sábado, 31 de outubro de 2020

A AUTORIDADE DE JESUS NO ENSINO E SOBRE OS DEMÔNIOS

Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 4.31-37

INTRODUÇÃO

Depois que Jesus foi rejeitado pelas pessoas de Nazaré, nos diz o texto que Jesus desce para Cafarnaum, cidade da Galileia, e ali fixa residência (Mt 4.13). Além de Jesus, vários dos apóstolos estavam associados a Cafarnaum, incluindo Pedro e André (Mc 1.21,29)) e Mateus, que era cobrador de impostos e, que tudo indica, era desta cidade (Mt 9.1,9).

Alguns comentaristas acreditam que Jesus passou a morar na casa de Pedro que se mudou de Betsaida, cidade que residia (Jo 1.44), e foi morar em Cafarnaum. Jesus, pelo que podemos concluir, não tinha uma “casa própria” (Mc 1.29; Lc 9.58; Mt 8.20).

O destaque concedido a Cafarnaum levou o evangelista Mateus a recordar as palavras proféticas de Isaías: “Caminho do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios! O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região e sombra da morte resplandeceu-lhes a luz” (Mt 4.15s) [1]. O nome Cafarnaum dignifica “aldeia de Naum”. Esta cidade localizava-se à costa norte do Mar da Galileia, que fica a mais de duzentos metros abaixo do nível do Mar Mediterrâneo. Era uma aldeia pesqueira, e esta aldeia foi o palco dos grandes ensinamentos de Jesus e seus muitos milagres.

Quais as lições que podemos tirar desse texto para nós hoje?

1 – CAFARNAUM RECEBE JESUS, MAS NÃO SE HUMILHA PERANE A SUA AUTORIDADE (Lc 4.1).

Depois que Jesus foi rejeitado em Nazaré, o Senhor parte com seus discípulos para a cidade de Cafarnaum e lá faz seu quartel-general. Foi a partir desta cidade que o ministério de Jesus se espalhou para outras regiões.

Cafarnaum era uma cidade importante o suficiente para ter tido um centurião romano e um destacamento de soldados estacionados lá (Mt 8.5). Que o centurião tinha estado lá o tempo suficiente para ter construído uma sinagoga para os habitantes judeus (Lc 7.5). Um funcionário real (provavelmente a serviço de Herodes Antipas) também viveu em Cafarnaum (Jo 4.46), isso sugere que as relações entre judeus e os gentios eram cordeais. Seus habitantes, principalmente judeus, trabalhavam como pescadores, lavradores, artesãos, comerciantes e funcionários públicos, incluindo os publicanos [2].

Cafarnaum não reconheceu o tempo da visitação de Deus. Eles foram receptivos com o Senhor. Viram sinais e maravilhas mediante a graça de Jesus. Apesar disso, eles não se humilharam diante do Senhor. Por ser uma cidade com muitas vantagens comerciais, ela se tornou uma cidade orgulhosa. Em Lucas 10.15 lemos que Jesus repreendeu seu povo para a sua visão exaltada de importância que eles tinham de si mesmos: “E tu, Cafarnaum, que te levantaste até ao céu, até ao inferno serás abatida”. Em cumprimento da palavra do Senhor, Cafarnaum acabou por ser destruída tão completamente que sua localização exata é desconhecida.

Assim como Cafarnaum existem muitas pessoas que são muito receptivas com Jesus, mas não reconhecem o tempo da visitação do Senhor em suas vidas. Não adianta a pessoa ser receptiva com Jesus, recebe-lo em “sua vida” e até ver sinais e maravilhas, se o orgulho falar mais alto em seu coração. Ter experiências com Jesus não faz da pessoa um salvo por Ele. Experiências de milagre podem até renovar a fé, mas não geram fé, pois “A fé vem pelo ouvir, e ouvir a palavra de Deus” (Rm 10.17). A Palavra de Deus transforma o coração do pecador que a recebe.

Não podemos ter um coração como os de Nazaré que expulsaram Jesus e nem como os de Cafarnaum que o recebem superficialmente, mas o orgulho falou mais alto e foram destruídos. Devemos recebê-lo com alegria e humildade e assim teremos um coração abençoado, cheio de sua glória.  

2 – JESUS ENSINAVA SUA DOUTRINA COM AUTORIDADE (Lc 4.31,32).

Foi no sábado que Jesus ensinava (ou: começou a ensinar) o povo. É óbvio que esse ensino no sábado aconteceu na sinagoga (veja vs. 33,38; também 15, 16; e cf. Mc 1.21). Esperava-se que as autoridades da sinagoga pedissem a Jesus que lesse as Escrituras e pregasse. Sua apresentação foi tão impressionante que o auditório ficou “perplexo” (Cf. 4.22a). O povo estava mudo de assombro, literalmente “sentiram-se golpeados”, isto é, como se estivessem “fora de si” por causa de seu assombro e admiração. Era um estado que não desaparecia imediatamente, mas que durou algum tempo [3]. Usando uma expressão popular: “Ficaram encantados com os seus ensinamentos”.

Ao término do sermão do monte em Mateus 7.28,29 nos diz: “E aconteceu que, concluindo Jesus este discurso, a multidão se admirou da sua doutrina; porquanto os ensinava como tendo autoridade; e não como os escribas”. Jesus ensinava com autoridade, como alguém que sabe o que está falando porque vive o que prega.

A autoridade de Jesus era algo totalmente novo. Quando os rabinos ensinavam sustentavam cada declaração com citações. Diziam sempre: “Existe um dito que diz que...”. “O rabino Tal ou Qual disse...”. Apelavam sempre à autoridade de terceiros. Quando os profetas falavam diziam: “Assim diz o Senhor”. Sua autoridade era delegada. Quando Jesus falava dizia: “Eu te digo”. Não necessitava que nenhuma autoridade o apoiasse; não precisa de uma autoridade delegada; Ele era a autoridade encarnada. Aqui há algo novo; encontramo-nos diante de um homem que falava como alguém que sabia [4].

Lucas tem predileção por acentuar a “autoridade” (exousia) e a “força” (dýnamis) de Jesus. O ensino de Jesus estava alicerçado sobre a autoridade de Deus. Ele era o Deus encarnado, o Messias prometido. Ele não carecia de autenticação humana como os demais mestres do povo. Nessa autoridade e nesse poder Jesus pregava, ensinando abertamente o povo aos sábados nas sinagogas e operava sinais e maravilhas.

Podemos destacar três verdades a respeito da autoridade de Jesus:

1 – Jesus tem autoridade para ensinar porque Ele é a própria verdade. Jesus cita os seus ensinamentos de forma coerente com a verdade revelada. Como Ele mesmo falou em João 14.6: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”.

2 – Jesus tem autoridade para ensinar porque ensina com fidelidade a Palavra de Deus. Os escribas distorciam as Escrituras, ensinando doutrinas humanas, tradições vazias da verdade. Tornando a Palavra de Deus um peso e não um fardo suave (Mt 11.30).

3 – Jesus tem autoridade para ensinar porque suas palavras geram vida eterna. Jesus ensinou as coisas mais importantes acerca da vida, da morte e da eternidade. 

Para ilustrarmos melhor esse assunto, vamos destacar algumas das histórias acerca da “autoridade” de Jesus nos mostrada em Marcos capítulo primeiro:

(a) 1.16-20. DiscipuladoJesus reivindica a autoridade de chamar os homens a abrir mão do seu trabalho diário para segui-lo.

(b) 1.21,22. Ensino Ele ensina com sua autoridade, e não como os escribas com um a autoridade derivada de precedentes.

(c) 1.23-28. Espíritos imundos – Ele usa a autoridade para expulsar demônios.

(d) 1.29-34. Doença – Ele exerce sua autoridade sobre a doença e a enfermidade, tanto individual (sogra de Pedro) quanto de forma coletiva nas curas após o pôr-do-sol.

(e) 1.39-45. Lepra – Ele revela que a sua autoridade se estende até sobre a temida lepra, o flagelo aparentemente incurável dos seus dias [5].

A Igreja tem por obrigação permanecer firme nos ensinamentos do Mestre, para que o nosso ensinamento tenha autoridade vinda do Senhor para nós. Não podemos nos deixar levar pelo modismo, por teorias loucas, invencionices teológicas como temos visto surgir nos dias de hoje. Sermos levados por ventos de doutrinas, como disse o apóstolo Paulo em Efésios 4.14, conf. 1Tm 4.1-3. Se nos deixarmos levar por essas coisas a igreja deixa de ser igreja de Cristo e passa a ser igreja do diabo.

3 – A AUTORIDADE DE JESUS SOBRE OS DEMÔNIOS (Lc 4.33-37).

C. S. Lewis disse que “há dois erros iguais e opostos no que diz respeito à matéria Demônios: Uma é desacreditar em sua existência. A outra é acreditar e sentir um excessivo e doentio interesse neles. Os mesmos demônios ficam igualmente satisfeitos pelos dois erros e portanto, contemplam um materialista e um mágico com o mesmo prazer”. E ele continua dizendo que “os diabos (demônios) são retratados com asas de morcego e os anjos bons com asas de pássaro, não porque alguém afirme que a depravação moral haveria de transformar penas em membranas, mas porque a maioria dos homens gostam mais dos pássaros que dos morcegos” [6].

Em relação aos demônios, nós não podemos nem superestimá-los e nem tão pouco subestimá-los. Como disse o apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios: “para que não sejamos vencidos por Satanás; porque não ignoramos os seus ardis” (2Co 2.10,11). Em relação a isso devemos ficar atentos também.

Esse relato da libertação desse homem possesso na sinagoga nos remete alguns comentários relevantes. Podemos observar que o maior número de expulsões de demônios na Escritura ocorre nos Evangelhos sinóticos, em contraste com sua escassez, ou ausência, no Antigo Testamento, em João e Atos dos Apóstolos e nas epístolas. O fato do primeiro milagre de Jesus em Lucas ser um exorcismo e de ele ter encontros frequentes com pessoas possuídas pelo demônio e as curas testifica que subjugar Satanás e dividir seu despojo (Lc 11.21,22) era algo central para a missão de Jesus (1Jo 3.8) [7].

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições importantes sobre essa a autoridade de Jesus sobre os demônios [8].

1º - A possessão demoníaca é um fato inegável (Lc 4.33). Há dois extremos que falseiam a verdade quanto esse assunto: o primeiro deles nega a realidade da possessão; o segundo, diz que toda insanidade mental e doença são evidências dela. Muito embora nem todas as enfermidades procedam de Satanás, algumas vezes, podem causar nas pessoas várias doenças e até insanidade. Existem três tipos de enfermidades: as físicas, as emocionais e as espirituais. Para identificá-las precisamos de discernimento espiritual. 

A possessão é um fato inegável tanto pelo registro infalível das Escrituras, quanto pelo testemunho inequívoco da experiência histórica. A possessão é uma realidade confirmada pela experiência e não apenas pelos dogmas.  

2º - Na possessão, espíritos malignos assumem o controle da personalidade humana. Uma pessoa possessa não tem controle dos seus atos. Vemos isso ocorrendo no endemoninhado gadareno (Mc 5.9) que tinha uma legião de demônios. Quando ele foi liberto, nos diz o texto que ele estava em seu perfeito juízo (Lc 8.35).

Concordo com C. S. Lewis quando diz que “os maiores males já não acontecem nos perversos “redutos criminosos”, que Dickens tanto apreciava descrever. Nem sequer nos hediondos campos de concentração. Nestes campos, apenas temos visão dos resultados de outros males que foram praticados antes, causando estes mesmos campos. A verdade, porém, é que os maiores males e crimes são criados, arquitetados e executados em escritórios bem limpos, atapetados, refrigerados e bem iluminados por homens de colarinho branco, unhas bem cuidadas; estão sempre bem barbeados e jamais precisam elevar seu tom de voz [9].

3º - Os demônios, muitas vezes, se infiltram no meio da congregação do povo de Deus. Observe que havia um homem possesso na sinagoga. Os demônios não o levaram para os antros do pecado, mas para dentro do lugar sagrado de ensino da Palavra. Ele estava ali escondido, camuflado. Para muitos, talvez, era apenas mais um adorador e mais um estudioso da Escrituras. Porém, onde Jesus está presente, os demônios não podem permanecer nem prevalecer. Onde Jesus está eles são desmascarados.

4º - O demônios sabem quem é Jesus (Lc 4.33,34). O espírito imundo que estava naquele homem disse a Jesus: “Bem sei quem és: O Santo de Deus”. Os demônios não só sabem quem é Jesus como também sabem quem são os servos do Senhor. Vemos isso em Atos 19.15 que diz: “Respondendo, porém, o espírito maligno, disse: Conheço a Jesus, e bem sei quem é Paulo; mas vós quem sois?”.  

5º - Jesus não aceita testemunho dos demônios (Lc 4.35). Tem igrejas que o diabo tem até oportunidade para falar no microfone e toma um bom tempo do culto. Na sinagoga em que Jesus estava, o demônio foi repreendido até diante do testemunho que estava dando a respeito do Filho de Deus. Jesus não precisa da ajuda dos demônios para anunciar ao povo quem ele é. O apóstolo Paulo agiu da mesma forma não aceitando o testemunho dos demônios (At 16.16-24).

4 – A AUTORIDADE DE JESUS É RECONHECIDA (Lc 4.36,37).

A autoridade de Jesus se manifestou na sua doutrina e sobre os demônios. Ambas revelam que Jesus era totalmente diferente dos escribas e fariseus. Sua autoridade não era terceirizada. Jesus era a Autoridade encarnada. Os doutores da Lei conheciam a Lei, mas não a vivia, por isso não sabiam aplicá-la nem em suas próprias vidas. Por isso eles não tinham autoridade.

Hoje vemos muitas pessoas com uma religião intelectualizada. Não adianta ter a cabeça cheia de conhecimento e rejeitar Jesus. Esse conhecimento não gera vida eterna, só gera orgulho. Até os demônios reconhecem Jesus e o confessavam, mas nem por isso estão salvos. Da mesma forma, um conhecimento que afasta as pessoas de uma vida humilde é uma fé questionável.

CONCLUSÃO

O episódio da sinagoga termina com a fama de Jesus se espalhando por todos os lugares. Sua fama correu por Ele ensinar com autoridade e não como os doutores da lei, e por ter autoridade diante dos demônios. Não os expulsando como os exorcistas de sua época, mas simplesmente lhes ordenado que saíssem.

A Igreja para ter autoridade precisa conhecer o Evangelho, ensinar o Evangelho e viver o Evangelho. Só assim poderemos falar como Jesus falou, com autoridade.   

Pense nisso!

Bibliografia

1 –Rienecker, Fritz. Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PR, 2005, p. 78.

2 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2019, p. 202.

3 –Hendriksen, William. Lucas, Vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 356.

4 – William, Barclay. Evangelho de Lucas, 1974, p. 46.

5 – F. F. Bruce, Organizador. Comentário Bíblico NVI, Antigo e Novo Testamentos, São Paulo, SP, Ed. Vida, 2009, p. 1654.

6 – C. S. Lewis – Cartas do Inferno.

7 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2019, p. 203.

8 – Lopes, Hernandes Dias. Marcos, o Evangelho dos Milagres, São Paulo, SP, Ed. Hagnos, 2006.

9 – C. S. Lewis – Cartas do Inferno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário