Pr. Silas Figueira
Texto base: Lucas 9.46-50
INTRODUÇÃO
Este acontecimento registra o fim do ministério do Senhor Jesus na Galileia, a partir de Lc 9.51 até 19.27 Lucas registra sua última viagem a Jerusalém. Ao atravessar as cidades e aldeias da Judéia durante os meses que antecederam a sua morte, Jesus intensifica ainda mais o treinamento dos Doze. Esta passagem também é uma parte crucial da sua preparação para o futuro ministério; podemos dizer que este acontecimento atinge o ápice do que se passava no coração dos discípulos.
Este texto nos alerta
para dois perigos que estamos propensos a cair, o perigo do orgulho e do
exclusivismo. Vejamos:
1
– O PERIGO DO ORGULHO (Lc 9.46-48).
É bem provável que essa
discussão tenha ocorrido devido Pedro, Tiago e João terem estado com o Senhor
no Monte da Transfiguração; lá eles virão a glória de Jesus se manifestar,
viram Elias e Moisés, ouviram a voz de Deus; enquanto que no sopé do monte os
outros discípulos estavam tendo dificuldades de expulsar um demônio de um
menino e estavam discutindo com os escribas. Provavelmente os três discípulos
que estavam com Jesus no monte estavam se sentindo superiores aos demais
apóstolos. Embora eles só tenham contado o ocorrido no monte depois que Jesus
ressuscitou (Mc 9.9,10), é bem provável que seus corações ardiam de orgulho e
superioridade perante os outros integrantes do colégio apostólico. O privilégio
que tiveram provavelmente lhes subiu à cabeça. É bem provável que eles estavam
se sentindo o máximo, afinal de contas eles faziam parte dos três preferidos de
Jesus. É provável também que quando foram perguntados o que havia acontecido do
monte eles disseram que não podiam contar, mas que foi tremendo! Wiesrbe comenta
que pouco antes, Jesus havia pago o imposto que Pedro devia ao templo (Mt 17.24-27),
o que também pode ter suscitado certa inveja [1]. Esses são os prováveis
motivos para tal discussão, mas nunca saberemos ao certo.
O orgulho é o pecado
que define a natureza humana caída. É o solo em que todos os outros pecados
brotam, criam raízes profundas e crescem. Este foi o pecado que fez com que
Satanás se rebelasse contra Deus e o fez ser expulso do céu juntamente com
outros anjos. Foi este mesmo pecado que fez com que Adão e Eva se rebelassem
contra a ordem de Deus. Esse orgulho ao longo da história e na sociedade
contemporânea só revela as profundezas da depravação humana.
O orgulho impede que as
pessoas entendam que são pecadoras e venham à Cristo. Só quando o orgulho é
divinamente dominado pela convicção de sua pecaminosidade e miséria que uma
pessoa pode, verdadeiramente, se arrepender e alcança a fé salvadora.
Mas quais a lições que
podemos tirar desse episódio?
1º - Em primeiro lugar,
o orgulho nos impede de entendermos as palavras de Jesus (Lc 9.44-46).
Observe que Jesus acabara de falar sobre auto sacrifício (Lc 9.44,45), e os
discípulos começam a discutir sobre autopromoção. Enquanto Jesus fala que está
pronto a dar sua vida, os discípulos passam a debater quem entre eles é o
maior. Eles estão na contramão do ensino e do espírito de Jesus. Mais uma vez,
os discípulos reagem com incompreensão a um ensino sobre o sofrimento [2]. Eles
ainda não haviam conseguido entender as palavras de Jesus que disse: “e aprendei de mim, que sou manso e humilde
de coração” (Mt 11.29).
2º - Em segundo lugar,
no Reino de Deus não existem privilégios (Lc 9.46).
Jesus acabara de falar que iria para Jerusalém e seria entregue nas mãos dos
homens (Lc 9.44), no entanto, os apóstolos estavam cheios de orgulho e
proeminência. O Rei da glória, o Senhor dos senhores, o Criador do universo,
dava claro sinal de seu esvaziamento e humilhação, a ponto de entregar
voluntariamente sua vida em favor dos pecadores, e os discípulos, cheios de
vaidade e soberba, discutem sobre qual deles era o maior [3].
Leon L. Morris citando
J. C. Ryle diz que o orgulho sempre volta a ocorrer no homem, embora “De todas as criaturas nenhuma tem tão pouco
direito de ser orgulhosa quanto o homem”. Acrescenta: “de todos os homens, nenhum deve ser tão humilde quanto o cristão”
[4]. Deveria, mas nem sempre o é.
Entenda, nada vem de
forma mais natural para os seres humanos caídos do que orgulho, ele se
manifesta no egocentrismo, no amor-próprio, autopromoção e na auto realização.
O orgulho resulta em se ver superior e inferioriza os outros de forma
arbitrária. Como disse o apóstolo Paulo: “Porque
não ousamos classificar-nos, ou comparar-nos com alguns, que se louvam a si
mesmos; mas estes que se medem a si mesmos, e se comparam consigo mesmos, estão
sem entendimento” (2Co10.12).
3º - Em terceiro lugar,
o orgulho destrói a unidade (Lc 9.46). Esses homens
seriam a primeira geração de pregadores do evangelho, e seriam os líderes da
igreja que seria fundada muito em breve. Com tanta coisa sobre eles e,
posteriormente, a oposição do mundo hostil, eles precisavam estar unidos e
solidários. O perigo aqui é revelado, mostrando que o orgulho arruína a unidade
e destrói relacionamentos. Relacionamentos são baseados em sacrifício e serviço
de amor, em altruísmo. Mas, infelizmente, orgulho desfaz tudo isso.
J. C. Ryle diz que “nenhum
outro pecado se acha tão enraizado em nossa natureza. Está unido a nós como a
nossa pele. Suas raízes nunca são destruídas completamente. Estão sempre
prontas a brotar, em qualquer momento, manifestando perniciosa vitalidade.
Nenhum outro pecado é tão ilusório e enganador” [5].
4º - Em quarto lugar, Jesus
tratou o orgulho dos apóstolos (Lc 9.47,48).
Jesus conhecendo o coração deles e para tratar o orgulho que os consumia, pegou
um menino e colocou junto a si. “E,
tomando-o nos seus braços” (Mc 9.36), Jesus disse: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes
como meninos, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, aquele que
se tornar humilde como este menino, esse é o maior no reino dos céus” (Mt
18.3-4).
Em seu reino, o exemplo
de grandeza é uma criancinha – indefesa, dependente, sem qualquer status,
vivendo pela fé. A única coisa pior do que uma criança tentando agir como
adulto é um adulto agindo como criança! Há grande diferença entre ser
semelhante a uma criança e ser infantil (ver 1Co 13.4,5; 14.20) [6].
Jesus ensina duas
coisas:
1
– Jesus ensina que o orgulho rejeita a divindade
(Lc 9.48a). Quem receber esta
criança, símbolo dos crentes, em meu nome a mim me recebe.
No judaísmo, meninos
menores de doze anos não poderiam ser ensinadas a Torah, e, assim, passar tempo
com elas era considerado um desperdício. Jesus utilizou o mais insignificante
de todos para ensinar o que realmente é ser o maior de todos.
A criança pequena
representa os esquecidos, os não notados ou os excluídos que, por qualquer
motivo, parecem não ser levados em consideração por nós. Quem, porém, vai ao
encontro do seu menor irmão na comunidade, a partir de Jesus, misteriosamente é
presenteado com o próprio Jesus [7]. Aqueles que rejeitam os outros não são
apenas rejeitados por Jesus, mas também pelo o Pai que enviou seu Filho (cf. Jo
5.23).
2
– O orgulho inverte a realidade espiritual (Lc 9.48b).
Orgulho leva as pessoas a se exaltarem, a viver em função das suas ambições, a
viver em busca de receber elogios dos outros. Mas o homem natural, por ter uma
mente caída, vive em função da busca do inverso da realidade espiritual, pois,
como Jesus disse aos apóstolos, aquele que é menor entre todos vocês, este é o
único que é grande (cf. Mt 23.11,12). A sabedoria espiritual, o que equivale a
grandeza com humildade, é o oposto do modo como o mundo, tanto secular e o
religioso pensam. Grande no Reino de Deus não são aqueles que lutam para chegar
ao topo e buscam as honras desta vida. Grande no Reino de Deus são aqueles que
humildemente consideram os outros mais importantes do que a si mesmos e olham
para fora dos seus interesses (Fl 2.3,4). É o humilde, não o orgulhoso, que
Deus te exaltará (Lc 1.52; 14.11; 18:14; Mt 23.5-12; Tg 4.10; 1Pe 5.6).
Somos chamados para
sermos grandes, mas não em comparação aos outros, mas pela nossa atitude
humilde e honesta diante de Deus e do próximo. Assim aprendemos que não somos
grandes pela quantidade de pessoas que nos servem, mas pela quantidade de
pessoas que servimos.
2
– O PERIGO DO EXCLUSIVISMO (Lc 9.49,50).
Esses versículos foram
chamados de “uma lição de tolerância”
e de “uma advertência contra o
sectarismo” [8]. João, que raramente recebe destaque nos Sinóticos,
expressou-se nessa ocasião, dizendo: Mestre,
vimos um que, em teu nome, expulsava demônios... e nós lho proibimos (Mc 9.38;
literalmente, “tentamos impedi-lo”).
O Filho do Trovão, que havia invocado o fogo do céu sobre uma inóspita aldeia
samaritana (“da mesma forma que Elias”,
Lc 9.54), era rigoroso quanto à lealdade do seu grupo. James R. Edwards destaca
que esse é ainda outro eco do ego inflado deles, do quanto se consideravam
importantes [9].
Esse episódio nos
ensina duas lições que devemos observar com cuidado.
1º - No reino de Deus,
a intolerância exclusivista não encontra guarida.
Na teologia de João, somente o grupo deles estava com a verdade; os outros eram
excluídos e desprezados. João pensava que apenas os discípulos tinham o
monopólio do poder de Jesus [10].
Ciúme e inveja são duas
coisas que geram no coração do homem o exclusivismo. Eram essas duas coisas que
ainda tomavam o coração dos apóstolos.
O comportamento de João
e dos discípulos nesta ocasião é uma ilustração da singularidade da natureza
humana em todas as épocas. Em cada período da História da Igreja, milhares de
pessoas têm passado suas vidas seguindo este erro de João. Trabalham
intensamente para impedir que sirvam a Cristo todos aqueles que não fazem a
maneira deles [11].
De igual forma, muitos
segmentos religiosos têm a pretensão de serem os únicos que servem a Deus.
Pensam e chegam ao disparate de pregarem com altivez como se fossem os únicos
seguidores fiéis de Jesus, e batem no peito com arrogância como se fossem os
únicos salvos. Muitos, tolamente, creem que Deus é um património exclusivo da
sua denominação. Agem com soberba e desprezam todos quantos não aderem à sua
corrente sectária. Esse espírito intolerante e exclusivista está em desacordo
com o ensino de Jesus, o Senhor da igreja [12].
Algumas pessoas pensam
que só a sua denominação irá para o céu. Pelo menos assim que pensam os
Adventistas e as Testemunhas de Jeová. No caso das Testemunhas de Jeová só irão
para o céu 144 mil, o restante deles ficará na terra. Mas isso não ocorre só
com as seitas, até entre nós evangélicos isso ocorre, de forma um pouco mais
velada, mas ocorre. Eu já vi pessoas perguntarem se as pessoas que seguem a
teologia de Armínio são salvas. Já vi um pregador dizer que a teologia
calvinista é diabólica. O “sectarismo de João” ainda ronda muitos corações.
2º - Orgulho promove
exclusivismo, mas a humildade promove a unidade (Lc 9.50).
Um paralelo interessante é encontrado em Números 11.26-29. Em momentos de
crise, o Senhor derramou o Seu Espírito sobre os líderes de Israel e também
sobre homens “não-autorizados”, Eldade e Medade. Josué insistiu com Moisés para
interromper suas profecias, porém Moisés se recusou, dizendo: “Tens tu ciúmes
por mim? Tomara que todo o povo do Senhor fosse profeta” (Nm 11.29) [13].
Semelhantemente com
esta palavra, Jesus corrige o conceito que os discípulos tinham da forma do
reinado de Deus neste mundo. De forma alguma, porém, ele com isto está
alargando a porta estreita do discipulado. Não resulta aqui o ideal de uma
igreja de todo mundo, que acolhe tudo que é tipo de coisa. Afinal de contas,
nossa passagem tem um contrapeso em Mt 12.30: “Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha”
[14].
Não podemos abraçar
aqueles que afirmam ser de Cristo, mas não pregam a verdade de Cristo. Toda
heresia deve ser rechaçada, como nos fala Paulo na carta a Tito 1.10,11: “Porque há muitos desordenados, faladores,
vãos e enganadores, principalmente os da circuncisão, aos quais convém tapar a
boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por
torpe ganância”. No entanto temos de abraçar todos os que pregam em nome de
Cristo e falam sua verdade, independentemente da organização que pertencem. Os
cristãos devem ter a atitude de Paulo, que se alegrou quando a verdade foi
proclamada, mesmo quando aqueles que pregavam fossem cruelmente hostis a ele
((Fl 1.15-18).
Havia um antigo corinho
que se cantava na igreja quando eu era ainda menino que diz assim:
Não importa a igreja
que tu és
Se aos pés do calvário
tu estás
Se o teu coração é
igual ao meu
Dai-me a mão e meu
irmão serás
Devemos buscar sempre a
unidade e não exclusivismo. Wiersbe disse que “os cristãos que acreditam que
seu grupo é o único reconhecido e abençoado por Deus terão uma surpresa e tanto
quando chegarem ao céu” [12].
CONCLUSÃO
Jesus corrigiu dois
erros graves que podemos cometer: o orgulho e o exclusivismo. Isso foi algo que
ocorreu com os discípulos e que tem ocorrido hoje também. Por isso devemos
vigiar. Devemos lutar pelo evangelho de Cristo e louvar a Deus por aqueles que
estão honrando ao Senhor pregando o verdadeiro evangelho. Em meio a tantas
heresias que se têm ouvido, quando ouvirmos alguém, ainda que aos nossos olhos
seja deferente do padrão que adotamos, pregando o verdadeiro evangelho, devemos
louvar a Deus por isso.
Pense nisso!
Bibliografia
1 – Wiersbe, Warren W.
Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo
André, SP, 2007, p. 270.
2 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 319.
3 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 320.
4 – Morris. Leon L. Lucas,
Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP,
1986, p.166.
5 – Ryle, J. C.
Meditação no Evangelho de Lucas, Ed. Fiel, São José dos Campos, SP, 2002, p.
157.
6 – Wiersbe, Warren W.
Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo
André, SP, 2007, p. 270.
7 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 321.
8 – Sanner, A. Elwwod.
Comentário Bíblico Beacon, Marcos, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006,
p. 282.
9 – Edwards, James R. O
Comentário de Marcos, Ed. Sheed, Santo Amaro, SP, 2018, p. 364.
10 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 321.
11 – Ryle, J. C.
Meditação no Evangelho de Lucas, Ed. Fiel, São José dos Campos, SP, 2002, p.
157.
12 – Wiersbe, Warren W.
Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo
André, SP, 2007, p. 270.
13 – Sanner, A. Elwwod. Comentário Bíblico Beacon, Marcos, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 282.
14 – Pohl, Adolf. O
Evangelho de Marcos, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba,
PA, 1998. p. 198.
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