Texto base: Lucas 10.25-28
INTRODUÇÃO
De todas as perguntas
que poderiam ser feitas, nenhuma é mais importante do esta que foi feita por
este doutor da lei: “Que farei para
herdar a vida eterna?”. Essa pergunta revela uma inquietação que está
enraizada no coração do ser humano, a realidade de que cada alma humana é
imortal. Mas a questão não é se as pessoas vão viver para sempre, mas onde elas
vão viver para sempre, se no céu ou no inferno.
O que nos chama a
atenção nessa passagem é que esta pergunta não foi feita por uma pessoa comum
da comunidade, mas foi feita por um doutor da lei, por um membro renomado da
sociedade judaica. Ele era um membro de uma instituição religiosa com pessoas
altamente educadas, proeminentes, poderosas e influentes; embora fossem
duramente hostis a Jesus e aos seus ensinamentos.
Este escriba, não
identificado, teve um raro privilégio de perguntar a respeito da vida eterna
para Aquele que é Ele mesmo a vida eterna (1Jo 5.20), no entanto, este homem é
um trágico exemplo da oportunidade perdida, o escriba, apesar de fazer a
pergunta certa a pessoa certa e receber a resposta certa, ele virou-se para
enfrentar a morte eterna.
Por que este escriba
perdeu a oportunidade de receber a vida eterna? Para respondermos a esta
pergunta devemos analisar estes primeiros versículos.
1
– A PRIMEIRA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE NÃO BASTA FEZER A PERGUNTA CERTA COM A
MOTIVAÇÃO ERRADA (Lc 10.25).
Muitas vezes Jesus foi
questionado a respeito da salvação, como lemos a respeito do jovem rico em Mt
19.16ss; Mc 10.17ss; Lc 18.18-23. Por isso o diálogo com este escriba toma um
curso completamente diferente, apesar do conteúdo idêntico da pergunta.
Podemos destacar três
atitudes desse escriba diante de Jesus:
1º - Este escriba se
aproxima de Jesus com má intenção (Lc 10.25a).
Aparentemente este homem se aproxima de Jesus de forma cordial. Observe que o
texto diz que “ele levantou-se”. No
Oriente Médio o aluno sempre se levanta para dirigir-se ao professor, por
cortesia. Aqui o doutor da lei não apenas se levanta, para dirigir-se a Jesus,
mas também o chama de “Mestre”, que é
a palavra que Lucas usa para “rabi”
[1]. As Escrituras fazem questão de destacar a falta de sinceridade deste
homem. Não era a pergunta sincera de uma pessoa que estivesse disposta a
aprender; era uma prova – um desafio ou uma pegadinha –, ou uma tentativa de
confundi-lo [Jesus] com um dilema moral ou um paradoxo para o qual não existia
uma resposta clara, como acreditava o especialista [2].
Como disse A. T.
Robertson: “O espírito deste doutor da lei era mau. Ele queria armar uma cilada
para Jesus, se fosse possível” [3]. A sua aproximação parecia ser de uma pessoa
bem intencionada, mas o seu coração não era de uma pessoa assim. Ele tinha um
coração maligno. Assim como Satanás se aproximou de Jesus para tenta-lo no
deserto, da mesma forma este homem se aproximou de Jesus. O texto é claro em
dizer que ele se aproximou de Jesus para “tenta-lo”.
O mesmo acontece hoje.
Muitas pessoas se aproximam da igreja ou de pessoas cristãs para “tentar” com
perguntas capciosas, com más intenções, com o desejo de nos pegar em alguma
falha, seja em palavra ou no nosso comportamento.
É igual a história de
um menino que queria pregar uma peça em um sábio. Ele colocou um pássaro
escondido entre as mãos e colocou as mãos para atrás, e perguntou ao sábio: “o
pássaro que está nas minhas mãos está vivo ou morto?”. Se o sábio dissesse que
estava vivo o menino o mataria, se dissesse que estava morto ele o soltaria.
Diante desse dilema o sábio então respondeu: “o pássaro que está em suas mãos o
destino dele está em suas mãos”.
Existem muitas pessoas
assim que passam pelas nossas vidas, por isso devemos pedir a Deus sabedoria
para aprendermos a lidar com essas pessoas e com as situações que elas tentam
nos colocar. Façamos o que nos diz Tiago 1.5: “E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos
dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada”.
2º - Este escriba fez a
pergunta certa, embora tendo uma motivação errada (Lc 10.25b).
A má intenção desse homem nos é descrita no texto. Ele queria “tentar” Jesus. Sua pergunta não era
honesta. O homem não queria aprender, mas embaraçar. Queria colocar Jesus numa
enrascada para depois se sentir superior [4]. Como já falamos, mas a despeito
da motivação vil do especialista, a primeira pergunta que ele fez é uma
pergunta boa. Na verdade, é a melhor pergunta já feita ou respondida, e era uma
pergunta que mantinha ocupada a mente daqueles que se aproximavam de Jesus para
aprender dele [5].
J. C. Ryle diz que
infelizmente, esta é uma pergunta com a qual poucos se importam. Milhares estão
constantemente perguntando a si mesmos: “O que comeremos? Com que nos
vestiremos? Como podemos satisfazer a nós mesmos? Como podemos prosperar neste
mundo?”. Poucos, muito poucos, tomarão algum tempo para meditar a respeito da
salvação de suas almas. Os homens odeiam este assunto, visto que os deixam
intranquilos. Fogem do assunto e o descartam. Fiéis e verdadeiras são as
palavras do Senhor: “Entrai pela porta
estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e
muitos são os que entram por ela” (Mt 7.13) [6].
3º - Este escriba tinha
uma teologia distorcida (Lc 10.25c). Pode parecer estranho
que um membro de uma instituição religiosa fizesse essa pergunta. Afinal, o
povo judeu estava convencido de que, como filhos de Abraão (Mt 3.9; Jo 8.39), a
quem pertence “a adoção de filhos, e a
glória, e as alianças, e a lei, e o culto, e as promessas; dos quais são os
pais” (Rm. 9.4-5a), seria garantida a entrada no reino eterno de Deus. Mas
sua herança judaica não iria salvar aqueles cuja religião era rasa, superficial,
hipócrita e externa (Lc 3.8; Rm 2.28,29). Este escriba, no entanto, não estava
preocupado com sua salvação, pois, para ele, ser judeu era o suficiente para
herdar a vida eterna. Na mente desse doutor, a vida eterna era uma conquista
das obras, e não uma oferta da graça. Para ele, a salvação era uma questão de
merecimento humano, e não uma dádiva divina [7].
Hoje muitas pessoas
pensam que herdarão a vida eterna pelos seus méritos, por estarem ou fazerem
parte de uma instituição religiosa. Outros acham que basta ser uma boa pessoa
que já é o suficiente para herdá-la. Como se a salvação partisse de nossas
atitudes e não da graça de Deus.
A questão sobre herdar
a vida eterna começou a aparecer, principalmente durante o ministério de Jesus
e posteriormente com os apóstolos, por causa das dúvidas e medos causados por
uma consciência incômoda e um coração descontente ((Mt 25.46; Mc 10. 29,30, Jo
4.36, 5.24,39; 6.27,40,47,54,68; 10.28; 12.25,50; 17.2,3; cf. At 13.48; Rm 2.7;
5.21; 1Tm 1.16; Tt 1.2; 1Jo 1.2; 2.25; 3.15; 5.11,13,20; Jd 21). Assim como Nicodemos
que procurou Jesus à noite (Jo 3), muitos sabiam que eles não eram justos
diante de Deus; que o seu verniz de atividades religiosas serviram apenas como
cal, cobrindo um túmulo “que por fora
realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e
de toda a imundícia” (Mt 23.27).
Esse incômodo em relação
a vida eterna só ocorre em corações sinceros diante de Deus. Veja por exemplo a
mulher samaritana em João 4. Esta mulher apesar de ter uma má reputação tinha
sede de saber onde era o verdadeiro lugar para se adorar a Deus. Ela tinha sede
de Deus, e devido a isso, o Senhor, por misericórdia, se revelou a ela como o
Messias prometido. O Senhor não quer de nós perfeição, mas Ele quer de cada um
honestidade. A mulher samaritana foi honesta na resposta a respeito de sua vida
conjugal, o doutor da lei foi desonesto na sua pergunta.
2
– A SEGUNDA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE JESUS REVERTE A ARMADILHA (Lc 10.26-28).
Já que este escriba era
um intérprete da lei ele deveria saber interpretá-la de forma correta. Por isso
a pergunta de Jesus: “Que está escrito na
lei? Como lês?” (Lc 10.26). A pergunta de Jesus era uma forma de desarmar o
escriba da sua arrogância, ou seja, o escriba cai na sua própria armadilha. E
isso ocorreu de duas maneiras:
1º - O escriba dá uma
resposta comprometedora (Lc 10.27). Jesus estava se referindo
ao Keri’at Shema, a leitura diária em voz alta de Deuteronômio 6,4,5: “Ouça, ó Israel: O SENHOR, o nosso Deus, é o
único Senhor. Ame o SENHOR, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua
alma e de todas as suas forças”. Ao responder, o perito na lei citou a
primeira metade da mesma passagem, acrescentando a segunda metade de Levítico
19.18: “Ame o Senhor, o seu Deus de todo
o seu coração, de toda a sua alma, de todas as suas forças e de todo o seu
entendimento” e “Ame o seu próximo
como a si mesmo” (Lc 10.27). Era um resumo perfeito das exigências morais
da lei [8].
Quando lemos Mt
22.37-40 observamos que esta foi exatamente a mesma resposta que Jesus havia
dado em outra ocasião quando outro perito na lei lhe perguntou: “Mestre, qual é
o maior mandamento da Lei?” (Mt 22.36). E Jesus respondeu: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua
alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o
segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes
dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas”.
O
escriba sabia interpretar a lei, mas não a sua aplicabilidade
– A combinação das duas passagens da lei como síntese de toda a lei era nova em
sua característica, ou pelo menos não era familiar. Não há nenhum relato acerca
de como o mestre da lei encontrou essa resposta. De qualquer maneira, sua
resposta evidencia que ele havia compreendido o cerne da lei. Na passagem do AT
(Dt 6.5) fala-se de três órgãos fundamentais do ser humano: o coração, a alma e
a força. Lucas acrescenta, conforme a Septuaginta, ainda “com todo o seu
entendimento”. O coração, foco central da vida humana, precisa ser
integralmente rendido a Deus. A alma, o eu, deve colocar-se de tal maneira a
serviço de Deus que todos os impulsos sejam regidos pelo Espírito de Deus. A
força ou a vontade deve estar às ordens de Deus. Por fim, Deus precisa poder
dispor inteiramente do entendimento ou do pensamento, da capacidade
intelectual. Assim essa composição de quatro elementos expressa a entrega total
a Deus. O segundo dos maiores mandamentos na lei, a saber, o amor ao
semelhante, somente pode ser cumprido em conexão com o amor a Deus. Somente a
pessoa dominada pelo amor a Deus está em condições de, livre do egoísmo,
valorizar o eu do próximo tanto quanto seu próprio eu [9].
Existem muitas pessoas
que citam a Bíblia como poucos, mas vivem longe de praticar o que conhecem.
Assim como esse escriba que era versado na lei, mas que tinha dificuldade de
praticá-la conforme ele mesmo citava. Aliás, é bom destacar que viver da forma
correta como está sendo explanado aqui só é possível mediante a graça
regeneradora de Deus em nossas vidas.
2º - Jesus lança o
escriba em sua própria armadilha (Lc 10.28).
Quando disse para o escriba que ele havia respondido bem, que ele deveria fazer
isso e alcançaria a vida eterna, Jesus não está ensinando que a salvação é
mediante as obras da lei. Jesus está dizendo que se alguém praticar o que o
escriba havia falado, tal pessoa certamente era perfeita. Só Jesus cumpriu os
ditames da lei de forma plena, mas ninguém. Nós não conseguimos porque somos
pecadores. Por isso que a salvação é mediante a graça e não por obras, como
lemos em Efésios 2.8,9: “Porque pela
graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não
vem das obras, para que ninguém se glorie”.
Mas as Escrituras nos
deixam claro que é impossível alguém ser salvo por guardar a lei, como está
escrito: “Por isso nenhuma carne será
justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento
do pecado” (Rm 3:20), e “porque está
escrito: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão
escritas no livro da lei, para fazê-las” (Gl 3.10 cf. Dt 27.26). Como
resultado: “Porque todos pecaram e
destituídos estão da glória de Deus” (Rm 3.23), De modo que “Não há um justo, nem um sequer” (Rm
3.10 Cf. 5.12; Gl 3.22).
Champlin diz que a
contribuição do “legalismo” consistiu em dizer-nos claramente que “DEVEMOS
fazer algo”. Pois a fé religiosa precisa transformar-se e manifestar-se na vida
prática. O vício do legalismo consiste em incluir o “mérito humano” no quadro, diminuindo
a operação do Espírito. A virtude da graça consiste em mostrar que o homem nada
é e nem pode ser nada sem a operação do Espírito. A corrupção da graça, pela –
crença fácil – mediante o que os homens se olvidam que precisam do poder
transformador do Espírito, oculta o fato de que assim não haverá verdadeira aplicação
da graça à vida do indivíduo [10].
Por isso que Jesus diz
para este escriba que ele havia respondido bem; faça isso e você alcançará a
vida eterna. Mas a grande questão é exatamente esta, quem poderá fazer isso? Somos
salvos mediante a graça e não por obras meritórias. Muito menos por guardar a
lei.
Essa armadilha que o
escriba tentou armar para Jesus foi a armadilha que ele mesmo caiu. Isso lembra
da forca que Hamã fez para enforcar Mardoqueu foi a forca que o próprio Hamã
foi morto (Et 7.8,9).
CONCLUSÃO
Esses quatro primeiros
versículos desse diálogo era só o começo da parábola do Bom Samaritano. Este
homem ainda estava longe de entender o que Jesus havia lhe falado. Se ele fosse
uma pessoa humilde e tivesse feito a pergunta sincera sobre como herdar a vida
eterna, a resposta de Jesus teria sido suficiente para ele. E, provavelmente, o
escriba saberia que é impossível ao homem herdar a vida eterna pela prática da
lei.
Esse escriba é o
retrato de muitas pessoas hoje em nossa sociedade. Quantas pessoas pensam que
herdarão a salvação por seus próprios méritos, por serem pessoas de boa
reputação ou por fazer parte de uma instituição religiosa. Mas a Bíblia é clara
em afirmar que o único caminho que leva o homem a Deus é mediante o sacrifício
de Jesus na cruz. Não há outra forma de chegarmos ao céu por atalhos criados
pelos homens. Se quisermos herdar a vida eterna só mediante a adoção de Deus
pai mediante o Seu Filho Jesus (Ef 1.5).
Pense nisso!
Bibliografia:
1 – Bailey, Kenneth E.
As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 77.
2 – MacArthur, John. As
Parábolas de Jesus, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeira, RJ, 2018, p. 108.
3 – Robertson, A. T.
Comentário de Lucas, à luz do Novo Testamento grego, Ed. CPAD, Rio de Janeiro,
RJ, 2013, p. 204.
4 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p.
338.
5 – MacArthur, John. As
Parábolas de Jesus, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeira, RJ, 2018, p. 108.
6 – Ryle, J. C. Meditação no Evangelho de Lucas, Ed.
Fiel, São José dos Campos, SP, 2002, p.177.
7 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem
perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 339.
8 – MacArthur, John. As Parábolas de Jesus, Ed.
Thomas Nelson, Rio de Janeira, RJ, 2018, p. 109.
9 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas,
Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005, p. 157.
10 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 108.
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