Por Pr. Silas Figueira
Romanos 1.1-7 é a
introdução desta carta. Nela observamos o prefácio e saudação de Paulo aos
crentes de Roma. Essa introdução, no entanto, é a maior do que a habitual se
comparada às introduções das outras cartas paulinas. O apóstolo apresenta não
apenas seu nome, mas também as suas credenciais, e em seguida se dedica
longamente a explicar o que é o evangelho. Ele também fala acerca de seu
chamado para pregar esse evangelho, além de se dirigir aos crentes de Roma para
esclarecer quem eles eram em relação a Deus.
O motivo dessa
introdução tão extensa é porque esta carta é uma carta missionária em que Paulo
expõe o evangelho e ao mesmo tempo se apresenta, com o objetivo de convencer a
igreja de Roma a ajuda-lo a pregar o evangelho na Espanha. É interessante
destacar que o apóstolo Paulo não conhecia esses irmãos, Paulo só conhece esses
irmãos quando foi preso e enviado a Roma para ser julgado por César (At 25.11).
Outro motivo de uma
apresentação tão extensa era que corria uma série de boatos entre os irmãos de
Roma que Paulo era um mercenário, que ele plantava igrejas por dinheiro e
pregava contra Moisés e as gloriosas instituições do Antigo Testamento.
Mas eu quero me deter
com você somente no primeiro versículo – Romanos 1.1.
Paulo inicia o seu
argumento de que o evangelho procede de Deus e sua apresentação pessoal (v 1).
Além de seu nome, o apóstolo apresenta quatro credenciais, e todas elas dizem
respeito ao fato de que o evangelho vem de Deus.
1º - Em primeiro lugar,
Paulo diz que é servo de Jesus Cristo. A palavra
servo aqui em grego é δοῦλος – doulos – escravo, e o uso da palavra aponta para
a devoção, submissão e dedicação de Paulo a Jesus Cristo. Seus leitores eram
capazes de compreender isso muito bem, pois havia cerca de cem milhões de
escravos no Império Romano. Se essa auto definição saísse da boca de um grego,
seria avaliada como um gesto de humildade exagerada, pois no helenismo o termo
tinha um sentido quase exclusivamente desonroso. Mas neste texto fala um judeu,
marcado pelo AT, o qual pode designar por meio desta palavra o serviço mais
sublime, a saber, ser colocado no serviço pelo próprio Deus. Foi assim que
Moisés, Josué, Davi e sobretudo os profetas se chamavam “servos de Deus”.
Um escravo é aquele que
foi comprado por um preço, pertence a um senhor e está completamente à sua
disposição. Um escravo não tem vontade própria nem liberdade para fazer o que
bem lhe agrada. Um escravo vive para agradar o seu senhor e obedecer-lhe as
ordens.
No império romano os
escravos carregavam uma pesada argola de ferro em volta do pescoço com o nome
do seu senhor. Um escravo não era considerado uma pessoa, mas apenas uma
propriedade, uma ferramenta viva.
Vale ressaltar que, quando
Paulo se apresenta como escravo de Cristo, isso se refere não apenas uma
posição de grande humildade, mas também de grande honra. É importante ressaltar
também que Paulo era um cidadão romano, ou seja, ele não era escravo de
ninguém, a não ser de Cristo.
Nenhum romano se
apresentaria como escravo, no entanto, Paulo não tem receio de se apresentar
dessa maneira, ao mesmo tempo que apresenta Cristo como Senhor – alguém a quem
um escravo pode se submeter com grande alegria. Embora na cultura greco-romana,
esse termo se referia ao serviço permanente e involuntário de um escravo, Paulo
eleva o sentido da palavra usando-a na acepção hebraica de um servo que,
voluntariamente, se compromete a servir a um mestre amado e respeitado, como
lemos em Êxodo 21.2-6:
“Se
comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá livre, de
graça. Se entrou só com o seu corpo, só com o seu corpo sairá; se ele era homem
casado, sua mulher sairá com ele. Se seu senhor lhe houver dado uma mulher e
ela lhe houver dado filhos ou filhas, a mulher e seus filhos serão de seu
senhor, e ele sairá sozinho. Mas se aquele servo expressamente disser: Eu amo a
meu senhor, e a minha mulher, e a meus filhos; não quero sair livre, Então seu senhor o levará aos juízes, e o
fará chegar à porta, ou ao umbral da porta, e seu senhor lhe furará a orelha
com uma sovela; e ele o servirá para sempre”.
Essa é a ideia que o
apóstolo Paulo se refere ao termo servo, é por amor ao Senhor Jesus que ele se sujeitava ao seu senhorio, ou seja, Paulo era um escravo escravo de orelha furada.
O apóstolo Paulo usa outro
termo para escravo que é pouco observado. Esse termo se encontra em 1Co 4.1, e
é traduzido para nossas bíblias como “ministros
de Cristo”. Esse termo ministro
vem do grego ὑπηρέτας – uperetas, que
significa remador de galés. Esta palavra só aparece aqui em todo o Novo
Testamento. Nos grandes navios romanos existiam as galés, que eram os porões
onde trabalhavam escravos sentenciados à morte. Eles tinham os seus pés
amarrados com grossas correntes e trabalhavam à exaustão sob o flagelo dos
chicotes até à morte.
Quando o apóstolo usa
esse termo, ele não está dizendo que o nosso Senhor Jesus nos trata assim, debaixo da chibata. A intenção do apóstolo é nos deixar conscientes de quem somos em relação a Cristo. Jesus, não nós, é o capitão do navio. Que não devemos buscar reconhecimento humano, e
que não devemos viver em função de termos sobre nós os holofotes.
Como ele mesmo nos
falou em 2Co 4.7:
“Temos,
porém, esse tesouro em vasos de barro, para demonstrar que este poder que a
tudo excede provém de Deus e não de nós mesmos”.
2º - Em segundo lugar,
Paulo afirma ter sido chamado por Deus para ser apóstolo.
Ele não se fez apóstolo, ele foi comissionado por Jesus (At 9). Se servo
expressa grande humildade, o título apóstolo
enfatiza grande autoridade.
Naquela época, a
apalavra apóstolo denotava alguém que
fora enviado, indicava uma espécie de delegação, que ocorria quando uma pessoa
recebia autoridade de outra para representa-la nos negócios. Essa palavra já
era utilizada no mundo romano, anteriormente a Paulo, para designar comandantes
de navios que eram enviados para entregar cargas.
Jesus também instituiu
apóstolos (Lc 6.12,13 – “E aconteceu que
naqueles dias subiu ao monte a orar, e passou a noite em oração a Deus. E, quando já era dia, chamou a si os seus
discípulos, e escolheu doze deles, a quem também deu o nome de apóstolos”). Os apóstolos, também conhecidos como os 12 (1Co 15.5), eram homens que iriam representa-Lo, por isso o Senhor deu-lhes poderes,
missões e tarefas especiais e específicas.
Por ter perseguido a
igreja de Deus, Paulo não se considerava digno de ser apóstolo - “Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não
sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus” (1Co
15.9), mas sendo comissionado pelo Cristo glorificado (At 26.15-19), sendo
testemunha, portanto da sua ressurreição (1Co 9.1; 15.8), recebeu a mesma autoridade
dos demais apóstolos (Gl 1.15-17), tendo sua missão divinamente confirmada
pelos sinais que acompanhavam suas obras (2Co 12.12).
Aqueles, portanto, que hoje
se auto intitulam apóstolos estão em desacordo com a Palavra de Deus. Não temos
mais apóstolos no mesmo sentido do Novo Testamento.
3º - Em terceiro lugar,
Paulo se apresenta como alguém separado para pregar o evangelho de Deus.
Há um jogo de palavras aqui que não aparece na língua portuguesa. “Separado”, em grego, tem a mesma origem
de “fariseu”. O termo “fariseu” surgiu durante a Guerra dos
Macabeus (Com a proibição em 167 a.C. da prática do judaísmo pelo decreto de
Antíoco IV e com a introdução do culto do Zeus Olímpico no Templo de Jerusalém,
muitos judeus que decidem resistir a esta assimilação acabam sendo perseguidos
e mortos). Desse movimento, surgiu o grupo dos “hasidim”, ou “separados”.
A palavra grega para designar esse grupo dá origem ao termo fariseu.
Os fariseus, portanto,
formavam um grupo que queria se manter puro e separado, preservando-se de
influências estrangeiras. Paulo faz, então, um jogo de palavras, pois havia
sido um fariseu judeu, e era agora um “fariseu”
de Cristo. Ele, que era um ferrenho defensor da Lei de Moisés, agora era
separado por Deus para pregar as boas-novas que procedem de Deus.
O apóstolo Paulo escrevendo
aos Gálatas disse que o Senhor o havia escolhido ou separado para ser apóstolo aos gentios:
“Mas, quando aprouve a Deus, que desde o
ventre de minha mãe me separou, e me chamou pela sua graça, revelar seu Filho
em mim, para que o pregasse entre os gentios” (Gl 1.15,16). Mas observe que
ele diz que foi escolhido desde o ventre
de sua mãe, ou seja, não foi ele que se fez apóstolo e muito menos foi ele
que tomou a decisão de seguir a Cristo. Partiu do Senhor a sua salvação e o seu
chamado.
Assim somos nós também.
O apóstolo Pedro em 1Pe 2.9 nos diz: “Mas
vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido,
para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua
maravilhosa luz”.
4º - O Evangelho que
Paulo pregava era o Evangelho de Deus. Paulo deixa
claro que ele não é a fonte do Evangelho, mas apenas o seu arauto. O Evangelho
não vem do homem, mas de Deus. Paulo diz que Evangelho procede de Deus, e ele, como despenseiro ou um mordomo, obedece as ordens do seu Senhor. Como lemos em
1Co 4.1,2:
“Que
os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios
de Deus. Além disso requer-se dos despenseiros que cada um se ache fiel”.
O despenseiro ou mordomo
é aquele que toma conta da casa do seu senhor. Em relação ao dono da casa, o mordomo
é um escravo, mas em relação aos outros serviçais, ele era um superintendente. Sua
função era cuidar dos interesses do seu senhor. Ele cuidava da alimentação da
casa. Não era competência do mordomo prover o alimento para a família; essa era
uma responsabilidade do dono, do senhor da casa.
Assim é o Evangelho. Ele
não procede do homem, mas de Deus. Quem dá o alimento para ser servido é o
Senhor e nós, como seus mordomos, devemos servir o que nos é colocado na
dispensa - a Bíblia - e não inventar ou servir outros alimentos.
Há muitos “evangelhos”
inventados ou distorcidos pelos homens. Esses outros evangelhos representam as reivindicações
pretenciosas de homens presunçosos. Como lemos em Gl 1.6-8:
“Maravilho-me
de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para
outro evangelho; o qual não é outro, mas há alguns que vos inquietam e querem
transtornar o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu
vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema”.
O Evangelho que Paulo pregava
era do Senhor Jesus. E Paulo estava tão convicto do Evangelho que havia recebido do Senhor e ministrado aos Gálatas que ele diz que se ele mudasse a mensagem por ele anteriormente pregada, ou mesmo um anjo vindo do céu, seria anátema.
Por isso meu irmão, fique com o Evangelho puro e simples e não com invencionices e revelações absurdas que foge da pureza das Escrituras.
Em resumo, estas eram
suas credenciais: Paulo, um servo que fora chamado e separado para pregar o
evangelho de Deus. Assim somos nós também. Separados por Deus para pregar o
evangelho, somos escravos de Cristo e enviados ao mundo para sermos sal e luz
da terra.
Bibliografia:
1 – Lopes, Hernandes
Dias. Romanos, o evangelho segundo Paulo, Hagnos.
2 – Lopes, Hernandes
Dias. 1 Coríntios, como resolver conflitos na igreja, Hagnos.
3 – MacArthur, John.
Comentário Bíblico John MacArthur, Thomas Nelson.
4 – Nicodemus,
Augustus. O Poder de Deus Para a Salvação, Vida Nova.
5 – Pohl, Adolf. Carta
aos Romanos, Comentário Esperança, Editora Evangélica Esperança.
6 – Stott, John. A Mensagem
de Romanos, ABU.
Maravilhoso texto!
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