Por Pr. Silas Figueira
Texto base: Lucas 4.31-37
INTRODUÇÃO
Depois que Jesus foi
rejeitado pelas pessoas de Nazaré, nos diz o texto que Jesus desce para
Cafarnaum, cidade da Galileia, e ali fixa residência (Mt 4.13). Além de Jesus,
vários dos apóstolos estavam associados a Cafarnaum, incluindo Pedro e André
(Mc 1.21,29)) e Mateus, que era cobrador de impostos e, que tudo indica, era
desta cidade (Mt 9.1,9).
Alguns comentaristas
acreditam que Jesus passou a morar na casa de Pedro que se mudou de Betsaida,
cidade que residia (Jo 1.44), e foi morar em Cafarnaum. Jesus, pelo que podemos
concluir, não tinha uma “casa própria”
(Mc 1.29; Lc 9.58; Mt 8.20).
O destaque concedido a
Cafarnaum levou o evangelista Mateus a recordar as palavras proféticas de
Isaías: “Caminho do mar, além do Jordão,
Galileia dos gentios! O povo que jazia em trevas viu grande luz, e aos que
viviam na região e sombra da morte resplandeceu-lhes a luz” (Mt 4.15s) [1].
O nome Cafarnaum dignifica “aldeia de
Naum”. Esta cidade localizava-se à costa norte do Mar da Galileia, que fica
a mais de duzentos metros abaixo do nível do Mar Mediterrâneo. Era uma aldeia
pesqueira, e esta aldeia foi o palco dos grandes ensinamentos de Jesus e seus
muitos milagres.
Quais as lições que
podemos tirar desse texto para nós hoje?
1
– CAFARNAUM RECEBE JESUS, MAS NÃO SE HUMILHA PERANE A SUA AUTORIDADE (Lc 4.1).
Depois que Jesus foi
rejeitado em Nazaré, o Senhor parte com seus discípulos para a cidade de
Cafarnaum e lá faz seu quartel-general. Foi a partir desta cidade que o
ministério de Jesus se espalhou para outras regiões.
Cafarnaum era uma
cidade importante o suficiente para ter tido um centurião romano e um
destacamento de soldados estacionados lá (Mt 8.5). Que o centurião tinha estado
lá o tempo suficiente para ter construído uma sinagoga para os habitantes
judeus (Lc 7.5). Um funcionário real (provavelmente a serviço de Herodes
Antipas) também viveu em Cafarnaum (Jo 4.46), isso sugere que as relações entre
judeus e os gentios eram cordeais. Seus habitantes, principalmente judeus,
trabalhavam como pescadores, lavradores, artesãos, comerciantes e funcionários
públicos, incluindo os publicanos [2].
Cafarnaum
não reconheceu o tempo da visitação de Deus. Eles foram
receptivos com o Senhor. Viram sinais e maravilhas mediante a graça de Jesus.
Apesar disso, eles não se humilharam diante do Senhor. Por ser uma cidade com
muitas vantagens comerciais, ela se tornou uma cidade orgulhosa. Em Lucas 10.15
lemos que Jesus repreendeu seu povo para a sua visão exaltada de importância
que eles tinham de si mesmos: “E tu,
Cafarnaum, que te levantaste até ao céu, até ao inferno serás abatida”. Em
cumprimento da palavra do Senhor, Cafarnaum acabou por ser destruída tão
completamente que sua localização exata é desconhecida.
Assim como Cafarnaum
existem muitas pessoas que são muito receptivas com Jesus, mas não reconhecem o
tempo da visitação do Senhor em suas vidas. Não adianta a pessoa ser receptiva
com Jesus, recebe-lo em “sua vida” e
até ver sinais e maravilhas, se o orgulho falar mais alto em seu coração. Ter
experiências com Jesus não faz da pessoa um salvo por Ele. Experiências de
milagre podem até renovar a fé, mas não geram fé, pois “A fé vem pelo ouvir, e ouvir a palavra de Deus” (Rm 10.17). A Palavra
de Deus transforma o coração do pecador que a recebe.
Não podemos ter um
coração como os de Nazaré que expulsaram Jesus e nem como os de Cafarnaum que o
recebem superficialmente, mas o orgulho falou mais alto e foram destruídos.
Devemos recebê-lo com alegria e humildade e assim teremos um coração abençoado,
cheio de sua glória.
2
– JESUS ENSINAVA SUA DOUTRINA COM AUTORIDADE (Lc 4.31,32).
Foi no sábado que Jesus
ensinava (ou: começou a ensinar) o povo. É óbvio que esse ensino no sábado
aconteceu na sinagoga (veja vs. 33,38; também 15, 16; e cf. Mc 1.21).
Esperava-se que as autoridades da sinagoga pedissem a Jesus que lesse as
Escrituras e pregasse. Sua apresentação foi tão impressionante que o auditório
ficou “perplexo” (Cf. 4.22a). O povo estava mudo de assombro, literalmente
“sentiram-se golpeados”, isto é, como se estivessem “fora de si” por causa de seu
assombro e admiração. Era um estado que não desaparecia imediatamente, mas que
durou algum tempo [3]. Usando uma expressão popular: “Ficaram encantados com os seus ensinamentos”.
Ao término do sermão do
monte em Mateus 7.28,29 nos diz: “E
aconteceu que, concluindo Jesus este discurso, a multidão se admirou da sua
doutrina; porquanto os ensinava como tendo autoridade; e não como os escribas”.
Jesus ensinava com autoridade, como alguém que sabe o que está falando porque
vive o que prega.
A
autoridade de Jesus era algo totalmente novo. Quando os
rabinos ensinavam sustentavam cada declaração com citações. Diziam sempre:
“Existe um dito que diz que...”. “O rabino Tal ou Qual disse...”. Apelavam
sempre à autoridade de terceiros. Quando os profetas falavam diziam: “Assim diz o Senhor”. Sua autoridade era
delegada. Quando Jesus falava dizia: “Eu
te digo”. Não necessitava que nenhuma autoridade o apoiasse; não precisa de
uma autoridade delegada; Ele era a autoridade encarnada. Aqui há algo novo;
encontramo-nos diante de um homem que falava como alguém que sabia [4].
Lucas tem predileção
por acentuar a “autoridade” (exousia) e a “força” (dýnamis) de
Jesus. O ensino de Jesus estava alicerçado sobre a autoridade de Deus. Ele era
o Deus encarnado, o Messias prometido. Ele não carecia de autenticação humana como
os demais mestres do povo. Nessa autoridade e nesse poder Jesus pregava,
ensinando abertamente o povo aos sábados nas sinagogas e operava sinais e
maravilhas.
Podemos destacar três
verdades a respeito da autoridade de Jesus:
1 – Jesus tem autoridade para ensinar porque Ele
é a própria verdade. Jesus cita os seus ensinamentos de forma coerente com
a verdade revelada. Como Ele mesmo falou em João 14.6: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por
mim”.
2 – Jesus tem autoridade para ensinar porque
ensina com fidelidade a Palavra de Deus. Os escribas distorciam as
Escrituras, ensinando doutrinas humanas, tradições vazias da verdade. Tornando
a Palavra de Deus um peso e não um fardo suave (Mt 11.30).
3 – Jesus tem autoridade para ensinar porque
suas palavras geram vida eterna. Jesus ensinou as coisas mais importantes
acerca da vida, da morte e da eternidade.
Para
ilustrarmos melhor esse assunto, vamos destacar algumas das histórias acerca da
“autoridade” de Jesus nos mostrada em
Marcos capítulo primeiro:
(a) 1.16-20. Discipulado – Jesus reivindica a autoridade de
chamar os homens a abrir mão do seu trabalho diário para segui-lo.
(b) 1.21,22. Ensino – Ele ensina com sua autoridade,
e não —
como os escribas —
com um a autoridade derivada de precedentes.
(c) 1.23-28. Espíritos
imundos – Ele usa a autoridade para expulsar demônios.
(d) 1.29-34. Doença
– Ele exerce sua autoridade sobre a doença e a enfermidade, tanto individual
(sogra de Pedro) quanto de forma coletiva nas curas após o pôr-do-sol.
(e) 1.39-45. Lepra – Ele
revela que a sua autoridade se estende até sobre a temida lepra, o flagelo
aparentemente incurável dos seus dias [5].
A Igreja tem por
obrigação permanecer firme nos ensinamentos do Mestre, para que o nosso
ensinamento tenha autoridade vinda do Senhor para nós. Não podemos nos deixar
levar pelo modismo, por teorias loucas, invencionices teológicas como temos
visto surgir nos dias de hoje. Sermos levados por ventos de doutrinas, como
disse o apóstolo Paulo em Efésios 4.14, conf. 1Tm 4.1-3. Se nos deixarmos levar
por essas coisas a igreja deixa de ser igreja de Cristo e passa a ser igreja do
diabo.
3
– A AUTORIDADE DE JESUS SOBRE OS DEMÔNIOS (Lc 4.33-37).
C. S. Lewis disse que “há dois erros iguais e opostos no que diz
respeito à matéria Demônios: Uma é desacreditar em sua existência. A outra é
acreditar e sentir um excessivo e doentio interesse neles. Os mesmos demônios
ficam igualmente satisfeitos pelos dois erros e portanto, contemplam um
materialista e um mágico com o mesmo prazer”. E ele continua dizendo que “os diabos (demônios) são retratados com
asas de morcego e os anjos bons com asas de pássaro, não porque alguém afirme
que a depravação moral haveria de transformar penas em membranas, mas porque a
maioria dos homens gostam mais dos pássaros que dos morcegos” [6].
Em relação aos
demônios, nós não podemos nem superestimá-los e nem tão pouco subestimá-los.
Como disse o apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios: “para que não sejamos vencidos por Satanás; porque não ignoramos os seus
ardis” (2Co 2.10,11). Em relação a isso devemos ficar atentos também.
Esse relato da
libertação desse homem possesso na sinagoga nos remete alguns comentários
relevantes. Podemos observar que o maior número de expulsões de demônios na
Escritura ocorre nos Evangelhos sinóticos, em contraste com sua escassez, ou
ausência, no Antigo Testamento, em João e Atos dos Apóstolos e nas epístolas. O
fato do primeiro milagre de Jesus em Lucas ser um exorcismo e de ele ter
encontros frequentes com pessoas possuídas pelo demônio e as curas testifica
que subjugar Satanás e dividir seu despojo (Lc 11.21,22) era algo central para
a missão de Jesus (1Jo 3.8) [7].
Com isso em mente,
podemos destacar algumas lições importantes sobre essa a autoridade de Jesus
sobre os demônios [8].
1º
- A possessão demoníaca é um fato inegável (Lc 4.33).
Há dois extremos que falseiam a verdade quanto esse assunto: o primeiro deles
nega a realidade da possessão; o segundo, diz que toda insanidade mental e
doença são evidências dela. Muito embora nem todas as enfermidades procedam de
Satanás, algumas vezes, podem causar nas pessoas várias doenças e até
insanidade. Existem três tipos de enfermidades: as físicas, as emocionais e as
espirituais. Para identificá-las precisamos de discernimento espiritual.
A possessão é um fato
inegável tanto pelo registro infalível das Escrituras, quanto pelo testemunho
inequívoco da experiência histórica. A possessão é uma realidade confirmada
pela experiência e não apenas pelos dogmas.
2º
- Na possessão, espíritos malignos assumem o controle da personalidade humana.
Uma pessoa possessa não tem controle dos seus atos. Vemos isso ocorrendo no
endemoninhado gadareno (Mc 5.9) que tinha uma legião de demônios. Quando ele
foi liberto, nos diz o texto que ele estava em seu perfeito juízo (Lc 8.35).
Concordo com C. S.
Lewis quando diz que “os maiores males já
não acontecem nos perversos “redutos criminosos”, que Dickens tanto apreciava
descrever. Nem sequer nos hediondos campos de concentração. Nestes campos,
apenas temos visão dos resultados de outros males que foram praticados antes,
causando estes mesmos campos. A verdade, porém, é que os maiores males e crimes
são criados, arquitetados e executados em escritórios bem limpos, atapetados,
refrigerados e bem iluminados por homens de colarinho branco, unhas bem
cuidadas; estão sempre bem barbeados e jamais precisam elevar seu tom de voz
[9].
3º
- Os demônios, muitas vezes, se infiltram no meio da congregação do povo de
Deus.
Observe que havia um homem possesso na sinagoga. Os demônios não o levaram para
os antros do pecado, mas para dentro do lugar sagrado de ensino da Palavra. Ele
estava ali escondido, camuflado. Para muitos, talvez, era apenas mais um
adorador e mais um estudioso da Escrituras. Porém, onde Jesus está presente, os
demônios não podem permanecer nem prevalecer. Onde Jesus está eles são
desmascarados.
4º
- O demônios sabem quem é Jesus (Lc 4.33,34). O espírito
imundo que estava naquele homem disse a Jesus: “Bem sei quem és: O Santo de Deus”. Os demônios não só sabem quem é
Jesus como também sabem quem são os servos do Senhor. Vemos isso em Atos 19.15
que diz: “Respondendo, porém, o espírito
maligno, disse: Conheço a Jesus, e bem sei quem é Paulo; mas vós quem sois?”.
5º
- Jesus não aceita testemunho dos demônios (Lc 4.35).
Tem igrejas que o diabo tem até oportunidade para falar no microfone e toma um
bom tempo do culto. Na sinagoga em que Jesus estava, o demônio foi repreendido
até diante do testemunho que estava dando a respeito do Filho de Deus. Jesus
não precisa da ajuda dos demônios para anunciar ao povo quem ele é. O apóstolo
Paulo agiu da mesma forma não aceitando o testemunho dos demônios (At
16.16-24).
4
– A AUTORIDADE DE JESUS É RECONHECIDA (Lc 4.36,37).
A autoridade de Jesus
se manifestou na sua doutrina e sobre os demônios. Ambas revelam que Jesus era
totalmente diferente dos escribas e fariseus. Sua autoridade não era
terceirizada. Jesus era a Autoridade encarnada. Os doutores da Lei conheciam a
Lei, mas não a vivia, por isso não sabiam aplicá-la nem em suas próprias vidas.
Por isso eles não tinham autoridade.
Hoje vemos muitas
pessoas com uma religião intelectualizada. Não adianta ter a cabeça cheia de
conhecimento e rejeitar Jesus. Esse conhecimento não gera vida eterna, só gera
orgulho. Até os demônios reconhecem Jesus e o confessavam, mas nem por isso
estão salvos. Da mesma forma, um conhecimento que afasta as pessoas de uma vida
humilde é uma fé questionável.
CONCLUSÃO
O episódio da sinagoga
termina com a fama de Jesus se espalhando por todos os lugares. Sua fama correu
por Ele ensinar com autoridade e não como os doutores da lei, e por ter
autoridade diante dos demônios. Não os expulsando como os exorcistas de sua
época, mas simplesmente lhes ordenado que saíssem.
A Igreja para ter autoridade precisa conhecer o Evangelho, ensinar o Evangelho e viver o Evangelho. Só assim poderemos falar como Jesus falou, com autoridade.
Pense nisso!
Bibliografia
1 –Rienecker, Fritz.
Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba,
PR, 2005, p. 78.
2 – Edwards, James R. O
Comentário de Lucas, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2019, p. 202.
3 –Hendriksen, William. Lucas, Vol. 1, São
Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 356.
4 – William, Barclay.
Evangelho de Lucas, 1974, p. 46.
5 – F. F. Bruce,
Organizador. Comentário Bíblico NVI, Antigo e Novo Testamentos, São Paulo, SP,
Ed. Vida, 2009, p. 1654.
6 – C. S. Lewis –
Cartas do Inferno.
7 – Edwards, James R. O
Comentário de Lucas, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2019, p. 203.
8 – Lopes, Hernandes
Dias. Marcos, o Evangelho dos Milagres, São Paulo, SP, Ed. Hagnos, 2006.
9 – C. S. Lewis –
Cartas do Inferno.
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