Por Pr. Silas Figueira
Texto base: Lucas 9.37-45
INTRODUÇÃO
Após a grande experiência que os discípulos, Pedro, Tiago e João tiveram no monte da Transfiguração, onde tiveram o privilégio de ver a glória de Deus, agora, ao descerem, eles se deparam com um senário caótico, a ação de Satanás na vida de um jovem possesso.
No sopé no monte
encontramos confusão, medo e desespero enquanto que no monte vemos
tranquilidade, graça e vitória futura. Como disse Willian Hendriksen: [no
monte] “o Pai reafirmou seu amor por seu Filho, seu Escolhido; na planície, um
pai agonizantemente intercede por seu único filho, um filho gravemente
afligido. Mostra-nos como o grande e unigênito Filho, em seu infinito amor,
revelou seu poder e compaixão para com esse outro filho único e para com seu
pai” [1].
Essa passagem nós
encontramos também em Mt 17.14-23; Mc 9.14-32, sendo que em Marcos essa
passagem é mais rica em detalhes.
Mas quais as lições que
podemos tirar desse texto?
1
– A PRIMEIRA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE NO MONTE NOS ENCHEMOS DE FÉ, MAS É NO VALE
QUE SE PRATICA ESTA FÉ.
A vida de fé é vivida
no vale, não no monte. Há muitas pessoas que querem viver no vale uma vida de
monte, mas não dá. No monte temos visão da glória de Deus, mas é no vale que as
batalhas são enfrentadas todos os dias. No vale tem gente padecendo nas mãos do
diabo e cabe a igreja levar a mensagem de fé e esperança para essas pessoas
cativas do diabo.
Vemos na Escritura
alguns exemplos do que estamos falando. Moisés desce da jornada santificada no
monte Sinai para confrontar a rebeldia e a idolatria de Arão e do povo (Êx 32);
Elias deixa a tranquila força do Horebe para enfrentar o paganismo de Jezabel e
Acabe (lRs 19); [...] Jesus, na descida do monte da Transfiguração com Pedro, Tiago
e João, é confrontado de imediato com a discussão entre os mestres da lei e
seus discípulos e também com um pai lutando desesperadamente pela vida de seu
filho e a existência de sua fé [2].
Com isso em mente
podemos destacar duas coisas:
1º - A fé do monte não
tem nenhuma valia se não praticada no vale.
A fé dos montes é uma experiência válida, pois, é muitas vezes arrebatadora,
mas é momentânea; no entanto, a fé do vale é diária. Por isso que não adianta
termos uma fé arrebatadora no monte se ela não é interagida diariamente no
vale. A expressão “é só vitória!”,
vem mediante constantes lutas todos os dias. Como nos fala Paulo em Efésios
6.10-13: “Revesti-vos de toda a armadura
de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo.
Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os
principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século,
contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais. Portanto,
tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mal e, havendo
feito tudo, ficar firmes”. Nosso campo de batalha é no nosso dia a dia.
2º - A fé do monte é um
vislumbre do céu, mas a fé do vale é a dura realidade desta terra.
Depois dessa incrível experiência do reino eterno e glória divina de Cristo Jesus,
Pedro, Tiago e João voltam para a dura realidade da vida, em um mundo caído e mau.
Isso porque o céu não é aqui. Por isso enfrentamos tantas adversidades nesta
vida. A fé que nós cristãos precisamos ter e praticar todos os dias é a do
vale. Temos como exemplo o apóstolo Paulo que foi até o terceiro céu, mas pôs
em prática a fé no vale de dor (2Co 12.1-10). A nossa fé é amadurecida no vale.
2
– A SEGUNDA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE NO VALE HÁ PESSOAS PADECENDO NAS MÃOS DO
DIABO (Lc 9.37-39).
Os contrastes entre os
dois incidentes são marcantes. Um aconteceu em um monte, o outro em um vale. No
monte havia glória, no vale a tragédia. Na monte Jesus Cristo exibiu Sua gloriosa
majestade, enquanto que no vale Satanás mostrou sua terrível violência e crueldade.
É no vale que as pessoas estão sofrendo nas mão de Satanás e é no vale que o
Senhor manifesta sua misericórdia e graça.
Diante disso o que
podemos destacar algumas lições:
1º - No vale há um pai
aflito esperando um milagre para seu filho (Lc 9.38,39).
Hoje, há muitos pais desesperados por causa do que Satanás tem feito na vida de
seus filhos. Não foi diferente com esse pai que tinha esse único filho. Vemos
aqui um pai desesperado (Mt 17.15), pois o diabo entrou em sua casa e estava
destruindo a vida de seu único filho (Mc 9.18).
Observe que esse pai
discerniu que era um espírito maligno que se apoderara de seu filho (Lc 9.39). Embora
o pai se referisse ao comportamento do menino como um epiléptico (Mt 17.15), ele
entendeu que a condição de seu filho não era fisiológica, mas demoníaca. Mateus
acrescenta que o demônio repetidamente tentou destruir o menino, jogando-o no
fogo e muitas vezes na água. Segundo a nota particular de Mateus, esses
acontecimentos estavam associados às mudanças da lua, por isso o pai o chama de
lunático. Marcos observa que o demônio fez o menino ficar surdo e mudo (Mc
9.17,25), e que o havia afligido desde que ele era uma criança (Mc 9.21). A
palavra usada para meninice é bréfos,
palavra que descreve a infância desde o período intrauterino. O diabo não poupa
nem mesmo as crianças. Aquele jovem vivia dominado por uma casta de demônios
desde a sua infância [3]. Como, por que ou em que idade a criança tornou-se
possuído por demônios não é revelado, por isso é inútil especular.
Isso nos serve de
alerta, se Satanás ataca os nossos filhos ainda na infância, devemos ser
vigilantes e procurar leva-los a Cristo desde a sua tenra idade. Satanás não
tem poupado as crianças, pois ele sabe que quando mais cedo começar, mas cedo
irá destrui-los. Observe a geração de hoje como se encontra. Tanto dentro
quanto fora da igreja.
No auge do desespero, o
pai do jovem correu para os discípulos de Jesus em busca de ajuda, mas eles
estavam sem poder. A igreja tem oferecido resposta para uma sociedade
desesperançada e aflita? Temos confrontado o poder do mal? Conhecimento apenas
não basta; é preciso revestimento de poder. O reino de Deus não consiste em
palavras, mas em poder [4].
2º - No vale há muitas pessoas
desesperadas, mas há também muita discussão desnecessária (Mc 9.14-16).
Enquanto que no monte a conversa do Senhor Jesus com Elias e Moisés era a
respeito da nossa salvação mediante a Sua morte na cruz, no vale estava havendo
uma discussão infrutífera, porque os discípulos não conseguiram expulsar o
demônio daquele menino. Os discípulos se envolveram numa interminável discussão
com os escribas, enquanto o diabo estava agindo livremente sem ser confrontado
(Mc 9.14).
Aliás, o diabo estava
agindo na vida do pobre menino e causando confusão entre os discípulos de Jesus
e os escribas. Por isso que eles estavam perdendo um tempo precioso discutindo
com pessoas que eram opositoras da obra de Cristo. Muitas vezes a discussão é
necessária e até saudável, mas perder tempo discutindo com quem não quer nada
com Jesus muitas vezes será perda de tempo. Será uma distração diabólica. Será
jogar pérolas aos porcos. Outro grande problema que temos visto hoje é que há
muita discussão e conhecimento, mas que não exerce ação positiva na vida das
pessoas. Conhecimento sem ação é inútil.
3
– POR QUE OS DISCÍPULOS NÃO PUDERAM EXPULSAR ESSA CASTA DE DEMÔNIOS DESSE
MENINO? (Lc 9.40; Mc 9.28,29).
Um pouco antes desse
fato aqui ocorrer os apóstolos haviam recebido de Jesus autoridade para pregar
o Evangelho do reino, curar os enfermos e expulsar demônios (Mc 6.7,12,13). Mais
tarde, quando Jesus e os discípulos entraram na casa (provavelmente em Cesaréia
de Filipe), os discípulos começaram a questionar-lhe em particular: “Por que
não pudemos nós expulsá-lo?”. Ao estudar os três relatos (Mt 17; Mc 9 e Lc 9),
descobrimos o que faltava na vida deles.
1 – Faltava fé (Mt
17.19,20). Provavelmente, devido ao sucesso
passado, eles passaram acreditar que o poder vinha deles mesmos e não de Deus.
Muitas vezes somos levados a acreditar que nossos sucessos dependem somente de
nós mesmos e não de Deus. Corremos o risco de descair da fé confiante em Deus e
passamos a acreditar em nossa própria capacitação. Isso é uma grande lição para
nós.
2 – Oração e jejum (Mt
17.21; Mc 9.29). Indicando que esses nove homens haviam
deixado sua vida devocional deteriorar-se durante a breve ausência de Jesus.
Não importa quantos dons espirituais possuímos, seu exercício nunca é
automático [5]. Vida de oração e consagração faz parte da vida do cristão. Nós
nunca saberemos quando iremos enfrentar uma casta de demônios.
Isso me lembra um fato
ocorrido com um irmão que eu conheço. A alguns anos ele foi chamado para ajudar
a instalar uma antena parabólica na casa de um conhecido dele que estava se
mudando. Ele iria morar de caseiro. Esse irmão me contou que estava tentando
sintonizar a antena na casa desse amigo, mas nada dava certo. Tentou várias
vezes, e nada. Até que a esposa desse amigo dele chegou e falou para esse irmão.
Fulano, a dona do sítio me perguntou se você era crente, e eu disse que sim, aí
ela me perguntou se você sabe expulsar demônio, porque a empregada dela está
possessa lá na cozinha dela. Você pode ir lá e expulsar o demônio? Esse amigo
conta que desceu e foi até a cozinha e encontrou realmente a empregada possessa.
Ele chegou expulsou o demônio em nome de Jesus, pregou o Evangelho para ela e
voltou para tentar sintonizar o sinal da parabólica. Ele conta que quando
voltou não levou cinco minutos e resolveu o problema, ou seja, Deus não permitiu
que ele sintonizasse o sinal porque havia uma mulher que precisaria ser liberta
naquela tarde da ação de Satanás.
4
– A REAÇÃO DE JESUS DIANTE DO SOFRIMENTO DAQUELE PAI.
Se há algo que
precisamos entender é que o Senhor não fica alheio ao sofrimento humano.
Podemos até não entender o sofrimento e nem porque o Senhor o permite em nossas
vidas. Mas alheio ao nosso sofrimento Ele não fica. Ainda que aparentemente Ele
não esteja se importando.
Vejamos como o Senhor
interviu naquela situação.
1º - Jesus acabou com a
discussão desnecessária (Mc 9.14-16). Enquanto Satanás agia
os discípulos discutiam com os enviados do diabo. Uma coisa que o diabo faz
muito bem é nos distrair com conversas inúteis na hora que temos de agir.
2º - Jesus mandou
trazer o menino (Mc 8.19,20). Muitas vezes estamos
levando os nossos problemas para quem não pode resolvê-los. Observe que no
momento em que o menino possesso chegou perto de Jesus o demônio se manifestou.
Devemos levar os nossos problemas para Cristo, pois só Ele tem poder para nos
dar a solução para resolvê-los. Mas entenda uma coisa, muitas vezes o problema
irá aparentemente piorar. Veja que na hora que o menino chegou os demônios se
manifestaram. Quando levamos os nossos problemas para Deus, o mesmo pode
acontecer, mas é nessa hora que devemos confiar ainda mais na intervenção
divina.
3º - Jesus trabalha a
fé daquele pobre pai (Mc 9.21-24). O Senhor não estava
pedindo para aquele pai lhe contar o que estava acontecendo para obter informações,
pois ela já muito bem já sabia. Jesus queria que aquele pai expusesse toda sua
dor perante Ele. Isso é oração. Aquele pobre pai não estava chegando à uma
força impessoal, mas para uma Pessoa. Os milagres de cura que o Senhor efetuou
revelam a compaixão de Deus e mostram o quanto Ele se preocupa com a dor e o sofrimento
humano. Jesus permitiu que este homem que sofria pelo seu filho descortinasse
toda sua dor perante Ele.
Isso é orar, mas também
é crer, ou seja, o Senhor estava trabalhando no crescimento da fé daquele
homem. Observe que esse pai diz: “Ajuda a
minha incredulidade”. É bem provável que aquele homem estava com sua fé
totalmente diluída. Já não sabia em quem, nem no que acreditar para ver seu
filho liberto. A sinceridade desse homem não impediu o agir de Jesus, pelo
contrário, foi a partir daí que o menino ficou liberto.
4º - Jesus intervém e a
libertação acontece (Mc 9.25-27; Lc 9.42). Jesus ordenou
ao espírito que mantinha o menino cativo ir embora e nunca mais voltar. Diante
de todos os presentes o menino é liberto. Mas eu quero chamar a sua atenção
para um fato curioso. Observe o que esse pai fala o que acontecia com este
menino: “Senhor, tem misericórdia de meu
filho, que é lunático e sofre muito; pois muitas vezes cai no fogo, e muitas
vezes na água” (Mt 17.15). Mesmo antes da sua total libertação, o Senhor já
vinha preservando a vida desse menino. Quantas coisas ruins já lhe ocorreram e
você foi liberto delas. Isso já era a boa mão do Senhor guardando a sua vida.
Deus tem cuidado de cada um de nós mesmo antes da nossa conversão.
5
– POR FIM, VEMOS A IGNORÂNCIA AINDA PRESENTE NO CORAÇÃO DOS DISCÍPULOS (Lc
9.44,45).
Os discípulos haviam
escutado estas mesmas palavras em pouco mais de uma semana antes dessa ocasião.
Mas agora, tal como na ocasião anterior, pareciam sem significado para eles
[6].
A descrição da ignorância
e insegurança dos discípulos faz com que reconheçamos Lucas como um excelente
psicólogo. A causa principal de sua ignorância era que um véu cobria seu olhar
interior. A opinião do Senhor, de que ele teria de ser entregue nas mãos dos
homens conforme o desígnio de Deus, era inconcebível para eles. Jesus era o
único que poderia ter-lhes clareado a escuridão. Eles, porém, não tinham
coragem de perguntar-lhe. Em Mt 17.23, sua tristeza era a única coisa que não
os deixava alcançar a visão clara. O temor de que todas as suas esperanças
seriam destroçadas impedia-os de perguntar com mais pormenores ao Senhor acerca
daquilo que ele lhes anunciava [7].
Devemos entender duas
coisas com essas palavras de Jesus:
1º - Jesus não queria
que os discípulos perdessem o foco do que em breve iria lhe acontecer.
Tendo sido ensinado toda a sua vida que o Messias seria um libertador político
e militar, eles acharam difícil deixar essas esperanças que estavam enraizadas
em seus corações. Mas Jesus repetidamente deixava claro para eles que em sua
primeira vinda ele não veio como conquistador e governante, mas como Salvador e
sacrifício pelo pecado.
2º - Jesus não queria
que os discípulos cultivassem falsas expectativas a seu respeito.
Observe que o Senhor mais uma vez disse
aos seus discípulos: “Ponde vós estas palavras em vossos ouvidos”. Exortou-os
a ouvir; a prestar atenção e entender o que ele estava prestes a dizer-lhes. Jesus
diz isso após a multidão ficar maravilhada com o que havia acontecido. A
homenagem da multidão era inconstante; o louvor que lhe são oferecidos em
admiração e reverência diante da grandeza de Deus, era algo trivial e
temporário. Em cerca de seis meses, as pessoas iriam se voltar contra ele,
rejeitá-Lo, e exigir que Ele fosse crucificado. Naquela época o Filho do
Homem seria entregue nas mãos dos homens.
Jesus não se deixava
impressionar pelas palavras de louvor dos homens e fazia de tudo para que tais
palavras não fizesse os discípulos perderem o foco do que estava por lhe
acontecer.
Isso é serve de lição
para todos nós hoje. Precisamos pregar o Evangelho e esperar grandes
resultados, mas não ficarmos surpresos quando as mesmas pessoas que foram
alcançados pelas bênçãos de Deus o neguem depois. A história sempre se repete.
CONCLUSÃO
Aprendemos aqui que não
devemos viver de experiências passadas, achando que elas serão suficientes para
as lutas futuras. Devemos aprender mediante esse texto que devemos manter uma
vida de oração, jejum e devoção constantes na presença do Senhor. Como disse
Paulo aos Efésios: “Devemos estar revestidos de todas a armadura de Deus, para
enfrentarmos o dia mal”. Esse dia pode ser a qualquer momento.
Pense Nisso!
Bibliografia:
1 – Hendriksen,
William. Lucas, vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 681.
2 – Edwards, James R. O
Comentário de Marcos, Ed. Sheed, Santo Amaro, SP, 2018, p. 347.
3 – Lopes, Hernandes
Dias. Marcos, o evangelho dos milagres, Editora Hagnos, São Paulo, 2006, p. 318.
4 – Lopes, Hernandes
Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 311.
5 – Wiersbe, Warren W.
Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo
André, SP, 2007, p. 270.
6 – Ryle, J. C.
Meditação no Evangelho de Lucas, Ed. Fiel, São José dos Campos, SP, 2002, p.
155.
7 – Rienecker Fritz. O
Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba,
PA, 2005. p. 145.
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