segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A PARÁBOLA SOBRE O SERVO FIEL E O SERVO INFIEL - Lucas 12.41-48

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 12.41-48

INRODUÇÃO

O Senhor ensinou esse mesmo princípio em Mt 24.44-51 (cf. Mc 13.33-37 e o ensinamento similar na parábola dos talentos Mt 25.14-30), indicando que esse assunto era um tema recorrente de seu ensino. Pedro, incerto de quem as analogias no ponto anterior foram dirigidas, agindo como sempre fazia, como o porta-voz dos outros discípulos disse: “Senhor, dizes essa parábola a nós, ou também a todos?”. Jesus não respondeu diretamente a Pedro, mas indiretamente o respondeu com outra parábola envolvendo dois servos.

Leon Morris diz que a pergunta de Pedro talvez visasse levantar a questão dos privilégios e das responsabilidades do apostolado. Certamente tem relevância à obra do ministério, tópico este que deve ter sido importante aos leitores de Lucas. Jesus não responde diretamente, mas chama a atenção à responsabilidade de todos os servos. Ressalta que quanto maior o privilégio, tanto maior a responsabilidade.[1]

Para Robertson, Pedro está certo de que o sermão se destina aos Doze, mas deseja saber se estão incluídos outros, pois Ele tinha se dirigido à multidão, nos versículos 13-21. A resposta de Jesus a Pedro deixa claro que Pedro é este mordomo prudente, cada um dos Doze o é, a despeito de quem quer que aja desta maneira.[2]

Com isso em mente, podemos tirar lições preciosas para nossas vidas.

1 – JESUS ALERTA A RESPEITO DA NECESSIDADE DE FIDELIDADE (Lc 12.41-44)

Como falamos, Jesus não respondeu diretamente a Pedro, mas indiretamente com outra parábola envolvendo dois servos. O primeiro é fiel, que representa os crentes, que estão prontos para o retorno de Cristo e serão abençoados. O outro é infiel, e representa os incrédulos, que não estão prontos para seu retorno e será punido. Uma vez que todas as pessoas caem em uma dessas duas categorias, a parábola de Jesus abrange todas as pessoas.

O servo fiel (Lc 12.42-44).  Jesus começa fazendo uma pergunta: “Qual é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor pôs sobre os seus servos, para lhes dar a tempo a ração?”. O mordomo (grego, oikonomos) era um escravo e este era responsável por cuidar de todas as coisas do seu senhor. Era o administrador geral da casa e de todos os bens do seu senhor. Nessa qualidade, o administrador recém-nomeado não só vigia o trabalho dos demais servos, mas também e especificamente cuida para que recebam as provisões necessárias.[3]

Os apóstolos eram responsáveis por alimentar a casa de Deus, sua Igreja. Porém, cada um de nós possui determinado trabalho a fazer neste mundo, uma incumbência que recebemos de Deus. Temos a responsabilidade de nos manter fiéis até sua volta. Talvez não pareçamos bem-sucedidos a nossos próprios olhos nem aos olhos do mundo, mas isso não importa. O que Deus quer é fidelidade: “Além disso requer-se dos despenseiros que cada um se ache fiel” (1Co 4.2).[4]

Esse servo fiel, como já falamos, representa todos os crentes que aguardam a volta do Senhor agindo com fidelidade àquilo que lhes foi determinado. Eles geram bens e riquezas espirituais que Deus confiou aos seus cuidados, e estão prontos para o retorno de Cristo.

Quais são as características desse mordomo fiel?

1º - Em primeiro lugar, o mordomo sabe que não é o dono da casa (Rm 1.1). “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho de Deus”. 1.1). A palavra grega doulos, traduzida por “servo”, significa escravo, aquele que foi comprado por um preço, pertence a seu senhor e está completamente à sua disposição. Um escravo não tem vontade própria nem liberdade para fazer o que lhe agrada. Um escravo vive para agradar a seu senhor e obedecer-lhe às ordens.[5]

Paulo foi um dos apóstolos que mais escreveu e doutrinou a Igreja de Cristo. Ele é um dos melhores exemplos de mordomo entre os apóstolos. Vejamos as suas credencias:

1) Era um servo de Jesus Cristo (Rm 1.1a). O termo que Paulo usa para servo era particularmente significativo para os romanos, pois se referia a um escravo. Acredita-se que havia cerca de sessenta milhões de escravos em todo o império romano, e um escravo não era considerado uma pessoa, mas apenas uma propriedade. Em sua terna devoção, Paulo tornou-se escravo de Cristo para lhe servir e fazer sua vontade.

2) Era um apóstolo (Rm 1.1b). O termo significa “alguém enviado por certa autoridade com uma comissão”. Naquela época, aplicava-se aos representantes do imperador ou aos emissários de um rei. Um dos requisitos para ser apóstolo da Igreja era ter visto o Cristo ressurreto (1Co 9.1,2). Paulo viu Cristo quando estava na estrada de Damasco (At 9.1-9), e foi nessa ocasião que o Senhor o chamou para ser seu apóstolo aos gentios. Paulo recebeu de Cristo revelações divinas que deveria compartilhar com as igrejas.

3) Era um pregador do evangelho (Rm 1.1c-4). Quando era um rabino judeu, Paulo consagrou-se, como fariseu, às leis e tradições dos judeus. Mas quando entregou a vida a Cristo, se consagrou ao evangelho e ao ministério. O termo evangelho significa “as boas novas”. É a mensagem de que Cristo morreu por nossos pecados, foi sepultado, ressuscitou e agora pode salvar todo o que crer nele (1Co 15.1-4). É o “evangelho de Deus” (Rm 1.1), pois Deus é sua origem; não foi inventado pelo homem. É o evangelho de Cristo, pois seu cerne é Cristo, o Salvador. Paulo também o chama de “evangelho de seu Filho” (Rm 1.9), o que mostra que Jesus Cristo é Deus!

Jesus Cristo é o cerne da mensagem do evangelho. Paulo identifica Cristo como um homem, um judeu e o Filho de Deus. Nasceu de uma virgem (Is 7.14; Mt 1.18-25) na família de Davi, fato que lhe conferia o direito ao trono de Davi. Morreu pelos pecados do mundo e foi ressuscitado dentre os mortos. É esse acontecimento maravilhoso da morte vicária e da ressurreição vitoriosa que constitui o evangelho, e era esse evangelho que Paulo pregava.[6]  

Paulo é um exemplo de um mordomo fiel. Ele sabia quem ele era – escravo de Jesus Cristo. Sabia quais eram as suas obrigações – chamado para ser apóstolo e separado para o Evangelho de Deus. O mesmo acontece hoje com os servos de Jesus Cristo, somos chamados para sermos fiéis e servi-lo com empenho e dedicação. Tendo uma vida exemplar para que a glória de Deus brilhe mediante o nosso bom testemunho (Mt 5.16).

2º - Em segundo lugar, um mordomo administra a casa como se fosse o Senhor da casa. Embora sempre falemos sobre as coisas como “nossas”, a realidade é que tudo que temos e tudo que somos pertence a outro – a Deus. Como disse o apóstolo Paulo: “Que tens tu que não tenhas recebido?” (1Co 4.7). Portanto, foi de Deus que recebemos nossa vida e o tudo que há nela; e somos responsáveis por isso. Temporariamente – ou seja, até que Deus os exija de nós – somos mordomos desses dons.

A mordomia, frequentemente é associada ao dinheiro, ela deve ser descrita também como incluindo o nosso tempo, talentos e riqueza. Mas a mordomia não diz respeito apenas a sermos bons administradores de nossa agenda, nossas habilidades e nossas coisas. A disciplina da mordomia bíblica nos chama a usar todas essas coisas da maneira como o Senhor quer, a empregá-las para a sua glória. No entanto, ninguém pode ser um mordomo no sentido bíblico se, antes disso, não entende o evangelho – a história do que Deus realizou por meio da vida e da morte de Jesus Cristo.

A pergunta do Senhor aos doze “Quem é, pois, o servo fiel e prudente?” deixa a resposta por conta de cada um. Cada um deve examinar seriamente a si mesmo. Até mesmo entre os discípulos estava Judas, o traidor, de modo que Jesus não podia considerar “todos” como fiéis e sensatos administradores. O Senhor visava levar os apóstolos a que cada um deles se decidisse por uma das duas descrições. Há diferenças entre os servos que são colocados como superiores de outros. Porém a “todos” Jesus incute a seriedade da responsabilidade.[7]

3º - O mordomo fiel será recompensado (Lc 43,44). Há alegria em servir a Jesus. Há recompensa também. Há aquela confiança e esperança íntima que se derivam de estarmos certos com Deus. Há um desenvolvimento espiritual que é satisfatório, pois assim estaremos deixando para trás o homem mortal e físico, tornando-nos semelhantes ao Homem imortal, ao próprio Senhor.[8]

Rienecker observa que há uma diferença entre a recompensa no v. 44, prometida ao mordomo fiel, e a recompensa no v. 37, prometida ao servo vigilante. A promessa dada ao servo vigilante tem algo mais íntimo em si. É expressão de apego pessoal, de gratidão do Senhor pelo amor pessoal que o servo fiel lhe demonstrou. A promessa dada ao administrador no v. 44 é mais honrosa. Ela é a recompensa oficial e pública pelos serviços prestados à casa. Assim como sua esfera de atuação aqui na terra foi ampla e pública, assim também sua posição na glória abrangerá um grande e elevado raio de ação.[9]

2 – JESUS ALERTA A RESPEITO DA INFIDELIDADE (Lc 12.45-48).

Em contraste com o servo fiel, o servo infiel ignora a exortação no versículo 40: “Portanto, estai vós também apercebidos; porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais”, e diz em seu coração: “O meu senhor, tarda em vir”.

Observemos como o servo infiel age e o seu fim:

1º - Em primeiro lugar, ele não tem senso de urgência (Lc 12.45). Na falta de um senso de urgência ele continuou a fazer o que o satisfaz. E isso incluía brutalidade infligida aos outros escravos, homens e mulheres, bem como continuar a comer, beber e ficar embriagado. Em vez de administrar adequadamente os recursos colocados à sua responsabilidade, ele usou e abusou para seu próprio prazer. Ele viveu sob a ilusão de que ele tinha muito tempo para desfrutar de seu pecado antes do seu senhor voltar. Leon Morris diz que a prolongada ausência do senhor, porém, poderia levar um mordomo descuidadoso a um falso senso de independência.[10]

Muitas pessoas vivem suas vidas sob a mesma ilusão, achando que podem fazer o que quiserem e que se converterão a Deus pouco antes do fim da vida terrena (da morte ou da vinda de Jesus). Tal raciocínio é tanto insensato quanto perigoso, uma vez que ninguém sabe quando vai morrer, ou quando o Senhor voltará. Esse raciocínio é um perigo mortal, pois é uma grande apostasia (cf. Hb 6.4-8). Tal pessoa não percebe que Deus pode endurecer os corações daqueles que persistem em seu endurecimento, a um ponto onde eles não podem se arrepender e crer (Jo 12.37-40.; Rm 1.24,26,28; Hb 10.26,27).

2º - Em segundo lugar, esse servo será castigado (Lc 12.46,47). Uma vez que o cristão começa a pensar que o Senhor não está prestes a voltar, sua vida entra num processo de deterioração.[11] O juízo será severo para os fingidos, os quais, o tempo todo, eram piores que os incrédulos declarados. Serão “despedaçados”, uma metáfora que ilustra o juízo de modo não literal, embora mostre sua severidade e inexorabilidade. Que ninguém se equivoque a respeito, pois a lei da colheita segundo a semeadura é absoluta em suas operações (Gl 6.7,8).

James Edwards diz que o termo grego dichotomein (cortar em pedaços, desmembrar, “separá-lo-á”, “cortá-lo-á pelo meio), não ocorre em nenhuma outra passagem da Escritura, embora vários Salmos lembrem uma imagem semelhante (Sl 50.22).[12] Isso só revela a seriedade do que é ser negligente a obra de Deus e agir de forma hipócrita dentro da Igreja. É o que vemos em Mt 7.22,23, ou seja, com Deus não se brinca, e quem acha que pode fazer o que bem entende sem sofrer consequências está muito enganado.  

3º - Em terceiro lugar, a ignorância não será inocentada (Lc 12.48). Jesus deixou claro que existem pessoas que não sabem a vontade de Deus, no entanto, a sua ignorância não irá exonerá-lo do julgamento, já que ele cometeu atos dignos de um açoitamento. O pecado por desconhecimento, embora traga trágicas consequências, é um atenuante que implica uma pena mais branda.[13] Será que essa palavra de Jesus constitui a base para os diferentes graus de punição no inferno? Para Childers o princípio dos graus de recompensa e punição é claramente ensinado aqui e em outras passagens do Novo Testamento, mas a forma exata como Deus aplicará o princípio nem sempre é aparente. Uma coisa é clara, entretanto: O grau de fidelidade ou infidelidade determinará o grau de recompensa ou punição e esta fidelidade é julgada à luz do conhecimento da vontade de Deus e das oportunidades que o servo tem.[14]

John MacArthur é enfático em dizer que o grau de punição é proporcional à intencionalidade do comportamento infiel. Observe, contudo, que a ignorância é indesculpável (v. 48). O fato de que haverá vários níveis de punição no inferno é claramente ensinado em Mt 10.15, 11.22,24; Mc 6.11; Hb 10.29.[15]

4º - Em quarto lugar, quanto maior a luz espiritual possuída por uma pessoa, tanto maior será a sua culpa (Lc 12.48b). A quem muito foi dado, Jesus advertiu, muito será exigido. Depois de falar aos de fora, Jesus volta-se novamente aos discípulos. Ele mostrara a culpabilidade de um servo desobediente, de um discípulo. O v. 48b: “Àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido”. Muito foi dado ao que pela fé acolheu o testemunho de Jesus. Será julgado segundo sua medida de conhecimento. Desse modo a frase leva nitidamente de volta à parábola dos v. 42-46. A pergunta de Pedro, portanto, foi exaustivamente respondida.[16]

CONCLUSÃO

O julgamento de Deus será justo. Tomará como base o que o servo sabe sobre a vontade de Deus. Isso não quer dizer que, quanto mais ignorantes somos, mais leniente será o julgamento final diante de Cristo! Somos admoestados a conhecer a vontade de Deus (Rm 12.2; Cl 1.9) e a crescer no conhecimento de Jesus Cristo (2Pe 3.18). Jesus está declarando um princípio geral: quanto mais recebermos de Deus, mais teremos de prestar contas diante dele![17]

Muitas vezes fazemos perguntas, mas será que estamos preparados para a resposta? Jesus não deixou de responder a Pedro, e a Sua resposta trouxe a todos os discípulos um senso de responsabilidade ainda maior. Somos discípulos de Jesus e essa mesma responsabilidade está sobre os nossos ombros hoje também.

Pense nisso! 

Bibliografia                                                                                         

1 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 205.

2 – Robertson, A. T. Comentário de Lucas, à luz do Novo Testamento Grego, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 241.

3 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 202.

4 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 289.

5 – Lopes, Hernandes Dias. Romanos, O Evangelho segundo Paulo, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2010, p. 36.

6 – Wiersbe, Warren W. 1 Coríntios, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 668,669.

7 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 284.

8 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 132.

9 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 284.

10 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 205.

11 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 289.  

12 – Edwards, James A. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 488.

13 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 409.

14 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 433.

15 – MacArthur, John. Comentário Bíblico John MacArthur, Gênesis a Apocalipse, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, 2019, p. 1266.

16 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 286.

17 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 290.

Nenhum comentário:

Postar um comentário