Por Pr Silas Figueira
Texto base: Lucas 14.15-24
INTRODUÇÃO
Kenneth Bailey diz que em
Lucas esta parábola é contada em um banquete, onde as pessoas estão reclinadas.
A palavra “reclinar-se” nos evangelhos sempre significa uma refeição ao
ar-livre. As refeições realizadas ao ar-livre, em que Jesus e seus discípulos
se “reclinavam” não eram comidas em mesas, mas os convivas estão reclinados em
sofás ao redor de uma mesa baixa [1]. Foi durante esse momento festivo que Jesus
proferiu esta parábola. Anteriormente Jesus já havia proferido um discurso mostrando
para o anfitrião da festa que ele deveria convidar pessoas que não pudessem
retribuir ao anfitrião a cortesia, mas convidar os pobres, os aleijados, os
coxos e os cegos, assim ele seria considerado um bem-aventurado. Que sua
recompensa não seria de seus amigos aqui na terra, mas no céu, na ressurreição
dos justos (Lc 14.12-14).
Quando Jesus mencionou a “ressurreição
dos justos”, um dos convidados empolgou-se e exclamou: “Bem-aventurado aquele
que comer pão no reino de Deus!” O povo judeu imaginava o reino vindouro como
um grande banquete, tendo Abraão, Isaque, Jacó e os profetas como convidados de
honra (Lc 13.28; ver Is 25.6). Esse convidado anônimo estava certo de que, um
dia, estaria presente no “banquete do reino” com eles! [2] Sua efusividade,
entretanto, estava cheia de engano, pois quem proferiu essas palavras julgava
que ele e seus pares, fiados em sua justiça própria, estariam nesse banquete.
Jesus, então, corrige seu engano e conta mais uma parábola para falar da festa
da salvação [3]. Charles L. Childers corrobora com esta
afirmativa quando diz que Jesus aproveita sua afirmação como ponto de partida
para uma parábola que condena a atitude de exclusividade e falsa segurança [4].
Quais as lições que está
parábola têm nos ensinar?
1 – UM CONVITE PARA UM
BANQUETE E A SUA RECUSA (Lc 14.16-20).
O homem da parábola
convidou a muitos. Este primeiro convite era amplo, mas exclusivo. Os pobres,
aleijados e cegos não estavam incluídos. Na aplicação da parábola, os
convidados foram os judeus [5].
O certo homem que deu uma
grande ceia é o próprio Deus. Esse banquete simboliza a festa escatológica (ou
messiânica). Os convidados simbolizam alguns dos contemporâneos de Jesus que presumiram
que sua eleição (“convite”) “eram favas contadas” (a saber, os “parentes,
“vizinhos ricos” etc.). No entanto, contrariando todas as expectativas, os
convidados desprezam o convite para o banquete [6].
Com isso em mente,
podemos destacar algumas lições.
1º - Em primeiro lugar, a
salvação simboliza um grande banquete (Lc 14.16,17).
Ele convidou a muitos. Cristo convidou toda a nação e todo o povo judeu para
participar dos benefícios de seu Evangelho. Há uma provisão suficiente para
tantos quantos quiserem; ela foi profetizada como uma festa para todos os
povos, Isaías 25.6. Cristo, no Evangelho, não só mantém uma boa casa, mas Ele
também mantém uma casa aberta. Um lembrete específico foi dado, quando a hora da
ceia estava chegando; o servo foi enviado para lembrá-los da ceia: Vinde, que
já tudo está preparado [7].
Não se menciona ter
alguém declinado o convite. Então, pouco antes de dar início ao banquete, o
anfitrião envia um servo a dizer aos convidados: “Venham, porque tudo já está
preparado” [8].
2º - Em segundo lugar, o
banquete da salvação é preparado por Deus (Lc 14.16,17).
A
salvação não é resultado do esforço humano nem da parceria entre Deus e o
homem. Não é sinergismo, é monergismo. Do Senhor vem a salvação. Todo o
banquete foi preparado por Deus. O homem é convidado para o banquete que Deus
preparou. O homem não coopera com Deus na salvação. Toda a salvação é obra de
Deus. E Deus quem escolhe na eternidade. É Deus quem abre o coração. E Deus
quem dá o arrependimento para a vida. E Deus quem regenera. E Deus quem
justifica. E Deus quem santifica. E Deus quem glorifica. Tudo provém de Deus. O
homem é salvo não por seu próprio esforço, mas, sim, por aceitar o convite da
graça [9].
3º - Em segundo lugar, os
convidados começaram a escusar-se do convite (Lc 14.18-20).
No tempo de Jesus, quando alguém era convidado para jantar, avisava-se o dia,
porém não a hora exata da refeição. O anfitrião precisava saber quantos
convidados compareceriam, a fim de abater o número certo de animais e de
preparar comida suficiente. Pouco antes de o banquete começar, o anfitrião
enviava os servos à casa de cada um dos convidados para avisar que estava tudo
pronto e que era hora de ir (ver Et 5.8; 6.14). Em outras palavras, cada um dos
convidados dessa parábola já havia confirmado sua presença no banquete. O
anfitrião esperava que comparecessem [10].
No entanto, não foi isso
que ocorreu. Todos os convidados insultaram o anfitrião
recusando-se a comparecer, apresentando desculpas para sua mudança de planos. Certamente,
uma recusa de última hora de participar de um grande banquete é de mau gosto em
qualquer cultura. No Oriente Médio isso é considerado uma rude afronta ao hospedeiro
[11].
Tanto a recusa como as
desculpas absurdas mostram que estes convidados estavam mostrando desprezo pelo
dono da festa. Ninguém poderia confundir o desdém manifestado por eles. Suas
atitudes foram tomadas como insultos pessoais, e tiveram indubitavelmente esta
intenção [12]. As desculpas parecem muito frágeis e
transparentes (cf. 9.57-62), desde que ninguém compraria geralmente um campo ou
uma junta de bois sem prévio exame. O homem que se casou pode ter achado válida
sua desculpa com base nas implicações de Deuteronômio 24.5 (cf. também Dt 20.7),
mas deveria ter tomado outras providências para o casamento, tendo aceito o
primeiro convite. As recusas mostraram desrespeito pelo anfitrião, e quebraram
promessas implícitas na aceitação do primeiro convite [13].
Matthew Henry mostra que
essas coisas eram lícitas, mas quando o coração está envolvido demais nelas,
provam ser obstáculos fatais à fé e à religião [14].
Jesus, agora, destaca
três desculpas apresentadas pelos convidados para não irem ao banquete.
Eu não vou porque tenho
coisa melhor para ver (Lc 14.18). Ninguém naquele tempo
compraria uma terra antes de vê-la. Quando uma pessoa não quer fazer algo,
qualquer desculpa serve. Esse convidado tinha tempo para ver sua propriedade,
mas não tinha tempo para Deus. Hoje o dinheiro ocupa a maior parte do nosso
tempo, do nosso coração, da nossa devoção. Gastamos tanto tempo vendo o que
possuímos, o que compramos e o que queremos ter, que não damos prioridade ao
convite da salvação. Não havia nenhum pecado em comprar um terreno e em vê-lo,
mas quando coisas boas ocupam o lugar de Deus em nossa vida, essas coisas se
tornam um ídolo, e os idólatras não poderão entrar no reino de Deus. Esse
convidado colocou o amor pelas coisas materiais à frente do gracioso convite.
Eu não vou porque tenho
coisa melhor para fazer (Lc 14.19). Esse convidado tinha de
experimentar seus bois. Ele estava ocupado demais com seus afazeres, seus
negócios, seus lucros. Por isso, deu-se por escusado. Esse convidado colocou o
trabalho, o emprego, a ocupação e os negócios à frente do convite de Deus.
Muitas pessoas preferem as riquezas que perecem ao banquete da salvação. Amam
mais o dinheiro do que a Deus. São mais apegadas às coisas da terra do que as
do céu.
Eu não vou porque tenho
coisa melhor para desfrutar (Lc 14.20). O casamento é uma coisa
boa. E uma experiência maravilhosa. Mas rejeitar o convite da salvação por
causa do casamento é uma insensatez. Deixar de entrar no reino por causa de um
casamento é uma loucura. Esse convidado perdeu as bodas do céu por causa de
suas bodas na terra. Perdeu uma bênção eterna por causa de uma bênção temporal.
Perdeu uma bênção celestial por causa de uma bênção terrena. Muitos, ainda
hoje, trocam a salvação pelo casamento. Trocam o reino de Deus por prazeres.
Trocam a vida eterna por compromissos sociais [15].
A parábola contém uma
ilustração vívida da resposta que o evangelho está constantemente recebendo, em
todos os lugares em que é proclamado. Milhões de pessoas estão continuamente
fazendo aquilo que a parábola descreve. São convidados a vir a Cristo, mas não
querem vir. Não é a ignorância em relação ao cristianismo que arruína as almas
dos homens; é a falta de vontade para usar o conhecimento que possuem ou o amor
por este mundo [16].
2 – UM BANQUETE PARA OS
REJEITADOS (Lc 14.21-24).
Aqueles que faziam parte
do segundo grupo de convidados ainda estavam na cidade, o que indica que eles
representavam os judeus. Mas o fato de estarem nas ruas e bairros bem como sua
frágil condição econômica e física aponta para judeus de menor poder aquisitivo
– “publicanos e pecadores”, assim como aqueles que eram literalmente os pobres
e aleijados. Os fariseus considerariam todos esses como estando abaixo deles e muito
longe de merecerem a atenção e o convite de Deus. Foi este grupo, entretanto,
incluindo galileus simples que estavam presentes, que ouviu Jesus “de boa
vontade” (ou “com prazer”) [17].
Com isso em mente,
podemos destacar algumas lições.
1º - Em primeiro lugar, o
Senhor não faz acepção de pessoas (Lc 14.21). Não obstante o
honroso convite, os primeiros convidados deram desculpas (Lc 14.17). Jesus veio para os seus, mas os seus
não o receberam (Jo 1.11). A nação de Israel não reconheceu o tempo da sua
oportunidade, por isso rejeitou o Messias. Então, os pobres, os aleijados, os
cegos e os coxos foram trazidos (Lc 14.21). Havia pressa nesse chamamento feito
pelas ruas e becos da cidade. Deus não discrimina nem faz acepção de pessoas
(At 10.34; Tg 2.5). Os pobres que nada têm podem vir. Os aleijados com suas
deformidades físicas e emocionais podem entrar. Os cegos que não sabem para
onde ir são chamados a vir para o banquete, e os coxos que não podem andar são
trazidos à sala do banquete. O evangelho é para as pessoas que reconhecem que
nada têm. Cristo não veio chamar justos, mas pecadores. Os sãos não precisam de
médico e sim os doentes. Somente aqueles que reconhecem sua carência e sua
necessidade entram no banquete da salvação [18].
2º - Em segundo lugar, sempre
haverá lugar na mesa do Senhor (Lc 14.22). Os publicanos e
pecadores, camponeses galileus e aleijados judeus não eram suficientes para
lotar a casa de convidados. A sala do banquete ainda tinha muitos lugares
vazios. Aqui a imagem vai decrescendo lentamente, e passamos a ver as
verdadeiras condições do reino. Vemos seu tamanho vasto, vemos a ilimitada
oportunidade para todos aqueles que têm a devida consideração pelo convite do
dono da casa [19].
Champlin corrobora com
essa ideia quando diz que as “...ruas e becos da cidade...”
provavelmente simbolizam aqueles lugares do mundo judaico onde o cristianismo
haveria de penetrar, ao passo que os “caminhos e atalhos...” simbolizam
o mundo gentílico mais amplo, por onde a igreja haveria de aventurar-se [20].
3º - Em terceiro lugar, a
graça irresistível de Deus (Lc 14.23). Todos os que andavam
pelos caminhos e atalhos são constrangidos a vir para o banquete (Lc 14.23).
Todos aqueles que andavam pelos caminhos e atalhos são obrigados a entrar no
banquete, não pelo instrumento da força, mas pela persuasão irresistível da
graça. Os que estão errantes e cansados das caminhadas da vida podem encontrar
mesa farta no reino de Deus [21]. Agora, lembre-se disso, embora a casa de
Cristo seja grande, ela por fim se encherá; isto acontecerá quando o número dos
eleitos for completado, e forem trazidos todos aqueles que lhe foram dados [22].
4º - Em quarto lugar, o
banquete da salvação fechará suas portas aos que fecharam o coração ao convite
da graça (Lc 14.24). A parábola termina com um veredito
sombrio sobre aqueles que originalmente foram convidados e que deram suas
desculpas. Não haveria uma segunda chance para eles. Esbanjaram a sua
oportunidade e não teriam outra. Mais uma vez, vemos Jesus ressaltando a
urgência da situação [23].
A inclusão radical das
massas é contrabalanceada pela exclusão radical da elite. Nesse caso, a inclusão
cria a exclusão (como At 18.6, onde Paulo diz aos judeus teimosos e resistentes
de Corinto, “Caia sobre a cabeça de vocês o seu próprio sangue! Estou livre da
minha responsabilidade. De agora em diante irei para os gentios”). Nesse texto
do banquete messiânico de Lucas 13.22-30, a exclusão das aldeias criou uma
inclusão para os quatro cantos do mundo [24].
COMCLUSÃO
Wiersbe diz que a vida
cristã não é um funeral, mas sim um banquete, e estamos todos convidados. Cada
um deve sair pelo mundo e proclamar a mensagem: “Vinde, porque tudo já está
preparado!” Deus quer ver sua casa cheia, e “ainda há lugar”. Ele deseja que
vamos para casa (Mc 5.19), que passemos por ruas e becos (Lc 14.21), por
caminhos e atalhos (Lc 14.23). e por todo o mundo (Mc 16.15) com o evangelho de
Jesus Cristo.
Foi sobre essa parábola
que D. L. Moody escreveu seu último sermão, chamado “Desculpas”. Ele o pregou
no dia 23 de novembro de 1899, em Kansas City, quando já estava bastante
enfermo. “Preciso alcançar almas em Kansas City”, disse aos alunos de sua
escola em Chicago. “Nunca senti um desejo tão ardente de levar homens e
mulheres a Cristo como agora!”
Com o coração disparado e
apoiando-se em um órgão para não cair, Moody pregou o evangelho com grande
coragem, e cerca de cinquenta pessoas entregaram a vida a Jesus naquela
ocasião. No dia seguinte, Moody voltou para casa, onde veio a falecer um mês
depois. Até o último instante, Moody estava “compelindo as pessoas a entrar”
[25]
Pense nisso!
Bibliografia:
1 – Kenneth
Bailey. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 164.
2 – Wiersbe, Warren W.
Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo
André, SP, 2007, p. 299.
3 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 443.
4 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas,
vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 446.
5 – Ibidem, p. 448.
6 – Evans, Craig A. O
Novo Comentário Bíblico Contemporâneo, Lucas, Ed. Vida, São Paulo, SP, 1996, p.
254.
7 – Henry, Matthew.
Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ,
2008, p. 644.
8 – Hendriksen, William.
Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 269.
9 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito,
Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 444.
11 – Kenneth Bailey. As
Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 172.
13 – Ash, Anthony Lee. O
Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 233.
14 – Henry, Matthew.
Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ,
2008, p. 645.
15 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 447.
16 – Ryle, J. C.
Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p.
255.
17 – Childers, Charles L.
Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006,
p. 448.
18 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 445.
19 – Childers, Charles L.
Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006,
p. 449.
20 – Champlin, R. N. O
Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed.
Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 146.
21 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p.
445.
22 – Henry, Matthew.
Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ,
2008, p. 646.
23 – Morris, Leon L.
Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São
Paulo, SP, 1986, p. 221.
24 – Neale, David A. Lucas,
9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015,
p.156.
25 – Wiersbe, Warren W.
Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo
André, SP, 2007, p. 301.
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