segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Marcas de uma Igreja Saudável - 7 Serviço - Diakonia

Por Rubens Muzio

Há alguns anos, estive em Bogotá numa conferência e visitei a igreja onde surgiu a visão G12. Na porta do templo, diáconos tipo guarda-costas, com revólver na cinta e armados com fuzil, recepcionavam os participantes. Num clima de terrorismo (do qual o próprio César Castelhano não escapou) e violência social talvez essa fosse a sua melhor função. Mas, para que servem os diáconos? Distribuir boletins e impedir a entrada dos bêbados durante os cultos?

A palavra grega diakonia é simplesmente traduzida por “serviço”. A idéia básica veio do servir mesas, mas ela acabou sendo usada de maneira geral para serviço, comumente para tarefas domésticas. Lucas, por exemplo, registra um arranjo primário da jovem igreja em Jerusalém pelo qual os líderes serviam comida às viúvas e aos necessitados em comunhão (At 6:1). Os discípulos, que começaram a operar milagres, curar os enfermos e cuidar dos necessitados, já não podiam cuidar devidamente do trabalho diaconal. Desenvolveu-se um novo modelo de ministério – o diaconato. Num momento de conflito que demonstrou a sabedoria dos apóstolos judeus, os melhores e mais espirituais líderes helênicos (gregos, minoritários) foram eleitos para essa função.

Esse aspecto do discipulado espalhou-se rapidamente; Lucas fala de Dorcas, cujo serviço de diaconia era tudo valorizado pelos de Jope, que Pedro teve de ser convocado para vir de Lida a fim de fazê-la reviver (At 9:36-42). Os pobres não podiam ficar sem as roupas que ela fazia. Paulo apresenta a diaconia como um ministério maduro e multifacetado, ao escrever aos coríntios, por exemplo, que o Espirito Santo distribui várias diaconias - ministérios de discipulado (1 Co 12:5).

No entanto, o sentido de serviço não pode se limitar aos diáconos como líderes eleitos para certos cargos. A igreja primitiva era uma comunidade diaconal como um todo. Eles compartilhavam as suas posses uns com os outros de forma que ninguém estivesse passando por necessidade (At 4). Quando a fome atacou a Palestina, a igreja em Antioquia contribuiu para as necessidades da irmandade (At 11). A relevância da diakonia para o ministério do crente é vista em sua “qualidade especial de indicar muito pessoalmente o serviço prestado a outro”.

A palavra “diakonia” expressa melhor o conceito de serviço em amor que qualquer outra palavra grega relacionada. A Grande Comissão (Mateus 28) deve ser acompanhada pela Grande Compaixão (Mateus 25) em atos como alimentar o faminto, cuidar do estrangeiro e do refugiado, vestir os que estavam nus, visitar os prisioneiros.

A concepção de João Calvino sobre a diaconia tinha dois aspectos: pietas (piedade, devoção ou obrigações, deveres de piedade; algumas vezes, fé, adoração/culto) e caritas, (amor ou obrigações de amor). No entanto, a igreja pós-reforma enfatizou muito mais a dimensão interna da diaconia, a pietas. E isso produziu uma comunidade cúltica, autocomplacente sem relevância funcional na comunidade, despreocupada das questões sociais. Nos anos que morei no Canadá percebi claramente como a igreja nacional pode perder sua relevância social. O canadense em Toronto ou Vancouver tem um dos melhores planos de saúde do mundo, previdência social de ponta, seguro desemprego invejável, escola gratuita de qualidade para os filhos. Todas as questões sociais eram tratadas pelo governo. A igreja deveria se preocupar com as questões “eternas” ou “espirituais”. Não é a toa que apenas 2-3% dos canadenses freqüenta a igreja em qualquer domingo. Quando a igreja não tem função social, ela deixa de ser igreja.

A busca pelo equilíbrio do serviço a Deus (leitourgia, adoração) e do serviço ao próximo (diakonia, amor) é assunto para décadas de discussão entre os teólogos. A igreja costuma mover-se como um pêndulo, entre os extremos do evangelho espiritual ao evangelho social. O equilíbrio é tão claro nas palavras de Cristo: “Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e de todas as suas forças... ame o seu próximo como a si mesmo”! Estes dois mandamentos correspondem também às duas tábuas do decálogo: as leis de 1-4: amar a Deus, e as leis de 5-10: amar o próximo. Elsie Ann McKee destaca que a vida regenerada do pecador justificado tem dois focos principais: Deus e o próximo. Diante da natureza destes dois objetos, é óbvio que as duas principais obrigações do cristão não estejam em pé de igualdade, mas sejam inseparáveis. A adoração a Deus sempre tem precedência em importância; o amor ao próximo é o resultado inevitável. (Elsie Anne McKee.). Neste sentido, a adoração é fonte de energia para o serviço.

Harvey Cox destaca que diakonia realmente se refere ao ato de curar e reconciliar, cuidar das feridas e superar as diferenças, restaurando a saúde ao organismo. Este alargamento do significado é necessário. Mas isso também significa que, curar trata de “reunir em um todo, restaurando a integridade e a mutualidade das partes, então, para que possa ser curadora, a igreja precisa conhecer as feridas da cidade em primeira mão” (Cox, p. 115). Isto requer que a igreja viva entre as pessoas na comunidade, imersa em suas realidades, tendo empatia com as suas necessidades e trabalhando com elas para otimizar as bênçãos do Reino. Orlando Costas nos lembra que a igreja deve participar na vida, conflitos temores e esperanças da sociedade de tal maneira que estas expressões concretas do amor de Deus contribuam eficazmente para o alívio da dor humana e desagregação das condições sociais que mantém essas pessoas na pobreza, impotência e opressão.

Uma boa parábola bíblica é a do Bom Samaritano. O samaritano ajudou o seu próximo em necessidade (a pessoa em necessidade que está perto ou que é conhecida por você) não apenas com comida e medicamentos. Ele ajudou até que o homem estivesse de pé, capaz de cuidar de si mesmo. A diferença entre intenção e a prática disso é descrita em 1 Jo 3:17,18: “Se alguém tiver recursos materiais e, vendo seu irmão em necessidade, não se compadecer dele, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e em verdade”. De fato, podem-se levantar muitas possibilidades de ação social quando se contempla com seriedade a Bíblia.

O serviço cristão deve penetrar em cada camada da sociedade. Como o vento, o Evangelho deve invadir todas as esferas da criação. Se a vida física é uma pressuposição necessária para a proclamação do Evangelho, então a igreja deve trabalhar com toda a humanidade e com estruturas que preservem a vida e a dignidade humana. A preocupação evangélica não deve ser apenas com a proclamação da graça salvadora de Deus, mas também com a promoção da graça comum de Deus no mundo. Jesus disse que Deus “faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos” (Mt 5:45). Governo, escolas, comércio e mercados públicos são áreas legítimas para o envolvimento cristão transformacional. Há uma razão pragmática para isso, como Edmund Burke expressa claramente:

Para que o mal triunfe, tudo o que é necessário é que boas pessoas não façam nada. Deus está não apenas na Igreja, mas ele preenche toda a criação. Escrevendo aos cristãos colossenses, Paulo disse que o mundo foi criado por Cristo, para Cristo, foi reconciliado em Cristo e para Cristo (Cl 1:16-20) (Burke, ano, pág).

A imagem da igreja é a de mordomos prestando contas a seus mestres. No papel de servos, Jesus não fala de discípulos julgados com base em boa conduta, sacrifício, vida religiosa, liturgia, teologia ou constituição racial. Na condição de servos em Mateus 25, eles são julgados pelo que fizeram ou deixaram de fazer por aqueles de seu mundo que estavam em necessidade patente. São julgados com base em sua diaconia como servos do Mestre, que deu a vida em resgate por muitos. Isso nos fornece o real sentido do novo mandamento de “amar uns aos outros” – a prova suprema do discipulado.

O trabalho diaconal é um ministério oficial de adoração, pelo qual a Igreja manifesta o discipulado seguindo o crucificado. O ministério de diaconia da Igreja testifica a autenticidade dela e contribui para o despontar da Igreja missionária, a continuidade diaconal de amor constituída daqueles que confessam lealdade a Cristo.

Fonte: Sepal

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