Por Pr Silas Figueira
Texto base: Lucas 12.41-48
INRODUÇÃO
O Senhor ensinou esse
mesmo princípio em Mt 24.44-51 (cf. Mc 13.33-37 e o ensinamento similar na
parábola dos talentos Mt 25.14-30), indicando que esse assunto era um tema
recorrente de seu ensino. Pedro, incerto de quem as analogias no ponto anterior
foram dirigidas, agindo como sempre fazia, como o porta-voz dos outros discípulos
disse: “Senhor, dizes essa parábola a nós, ou também a todos?”. Jesus
não respondeu diretamente a Pedro, mas indiretamente o respondeu com outra
parábola envolvendo dois servos.
Leon Morris diz que a
pergunta de Pedro talvez visasse levantar a questão dos privilégios e das
responsabilidades do apostolado. Certamente tem relevância à obra do
ministério, tópico este que deve ter sido importante aos leitores de Lucas.
Jesus não responde diretamente, mas chama a atenção à responsabilidade de todos
os servos. Ressalta que quanto maior o privilégio, tanto maior a
responsabilidade.[1]
Para Robertson, Pedro
está certo de que o sermão se destina aos Doze, mas deseja saber se estão incluídos
outros, pois Ele tinha se dirigido à multidão, nos versículos 13-21. A resposta
de Jesus a Pedro deixa claro que Pedro é este mordomo
prudente, cada um dos Doze o é, a despeito de quem quer que aja desta maneira.[2]
Com isso em mente,
podemos tirar lições preciosas para nossas vidas.
1 – JESUS ALERTA A
RESPEITO DA NECESSIDADE DE FIDELIDADE (Lc 12.41-44)
Como falamos, Jesus não
respondeu diretamente a Pedro, mas indiretamente com outra parábola envolvendo
dois servos. O primeiro é fiel, que representa os crentes, que estão prontos
para o retorno de Cristo e serão abençoados. O outro é infiel, e representa os
incrédulos, que não estão prontos para seu retorno e será punido. Uma vez que
todas as pessoas caem em uma dessas duas categorias, a parábola de Jesus
abrange todas as pessoas.
O servo fiel (Lc 12.42-44).
Jesus começa fazendo uma pergunta: “Qual
é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor pôs sobre os seus servos,
para lhes dar a tempo a ração?”. O mordomo (grego, oikonomos)
era um escravo e este era responsável por cuidar de todas as coisas do seu senhor.
Era o administrador geral da casa e de todos os bens do seu senhor. Nessa
qualidade, o administrador recém-nomeado não só vigia o trabalho dos demais
servos, mas também e especificamente cuida para que recebam as provisões
necessárias.[3]
Os apóstolos eram responsáveis
por alimentar a casa de Deus, sua Igreja. Porém, cada um de nós possui
determinado trabalho a fazer neste mundo, uma incumbência que recebemos de
Deus. Temos a responsabilidade de nos manter fiéis até sua volta. Talvez não
pareçamos bem-sucedidos a nossos próprios olhos nem aos olhos do mundo, mas
isso não importa. O que Deus quer é fidelidade: “Além disso requer-se dos
despenseiros que cada um se ache fiel” (1Co 4.2).[4]
Esse servo fiel, como já
falamos, representa todos os crentes que aguardam a volta do Senhor agindo com
fidelidade àquilo que lhes foi determinado. Eles geram bens e riquezas
espirituais que Deus confiou aos seus cuidados, e estão prontos para o retorno
de Cristo.
Quais são as
características desse mordomo fiel?
1º - Em primeiro lugar, o
mordomo sabe que não é o dono da casa (Rm 1.1).
“Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho
de Deus”. 1.1). A palavra grega doulos, traduzida por “servo”, significa
escravo, aquele que foi comprado por um preço, pertence a seu senhor e está
completamente à sua disposição. Um escravo não tem vontade própria nem
liberdade para fazer o que lhe agrada. Um escravo vive para agradar a seu senhor
e obedecer-lhe às ordens.[5]
Paulo foi um dos
apóstolos que mais escreveu e doutrinou a Igreja de Cristo. Ele é um dos melhores
exemplos de mordomo entre os apóstolos. Vejamos as suas credencias:
1) Era um servo de Jesus
Cristo (Rm 1.1a). O termo que Paulo usa para servo era
particularmente significativo para os romanos, pois se referia a um escravo.
Acredita-se que havia cerca de sessenta milhões de escravos em todo o império
romano, e um escravo não era considerado uma pessoa, mas apenas uma propriedade.
Em sua terna devoção, Paulo tornou-se escravo de Cristo para lhe servir e fazer
sua vontade.
2) Era um apóstolo (Rm 1.1b).
O termo significa “alguém enviado por certa autoridade com uma comissão”.
Naquela época, aplicava-se aos representantes do imperador ou aos emissários de
um rei. Um dos requisitos para ser apóstolo da Igreja era ter visto o Cristo
ressurreto (1Co 9.1,2). Paulo viu Cristo quando estava na estrada de Damasco
(At 9.1-9), e foi nessa ocasião que o Senhor o chamou para ser seu apóstolo aos
gentios. Paulo recebeu de Cristo revelações divinas que deveria compartilhar
com as igrejas.
3) Era um pregador do
evangelho (Rm 1.1c-4). Quando era um rabino judeu, Paulo consagrou-se,
como fariseu, às leis e tradições dos judeus. Mas quando entregou a vida a
Cristo, se consagrou ao evangelho e ao ministério. O termo evangelho significa “as
boas novas”. É a mensagem de que Cristo morreu por nossos pecados, foi
sepultado, ressuscitou e agora pode salvar todo o que crer nele (1Co 15.1-4). É
o “evangelho de Deus” (Rm 1.1), pois Deus é sua origem; não foi inventado pelo
homem. É o evangelho de Cristo, pois seu cerne é Cristo, o Salvador. Paulo
também o chama de “evangelho de seu Filho” (Rm 1.9), o que mostra que Jesus
Cristo é Deus!
Jesus Cristo é o cerne da
mensagem do evangelho. Paulo identifica Cristo como um homem, um judeu e o
Filho de Deus. Nasceu de uma virgem (Is 7.14; Mt 1.18-25) na família de Davi,
fato que lhe conferia o direito ao trono de Davi. Morreu pelos pecados do mundo
e foi ressuscitado dentre os mortos. É esse acontecimento maravilhoso da morte
vicária e da ressurreição vitoriosa que constitui o evangelho, e era esse
evangelho que Paulo pregava.[6]
Paulo é um exemplo de um
mordomo fiel. Ele sabia quem ele era – escravo de Jesus Cristo. Sabia quais
eram as suas obrigações – chamado para ser apóstolo e separado para o Evangelho
de Deus. O mesmo acontece hoje com os servos de Jesus Cristo, somos chamados
para sermos fiéis e servi-lo com empenho e dedicação. Tendo uma vida exemplar para
que a glória de Deus brilhe mediante o nosso bom testemunho (Mt 5.16).
2º - Em segundo lugar, um
mordomo administra a casa como se fosse o Senhor da casa.
Embora
sempre falemos sobre as coisas como “nossas”, a realidade é que tudo que temos
e tudo que somos pertence a outro – a Deus. Como disse o apóstolo Paulo: “Que
tens tu que não tenhas recebido?” (1Co 4.7). Portanto, foi de Deus que
recebemos nossa vida e o tudo que há nela; e somos responsáveis por isso.
Temporariamente – ou seja, até que Deus os exija de nós – somos mordomos desses
dons.
A mordomia, frequentemente
é associada ao dinheiro, ela deve ser descrita também como incluindo o nosso
tempo, talentos e riqueza. Mas a mordomia não diz respeito apenas a sermos bons
administradores de nossa agenda, nossas habilidades e nossas coisas. A
disciplina da mordomia bíblica nos chama a usar todas essas coisas da maneira
como o Senhor quer, a empregá-las para a sua glória. No entanto, ninguém pode
ser um mordomo no sentido bíblico se, antes disso, não entende o evangelho – a
história do que Deus realizou por meio da vida e da morte de Jesus Cristo.
A pergunta do Senhor aos doze
“Quem é, pois, o servo fiel e prudente?” deixa a resposta por conta de cada
um. Cada um deve examinar seriamente a si mesmo. Até mesmo entre os discípulos
estava Judas, o traidor, de modo que Jesus não podia considerar “todos” como
fiéis e sensatos administradores. O Senhor visava levar os apóstolos a que cada
um deles se decidisse por uma das duas descrições. Há diferenças entre os servos
que são colocados como superiores de outros. Porém a “todos” Jesus incute a
seriedade da responsabilidade.[7]
3º - O mordomo fiel será
recompensado (Lc 43,44). Há alegria em servir a Jesus. Há
recompensa também. Há aquela confiança e esperança íntima que se derivam de
estarmos certos com Deus. Há um desenvolvimento espiritual que é satisfatório,
pois assim estaremos deixando para trás o homem mortal e físico, tornando-nos
semelhantes ao Homem imortal, ao próprio Senhor.[8]
Rienecker observa que há
uma diferença entre a recompensa no v. 44, prometida ao mordomo fiel, e a
recompensa no v. 37, prometida ao servo vigilante. A promessa dada ao servo
vigilante tem algo mais íntimo em si. É expressão de apego pessoal, de gratidão
do Senhor pelo amor pessoal que o servo fiel lhe demonstrou. A promessa dada ao
administrador no v. 44 é mais honrosa. Ela é a recompensa oficial e pública
pelos serviços prestados à casa. Assim como sua esfera de atuação aqui na terra
foi ampla e pública, assim também sua posição na glória abrangerá um grande e
elevado raio de ação.[9]
2 – JESUS ALERTA A
RESPEITO DA INFIDELIDADE (Lc 12.45-48).
Em contraste com o servo
fiel, o servo infiel ignora a exortação no versículo 40: “Portanto, estai
vós também apercebidos; porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais”,
e diz em seu coração: “O meu senhor, tarda em vir”.
Observemos como o servo
infiel age e o seu fim:
1º - Em primeiro lugar,
ele não tem senso de urgência (Lc 12.45). Na falta de um senso de
urgência ele continuou a fazer o que o satisfaz. E isso incluía brutalidade
infligida aos outros escravos, homens e mulheres, bem como continuar a comer,
beber e ficar embriagado. Em vez de administrar adequadamente os recursos
colocados à sua responsabilidade, ele usou e abusou para seu próprio prazer.
Ele viveu sob a ilusão de que ele tinha muito tempo para desfrutar de seu
pecado antes do seu senhor voltar. Leon Morris diz que a prolongada ausência do
senhor, porém, poderia levar um mordomo descuidadoso a um falso senso de
independência.[10]
Muitas pessoas vivem suas
vidas sob a mesma ilusão, achando que podem fazer o que quiserem e que se
converterão a Deus pouco antes do fim da vida terrena (da morte ou da vinda de
Jesus). Tal raciocínio é tanto insensato quanto perigoso, uma vez que ninguém
sabe quando vai morrer, ou quando o Senhor voltará. Esse raciocínio é um perigo
mortal, pois é uma grande apostasia (cf. Hb 6.4-8). Tal pessoa não percebe que
Deus pode endurecer os corações daqueles que persistem em seu endurecimento, a
um ponto onde eles não podem se arrepender e crer (Jo 12.37-40.; Rm 1.24,26,28;
Hb 10.26,27).
2º - Em segundo lugar,
esse servo será castigado (Lc 12.46,47). Uma vez que o cristão
começa a pensar que o Senhor não está prestes a voltar, sua vida entra num
processo de deterioração.[11] O juízo será severo para os fingidos, os quais, o
tempo todo, eram piores que os incrédulos declarados. Serão “despedaçados”, uma
metáfora que ilustra o juízo de modo não literal, embora mostre sua severidade
e inexorabilidade. Que ninguém se equivoque a respeito, pois a lei da colheita
segundo a semeadura é absoluta em suas operações (Gl 6.7,8).
James Edwards diz que o
termo grego dichotomein (cortar em pedaços, desmembrar, “separá-lo-á”, “cortá-lo-á
pelo meio), não ocorre em nenhuma outra passagem da Escritura, embora vários
Salmos lembrem uma imagem semelhante (Sl 50.22).[12] Isso só revela a seriedade
do que é ser negligente a obra de Deus e agir de forma hipócrita dentro da
Igreja. É o que vemos em Mt 7.22,23, ou seja, com Deus não se brinca, e quem acha
que pode fazer o que bem entende sem sofrer consequências está muito enganado.
3º - Em terceiro lugar, a
ignorância não será inocentada (Lc 12.48). Jesus deixou
claro que existem pessoas que não sabem a vontade de Deus, no entanto, a sua
ignorância não irá exonerá-lo do julgamento, já que ele cometeu atos dignos de
um açoitamento. O pecado por desconhecimento, embora traga trágicas
consequências, é um atenuante que implica uma pena mais branda.[13] Será que essa
palavra de Jesus constitui a base para os diferentes graus de punição no
inferno? Para Childers o princípio dos graus de recompensa e punição é
claramente ensinado aqui e em outras passagens do Novo Testamento, mas a forma
exata como Deus aplicará o princípio nem sempre é aparente. Uma coisa é clara,
entretanto: O grau de fidelidade ou infidelidade determinará o grau de
recompensa ou punição e esta fidelidade é julgada à luz do conhecimento da
vontade de Deus e das oportunidades que o servo tem.[14]
John MacArthur é enfático
em dizer que o grau de punição é proporcional à intencionalidade do
comportamento infiel. Observe, contudo, que a ignorância é indesculpável (v.
48). O fato de que haverá vários níveis de punição no inferno é claramente
ensinado em Mt 10.15, 11.22,24; Mc 6.11; Hb 10.29.[15]
4º - Em quarto lugar,
quanto maior a luz espiritual possuída por uma pessoa, tanto maior será a sua
culpa (Lc 12.48b). A quem muito foi dado, Jesus advertiu,
muito será exigido. Depois de falar aos de fora, Jesus volta-se novamente aos
discípulos. Ele mostrara a culpabilidade de um servo desobediente, de um
discípulo. O v. 48b: “Àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido”.
Muito foi dado ao que pela fé acolheu o testemunho de Jesus. Será julgado
segundo sua medida de conhecimento. Desse modo a frase leva nitidamente
de volta à parábola dos v. 42-46. A pergunta de Pedro, portanto, foi
exaustivamente respondida.[16]
CONCLUSÃO
O julgamento de Deus será
justo. Tomará como base o que o servo sabe sobre a vontade de Deus. Isso não quer
dizer que, quanto mais ignorantes somos, mais leniente será o
julgamento final diante de Cristo! Somos admoestados a conhecer a vontade de
Deus (Rm 12.2; Cl 1.9) e a crescer no conhecimento de Jesus Cristo (2Pe 3.18).
Jesus está declarando um princípio geral: quanto mais recebermos de Deus, mais
teremos de prestar contas diante dele![17]
Muitas vezes fazemos
perguntas, mas será que estamos preparados para a resposta? Jesus não deixou de
responder a Pedro, e a Sua resposta trouxe a todos os discípulos um senso de
responsabilidade ainda maior. Somos discípulos de Jesus e essa mesma
responsabilidade está sobre os nossos ombros hoje também.
Pense nisso!
Bibliografia
1 – Morris, Leon L.
Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São
Paulo, SP, 1986, p. 205.
2 – Robertson, A. T.
Comentário de Lucas, à luz do Novo Testamento Grego, Ed. CPAD, Rio de Janeiro,
RJ, 2013, p. 241.
3 – Hendriksen, William.
Lucas, vol. 2, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 202.
5 – Lopes, Hernandes
Dias. Romanos, O Evangelho segundo Paulo, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2010, p.
36.
6 – Wiersbe, Warren W. 1
Coríntios, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica,
Santo André, SP, 2007, p. 668,669.
8 – Champlin, R. N. O
Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed.
Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 132.
9 – Rienecker, Fritz. O
Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba,
PA, 2005. p. 284.
10 – Morris,
Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova,
São Paulo, SP, 1986, p. 205.
11 – Wiersbe,
Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed.
Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 289.
12 – Edwards, James A. O
Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 488.
13 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 409.
14 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas,
vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 433.
15 – MacArthur, John.
Comentário Bíblico John MacArthur, Gênesis a Apocalipse, Ed. Thomas Nelson, Rio
de Janeiro, RJ, 2019, p. 1266.
16 – Rienecker, Fritz. O
Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba,
PA, 2005. p. 286.
17 – Wiersbe, Warren W.
Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo
André, SP, 2007, p. 290.
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