sábado, 10 de abril de 2010

Bíblia e Predestinação [1] - O Deus Soberano


Por Helder Nozima

Confira a introdução da série clicando aqui.


Toda teologia e reflexão bíblica deveria ter Deus como o ponto de partida. No entanto, parece que não só a sociedade secular, mas também as igrejas ditas evangélicas se tornaram antropocêntricas e fazem do homem a medida de todas as coisas. As pregações, os artigos e os estudos se preocupam muito mais em compreender como Deus pode servir ao homem e em como ele pode conseguir favores e graças divinas do que em refletir sobre a natureza e os atributos do Criador. Desta maneira, muitos pastores e teólogos fazem da salvação e glorificação do homem o centro da Bíblia. A glória de Deus fica em segundo plano.

Essa mesma polarização se verifica nos embates entre a predestinação, defendida pelos calvinistas, e o livre-arbítrio, doutrina abraçada por não-calvinistas (o que inclui os arminianos e pessoas que dizem não ser nem calvinistas nem arminianos). Quase todos os cristãos concordam que Deus é Onipotente e, por isso, tem o poder de atuar diretamente na vontade de todos os seres humanos e determinar tudo o que acontece. Os reformados (outro nome dos calvinistas) creem que Deus não apenas tem esse poder, como, de fato, o usa. Já os não-reformados entendem que Deus limita o uso de seus poderes para resguardar a liberdade e a responsabilidade humanas. Para aqueles, Deus usa 100% de toda a potencialidade de Seus atributos. Para estes, em nome de um bem maior, a liberdade humana, o Senhor abre mão de usar todo o Seu poder.

Qual o lado correto? Creio que não precisamos fazer uma análise exegética de todos os versículos bíblicos que tratam dos atributos de Deus (isso renderia um volume de Teologia Sistemática de 700 páginas), mas sim vermos alguns textos-chave que resolvem a questão.

O Todo-Poderoso
A primeira pista está em um dos nomes usados por Deus na Bíblia: o "Todo-Poderoso". Esse é um dos nomes mais antigos de Deus, e está ligado à perfeição divina, como podemos ver em Gênesis:
Quando atingiu Abrão a idade de noventa e nove anos, apareceu-lhe o SENHOR e disse-lhe: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito. (Gênesis 17:1)
Por que Abrão deveria ser perfeito? A resposta é que o Deus a quem Ele servia era Todo-Poderoso, o El Shadday. Ou, em outras palavras, Onipotente. A declaração divina a Abrão abre um diálogo onde Deus reafirma Suas promessas ao patriarca, de que ele seria o pai de muitas nações (Gn 17:4-6), que sua descendência viveria em aliança com Deus (Gn 17:7) e herdaria a terra de Canaã (Gn 17:8). O título "Todo-Poderoso" é a garantia dada por Deus de que Ele tinha o poder necessário para cumprir o que fora prometido.

Na verdade, a expressão "Todo-Poderoso" só faz sentido se, de fato, Deus não apenas tiver todo o poder, mas também se esse poder for, de fato, utilizado. Afinal, que utilidade há em ter a capacidade de fazer algo e ser impossibilitado de usar essa capacidade por alguma outra razão? Parece-me ilógico ou incoerente dizer que alguém é Todo-Poderoso e, ao mesmo tempo, dizer que ele não pode fazer determinada coisa, de modo que uma certa capacidade nunca seja utilizada.

Os não-reformados aqui me diriam que o amor é o limite. Em nome do atributo "amor", teoricamente superior aos outros, Deus limita o exercício de Seu poder (e de outros atributos, como a ira ou a justiça). Mas, pergunto: qual a base bíblica de tal afirmação? Onde pode ser lido, na Bíblia, que o Deus Todo-Poderoso limita a manifestação de Seus atributos por causa do amor?

Além do mais, não apenas na promessa divina a Abrão, mas em todas as promessas relativas ao futuro feitas por Deus, está implícita a intervenção divina na História. É o que veremos a seguir.

O Governador da Criação
O amplo domínio de Deus sobre a criação, incluindo-se aí os corações humanos, foi reconhecido por um rei pagão, cuja conversão é questionada por muitos evangélicos. Leiamos o que Nabucodonosor tem a dizer sobre o Senhor:
Todos os moradores da terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes? (Daniel 4:35)
Algumas verdades simples do texto:

- Deus opera e age segundo a Sua vontade. Nada parece indicar que a vontade humana possa, de alguma forma, se sobrepor à divina.
- Deus opera com o exército do céu e os moradores da terra. Tanto anjos como homens estão à disposição de Deus, que pode nos usar para a realização de Suas obras como bem entender. Os seres inteligentes da criação estão sujeitos à discrição divina.
- Ninguém pode impedir as operações de Deus. Uma vez que Deus decida operar, seja por meio de um anjo ou de alguma nação, ninguém pode pará-Lo ou mesmo questionar a ação divina.

Isso pode ser visto, por exemplo, no controle exercido por Deus em cima dos reis:
Como ribeiros de águas assim é o coração do rei nas mãos do SENHOR, este, segundo o seu querer, o inclina. (Provérbios 21:1)
A mesma verdade, agora estendida a todos os homens, pode ser inferida da oração feita pelo profeta Jeremias:
Eu sei, ó SENHOR, que não cabe ao homem determinar o seu caminho, nem ao que caminha o dirigir os seus passos. (Jeremias 10:23)
Se não cabe ao homem, então é Deus quem determina o caminho dos seres humanos. Uma verdade que também foi confessada pelo rei Davi:
Os teus olhos me viram a substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda. (Salmo 139:16)
De fato, Deus usa o Seu poder para governar e dirigir a Sua criação, incluindo-se aí os seres inteligentes e dotados de vontade, como é o caso de homens e anjos. Na verdade, a nossa dependência de Deus é maior do que imaginamos, pois até mesmo o mais empedernido ateu ou satanista só continua a existir porque o Senhor o sustenta:
Ele, que é o resplendor da glória e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade, nas alturas, (Hebreus 1:3)

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem dá a vida, respiração, e tudo mais... (Atos 17:25)
Sem que Deus o sustente, e dê ao pecador a vida ou a respiração, o que ele poderia fazer? Nada. Logo, chegamos à mesma conclusão do apóstolo Paulo em Efésios 1:11:
nele, digo, no qual fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade... (Efésios 1:11)
Tudo o que acontece foi predeterminado pelo Senhor. Nem o amor e nem a liberdade humana O impedem de, efetivamente, usar o Seu poder de controlar a vontade humana e cada aspecto de Sua criação. Afinal, segundo Jesus:
Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá sem o consentimento de vosso Pai. E, quanto a vós outros, até os cabelos todos da cabeça estão contados. (Mateus 10:29-30)
A glória de Deus: o verdadeiro centro da Bíblia
Apesar de tantas evidências, a doutrina acima exposta encontra muita oposição e é dificílima de ser aceita. Isto porque estamos acostumados a encarar o mundo e a fé tendo o homem como centro e ponto de partida. De modo consciente ou inconsciente, a maioria das pessoas acredita que o objetivo supremo de Deus é promover a felicidade do ser humano. E nada poderia ser mais abominável do que pensar assim.

Por quê? Deus não ama o homem? Claro que ama! Mas Deus ama mais a Si mesmo. Nada do que existe foi feito para nós, antes tudo o que existe foi feito para Ele:
Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém! (Romanos 11:36)
Isso significa que:

- A criação é de Deus e não do homem (dele);
- O desenvolvimento da História, da criação, é por meio de Deus e não do homem (por meio dele);
- A criação foi feita para Deus, e não para o homem (para ele).

Prezados, se o objetivo supremo de Deus fosse promover a felicidade humana, então o próprio Deus existiria para nos servir...e isso seria idolatria! Seria querer colocar o ser humano acima do próprio Senhor e Criador de tudo. O único homem que poderia reivindicar tal objetivo é Jesus, pelo fato dele mesmo ser Deus:
Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação, pois nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. (Colossenses 1:15-17)
Além do mais, Deus deixa claro que não dividirá a Sua glória com ninguém, o que inclui o ser humano. Se é assim, é razoável inferir que o Senhor não dividirá com a humanidade o objetivo da História:
Eu sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura. (Isaías 42:8)
Por todas as razões acima expostas, não devemos questionar a Deus, muito menos julgá-Lo por aquilo que Ele faz com a criação d'Ele. Da mesma forma que fazemos o que queremos com os nossos bens, Deus pode fazer o que bem entender com a Sua criação. Por isso, não devemos nos espantar quando a Bíblia reafirma esse direito divino:
Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? (Romanos 9:20-21)
Ao contrário do que a má imaginação humana diria aqui, Deus não é nenhum tirano por agir assim. Ele está, simplesmente, sendo Deus. Se fosse menos, poderíamos nos referir a um semideus, mas não a um Deus verdadeiro, Senhor de Todas as Coisas e Onipotente. Tampouco, vemos aí um Deus mau, mas sim um Deus que manifesta todos os Seus atributos, exatamente como defendem os reformados:
E, passando o SENHOR por diante dele, clamou: SENHOR, SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a misericórdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado, ainda que não inocenta o culpado, e visita a iniqüidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração! E, imediatamente, curvando-se Moisés, para terra, o adorou...(Êxodo 34:6-8)
Que, como Moisés, possamos reconhecer e adorar a um Deus que mostra, juntos, todos os seus atributos, tanto o amor como a justiça, segundo o Seu querer santo. Aleluia!

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