segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O maior no Reino de Deus

 
Por Maurício Zágari

Cada civilização contém conceitos que são considerados as maiores virtudes entre as pessoas que a formam. Na Grécia antiga, por exemplo, o poder de argumentação era tão valorizado que existiam escolas voltadas especificamente para ensinar a debater. Em certas tribos aborígenes, trair alguém antes de matá-la dava status, como revela o livro O totem da paz. Também não são poucas as sociedades ao longo da História em que os mais fortes fisicamente são e foram os mais louvados. A espiritualidade e a obediência ao Alcorão são bem vistas em culturas islâmicas. Em certas sociedades orientais, a honra era vista como o valor principal de um homem. E na nossa? O que dá destaque a um indivíduo na cultura ocidental do século 21, em que eu e você estamos imersos? Basicamente o que chamo de “os três F”: fama, fortuna e físico. Quer ser o maior entre os seus semelhantes no Brasil de hoje? Então seja famoso: destaque-se, apareça mais que os outros, seja venerado, que muitos olhos se voltem para você. Ou então ganhe muito dinheiro, ostente carros caríssimos, more numa mansão, demonstre como você é bem-sucedido financeiramente. Por fim, tenha um aspecto físico invejável, seja por uma beleza natural ou por recursos como malhação, cirurgias plásticas, implante de silicone, botox, cabelos bem cortados – ou ainda, por roupas e sapatos caríssimos e da grife que está na moda. Pronto. Você será visto com destaque, valorizado, bajulado, invejado, amado. Mas… e no Reino de Deus? O que destaca alguém? Acredite: o exato oposto daquilo que dá destaque a um indivíduo na cultura ocidental do século 21:

Humildade.

O pecado de Satanás foi a arrogância. Ele quis ser mais do que era. Deu no que deu. Podemos contrastar sua atitude com a do grande profeta João Batista, sobre quem o próprio Jesus disse: “Eu lhes digo que entre os que nasceram de mulher não há ninguém maior do que João” (Lc 7.28). Sendo João isso tudo, ele mesmo afirmou: “Depois de mim vem alguém mais poderoso do que eu, tanto que não sou digno nem de curvar-me e desamarrar as correias das suas sandálias” (Mc 1.7). João sabia quem era. Mas, mesmo sendo o maior de todos os que haviam nascido em toda a história da humanidade, ele conhecia seu lugar. Sabia que era pó. Que exemplo para todos nós…

Nossa civilização nos condicionou a querer sempre um lugar de destaque. Um emprego que nos projete. Títulos. Nosso nome escrito em letras de neon. Elogios. Um ego muito bem nutrido por palavras que mostrem como nós somos grandiosos. Mas o que Jesus ensina contraria de frente essa mentalidade: “Bem-aventurados os humildes, pois eles receberão a terra por herança. (Mt 5.5). Que diferença! E a afirmação que não deixa dúvida alguma (peço que você leia essas palavras de Jesus com muita atenção): Quem se faz humilde como esta criança, este é o maior no Reino dos céus” (Mt 18.4). Humildade na terra, grandeza no Céu. Diminuir para crescer.

Jesus é o único digno de abrir o livro, Jesus é o maior, Jesus é maravilhoso, Jesus é o Altíssimo, Jesus é Criador, Jesus é o Caminho, Jesus é amor, Jesus é o santíssimo, Jesus é o Onipotente, Jesus é tudo. No entanto: “Jesus sabia que o Pai havia colocado todas as coisas debaixo do seu poder, e que viera de Deus e estava voltando para Deus;  assim, levantou-se da mesa, tirou sua capa e colocou uma toalha em volta da cintura.  Depois disso, derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos seus discípulos, enxugando-os com a toalha que estava em sua cintura.  [...] Disse Pedro: “Não; nunca lavarás os meus pés”. Jesus respondeu: “Se eu não os lavar, você não terá parte comigo”.  [...] Então lhes perguntou: “Vocês entendem o que lhes fiz?  [...] Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros.  Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz” (Jo 13.1-15)

Permita-me perguntar: qual foi a última vez que você seguiu esse exemplo e “lavou os pés” de alguém menor do que você?
 
Entre nós, cristãos, certas características nos dão destaque no meio dos irmãos. O santo se acha mais santo do que os outros. O que ora muito crê que isso o torna mais especial do que os demais. O pecador condena quem julga que é mais pecador do que ele. O que tem um cargo na igreja se acha mais do que o que não tem. O que manifesta um dom se acha mais agraciado por Deus. Em resumo, eu e você não estamos isentos de nos acharmos os tais porque fazemos ou somos algo que nos põe numa posição de destaque.

Já parou para pensar por que os cristãos são tão fascinados por escândalos? Já parou para pensar por que amamos falar sobre aquele pastor famoso que caiu em adultério? Já parou para pensar por que comentamos salivando que a cantora gospel famosa rastejou no palco? Já parou para pensar por que temos um prazer indizível em comentar o último pecado que fulano cometeu? Em suma, já parou para pensar por que temos o prazer sádico de tricotar entre nós quando algum outro cristão incorre em desgraça?
Porque isso faz com que nós nos sintamos superiores. 

Pura e simplesmente isso. É um sentimento mesquinho que, até inconscientemente, nos faz pensar “não sou tão mau assim, afinal fulano é um tremendo pecador, muito mais do que eu, que vivo tão corretamente”. É por isso que a maioria prefere segregar o pecador e não lhe dar um único telefonema para saber como ele está em vez de se aproximar, amar, dar ombro, dar afeto, ajudar em sua restauração: porque gostamos demais de nós mesmos para gostarmos dos outros.

Certa vez entrevistei o ator e comediante Jerry Lewis. Perguntei a ele como explicava seu sucesso. Sua resposta foi simples: “Todo filme que faço se baseia num princípio: um homem em apuros.  E cada pessoa do público fica feliz porque quem está naquela situação embaraçosa ou complicada é outro e não ela mesma”. Ou seja: rimos da desgraça do outro porque isso nos faz nos sentirmos melhor conosco. Não fosse assim, como explicar o sucesso das videocassetadas? Pessoas se arrebentando no chão, levando tombos, sendo atropeladas, pegando fogo… e nós daqui caindo na gargalhada. Os cristãos, inclusive – sejamos honestos. Como explicar esse contrassenso absoluto? Simples: a desgraça alcançou o outro e não nós.

Quando o outro peca isso faz dele inferior aos olhos dos cristãos. Portanto, um pecado que tornou alguém um escândalo faz com que eu, que também peco todos os dias mas não virei escândalo, me sinta melhor, mais feliz comigo mesmo. Superior. Maior. Sinto orgulho de mim mesmo, essa é a grande verdade. No entanto, as palavras de Paulo atravessam nosso sentimento de superioridade como uma espada afiada: “Se devo me orgulhar, que seja nas coisas que mostram a minha fraqueza” (2 Co 11.30).

Essa é a proposta do Evangelho. Reconhecer nossa fraqueza. Reconhecer nossa falibilidade. Pois, enquanto nos achamos mais especiais do que os demais, sofreremos do traiçoeiro pecado do “orgulho santo” – o orgulho do que há de bom em nós, o orgulho até de nossa “santidade”, tão maior do que a dos demais. Mas se nos achamos tão melhores do que os outros, não abrimos espaço para nos escancararmos para Deus, como Paulo fez: “Miserável homem que eu sou!” (Rm 7.24). Não. Diremos em nosso íntimo (sem falar em voz alta, para não pegar mal): “Magnífico homem que eu sou!”. Assim, nos sentiremos mais. Nos sentiremos os eleitos, os profetas, os escolhidos, os queridinhos do Pai. Nos sentiremos superiores. E nos sentiremos aliviados por não sermos tão ruins como os outros. Só que… com isso, não reconhecemos nossas fraquezas e não reconhecemos que o pior dos pecadores não é pior do que nós. E no dia em que estivermos diante do trono de Deus para prestar contas de tudo o que fizemos e falamos, será que o que ouviremos dele é “você é realmente o tal”?

Prefiro ficar com Paulo, que em Romanos 7.18 confessa com uma humildade que não encontramos em quase ninguém em nossos dias: “Sei que nada de bom habita em mim, isto é, em minha carne. Porque tenho o desejo de fazer o que é bom, mas não consigo realizá-lo”. Não é à toa que Paulo foi Paulo. Pois, talvez lembrado pelo espinho na carne, reconhecia que só a graça lhe bastava e que só a graça fazia dele um vaso de barro com a excelência do fôlego de vida em si. 

Fico muito triste ao ver cristãos que se acham mais do que outros, seja por que razões forem. E oro por muitos que conheço e que são assim. Ore por mim também, por favor, pois não sou melhor do que meus pais. Em vez de nos acusarmos, nos rebaixarmos e nos segregarmos, amemo-nos mais e oremos mais uns pelos outros. No grande e terrível dia em que estaremos diante do Justo Juiz, que ele olhe para nós e veja a cruz de Cristo. Porque, se Ele olhar para quem nós realmente somos (e não para quem achamos que somos) nada nos restará a não ser choro e ranger de dentes.

Sou um pecador, mas se puder fazer algo por você, meu irmão pecador, minha irmã pecadora, tentarei. E não te desprezarei pelo fato de que você pecou um pecado diferente do meu e que ingenuamente considero pior. Pois… quem sou eu? “Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos” (Tg 2.10). Quem sou eu…

Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício.

Fonte: Apenas

Nenhum comentário:

Postar um comentário