudo mudou. O pobre homem morreu, doente, desamparado e morrendo de fome. Não houve enterro, funeral, ou honra terrena na morte, mas a honra veio do céu como seu corpo foi levado pelos anjos para o seio de Abraão.

O rico também morreu, mas ao contrário do pobre homem, ele foi sepultado e, sem dúvida, um homem assim teria sido homenageado com um funeral elaborado. Todos os seus recursos, dinheiro, amigos, privilégio e prestígio não podiam comprar-lhe mais um dia de vida; suas riquezas não conseguiram impedir a inevitabilidade da morte. E, pior, para ele não há anjos chegando para levá-lo para o céu. 

O texto não traz nenhuma informação acerca da situação religiosa de um ou de outro. Mas Lázaro era evidentemente um fiel servo de Deus, pois, quando morreu, os anjos o levaram para o seio de Abraão. [17] O rico, por sua vez, por causa de seu estilo de vida, fazia do prazer o seu deus. [18] Rienecker diz que, para Lázaro, a morte trouxe o fim de seu sofrimento terreno, e, para o rico, o fim de sua felicidade na terra. [19] John C. Ryle corroborando com esse pensamento disse “morreu o mendigo, e findaram-se todas as suas necessidades físicas. Morreu também o rico, e todos os seus deleites acabaram para sempre. [20]

Com isso em mente, podemos destacar duas lições:

Em primeiro lugar, a morte física vem para todos. Se há algo que é democrático é a morte. Ela vem para todos. Uns talvez morram com muito conforto, outros não, mas quando ela chega leva a todos. Na morte não há rico e nem há pobre, ela nos nivela.

Como disse Matthew Henry:

A morte é o destino comum dos ricos e dos pobres, dos piedosos e dos ímpios; eles estão sob esta sentença. Um morreu em toda a sua plenitude, e o outro na amargura de sua alma; mas eles juntamente jazem no pó, Jó 21.26. A morte não beneficia nem o rico por suas riquezas, nem o pobre por sua pobreza. Os santos morrem para que possam ter as suas dores terminadas, e assim possam entrar em seu gozo. Os pecadores morrem, para que possam prestar contas. Cabe tanto aos ricos como aos pobres se prepararem para a morte, porque ela aguarda a ambos. [21]

James I. Packer diz que a única coisa certa que temos na vida é a morte. O escapismo que leva o homem a fechar os olhos para a perspectiva da morte é tão estúpido quanto neurótico e desmoralizante. [22]   

Em segundo lugar, a morte espiritual é uma realidade. A morte física não se compara a morte eterna. Assim como a vida eterna é uma realidade, a morte eterna também é. A Bíblia a chama de “segunda morte” (Ap 21.8). Lugar de tormento. Lugar longe de Deus.

John C. Ryle destaca que 

A certeza e a eternidade do castigo vindouro dos ímpios são verdades que temos de sustentar e nunca abandonar. Desde o dia em que Satanás disse a Eva: “É certo que não morrereis”, nunca faltou homens que negassem a verdade de Deus. Não sejamos enganados. Existe o inferno para aqueles que não se arrependerem, bem como o céu para os crentes. Existe uma ira vindoura para “os que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus” (2Ts 1.8). Dessa ira precisamos fugir a tempo, escondendo-nos naquele grande lugar de refúgio, o Senhor Jesus Cristo. Se, após a morte, os homens estiverem em tormentos no inferno, isto acontece não porque não havia uma maneira de escapar. [23]

3 – O CONTRASTE DA VIDA DESSES DOIS HOMENS NA ETERNIDADE (Lc 16.22-31). 

Esta é a única certeza da vida, nascemos e morremos. A vida que levamos e as escolhas que fazemos definirá nosso destino eterno. Ou iremos para o céu, ou iremos para o inferno. Não existe um meio termo, um caminho alternativo que nos leve para um terceiro lugar. Não há uma segunda chance para mudarmos nossas escolhas feitas em vida. Como disse o autor de Hebreus “aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9.27).

A morte ocorre quando o espírito deixa o corpo (Tg 2.26). Esse não é o fim, mas sim o começo de uma nova existência em outro mundo. Para o cristão, significa estar na presença do Senhor (2Co 5.1-8; Fp 1.21). Para o incrédulo, significa estar longe da presença de Deus e em meio ao tormento. [24] Depois da morte, o contraste no destino destes dois homens continuou, mas agora a situação está invertida. Vejamos. 

Em primeiro lugar, Lázaro alcança a vida eterna (Lc 16.22). A frase seio de Abraão só aparece aqui na Bíblia. Não é, como alguns acreditam, um termo técnico para a morada dos santos do Antigo Testamento até depois da morte de Cristo fez expiação pelos seus pecados. Apenas indica que quando o pobre homem morreu, ele foi imediatamente para o lado de Abraão na morada dos justos. Leon Morris diz que a expressão não é comum, mas claramente denota a felicidade. [25] 

William Hendriksen destaca que o fato de Lázaro ter sido levado pelos anjos para o seio de Abraão certamente prova que ele honrara seu nome. Enquanto estava na terra, pusera sua confiança em Deus como seu Ajudador e agora Deus ordena aos anjos que levem sua alma para o Paraíso. Aquele que anelara receber as migalhas e sobras agora está reclinado à mesa celestial, onde se celebra um banquete. [26]

Em segundo lugar, o rico alcança a morte eterna (Lc 16.22b-31). Aquele que viveu aqui sem Deus, depois da morte, abriu os olhos e estava no inferno, um lugar de tormentos. Se isso não bastasse, das chamas do inferno, ainda conseguia ver Lázaro e notar sua felicidade. Enquanto Lázaro repousava no seio de Abraão, o rico não teve repouso nenhum no inferno. [27] John MacArthur chama-nos a atenção de que a indicação de que um homem rico seria excluído do céu deve ter escandalizado os fariseus; especialmente a ideia desagradável de que, a um mendigo que comia restos da mesa do homem rico, era garantido um lugar de honra próximo a Abraão. [27]

Charles L. Childers destaca que o rico:

No Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos. Ali não havia nenhum sono da alma, nenhum estado intermediário. Ele morreu, e imediatamente estava no inferno, enquanto Lázaro foi levado imediatamente para o céu pelos anjos. Este homem rico sem coração fechou os olhos para as suas riquezas terrenas e abriu os olhos no inferno. A palavra Hades é um termo amplo, equivalente “à terra dos espíritos que partiram” ou “mundo futuro”. Portanto nem sempre se refere a um lugar de punição. Mas nesta parábola era inquestionavelmente um local de punição; o rico abriu os olhos em tormentos. Observe que a palavra está no plural. O fogo era apenas uma das muitas causas de sofrimento para o homem perdido. Havia memória, consciência, raciocínio, a capacidade de enxergar o lugar bem-aventurado de Lázaro, e muito mais. [29]

Champlin diz que o vocábulo grego aqui traduzido por “inferno” não é a geena (a prisão dos perdidos), e, sim, o hades, isto é, o mundo invisível dos mortos. [30] 

Está bem claro que a grande verdade aqui enfatizada é esta: uma vez que uma pessoa tenha morrido, sua alma tendo se separado de seu corpo, sua condição, seja de bem-aventurança ou de condenação, está fixada para sempre. Não existe aquilo que se chama uma “segunda” chance. Portanto, as oportunidades para ajudar os que estão em necessidade e em geral de viver uma vida frutífera para a glória de Deus, têm de ser aproveitadas agora. [31]

Em terceiro lugar, não existe arrependidos no inferno. O homem rico não despertou santo. A morte não transforma um pecador num santo. Quem morre na impiedade passa toda a eternidade na impiedade. [32]

Em Lucas 13.27,28 nos diz acerca das pessoas no inferno:

“Digo-vos que não vos conheço nem sei de onde vós sois; apartai-vos de mim, vós todos os que praticais a iniquidade. Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no reino de Deus, e vós lançados fora”.

No inferno não há ninguém que tenha se arrependido de seus pecados, pelo contrário, eles estão cada vez com ódio de Deus e dos salvos que estão na glória eterna. Ali haverá choro e ranger de dentes, o grau máximo de dor e indignação. E aquilo que é a sua causa, e que contribui com ela, é uma visão da felicidade daqueles que são salvos: Quando virdes Abraão, e Isaque, e Jacó, e todos os profetas no Reino de Deus; e vós lançados fora. Observe que os santos do Antigo Testamento estão no Reino de Deus; estes foram beneficiados pelo Messias que morreu e ressuscitou, porque eles viram o seu dia à distância e isto refletiu a consolação sobre eles. A visão da glória dos santos será um grande agravo da infelicidade do pecador; eles então verão o Reino de Deus de longe, e nele contemplarão os profetas a quem odiaram e desprezaram, e eles mesmos, embora estivessem certos de entrarem no reino, serão lançados fora. Esta é a principal razão pela qual rangerão os dentes, Salmos 112.10. [33]

John C. Ryle nos diz que o Senhor Jesus nos mostrou com clareza que, depois de morto, o rico estava “no inferno” atormentado em chamas. Ele nos apresentou a terrível figura do intenso desejo do rico por água para refrescar a sua língua; apresentou também a horrível figura do “abismo” existente entre o rico e Abraão, um abismo que não poderia ser ultrapassado. Em toda a Bíblia, existem poucas passagens tão apavorantes quanto essa. E Aquele que proferiu essas palavras, não esqueçamos, é rico em misericórdia! [34]

Através desse texto, nós temos um vislumbre do que possa ser o inferno. Vejamos o que o texto tem a nos ensinar.

1 – O inferno é um lugar de tormento (Lc 16.233a). A palavra “tormento” é usada quatro vezes neste relato e se refere a uma dor definida. É a mesma palavra usada para a condenação temida pelos espíritos malignos (Mc 5.7) e para os julgamentos que Deus enviará sobre o mundo impenitente (Ap 9.5; 11.10; 20.10). Se o inferno é a prisão eterna dos condenados, o Hades é a cadeia temporária, e o sofrimento em ambos é extremamente real. [35] O inferno é descrito como um lugar onde as chamas são inextinguíveis, de fogo que não se apaga, de fumaça que sobe pelos séculos dos séculos.

2 – O inferno é um lugar onde não há consolo (Lc 16.23-25). A extensão da agonia do homem rico é poderosamente ilustrada, pois ele que antes não considerava qualquer prazer demasiado extravagante implora o menor benefício. [36]

Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te... Não foi solicitado que o rico se lembrasse de um crime ou de uma vida de vícios. Era apenas uma vida de indulgência egoísta, uma vida tão cheia de preocupações egocêntricas que não havia espaço nem tempo para os outros, nem para Deus. Agora, este é consolado, e tu, atormentado, destaca Charles L. Childers. [37]

3 – O inferno revela o que a pessoa tem de pior. Leon Morris diz que A atitude do rico para com o grande patriarca é deferencial, pois o chama de Pai Abraão, e as palavras da sua petição são suficientemente humildes. Mas há uma nota de arrogância inconsciente na sua atitude para com Lázaro, porque supõe que aquele pobre pode ser mandado para lhe prestar um serviço (a não ser que suas palavras queiram dizer que estava disposto a aceitar o mínimo alívio, seja qual for a sua proveniência). Não percebeu que os valores da terra já não são aplicáveis. [38] O inferno potencializa o que o ser humano tem de pior. No caso do homem rico, a sua arrogância.

Seu apelo por Abraão para enviar Lázaro indica que sua visão do mendigo não tinha mudado. Ele ainda via Lázaro como alguém tão humilde e insignificante, que se alguém tivesse que ser selecionado para deixar o céu e vir para o inferno para lhe trazer água, deveria ser Lázaro. Sua atitude inalterada e impenitente ilustra a realidade de que o inferno não é corretivo, mas punitivo.

4 – O inferno é um lugar de onde não se pode sair (Lc 16.26). O inferno é definido na Bíblia como uma prisão de algemas eternas (Jd 6,13). Não haverá chance de arrependimento no inferno. Será uma prisão eterna. Será o castigo eterno. Há um abismo intransponível que separa o inferno do céu. Há um caráter de irreversibilidade da sorte de uma pessoa depois da morte. [39]

5 – O inferno é um lugar de lembranças das oportunidades perdidas (Lc 16.27,28). Pela primeira vez na história, o rico demonstra algum interesse noutras pessoas (mas não pensa nos pobres; fica só no assunto dos seus). Pede que seus cinco irmãos sejam advertidos quanto aquilo que os aguarda. [40] Este espírito missionário, este interesse pela salvação de sua família, deveria ter vindo mais cedo – quando ele ainda estava com eles. [41]

6 – O inferno só pode ser evitado se crermos no testemunho das Escrituras (Lc 16.28-30). Se não ouvem a Moisés e aos Profetas (ou seja, o Antigo Testamento), eles não ficarão convencidos, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos, como a ressurreição de Lázaro, irmão de Maria e marta não convenceu os doutores da lei, pelo contrário, intentaram matá-lo também (Jo 12.10,11), e do próprio Senhor. A incredulidade está no coração, não é uma questão intelectual e nem moral, nenhuma quantidade de provas mediante milagres pode transformar a incredulidade em fé (Jo 12.37). Só a Palavra de Deus tem o poder de fazê-lo (Hb 4.12; 1Pe 1.23). 

Fritz Rienecker destaca que na verdade a situação real é que quem não crê em Moisés e os profetas também não poderá ser persuadido por meio da ressurreição de um morto. O testemunho da Escritura reveste-se de tanta relevância e validade plena que sozinho já é suficiente para produzir uma conversão. Um sinal milagroso que age sobre os sentidos de forma alguma é comparável ao testemunho extraordinário da Escritura. [42]

John MacArthur nesta mesma linha de pensamento fala a respeito da suficiência singular das Escrituras para superar a incredulidade. Ele diz que o Evangelho em si mesmo é poder de Deus para a salvação (Rm 1.16). Como, no fundo, a incredulidade é um problema espiritual, e não intelectual, nenhum montante de evidências jamais transformará incredulidade em fé. Mas a Palavra de Deus revelada tem o poder inerente de transformar (Jo 6.63; Hb 4.12; Tg 1.18; 1Pe 1.23). [43] 

Por isso, o tempo de se arrepender é agora. O tempo de evangelizar é agora. O tempo de ajudar alguém é agora. No inferno, os ímpios são inteiramente responsáveis por não terem ouvido as advertências das Escrituras (16.27-31). [44]

7 – O inferno é eterno. O castigo dos ímpios mortos no inferno é descrito em toda a Escritura como “fogo eterno” (Mt 25.41), “fogo que nunca se apagará” (Mt 3.12), “vergonha e desprezo eterno” (Dn 12.2), um lugar “onde... o fogo nunca se apaga” (Mc 9.44-49), um lugar de “tormentas” e “chamas” (Lc 16.23-24), “eterna perdição” (2Ts 1.9), um lugar de tormento com “fogo e enxofre” onde “a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre” (Ap 14.10,11) e um “lago de fogo e enxofre” onde os ímpios “de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre” (Ap 20.10).

A punição dos ímpios no inferno é tão duradoura quanto a felicidade dos justos no céu. O próprio Jesus indica que a punição no inferno é tão eterna quanto a vida no céu (Mt 25.46). Os ímpios estão sempre sujeitos à fúria e à ira de Deus. Os que estão no inferno reconhecerão a perfeita justiça de Deus (Sl 76.10). Aqueles que estão no inferno saberão que o seu castigo é justo e que são de fato culpados (Dt 32.3-5). Sim, o inferno é real. Sim, o inferno é um lugar de tormento e castigo que dura para sempre, ou seja, não tem fim. Louve a Deus que, por meio de Jesus, podemos escapar deste destino eterno (Jo 3.16, 18, 36).

CONCLUSÃO 

Devemos nos lembrar de que o homem rico não foi condenado simplesmente por ser rico, assim como Lázaro não foi salvo simplesmente por ser pobre. Abraão foi um homem extremamente rico, no entanto, não estava no tormento do Hades. O homem rico depositou toda a confiança em suas riquezas e não creu no Senhor. Nas palavras de C. S. Lewis: “O caminho mais seguro para o inferno é gradual: declive suave, macio debaixo dos pés, sem curvas fechadas, sem marcos nem placas”. [45] “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8.36).

Hernandes Dias Lopes diz que a doutrina do inferno não é uma verdade popular. Não agrada aos ouvidos. Choca as pessoas mais sensíveis. O ser humano não gosta de ouvir sobre o inferno. Contudo, pior do que ouvir sobre o inferno é ser lançado nele. [46] 

Pense nisso! 

Bibliografia:

1 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 484.

2 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 459.

3 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 161.

4 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 271.

5 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 335.

6 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 484.

7 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 312.

8 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 459.

9 – Robertson, A. T. Comentário de Lucas, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 293.

10 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 485.

11 – Peterson, Eugene. A Linguagem de Deus, Ed. Mundo Cristão, São Paulo, SP, 2011, p.124.

12 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 459.

13 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 185.

14 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 162.

15 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 594.

16 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 486

17 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 238.

18 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 485.

19 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005, p. 346.

20 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 273.

21 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 667.

22 – Shedd, Russel, Pieratt, Alan – Editores. Packer, James I. Imortalidade, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1992, p. 116.

23 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 273.

24 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 313.

25 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 238.

26 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 338.

27 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 487.

28 – MacArthur, John. Comentário Bíblico MacArthur, Gênesis a Apocalipse, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, 2019, p. 1275.

29 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 460.

30 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 163.

31 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 339.

32 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 484.

33 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 639.

34 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 273.

35 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 313.

36 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 250.

37 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 460.

38 – 36 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 238.

39 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 488.

40 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 239.

41 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 461.

42 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005, p. 347

43 – MacArthur, John. Comentário Bíblico MacArthur, Gênesis a Apocalipse, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, 2019, p. 1275.

44 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 489.

45 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 314.

46 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 491.

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