Por Pr. Silas Figueira
Texto base: Mateus 20.1-16
INTRODUÇÃO
Somente Mateus narrou
essa parábola dos trabalhadores da vinha, e esta parábola é uma continuidade do
assunto anterior. Na verdade, ela é uma resposta ao que Pedro havia falado. Após
a conclusão do que o Senhor Jesus havia falado sobre ser impossível uma pessoa
que confia em suas boas obras ou riquezas herdar o Reino de Deus, Pedro
então disse: “Eis que nós tudo deixamos e
te seguimos; que será, pois, de nós?” (Mt 19.27).
Pedro estava falando como
porta-voz dos doze. Eles observaram que o jovem rico havia rejeitado o
discipulado do reino por ter preferido preservar as suas riquezas materiais. No
entanto, os discípulos haviam deixado tudo a fim de cumprir o chamado de
Cristo. Então, respondendo a esta pergunta o Senhor lhe diz que em virtude de
tal atitude, eles seriam recompensados tanto nesta vida quanto na vida futura.
Em outras palavras, os discípulos não estavam fazendo um sacrifício, mas sim um
investimento [1].
Mas esta parábola tem
como finalidade dar algumas lições importantes aos seus discípulos. Pois, até
eles, corriam o risco de caírem no mesmo “buraco” que caíram os religiosos da
época. A grande dificuldade dos religiosos da época de Jesus era pensar que por
Israel servir ao Senhor durante tanto tempo, era merecedora de maiores privilégios.
Por isso que os fariseus e outros religiosos entraram em atrito com Jesus, pois
Ele, Jesus, dava tanta atenção a pecadores e até mesmo aos gentios mais que a
eles. E para esses religiosos isso era inaceitável.
Quais as lições que
podemos tirar desta parábola?
A
PRIMEIRA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE ESTA PARÁBOLA NÃO TEM RELAÇÃO ALGUMA COM A
SALVAÇÃO.
Quando Jesus inicia esta
parábola ele está respondendo a Pedro e aos demais apóstolos a respeito de
servir a Deus e não sobre como se deve fazer para ser salvo.
1º - Porque a salvação
não se compra. Observe que os trabalhadores que
trabalharam o dia todo e os que trabalharam menos horas receberam a mesma
quantia. A salvação é assim. É mediante a graça. No Reino de Deus toda
recompensa depende de Sua graça e não a conquistamos por méritos humanos.
Ninguém será mais salvo
se trabalhar mais, ou será menos salvo se trabalhar menos. Isso não existe no
Reino de Deus. Nem mesmo perderá sua salvação como pensam alguns. Tal coisa não
existe.
2º - Porque o legalismo é
uma falsa virtude para se alcançar a salvação.
Assim como os religiosos da época de Jesus eram extremamente legalistas, assim
os discípulos poderiam se tornar também.
Definir legalismo de uma
forma bíblica seria dizer “alguém que
toma a Lei e a usa de uma forma que mereça a salvação”. Legalismo é uma
tentativa de salvação. Este foi o problema com os judaizantes. Eles pensavam
que guardar a Lei mais crer na obra de Cristo fazia uma pessoa salva. Em
Gálatas 5.4, Paulo diz: “De Cristo vos
desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes”.
Existiam alguns que pensavam que ser circuncidado ajudava na salvação. Mas
Paulo diz que no momento que você adiciona alguma coisa à obra de Cristo, então
você caiu da graça. A obra de Cristo somente justifica o ímpio (Gl 2.16;
3.11-13, 24; 6.13-14).
Isso não quer dizer que o
cristão não deva dar bom testemunho, pelo contrário, o cristão dá bom
testemunho porque é salvo e não para ser salvo. É o que Paulo nos fala em 1
Coríntios 6.12,13; 10.23:
“Todas
as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas,
mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas. Os alimentos são para o
estômago, e o estômago, para os alimentos; mas Deus destruirá tanto estes como
aquele. Porém o corpo não é para a impureza, mas, para o Senhor, e o Senhor,
para o corpo. Todas as coisas são
lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam”.
3º - Porque Cristo requer
de nós é a obediência. Nós não nos tornamos antinomianos.
E aqueles que dizem que devemos nos livrar da Lei não são nada além de
antinomianos heréticos. Um antinomiano é alguém que é “anti”, “contra” ou
“contrário”, ao “nomos” ou “lei”. Ele diz que uma pessoa pode ser salva e nunca
ter de preocupar-se em viver uma vida de obediência porque estamos debaixo da
graça de Cristo. Mas Paulo rapidamente dispensa esta ideia em Romanos 5.20,21;
6.1,2, quando ele diz:
“Sobreveio
a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a
graça, a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a
graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor. Que
diremos, pois? Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante?
De modo nenhum! Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?”
A graça não nos isenta da
obediência. Aliás, a graça nos leva a ter uma vida de obediência.
A
SEGUNDA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE ESTA PARÁBOLA NOS ENSINA A RESPEITO DA
GENEROSIDADE DE DEUS (Mt
20.8-15).
Observe bem o texto. O dono
da vinha havia saído de madrugada para contratar trabalhadores para sua vinha.
Veja que no verso 2 ele disse que pagaria um denário pelos serviços prestados.
Subentende-se que foi feito um contrato de trabalho e o dono da vinha o cumpriu
cabalmente.
Tanto foi que no final do
dia ele foi para fazer o pagamento. O pagamento tinha de ser feito, de acordo
com a lei judaica, ao pôr-do-sol, isto é, às 18 horas, no fim do dia (Lv 19.13).
Todos pareciam
satisfeitos até a hora do pagamento, quando aqueles que trabalharam o dia todo
viram que os que trabalharam somente por uma hora receberam o mesmo que eles. É
interessante que eles não reclamaram dos outros que receberam a mesma coisa.
1º - Esse texto nos
ensina que a graça de Deus tem uma estridente nota de injustiça.
Digo isso porque é assim que me sinto também ao ler esse texto. A graça, muitas vezes, não tem graça. Observe
que os trabalhadores das primeiras horas trabalharam 1.200% a mais que os
trabalhadores que trabalharam somente uma hora.
De maneira significativa,
muitos cristãos que estudam esta parábola se identificam com os empregados que
trabalharam o dia todo, em vez dos que trabalharam somente uma hora. Mas sabe o
que isso nos ensina: que Deus nos concede dons, e não salários. Nenhum de nós
recebe pagamento de acordo com o mérito, pois não somos capazes de satisfazer
as exigências de Deus para uma vida perfeita. Se fôssemos pagos com base na
justiça, todos iríamos para o inferno.
Só um detalhe: Jesus não
estava ensinando uma norma a ser aplicada, mas estava fazendo uma aplicação
espiritual.
2º - Esse texto nos
ensina que a graça é igual para todos. Por isso é
graça. Entenda que o Senhor nos ama pelo que Ele é, e não pelo que somos; e,
infelizmente, nós somos muito egoístas. Por que nos identificamos tanto com os
primeiros trabalhadores murmuradores? Porque nós não aceitamos a graça sobre a
vida dos outros muitas vezes. Queremos para nós, mas não para os outros.
Principalmente para quem nós não gostamos.
3º - Esse texto nos
ensina que a graça vem para todos de forma igual porque o Senhor pagou um alto preço
por nós (Rm 5.6-8).
“Porque Cristo, quando nós ainda éramos fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios. Dificilmente, alguém morreria por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém se anime a morrer. Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores”.
Por isso que não há nada
que possamos fazer para Deus nos amar mais e que não há nada que possamos fazer
para que Deus nos ame menos. Preste atenção no que a Bíblia nos fala: “Mas Deus prova o seu próprio amor para
conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores”.
Por isso a graça é gratuita.
Não há nada que possamos fazer para tê-la em maior proporção e nem tem como
diminuí-la em nossas vidas.
No filme “O Último Imperador”, a criança ungida
como o último imperador da China vive uma vida mágica de luxo com mil eunucos à
sua disposição para servi-lo. “O que acontece quando você faz alguma coisa
errada?”, pergunta o irmão. “Quando eu faço alguma coisa errada, outra pessoa é
castigada”, o imperador-menino responde. Para demonstrar o que estava falando,
ele quebra um jarro e um dos servos é espancado. Na teologia cristã, Jesus
inverteu esse padrão antigo: quando os servos erram, o Rei que é punido. A
graça é gratuita apenas porque o próprio doador assumiu o preço.
A lição para os
discípulos fica clara. Não devemos servi-lo por esperar recompensas nem em
insistir em saber o que receberemos. Deus é infinitamente generoso e bondoso e
sempre nos dará mais do que merecemos. É isso que Paulo nos diz em Efésios
3.20,21:
“Ora,
àquele que é poderoso para fazer infinitamente mais do que tudo quanto pedimos
ou pensamos, conforme o seu poder que opera em nós, a ele seja a glória, na
igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre. Amém!”
A
TERCEIRA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE CORREMOS PERIGO DE SERMOS COMO OS PRIMEIROS
LAVRADORES (Mt 19.27;
20.10-15).
Foi devido à pergunta de
Pedro é que esta parábola foi contada. A intenção de Jesus foi reforçar o seu
ensino a respeito da graça salvadora de Deus. Esta graça é igual para todos. No
entanto, assim como Pedro, nós corremos alguns perigos.
1º - O primeiro perigo
que corremos é supormos que merecemos receber mais quando, na verdade, não
merecemos (Mt 20.10). A parábola passa em branco a
respeito dos trabalhadores das outras horas e só foca nos primeiros e nos
últimos. Na cabeça dos primeiros trabalhadores eles iriam receber ao menos o
dobro dos demais, mas não foi isso que ocorreu.
É possível alguém fazer a
obra de Deus, no entanto, com a motivação errada como nos fala Paulo em Efésios
6.5,6:
“Quanto
a vós outros, servos, obedecei a vosso senhor segundo a carne com temor e
tremor, na sinceridade do vosso coração, como a Cristo, não servindo à vista,
como para agradar a homens, mas como servos de Cristo, fazendo, de coração, a
vontade de Deus”.
Veja também o que Paulo
nos fala em 1 Coríntios 15.9-11:
“Porque
eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo,
pois persegui a igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou o que sou; e a sua
graça, que me foi concedida, não se tornou vã; antes, trabalhei muito mais do
que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus comigo. Portanto, seja eu
ou sejam eles, assim pregamos e assim crestes”.
Vemos essa verdade em 2
Coríntios 11.22-33, e no capítulo 12 ele começa a contar da sua ida ao terceiro
céu.
Servir ao Senhor em
função de recebermos benefícios é perder as melhores bênçãos que Ele tem para
nós. E esta bênção é a Sua presença conosco todos os dias.
2º - O segundo perigo que
corremos é nos tornarmos orgulhosos. Pedro disse para Jesus
que eles haviam deixado tudo por Ele e seu Reino, que será de nós?, pergunta ele. Pedro está fazendo um paralelo
entre a atitude do jovem rico e a dos discípulos.
Aqui é que mora o perigo.
É deixarmos tudo por Cristo e nos sentirmos orgulhosos devido a nossa decisão,
quando na verdade foi o Senhor quem nos chamou (Jo 15.16).
O problema é pensar que
por sermos seus discípulos somos melhores que as outras pessoas, quando na
verdade deveríamos ser como Jesus, mansos
e humildes de coração (Mt 11.29).
3º - O terceiro perigo é de observarmos os
outros trabalhadores e comparar resultados (Mt 20.11,12). Muitas pessoas
correm esse perigo de se verem melhores que os outros por “fazerem” mais em
prol do Reino. Devemos tomar muito cuidado, pois afinal de contas o que o
Senhor vê não são os resultados ou até mesmo o nosso desempenho, mas qual é a
nossa motivação. Há uma diferença entre
fazer para aparecer e aparecer para fazer.
4º - O quarto perigo é
acharmos que o Senhor foi injusto conosco (Mt
20.13-15). Observe que o senhor da vinha havia dado aos trabalhadores o
que havia combinado com eles. Em momento algum eles foram prejudicados. O problema
é que eles ficaram achando que receberiam mais por terem trabalhado mais. É o
que falamos anteriormente, há pessoas que veem a graça de Deus como injusta,
pois acham que Deus não deveria dar as outras pessoas a mesma graça por eles
recebida.
Entenda uma coisa: nenhum
de nós merecíamos coisa alguma. Tudo que vem de Deus para nós é lucro, até a
morte, como disse Paulo (Fl 1.21).
Cuidado para que a inveja
não o domine e você se torne uma pessoa amarga e mau agradecida. Observe que o
versículo 11 diz: “Mas, tendo-o recebido,
murmuravam contra o dono da casa”.
Eles murmuravam por terem
trabalhado mais que os outros e terem recebido a mesma coisa. Quem não entende
a graça sempre irá ver o Senhor como um injusto. É só olharmos para a parábola
do filho pródigo e vermos a reação do irmão mais velho. Ali está o retrato
exato do que estamos falando aqui.
A graça revela o caráter!
CONCLUSÃO
Os benefícios do reino de
Deus, Jesus deixa isso aqui de forma clara, são os mesmos para todos quantos se
sujeitarem ao governo do seu rei, sempre que se colocarem sob seu domínio. Nesta
questão os judeus não têm precedência sobre os gentios; e o homem que se
converte cedo em sua vida não está por isso credenciado a obter de Deus melhor
tratamento do que o homem que é muito mais velho quando passa pela experiência
do novo nascimento, pois todos receberam igualmente o melhor tratamento [2].
Fonte:
1 – Wiersbe, Warren W.
Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, v.5. Ed. Geográfica, Santo
André, SP, 2012: p. 95.
2 – Tasker, R. V. G.
Mateus, introdução e comentário. Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São
Paulo, SP, 1985: p. 151.
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