terça-feira, 8 de setembro de 2020

PAULO, APÓSTOLO E SERVO - Romanos 1.1

Por Pr. Silas Figueira

Romanos 1.1-7 é a introdução desta carta. Nela observamos o prefácio e saudação de Paulo aos crentes de Roma. Essa introdução, no entanto, é a maior do que a habitual se comparada às introduções das outras cartas paulinas. O apóstolo apresenta não apenas seu nome, mas também as suas credenciais, e em seguida se dedica longamente a explicar o que é o evangelho. Ele também fala acerca de seu chamado para pregar esse evangelho, além de se dirigir aos crentes de Roma para esclarecer quem eles eram em relação a Deus.

O motivo dessa introdução tão extensa é porque esta carta é uma carta missionária em que Paulo expõe o evangelho e ao mesmo tempo se apresenta, com o objetivo de convencer a igreja de Roma a ajuda-lo a pregar o evangelho na Espanha. É interessante destacar que o apóstolo Paulo não conhecia esses irmãos, Paulo só conhece esses irmãos quando foi preso e enviado a Roma para ser julgado por César (At 25.11).

Outro motivo de uma apresentação tão extensa era que corria uma série de boatos entre os irmãos de Roma que Paulo era um mercenário, que ele plantava igrejas por dinheiro e pregava contra Moisés e as gloriosas instituições do Antigo Testamento.

Mas eu quero me deter com você somente no primeiro versículo – Romanos 1.1.

Paulo inicia o seu argumento de que o evangelho procede de Deus e sua apresentação pessoal (v 1). Além de seu nome, o apóstolo apresenta quatro credenciais, e todas elas dizem respeito ao fato de que o evangelho vem de Deus.

1º - Em primeiro lugar, Paulo diz que é servo de Jesus Cristo. A palavra servo aqui em grego é δοῦλος – doulos – escravo, e o uso da palavra aponta para a devoção, submissão e dedicação de Paulo a Jesus Cristo. Seus leitores eram capazes de compreender isso muito bem, pois havia cerca de cem milhões de escravos no Império Romano. Se essa auto definição saísse da boca de um grego, seria avaliada como um gesto de humildade exagerada, pois no helenismo o termo tinha um sentido quase exclusivamente desonroso. Mas neste texto fala um judeu, marcado pelo AT, o qual pode designar por meio desta palavra o serviço mais sublime, a saber, ser colocado no serviço pelo próprio Deus. Foi assim que Moisés, Josué, Davi e sobretudo os profetas se chamavam “servos de Deus”.

Um escravo é aquele que foi comprado por um preço, pertence a um senhor e está completamente à sua disposição. Um escravo não tem vontade própria nem liberdade para fazer o que bem lhe agrada. Um escravo vive para agradar o seu senhor e obedecer-lhe as ordens.

No império romano os escravos carregavam uma pesada argola de ferro em volta do pescoço com o nome do seu senhor. Um escravo não era considerado uma pessoa, mas apenas uma propriedade, uma ferramenta viva.

Vale ressaltar que, quando Paulo se apresenta como escravo de Cristo, isso se refere não apenas uma posição de grande humildade, mas também de grande honra. É importante ressaltar também que Paulo era um cidadão romano, ou seja, ele não era escravo de ninguém, a não ser de Cristo.

Nenhum romano se apresentaria como escravo, no entanto, Paulo não tem receio de se apresentar dessa maneira, ao mesmo tempo que apresenta Cristo como Senhor – alguém a quem um escravo pode se submeter com grande alegria. Embora na cultura greco-romana, esse termo se referia ao serviço permanente e involuntário de um escravo, Paulo eleva o sentido da palavra usando-a na acepção hebraica de um servo que, voluntariamente, se compromete a servir a um mestre amado e respeitado, como lemos em Êxodo 21.2-6:

“Se comprares um servo hebreu, seis anos servirá; mas ao sétimo sairá livre, de graça. Se entrou só com o seu corpo, só com o seu corpo sairá; se ele era homem casado, sua mulher sairá com ele. Se seu senhor lhe houver dado uma mulher e ela lhe houver dado filhos ou filhas, a mulher e seus filhos serão de seu senhor, e ele sairá sozinho. Mas se aquele servo expressamente disser: Eu amo a meu senhor, e a minha mulher, e a meus filhos; não quero sair livre, Então seu senhor o levará aos juízes, e o fará chegar à porta, ou ao umbral da porta, e seu senhor lhe furará a orelha com uma sovela; e ele o servirá para sempre.

Essa é a ideia que o apóstolo Paulo se refere ao termo servo, é por amor ao Senhor Jesus que ele se sujeitava ao seu senhorio, ou seja, Paulo era um escravo escravo de orelha furada.

O apóstolo Paulo usa outro termo para escravo que é pouco observado. Esse termo se encontra em 1Co 4.1, e é traduzido para nossas bíblias como “ministros de Cristo”. Esse termo ministro vem do grego ὑπηρέτας – uperetas, que significa remador de galés. Esta palavra só aparece aqui em todo o Novo Testamento. Nos grandes navios romanos existiam as galés, que eram os porões onde trabalhavam escravos sentenciados à morte. Eles tinham os seus pés amarrados com grossas correntes e trabalhavam à exaustão sob o flagelo dos chicotes até à morte.

Quando o apóstolo usa esse termo, ele não está dizendo que o nosso Senhor Jesus nos trata assim, debaixo da chibata. A intenção do apóstolo é nos deixar conscientes de quem somos em relação a Cristo. Jesus, não nós, é o capitão do navio. Que não devemos buscar reconhecimento humano, e que não devemos viver em função de termos sobre nós os holofotes.

Como ele mesmo nos falou em 2Co 4.7:

“Temos, porém, esse tesouro em vasos de barro, para demonstrar que este poder que a tudo excede provém de Deus e não de nós mesmos”.  

2º - Em segundo lugar, Paulo afirma ter sido chamado por Deus para ser apóstolo. Ele não se fez apóstolo, ele foi comissionado por Jesus (At 9). Se servo expressa grande humildade, o título apóstolo enfatiza grande autoridade.

Naquela época, a apalavra apóstolo denotava alguém que fora enviado, indicava uma espécie de delegação, que ocorria quando uma pessoa recebia autoridade de outra para representa-la nos negócios. Essa palavra já era utilizada no mundo romano, anteriormente a Paulo, para designar comandantes de navios que eram enviados para entregar cargas.

Jesus também instituiu apóstolos (Lc 6.12,13 – “E aconteceu que naqueles dias subiu ao monte a orar, e passou a noite em oração a Deus.  E, quando já era dia, chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze deles, a quem também deu o nome de apóstolos”). Os apóstolos, também conhecidos como os 12 (1Co 15.5), eram homens que iriam representa-Lo, por isso o Senhor deu-lhes poderes, missões e tarefas especiais e específicas.

Por ter perseguido a igreja de Deus, Paulo não se considerava digno de ser apóstolo - “Porque eu sou o menor dos apóstolos, que não sou digno de ser chamado apóstolo, pois que persegui a igreja de Deus” (1Co 15.9), mas sendo comissionado pelo Cristo glorificado (At 26.15-19), sendo testemunha, portanto da sua ressurreição (1Co 9.1; 15.8), recebeu a mesma autoridade dos demais apóstolos (Gl 1.15-17), tendo sua missão divinamente confirmada pelos sinais que acompanhavam suas obras (2Co 12.12).

Aqueles, portanto, que hoje se auto intitulam apóstolos estão em desacordo com a Palavra de Deus. Não temos mais apóstolos no mesmo sentido do Novo Testamento. 

3º - Em terceiro lugar, Paulo se apresenta como alguém separado para pregar o evangelho de Deus. Há um jogo de palavras aqui que não aparece na língua portuguesa. “Separado”, em grego, tem a mesma origem de “fariseu”. O termo “fariseu” surgiu durante a Guerra dos Macabeus (Com a proibição em 167 a.C. da prática do judaísmo pelo decreto de Antíoco IV e com a introdução do culto do Zeus Olímpico no Templo de Jerusalém, muitos judeus que decidem resistir a esta assimilação acabam sendo perseguidos e mortos). Desse movimento, surgiu o grupo dos “hasidim”, ou “separados”. A palavra grega para designar esse grupo dá origem ao termo fariseu.

Os fariseus, portanto, formavam um grupo que queria se manter puro e separado, preservando-se de influências estrangeiras. Paulo faz, então, um jogo de palavras, pois havia sido um fariseu judeu, e era agora um “fariseu” de Cristo. Ele, que era um ferrenho defensor da Lei de Moisés, agora era separado por Deus para pregar as boas-novas que procedem de Deus.

O apóstolo Paulo escrevendo aos Gálatas disse que o Senhor o havia escolhido ou separado para ser apóstolo aos gentios: “Mas, quando aprouve a Deus, que desde o ventre de minha mãe me separou, e me chamou pela sua graça, revelar seu Filho em mim, para que o pregasse entre os gentios” (Gl 1.15,16). Mas observe que ele diz que foi escolhido desde o ventre de sua mãe, ou seja, não foi ele que se fez apóstolo e muito menos foi ele que tomou a decisão de seguir a Cristo. Partiu do Senhor a sua salvação e o seu chamado.  

Assim somos nós também. O apóstolo Pedro em 1Pe 2.9 nos diz: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”.

4º - O Evangelho que Paulo pregava era o Evangelho de Deus. Paulo deixa claro que ele não é a fonte do Evangelho, mas apenas o seu arauto. O Evangelho não vem do homem, mas de Deus. Paulo diz que Evangelho procede de Deus, e ele, como despenseiro ou um mordomo, obedece as ordens do seu Senhor. Como lemos em 1Co 4.1,2:

“Que os homens nos considerem como ministros de Cristo, e despenseiros dos mistérios de Deus. Além disso requer-se dos despenseiros que cada um se ache fiel”.

O despenseiro ou mordomo é aquele que toma conta da casa do seu senhor. Em relação ao dono da casa, o mordomo é um escravo, mas em relação aos outros serviçais, ele era um superintendente. Sua função era cuidar dos interesses do seu senhor. Ele cuidava da alimentação da casa. Não era competência do mordomo prover o alimento para a família; essa era uma responsabilidade do dono, do senhor da casa.

Assim é o Evangelho. Ele não procede do homem, mas de Deus. Quem dá o alimento para ser servido é o Senhor e nós, como seus mordomos, devemos servir o que nos é colocado na dispensa - a Bíblia - e não inventar ou servir outros alimentos.

Há muitos “evangelhos” inventados ou distorcidos pelos homens. Esses outros evangelhos representam as reivindicações pretenciosas de homens presunçosos. Como lemos em Gl 1.6-8:

“Maravilho-me de que tão depressa passásseis daquele que vos chamou à graça de Cristo para outro evangelho; o qual não é outro, mas há alguns que vos inquietam e querem transtornar o evangelho de Cristo. Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema”.

O Evangelho que Paulo pregava era do Senhor Jesus. E Paulo estava tão convicto do Evangelho que havia recebido do Senhor e ministrado aos Gálatas que ele diz que se ele mudasse a mensagem por ele anteriormente pregada, ou mesmo um anjo vindo do céu, seria anátema.

Por isso meu irmão, fique com o Evangelho puro e simples e não com invencionices e revelações absurdas que foge da pureza das Escrituras.

Em resumo, estas eram suas credenciais: Paulo, um servo que fora chamado e separado para pregar o evangelho de Deus. Assim somos nós também. Separados por Deus para pregar o evangelho, somos escravos de Cristo e enviados ao mundo para sermos sal e luz da terra.

Bibliografia:

1 – Lopes, Hernandes Dias. Romanos, o evangelho segundo Paulo, Hagnos.

2 – Lopes, Hernandes Dias. 1 Coríntios, como resolver conflitos na igreja, Hagnos.

3 – MacArthur, John. Comentário Bíblico John MacArthur, Thomas Nelson.

4 – Nicodemus, Augustus. O Poder de Deus Para a Salvação, Vida Nova.

5 – Pohl, Adolf. Carta aos Romanos, Comentário Esperança, Editora Evangélica Esperança.

6 – Stott, John. A Mensagem de Romanos, ABU.


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