domingo, 4 de dezembro de 2022

UM CHAMADO AO ARREPENDIMENTO - Lucas 13.1-5

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 13.1-5

INTRODUÇÃO

Entre o final do capítulo 12 e o princípio do capítulo 13 há uma dupla conexão: (a) temática: em ambos é enfatizada a necessidade de conversão; (b) temporal: note “nesse mesmo tempo” e, portanto, provavelmente durante a viagem final de Cristo para Jerusalém. Jesus rejeitou a teologia defeituosa que vê a calamidade como o julgamento de Deus sobre as pessoas particularmente perversos e ensinou que todos os pecadores estão vivendo em tempo emprestado. Ele assim o fez, tanto através da instrução direta e por meio de ilustrações.1 Foi durante esse percurso de Jesus para Jerusalém que alguns comentaram ocorrido com Jesus. É interessante salientar que nenhuma outra fonte registra os dois incidentes nos vs. 1 e 4;2 nem a chacina promovida por Pilatos e nem o incidente na torre de Siloé. Somente Lucas registrou esse fato em seu Evangelho.

O Reverendo Hernandes D. Lopes diz que as motivações de Pilatos nos são desconhecidas. As motivações das pessoas que narraram esse fato a Jesus também nos são encobertas. Entretanto, podemos pressupor três motivações possíveis. A primeira delas seria colocar Jesus contra Pilatos. Como Jesus era galileu, portanto, pertencente à jurisdição do tetrarca Herodes Antipas, o propósito desses informantes era que Jesus se posicionasse politicamente diante desse massacre. A segunda motivação seria alertar Jesus sobre as atrocidades cometidas por Pilatos contra os galileus. Assim, o objeto dessa informação seria proteger Jesus de Pilatos, em vez de empurrá-lo para uma nova crise. A terceira motivação seria especular sobre a morte dos galileus, como se mais pecadores eles fossem. Essa tendência era muito forte no imaginário do povo (Jo 9.1-12) e ainda hoje o é.3 É o famoso: “amigos de Jó”. É procurar pecado aonde não existe e tentar justificar as tragédias naquilo que não há justificativa.

Vejamos o que esse texto tem a nos ensinar.

1 – VIVEMOS EM UM MUNDO ONDE ESTAMOS SUJEITOS A MUITOS MALES (Lc 13.1,4).

Vivemos em uma era diferente de qualquer outro na história, uma era em que a mídia fornece de forma instantânea o que está acontecendo em todo o mundo. A internet veio para revolucionar os meios de comunicação. Notícias que levavam horas ou dias para ficarmos sabendo, hoje, mediante as redes sociais, sabemos em instantes ou ao vivo. Hoje está estampado diante dos nossos olhos as mais diversas notícias, desde desastres provocados pelo homem, como guerras, terrorismo, genocídio, crimes, motins e acidentes, além de crises social e econômica em todo o mundo, fazendo com que as pessoas, em todos os lugares, passem a experimentar vicariamente toda a dor, tristeza, sofrimento e morte que essas catástrofes trazem.

Isso só revela que a vida neste planeta está amaldiçoada pelo pecado (Gn 3.17), e por isso, este mundo está cheio de problemas, tristeza, dor e sofrimento. Isso é a mais evidente prova do testemunho das Escrituras da consequência do pecado.

Mas mesmo sabendo disso, vem sempre aquela pergunta: “Por que coisas ruins ocorrem com pessoas boas?”, ou, “Por que Deus permite as tragédias?”. Essa pergunta é relativamente fácil de responder, mas muito difícil de aceitar. Creio que a grande crise em aceitar a resposta de Deus seja a falta de maturidade espiritual em muitas pessoas. Não quero com isso amenizar a dor de quem passa pela crise, e que a pessoa deva fingir que não está doendo. Eu quero dizer é que muitas pessoas acabam culpando Deus pelas calamidades que muitas vezes causamos, ou são causadas por terceiros, ou que são consequências do mundo perverso que vivemos.   

Podemos responder esse dilema da seguinte forma, do ponto de vista bíblico:

Em primeiro lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para testar a validade de sua fé ((1Pe 1.6,7; cf. Dt 8.2; Pv 17.3). “Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo” (1Pe 1.6,7).

Em segundo lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para ensinar-lhes que eles não dependem de si próprios, mas dos recursos divinos (2Co 1.8,9; cf. 12.7-10). “Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na Ásia, pois que fomos sobremaneira agravados mais do que podíamos suportar, de modo tal que até da vida desesperamos. Mas já em nós mesmos tínhamos a sentença de morte, para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos” (2Co 1.8,9).

Em terceiro lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para lembrá-los de sua esperança celestial (Rm. 5.3-5; cf. 2Co 4.17,18). Como disse o Reverendo Augustus Nicodemus: “O céu não é aqui”. “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas” (2Co 4.17,18).

Em quarto lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para revelar quem eles realmente amam (Gn 22.10-12; At 5.41; Rm 5 3,4; 1Pe 4.13). “E estendeu Abraão a sua mão, e tomou o cutelo para imolar o seu filho; mas o anjo do Senhor lhe bradou desde os céus, e disse: Abraão, Abraão! E ele disse: Eis-me aqui. Então disse: Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho” (Gn 22.10-12).

Em quinto lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para ensinar-lhes obediência (Sl 119.67,71; Hb 12.5-11). “Antes de ser afligido andava errado; mas agora tenho guardado a tua palavra. Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos” (Sl 119.67,71).

Jesus rejeitou a teologia defeituosa que vê a calamidade como o julgamento de Deus sobre as pessoas, particularmente as que julgamos perversas, e ensinou que todos os pecadores estão vivendo em um tempo que males ocorrem a todos. Ele assim o fez, tanto através da instrução direta como por meio de ilustrações.

2 – AS CALAMIDADES NÃO APONTAM PARA OS QUE SÃO MAIS PECADORES (Lc 13.1-5).

Jesus não condenou nem os galileus nem Pilatos, nem considerou as razões porque os desastres naturais recaem sobre alguns e não sobre outros. Sabendo que algumas pessoas interpretavam tais tragédias como justiça retributiva (aqui se faz, aqui se paga), [no entanto], Jesus afirmou aqui e no versículo 5 que não havia maior pecado por parte daqueles que tinham passado pelo sofrimento. Mas o seu ponto, sem considerar a causa da calamidade, era que seus ouvintes pereceriam como tinham perecido os galileus, se permanecessem impenitentes.4 Jesus deixa claro que existe uma tragédia muito maior, a falta de arrependimento pelos pecados e, devido a dureza do coração, a impossibilidade de entrar na vida eterna. Essa sim é a grande calamidade da vida, pois é para toda a eternidade.

Podemos destacar algumas lições aqui:

1ª - As pessoas se mostram mais propensas a conversar a respeito da morte dos outros do que a respeito da sua própria morte5 (Lc 13.1,2,4). E mais fácil especular sobre a vida dos outros do que enfrentar a nossa própria realidade. E mais cômodo pensar que a tragédia que desaba sobre a cabeça dos outros é um justo pagamento por seus erros do que enfrentar os nossos próprios pecados. E mais fácil julgar os outros do que julgar a nós mesmos.6 J. C Ryle diz que o estado de nossa própria alma deve ser nossa primeira preocupação. É eminentemente verdadeiro que o cristianismo autêntico começa em nosso próprio coração.7

Dois fatos merecem destaque aqui:

1) As vítimas de um massacre (Lc 13.1,2). Pôncio Pilatos, o governador romano, não se dava com os judeus, pois desprezava suas convicções religiosas. Um exemplo dessa falta de entendimento pode ser vista na ocasião em que Pilatos levou as insígnias romanas para a cidade de Jerusalém, enfurecendo os líderes judeus, que se ofenderam com a presença da imagem de César na Cidade Santa. O governador ameaçou matar os que protestaram; estes, por sua vez, se declararam dispostos a morrer! Ao ver sua determinação, Pilatos cedeu e transferiu as insígnias para Cesaréia, mas esse não foi o fim do conflito.8 Pilatos novamente enfureceu os judeus por tirar dinheiro de seu tesouro do templo para construir um aqueduto para levar água para Jerusalém.9

William Hendriksen é da opinião que o incidente registrado teria ocorrido em conexão com a Festa da Dedicação, e que a razão pela qual Pilatos teria feito isso era que esses homens da Galileia eram zelotes, membros de um partido nacionalista que pública e agressivamente se opunham ao governo romano. Mas tudo isso não vai além de teoria.10 O fato é que os galileus estavam em Jerusalém oferecendo sacrifícios no Templo. E enquanto estavam ocupados com isso, Pilatos enviou seus soldados para assassiná-los e, no processo, o sangue deles se misturou com o sangue dos animais que eles estavam oferecendo como sacrifícios.11 Eles foram massacrados impiedosamente. Pilatos matou-os, e matou-os com requinte de crueldade e sacrilégio. Não apenas eles foram mortos violentamente, mas sua religião foi profanada frontalmente. A grande pergunta é: essas pessoas assassinadas eram mais pecadoras do que os demais galileus ou habitantes de Jerusalém? O fato de serem vítimas de tamanha crueldade as colocava numa lista de pecadores mais culpados? Aqueles que morrem em massacres são mais pecadores do que aqueles que são poupados dos massacres?12 Spurgeon é enfático ao dizer que devemos ter muito cuidado de não concluir apressadamente e irrefletidamente sobre esses terríveis acidentes: que os que os sofrem, os sofrem por culpa de seus pecados.13

2) As vítimas de catástrofes naturais (Lc 13.4). Jesus passa, então, a falar numa outra desgraça em Jerusalém, que também nos é conhecida somente através desta referência. Seus ouvintes não devem supor que os dezoito que tinham morrido quando desabou a torre de Siloé e os matou fossem mais culpados (lit. “devedores”; homens que estão devendo obediência a Deus) do que outros. Mas seu fim é uma advertência ao auditório de Jesus quanto à urgência do seu arrependimento.14

Ainda hoje, diante de guerras sangrentas, terremotos e maremotos que vitimam milhares, e de atos terroristas que ceifam tantas pessoas, o questionamento é ainda feito. Por que alguns morrem e outros escapam? Será que aqueles que perecem são mais pecadores e mais culpados? A resposta de Jesus é categórica: Não eram, eu vo-lo afirmo; se, porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis (Lc 13.3,3).15

2º - Aqueles que perecem em tais calamidades não são mais pecadores do que aqueles que sobrevivem (Lc 13.2,4). Jesus deixou claro que as tragédias que acontecem no mundo nem sempre são castigo divino e que é errado assumir o papel de Deus e julgar o semelhante. Os amigos de Jó cometeram esse erro ao dizer que as aflições de Jó evidenciavam seus pecados. Ao aplicar essa abordagem às tragédias em geral, será difícil explicar o sofrimento dos profetas, dos apóstolos e do próprio Senhor Jesus Cristo.16 O mundo não está dividido entre maiores pecadores e menores pecadores, entre mais culpados e menos culpados. O mundo está povoado por pecadores culpados. Não importa como se vive ou se morre, todos são pecadores e culpados aos olhos de Deus. Não existem uns melhores ou mais merecedores do que outros.17

Como disse Spurgeon: “Por que não pode acontecer a mim que muito prontamente e inesperadamente seja eu cortado? Tenho eu um contrato de aluguel de minha vida? Tenho algum amparo especial que me garante que não atravessarei inesperadamente os portais da sepultura? Recebi um título de privilégio de longevidade? Fui coberto com uma armadura tal que sou invulnerável às flechas da morte? Por que não irei morrer?”18

3 – O ARREPENDIMENTO É O ÚNICO ESCAPE DA MAIOR TRAGÉDIA DA VIDA (Lc 13.3,5).

Cada pessoa no auditório tinha o dever de examinar seu coração e vida, e fazer a si mesma a pergunta: “Concretizou-se em minha vida uma mudança básica, de Satanás para Deus, das trevas para a luz, do pecado para a santidade? Verdadeiramente me arrependi e tenho realmente posto toda minha confiança em Deus, servindo-o de maneira exclusiva? Em outros termos: Realmente me converti?” Se não, peça então a Deus poder para você dar esse importante passo. Disse Jesus: “A menos que se convertam, vocês também perecerão”.19

Arrependimento envolve dois elementos.

1º - Em primeiro lugar, os pecadores devem mudar sua mente sobre sua pecaminosidade. Eles devem reconhecer que a lei de Deus é absolutamente santa e obrigatória para eles, que eles a violaram e merecem punição eterna no inferno. Já os pecadores arrependidos devem primeiro concordar que o diagnóstico de sua condição é de miserável pecador, e que Deus é justo e santo, e que eles são impotentes para livrar-se da morte eterna a não ser pela misericórdia de Deus.

2º - O segundo elemento de arrependimento é afirmar que Jesus Cristo é o único Salvador (Lc 24.47). Arrependimento não é meramente abandonando do pecado, mas também voltar-se para Deus através de Cristo (1Ts 1.9,10).

Jesus deixa claro que o pecado é pior do que um massacre e pior do que um desabamento. O massacre ou o colapso de uma torre pode produzir morte física, mas o pecado causa a morte eterna. Sem arrependimento, mesmo vivendo, os homens estão mortos e, sem arrependimento, se morrerem na impiedade, perecerão eternamente. Oh, o pecado é a maior tragédia, e a falta de arrependimento, a causa da maior desventura!20

CONCLUSÃO

Jesus prosseguiu mostrando a conclusão lógica dessa argumentação: se Deus castiga os pecadores dessa maneira, todos ali presentes precisavam arrepender-se, pois todos os seres humanos são pecadores! A pergunta não é: “por que essas pessoas morreram?”, mas sim: “que direito tinham de viver?” Ninguém é isento de pecado, de modo que todos devem estar preparados.21

A grande questão da vida não é saber como morreremos, mas sim, de saber como estamos vivendo. Porque vivendo ou morrendo, sem Cristo estamos mortos eternamente e, morrendo com Cristo viveremos eternamente em Sua presença.

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 220.

2 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 220.

3 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 414.

4 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 221.

5 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 231.

6 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 415.

7 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 231.

8 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 291.

9 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 135.

10 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 221.

11 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 436.

12 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 416.

13 – Spurgeon, C. Haddon. Olhe Para Cristo, vol. 2, Acidentes, não castigo, Projeto Spurgeon, 2011, p. 88.

14 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 209.

15 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 417.

16 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 291.

17 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 418.

18 – Spurgeon, C. Haddon. Olhe Para Cristo, vol. 2, Acidentes, não castigo, Projeto Spurgeon, 2011, p. 96.

19 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 222.

20 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 419.

21 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 291.

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