domingo, 12 de dezembro de 2021

O PERIGO DO ORGULHO E DO EXCLUSIVISMO (Lc 9.46-50)

Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 9.46-50

INTRODUÇÃO

Este acontecimento registra o fim do ministério do Senhor Jesus na Galileia, a partir de Lc 9.51 até 19.27 Lucas registra sua última viagem a Jerusalém. Ao atravessar as cidades e aldeias da Judéia durante os meses que antecederam a sua morte, Jesus intensifica ainda mais o treinamento dos Doze. Esta passagem também é uma parte crucial da sua preparação para o futuro ministério; podemos dizer que este acontecimento atinge o ápice do que se passava no coração dos discípulos. 

Este texto nos alerta para dois perigos que estamos propensos a cair, o perigo do orgulho e do exclusivismo. Vejamos:

1 – O PERIGO DO ORGULHO (Lc 9.46-48).

É bem provável que essa discussão tenha ocorrido devido Pedro, Tiago e João terem estado com o Senhor no Monte da Transfiguração; lá eles virão a glória de Jesus se manifestar, viram Elias e Moisés, ouviram a voz de Deus; enquanto que no sopé do monte os outros discípulos estavam tendo dificuldades de expulsar um demônio de um menino e estavam discutindo com os escribas. Provavelmente os três discípulos que estavam com Jesus no monte estavam se sentindo superiores aos demais apóstolos. Embora eles só tenham contado o ocorrido no monte depois que Jesus ressuscitou (Mc 9.9,10), é bem provável que seus corações ardiam de orgulho e superioridade perante os outros integrantes do colégio apostólico. O privilégio que tiveram provavelmente lhes subiu à cabeça. É bem provável que eles estavam se sentindo o máximo, afinal de contas eles faziam parte dos três preferidos de Jesus. É provável também que quando foram perguntados o que havia acontecido do monte eles disseram que não podiam contar, mas que foi tremendo! Wiesrbe comenta que pouco antes, Jesus havia pago o imposto que Pedro devia ao templo (Mt 17.24-27), o que também pode ter suscitado certa inveja [1]. Esses são os prováveis motivos para tal discussão, mas nunca saberemos ao certo.

O orgulho é o pecado que define a natureza humana caída. É o solo em que todos os outros pecados brotam, criam raízes profundas e crescem. Este foi o pecado que fez com que Satanás se rebelasse contra Deus e o fez ser expulso do céu juntamente com outros anjos. Foi este mesmo pecado que fez com que Adão e Eva se rebelassem contra a ordem de Deus. Esse orgulho ao longo da história e na sociedade contemporânea só revela as profundezas da depravação humana.

O orgulho impede que as pessoas entendam que são pecadoras e venham à Cristo. Só quando o orgulho é divinamente dominado pela convicção de sua pecaminosidade e miséria que uma pessoa pode, verdadeiramente, se arrepender e alcança a fé salvadora.

Mas quais a lições que podemos tirar desse episódio?

1º - Em primeiro lugar, o orgulho nos impede de entendermos as palavras de Jesus (Lc 9.44-46). Observe que Jesus acabara de falar sobre auto sacrifício (Lc 9.44,45), e os discípulos começam a discutir sobre autopromoção. Enquanto Jesus fala que está pronto a dar sua vida, os discípulos passam a debater quem entre eles é o maior. Eles estão na contramão do ensino e do espírito de Jesus. Mais uma vez, os discípulos reagem com incompreensão a um ensino sobre o sofrimento [2]. Eles ainda não haviam conseguido entender as palavras de Jesus que disse: “e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração” (Mt 11.29).

2º - Em segundo lugar, no Reino de Deus não existem privilégios (Lc 9.46). Jesus acabara de falar que iria para Jerusalém e seria entregue nas mãos dos homens (Lc 9.44), no entanto, os apóstolos estavam cheios de orgulho e proeminência. O Rei da glória, o Senhor dos senhores, o Criador do universo, dava claro sinal de seu esvaziamento e humilhação, a ponto de entregar voluntariamente sua vida em favor dos pecadores, e os discípulos, cheios de vaidade e soberba, discutem sobre qual deles era o maior [3].

Leon L. Morris citando J. C. Ryle diz que o orgulho sempre volta a ocorrer no homem, embora “De todas as criaturas nenhuma tem tão pouco direito de ser orgulhosa quanto o homem”. Acrescenta: “de todos os homens, nenhum deve ser tão humilde quanto o cristão” [4]. Deveria, mas nem sempre o é.  

Entenda, nada vem de forma mais natural para os seres humanos caídos do que orgulho, ele se manifesta no egocentrismo, no amor-próprio, autopromoção e na auto realização. O orgulho resulta em se ver superior e inferioriza os outros de forma arbitrária. Como disse o apóstolo Paulo: “Porque não ousamos classificar-nos, ou comparar-nos com alguns, que se louvam a si mesmos; mas estes que se medem a si mesmos, e se comparam consigo mesmos, estão sem entendimento” (2Co10.12).

3º - Em terceiro lugar, o orgulho destrói a unidade (Lc 9.46). Esses homens seriam a primeira geração de pregadores do evangelho, e seriam os líderes da igreja que seria fundada muito em breve. Com tanta coisa sobre eles e, posteriormente, a oposição do mundo hostil, eles precisavam estar unidos e solidários. O perigo aqui é revelado, mostrando que o orgulho arruína a unidade e destrói relacionamentos. Relacionamentos são baseados em sacrifício e serviço de amor, em altruísmo. Mas, infelizmente, orgulho desfaz tudo isso.

J. C. Ryle diz que “nenhum outro pecado se acha tão enraizado em nossa natureza. Está unido a nós como a nossa pele. Suas raízes nunca são destruídas completamente. Estão sempre prontas a brotar, em qualquer momento, manifestando perniciosa vitalidade. Nenhum outro pecado é tão ilusório e enganador” [5].

4º - Em quarto lugar, Jesus tratou o orgulho dos apóstolos (Lc 9.47,48). Jesus conhecendo o coração deles e para tratar o orgulho que os consumia, pegou um menino e colocou junto a si. “E, tomando-o nos seus braços” (Mc 9.36), Jesus disse: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, aquele que se tornar humilde como este menino, esse é o maior no reino dos céus” (Mt 18.3-4).

Em seu reino, o exemplo de grandeza é uma criancinha – indefesa, dependente, sem qualquer status, vivendo pela fé. A única coisa pior do que uma criança tentando agir como adulto é um adulto agindo como criança! Há grande diferença entre ser semelhante a uma criança e ser infantil (ver 1Co 13.4,5; 14.20) [6].

Jesus ensina duas coisas:

1 – Jesus ensina que o orgulho rejeita a divindade (Lc 9.48a). Quem receber esta criança, símbolo dos crentes, em meu nome a mim me recebe.

No judaísmo, meninos menores de doze anos não poderiam ser ensinadas a Torah, e, assim, passar tempo com elas era considerado um desperdício. Jesus utilizou o mais insignificante de todos para ensinar o que realmente é ser o maior de todos.

A criança pequena representa os esquecidos, os não notados ou os excluídos que, por qualquer motivo, parecem não ser levados em consideração por nós. Quem, porém, vai ao encontro do seu menor irmão na comunidade, a partir de Jesus, misteriosamente é presenteado com o próprio Jesus [7]. Aqueles que rejeitam os outros não são apenas rejeitados por Jesus, mas também pelo o Pai que enviou seu Filho (cf. Jo 5.23).

2 – O orgulho inverte a realidade espiritual (Lc 9.48b). Orgulho leva as pessoas a se exaltarem, a viver em função das suas ambições, a viver em busca de receber elogios dos outros. Mas o homem natural, por ter uma mente caída, vive em função da busca do inverso da realidade espiritual, pois, como Jesus disse aos apóstolos, aquele que é menor entre todos vocês, este é o único que é grande (cf. Mt 23.11,12). A sabedoria espiritual, o que equivale a grandeza com humildade, é o oposto do modo como o mundo, tanto secular e o religioso pensam. Grande no Reino de Deus não são aqueles que lutam para chegar ao topo e buscam as honras desta vida. Grande no Reino de Deus são aqueles que humildemente consideram os outros mais importantes do que a si mesmos e olham para fora dos seus interesses (Fl 2.3,4). É o humilde, não o orgulhoso, que Deus te exaltará (Lc 1.52; 14.11; 18:14; Mt 23.5-12; Tg 4.10; 1Pe 5.6).

Somos chamados para sermos grandes, mas não em comparação aos outros, mas pela nossa atitude humilde e honesta diante de Deus e do próximo. Assim aprendemos que não somos grandes pela quantidade de pessoas que nos servem, mas pela quantidade de pessoas que servimos.

2 – O PERIGO DO EXCLUSIVISMO (Lc 9.49,50).

Esses versículos foram chamados de “uma lição de tolerância” e de “uma advertência contra o sectarismo” [8]. João, que raramente recebe destaque nos Sinóticos, expressou-se nessa ocasião, dizendo: Mestre, vimos um que, em teu nome, expulsava demônios... e nós lho proibimos (Mc 9.38; literalmente, “tentamos impedi-lo”). O Filho do Trovão, que havia invocado o fogo do céu sobre uma inóspita aldeia samaritana (“da mesma forma que Elias”, Lc 9.54), era rigoroso quanto à lealdade do seu grupo. James R. Edwards destaca que esse é ainda outro eco do ego inflado deles, do quanto se consideravam importantes [9].

Esse episódio nos ensina duas lições que devemos observar com cuidado.

1º - No reino de Deus, a intolerância exclusivista não encontra guarida. Na teologia de João, somente o grupo deles estava com a verdade; os outros eram excluídos e desprezados. João pensava que apenas os discípulos tinham o monopólio do poder de Jesus [10].

Ciúme e inveja são duas coisas que geram no coração do homem o exclusivismo. Eram essas duas coisas que ainda tomavam o coração dos apóstolos.

O comportamento de João e dos discípulos nesta ocasião é uma ilustração da singularidade da natureza humana em todas as épocas. Em cada período da História da Igreja, milhares de pessoas têm passado suas vidas seguindo este erro de João. Trabalham intensamente para impedir que sirvam a Cristo todos aqueles que não fazem a maneira deles [11].

De igual forma, muitos segmentos religiosos têm a pretensão de serem os únicos que servem a Deus. Pensam e chegam ao disparate de pregarem com altivez como se fossem os únicos seguidores fiéis de Jesus, e batem no peito com arrogância como se fossem os únicos salvos. Muitos, tolamente, creem que Deus é um património exclusivo da sua denominação. Agem com soberba e desprezam todos quantos não aderem à sua corrente sectária. Esse espírito intolerante e exclusivista está em desacordo com o ensino de Jesus, o Senhor da igreja [12].

Algumas pessoas pensam que só a sua denominação irá para o céu. Pelo menos assim que pensam os Adventistas e as Testemunhas de Jeová. No caso das Testemunhas de Jeová só irão para o céu 144 mil, o restante deles ficará na terra. Mas isso não ocorre só com as seitas, até entre nós evangélicos isso ocorre, de forma um pouco mais velada, mas ocorre. Eu já vi pessoas perguntarem se as pessoas que seguem a teologia de Armínio são salvas. Já vi um pregador dizer que a teologia calvinista é diabólica. O “sectarismo de João” ainda ronda muitos corações.

2º - Orgulho promove exclusivismo, mas a humildade promove a unidade (Lc 9.50). Um paralelo interessante é encontrado em Números 11.26-29. Em momentos de crise, o Senhor derramou o Seu Espírito sobre os líderes de Israel e também sobre homens “não-autorizados”, Eldade e Medade. Josué insistiu com Moisés para interromper suas profecias, porém Moisés se recusou, dizendo: “Tens tu ciúmes por mim? Tomara que todo o povo do Senhor fosse profeta” (Nm 11.29) [13].

Semelhantemente com esta palavra, Jesus corrige o conceito que os discípulos tinham da forma do reinado de Deus neste mundo. De forma alguma, porém, ele com isto está alargando a porta estreita do discipulado. Não resulta aqui o ideal de uma igreja de todo mundo, que acolhe tudo que é tipo de coisa. Afinal de contas, nossa passagem tem um contrapeso em Mt 12.30: “Quem não é por mim é contra mim; e quem comigo não ajunta espalha” [14].

Não podemos abraçar aqueles que afirmam ser de Cristo, mas não pregam a verdade de Cristo. Toda heresia deve ser rechaçada, como nos fala Paulo na carta a Tito 1.10,11: “Porque há muitos desordenados, faladores, vãos e enganadores, principalmente os da circuncisão, aos quais convém tapar a boca; homens que transtornam casas inteiras ensinando o que não convém, por torpe ganância”. No entanto temos de abraçar todos os que pregam em nome de Cristo e falam sua verdade, independentemente da organização que pertencem. Os cristãos devem ter a atitude de Paulo, que se alegrou quando a verdade foi proclamada, mesmo quando aqueles que pregavam fossem cruelmente hostis a ele ((Fl 1.15-18).

Havia um antigo corinho que se cantava na igreja quando eu era ainda menino que diz assim:

Não importa a igreja que tu és

Se aos pés do calvário tu estás

Se o teu coração é igual ao meu

Dai-me a mão e meu irmão serás

Devemos buscar sempre a unidade e não exclusivismo. Wiersbe disse que “os cristãos que acreditam que seu grupo é o único reconhecido e abençoado por Deus terão uma surpresa e tanto quando chegarem ao céu” [12].

CONCLUSÃO

Jesus corrigiu dois erros graves que podemos cometer: o orgulho e o exclusivismo. Isso foi algo que ocorreu com os discípulos e que tem ocorrido hoje também. Por isso devemos vigiar. Devemos lutar pelo evangelho de Cristo e louvar a Deus por aqueles que estão honrando ao Senhor pregando o verdadeiro evangelho. Em meio a tantas heresias que se têm ouvido, quando ouvirmos alguém, ainda que aos nossos olhos seja deferente do padrão que adotamos, pregando o verdadeiro evangelho, devemos louvar a Deus por isso.

Pense nisso!

Bibliografia

1 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 270.

2 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 319.

3 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 320.

4 – Morris. Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p.166.

5 – Ryle, J. C. Meditação no Evangelho de Lucas, Ed. Fiel, São José dos Campos, SP, 2002, p. 157.

6 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 270.  

7 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 321.

8 – Sanner, A. Elwwod. Comentário Bíblico Beacon, Marcos, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 282.

9 – Edwards, James R. O Comentário de Marcos, Ed. Sheed, Santo Amaro, SP, 2018, p. 364.

10 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 321.

11 – Ryle, J. C. Meditação no Evangelho de Lucas, Ed. Fiel, São José dos Campos, SP, 2002, p. 157.

12 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 270.

13 – Sanner, A. Elwwod. Comentário Bíblico Beacon, Marcos, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 282. 

14 – Pohl, Adolf. O Evangelho de Marcos, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 1998. p. 198.   

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