segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Deus dá testemunho de si mesmo


Por Valdir Steuernagel

Na sala pequena a conversa é intensa. Em pouco tempo chegamos a assuntos profundos. “Você não faz ideia do que este país passou e do que o regime comunista e ateu fez com esta gente!”, diz o missionário inglês, com a firmeza e a espontaneidade de quem se sente em casa em Esbalan, no nordeste da Albânia. E ele tem razão. Fico tentando entender o drama pelo qual o país passou em sua história recente e o seu processo de transformação nestas duas últimas décadas.

A história da Albânia é antiga. Só em 1912 eles se libertaram da longa ocupação otomana que transformara o país cristão em muçulmano. Porém, em 1944, eles voltavam a outro império, dessa vez o soviético. Sob a liderança de Enver Hoxha, que ficou no poder até falecer, em 1985, a Albânia passou a ser uma “ilha” totalitária na qual nem o bloco soviético, com o qual rompeu em 1967, nem a China, com a qual rompeu em 1978, eram suficientemente radicais em sua vivência do comunismo. Foi Hoxha quem suprimiu toda e qualquer estrutura e expressão religiosa no país, declarando-o o primeiro estado ateu do mundo. A liderança que o substituiu procurou introduzir algumas medidas liberalizadoras, mas não subsistiu às consequências e à influência da queda do império soviético e à mediática queda do muro de Berlim. Assim, quando as fronteiras foram abertas, em 1991, instituiu-se um novo regime político e a população vivenciou níveis desconhecidos de liberdade.

O mais intrigante é que, apesar de décadas de ensino e controle ateísta e do aniquilamento radical de qualquer sinal religioso, hoje a população é descrita em termos religiosos, embora com dados antigos e desatualizados. Assim, 70% da população é muçulmana, 20% ortodoxa e 10% católica. Já a igreja evangélica, com expressões diversas, é bem pequena e tem menos de 20 anos de idade. Onde estão os ateus? Os convertidos ao ateísmo por um estado forte, controlador e violento? Eles existem, é claro. No entanto, o anseio e a necessidade espiritual vieram à tona assim que possível. Eclesiastes 3.11 diz que Deus “pôs no coração do homem o anseio pela eternidade”; e o homem, quando pode, expressa sua busca por Deus de várias maneiras e formas religiosas. Por algum tempo, a inexistência de Deus pode até ser declarada, imposta e proclamada por regimes, instituições e filosofias; porém, assim que uma janela se abre ou uma porta deixa fresta, as pessoas saem em busca de conhecer e pertencer, como nós cristãos dizemos, ao Deus que nos criou, nos sustenta e se revela com amor em Jesus Cristo. Deus é o maior interessado em revelar-se a nós, pois sabe que necessitamos dele de forma existencial e visceral. Ele é a nossa vida e a razão da nossa coexistência comunitária.

Há sinais do interesse de Deus em se dar a conhecer e em dar às pessoas a oportunidade de descobrir que aquilo que anelavam e buscavam está no conhecimento e na relação de amor com ele mesmo.

No último domingo que Silêda e eu passamos na Albânia, fomos a uma igreja no sul do país, acompanhados por duas funcionárias da Visão Mundial. Erisa era uma delas -- uma jovem bonita e inteligente. Quando perguntei a ela como havia chegado à fé cristã, ela me disse com naturalidade: “Eu tive um sonho!”. Claro que a minha racionalidade e a bem alimentada suspeita estranhou: “O quê?”. “Eu tive um sonho”, ela repetiu. E nos contou a história.

Nascida numa família nominalmente muçulmana, praticante de um islamismo típico do país, ela sofria com pesadelos noturnos. Um dia alguém que visitava sua casa lhe sussurrou ao ouvido, para que seu pai não ouvisse, que ela invocasse o sangue de Jesus ao ter pesadelos. Erisa começou a fazer isso e certa noite sonhou que alguém, cujo rosto ela não via, lhe estendia as mãos e dizia que a amava. Quando acordou, na manhã seguinte, ela saiu correndo pela casa, dizendo a todo mundo que era cristã. Ela tinha 8 anos e por um bom tempo continuou a afirmar sua identidade cristã, apesar dos protestos e da suspeita dos pais. Foi só aos 14 anos que, escondida, ela começou a frequentar uma igreja. E só mais tarde, já universitária, começou a aproximar-se da Bíblia de forma mais inteira e compreensiva.

De queixo caído e com o coração palpitando de alegria, eu disse: “Você é uma menina bem-aventurada!”. Estava impactado pela forma como Deus se revela e como ele faz isso com graça, amor e convicção. Eu tinha ouvido falar de revelações de Deus em sonho, mas nunca havia encontrado alguém com tal experiência. Agora, porém, diante do testemunho de Erisa, eu só queria e podia ficar encantado com o próprio Deus.

Claro que nem sempre é assim. Aliás, isso é raro. Normalmente, Deus usa gente como você e eu para dar-se a conhecer e o faz pelo encontro com o evangelho de Jesus Cristo, intermediado pelo Espírito Santo. Porém, é muito bom saber que ele não depende de nós para se revelar onde e como quiser.

Há algum tempo venho escrevendo sobre o chamado de Jesus para sermos testemunhas dele. Durante a viagem à Albânia, vi um pouco mais de como Deus é o maior interessado em se dar a conhecer a todos nós e como ele faz isso de formas ricas e diversas. Graças a Deus, ele dá testemunho de si mesmo e o faz com muita beleza, intensidade e clareza.

Valdir Steuernagel é pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro de Pastoral e Missão, em Curitiba, PR.

Fonte: Ultimato

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