terça-feira, 10 de setembro de 2013

Carta a Igreja de Esmirna


Por Pr. Silas Figueira


“Ao anjo da igreja em Esmirna escreve: Estas cousas diz o primeiro e o último, que esteve morto e tornou a viver:” Ap 2.8

“Ao anjo da igreja...”

É possível que Policarpo tenha sido bispo da igreja de Esmirna nessa época [1]. Policarpo, cujo nome significa “muito fruto ou frutífero”, foi discípulo pessoal do apóstolo João, homem muito consagrado, foi o principal pastor dessa igreja. Policarpo nasceu em 69 d.C., e morreu em 159 d.C., ou seja, cerca de cinquenta anos após esta carta. Para nós ele representa a igreja dos mártires, a constância cristã sob as mais severas perseguições. Policarpo foi martirizado em meio a uma coragem invencível, e foi recompensado com a coroa da vida. A narrativa do seu martírio é narrada por Eusébio, em sua História Eclesiástica [2]. 

Foi no dia 2 de fevereiro, no ano 159 d.C., que o venerável bispo, que tinha fugido da cidade ante os apelos de sua congregação, acabou sendo localizado em seu esconderijo. Não fez qualquer tentativa para escapar. Antes ofereceu comida e bebida aos seus captores e pediu permissão para ficar a sós em oração, permanecendo assim por duas horas. A seguir, durante a viagem até a cidade, o oficial encarregado instou-o a retratar-se. “Que mal pode fazer o sacrifício ao imperador?” perguntou ele. Policarpo recusou-se. Ao chegar, foi asperamente empurrado para fora da carruagem e levado perante o procônsul no anfiteatro, o qual se dirigiu a ele: “Considere sua idade!... Jure pela grandeza de César...” E novamente: “Jure e eu o libertarei; amaldiçoe Cristo!” A que Policarpo retorquiu: “Por 86 anos eu tenho servido e Ele nunca me faltou; como, pois, posso blasfemar contra o meu rei que me salvou?” O procônsul reiterou: “Jure pela majestade de César...Tenho feras bravias; se não mudar sua mente, eu o lançarei a elas...” “Chame-as”, retrucou Policarpo. “Uma vez que faz pouco caso das feras, eu o destruirei pelo fogo, a menos que mude sua atitude”. Mas policarpo disse: “Ameaças-me com o fogo que pode durar por uma hora e, então se extingue, mas ignoras o fogo do julgamento vindouro e a punição eterna reservada aos ímpios. Por que demoras? Faça sua vontade”. Judeus, principalmente, e gentios raivosos então recolheram lenha para a fogueira. Policarpo se pôs junto à estaca, pedindo para não ser amarrado a ela, e orou: “Senhor, Deus Todo-Poderoso, Pai de teu amado Filho Jesus Cristo, por meio de quem viemos a conhecer-te... Graças por considerar-me digno neste dia e hora de compartilhar a taça de Cristo entre os muitos de teus mártires”. O fogo foi aceso, mas como o vento soprava as chamas para outro lado e prolongava a sua agonia, um soldado pôs fim ao seu sofrimento com uma espada [3]. Assim morreu Policarpo, um dos pais da igreja, sobre o monte Pagus em Esmirna. Os judeus, além de participarem ativamente do martírio de Policarpo na fogueira, também impediram que os cristãos se apoderassem dos seus restos mortais [4]. 

Em Esmirna não era fácil ser cristão. Muitos eram perseguidos e mortos por sua fé. Os crentes em Esmirna estavam sendo atacados e mortos. Eles eram forçados a adorar o imperador como se fosse Deus. De uma única vez lançaram do alto do monte Pagos 1200 crentes. Em outra ocasião lançaram 800 crentes. Os crentes estavam morrendo por causa de sua fé. Policarpo foi mais um dos muitos mártires da igreja de Esmirna. A perseguição em Esmirna foi especialmente intensa devido ao fato de que a comunidade judaica era o maior dos inimigos [5]. Os judeus eram o povo de Deus do ponto de vista racial, mas não real (Rm 2.28), e de fato blasfemavam contra Deus quando perseguiam a igreja sob alegação de estarem prestando culto a Deus (Jo 16.2). Foram talvez as pressões econômicas, exercidas por esses judeus (note-se o jogo de palavras, pois Satanáas significa “difamador”) que levaram a igreja à pobreza. Talvez fossem acusações difamatórias dos judeus que conduziram os cristãos à prisão e à morte [6].

“...igreja...”

A igreja de Esmirna representa os cristãos perseguidos em todos os tempos e cenários culturais. Ninguém sabe ao certo quando e por quem esta igreja foi fundada. Supõe-se que ela é fruto da atividade missionária de Paulo na Ásia, com centro em Éfeso. Em At 19.10 diz assim: “Durou isto por espaço de dois anos, dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos”. Isso mostra que, em resultado do ministério paulino na Ásia Menor, muitas cidades foram evangelizadas naquela área, sem que disso haja qualquer menção específica no livro de Atos. Esta era uma igreja próspera e saudável espiritualmente, pois esta carta não contém nenhuma palavra de crítica ou condenação. 

A primeira marca da igreja verdadeira e operosa é o amor, a segunda é o sofrimento. Uma é naturalmente consequência da outra. A disposição de sofrer prova a autenticidade do amor. Estamos dispostos a sofrer por aqueles que amamos. Evidentemente, os crentes de Esmirna não tinham perdido seu amor inicial por Cristo, como os cristãos de Éfeso, porque estavam preparados para sofrer por Ele [7]. 

“...Esmirna...”

O nome Esmirna significa “mirra”, substância extraída de uma planta, por esmagamento. Era usada essa substância na fabricação de perfumes, geralmente muito usado para embalsamar [8]. A árvore que a produz cresce na Arábia; é um arbusto, de casca e madeira aromática; tem galhos curtos e espinhosos, e folhas trifoliadas; produz uma fruta semelhante a ameixa [9].

Esmirna era a mais bela cidade da Ásia Menor. Era a coroa do continente. Próspero centro portuário, possuía um pitoresco cenário natural. Fazia fronteira com o Mar Egeu, sendo ladeada por uma montanha circular chamada Pagos. A bela montanha era contornada pela Rua de Ouro. Nela, havia templos pagãos e edifícios públicos que lhe dava a aparência de uma coroa. As ruas bem pavimentadas e delineadas por arvoredos acentuavam-lhe a beleza. Seus prédios eram conhecidos como coroa de Esmirna; assemelhavam-se a um colar de diamantes [10]. Esmirna havia sido fundada como colônia grega no ano 1.000 a.C. Alexandre, o Grande, determinara fazer de Esmirna a cidade modelo da Grécia. No ano 600 a.C., os lídios a invadiram e a destruíram por completo. No ano 200 a.C., Lisímaco a reconstruiu e fez dela a mais bela cidade da Ásia [11]. A cidade que havia no tempo de João era, por assim dizer, uma cidade que havia ressuscitado. 

Sua vida cultural florescia. Artes, educação, filosofia e ciência. Tudo florescia. Ela ostentava magnífica biblioteca e um monumento ao seu mais ilustre filho – Homero, poeta grego. Aqui, achava-se também o maior teatro da Ásia. Seu orgulho e beleza estavam gravados em suas moedas [12].

Localizada a uns cinquenta e cinco quilômetros de Éfeso, possuía um porto natural onde frotas inteiras abrigavam-se de ataques e tormentas. Ela ocupava o segundo 

lugar nas exportações, sendo superada somente por Éfeso. Era o grande e florescente centro do comércio internacional. 

Esmirna tinha fortes laços com Roma. Esmirna havia ajudado Roma muito antes desta ter se tornado uma potência mundial, e tão cedo, no ano 195 a.C. já havia erigido um templo a deusa Roma. No ano 26 a.C. quando seis cidades competiam pelo privilégio de construir um templo ao imperador Tibério, somente Esmirna obteve esse privilégio [13]. Sua fidelidade a César era indiscutível. Consequentemente era um próspero centro do culto ao imperador. Naqueles dias, César era como um deus para o povo. A sua imagem, esculpida em mármore, eram queimados incensos. Todos eram convocados, anualmente, a jurar fidelidade ao imperador. O que se recusasse a fazê-lo era preso e executado ao fio da espada. Esmirna era o berço do paganismo [14]. Isso aumentou sua pretensão de ser a primeira cidade da Ásia. Cibele, Apolo, Asclépio, Afrodite e Zeus. Todos os deuses eram abertamente adorados em Esmirna. Esta cidade era o local da fábula de Dionísio, um deus que fora assassinado, mas que ressuscitara [15]. 

Ali os judeus construíram uma colônia excepcionalmente grande e próspera. Só que eles estavam agressivos e hostis contra os cristãos, com influência considerável junto às autoridades civis. O antagonismo aos cristãos por sua recusa em tomar parte da adoração ao imperador foi também instigado e inflamado pela população judaica. Eles mesmos eram isentos de todas as obrigações sacrificiais, e parecem ter explorado esse privilégio para perseguir os odiados nazarenos (cristãos). Suspeitos por sua própria recusa ao sacrifício, eles talvez procurassem lisonjear as autoridades e o povo constrangendo os cristãos a prestar sacrifícios e acusando-os se recusassem [16]. 

Esmirna tinha um dos maiores anfiteatros de toda a Ásia, ruínas do qual existem até hoje, onde todos os anos se celebravam jogos olímpicos, os jogadores disputavam uma coroa de louros [17]. Para as crentes dessa cidade Jesus prometeu a coroa da vida. 

Hoje essa é a única cidade sobrevivente, com o nome de Izmir, e é a maior da Turquia Asiática. 

“... Estas cousas diz o primeiro e o último...”

Jesus é o primeiro e o último. Este título lhe declara a eternidade. Antes que o tempo existisse, Jesus já existia. E Ele existirá depois que todas as coisas se findarem. De eternidade à eternidade, Ele é Deus. Nada pode limitá-lo.

Quando o Senhor se revela à igreja de Esmirna dessa forma, Ele está revelando Sua natureza para esta, em meio ao sofrimento, para que os crentes de lá tenham uma perspectiva eterna. Esta mesma palavra o Senhor fala em 1.17. 

“... que esteve morto e tornou a viver...” 

Essas palavras são encontradas no décimo oitavo versículo do primeiro capítulo, mas formam uma declaração muito apropriada, para consolo da igreja dos mártires. Estas palavras dão a entender que algumas pessoas da igreja estavam ameaçadas de perseguição e possível martírio; diante desta perspectiva, a igreja é animada com a certeza de que o Senhor venceu a morte. A Sua vitória sobre a morte é também a nossa vitória. Este é um grande encorajamento para esta igreja sofredora! Eles estavam sofrendo injustiças de Roma, e a semelhança de Cristo, mantinham-se obedientes e fiéis até a morte. Mas a morte não pode deter os santos, pois, um dia, os mártires ressuscitarão triunfantes: Sua vitória é eterna. 

Esmirna era a sede do deus Dionísio, o qual teria sido morto, mas ressuscitou. A igreja de Esmirna recebeu, da parte de Cristo, uma promessa válida sobre a vida ressurreta, e esta tem sido sempre a esperança da igreja cristã [18]. Cristo prometeu que, na qualidade de quem vive, Ele seria as primícias de uma grandiosa ressurreição.

Notas:
1 - Hendriksen, Willian. Mais que Vencedores, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2001: p.93
2 - Champlin, Ph. D., R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo. Ed. Candeia, São Paulo, SP, 10º reimpressão, 1998: p. 394.
3 - Stott, John R. W. O que Cristo pensa da Igreja. Ed. United Press, Campinas, SP, 1999: p. 32, 33.
4 - Ladd, George. Apocalipse, introdução e comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 4º reimpressão, 1989: p. 34.
5 - Lopes, Hernandes Dias. Apocalipse, o futuro chegou. Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005: p. 78.
6 - Wilcock, Michael. A Mensagem do Apocalipse. ABU Editora, São Paulo, SP, 1986: p. 24.
7 - Stott, John R. W. O que Cristo pensa da Igreja. Ed. United Press, Campinas, SP, 1999: p. 28.
8 - Champlin, Ph. D., R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo. Ed. Candeia, São Paulo, SP, 10º reimpressão, 1998: p. 394.
9 - Cohen, Armando Chaves. Estudo Sobre o Apocalipse, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 10º edição 2005: p. 47.
10 - Lawson, Steven J. As sete igrejas do Apocalipse. Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 4º edição, 2004: p. 97.
11 - Champlin, Ph. D., R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo. Ed. Candeia, São Paulo, SP, 10º reimpressão, 1998: p. 395.
12 - Lawson, Steven J. As sete igrejas do Apocalipse. Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 4º edição, 2004: p. 97.
13 - Stott, John R. W. O que Cristo pensa da Igreja. Ed. United Press, Campinas, SP, 1999: p. 29.
14 - Lawson, Steven J. As sete igrejas do Apocalipse. Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 4º edição, 2004: p. 97.
15 - Champlin, Ph. D., R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo. Ed. Candeia, São Paulo, SP, 10º reimpressão, 1998: p. 394.
16 - Stott, John R. W. O que Cristo pensa da Igreja. Ed. United Press, Campinas, SP, 1999: p. 29.
17 - Szczerbacki, Rubens. Revelando os Mistérios do Apocalipse, Ed. Betel, Rio de Janeiro, RJ, 1986: p. 51.
18 - Champlin, Ph. D., R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo. Ed. Candeia, São Paulo, SP, 10º reimpressão, 1998: p. 395.

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