terça-feira, 7 de dezembro de 2021

A LIBERTAÇÃO DE UM JOVEM POSSESSO – ESPIRITUALIDADE SEM PODER

Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 9.37-45

INTRODUÇÃO

Após a grande experiência que os discípulos, Pedro, Tiago e João tiveram no monte da Transfiguração, onde tiveram o privilégio de ver a glória de Deus, agora, ao descerem, eles se deparam com um senário caótico, a ação de Satanás na vida de um jovem possesso.

No sopé no monte encontramos confusão, medo e desespero enquanto que no monte vemos tranquilidade, graça e vitória futura. Como disse Willian Hendriksen: [no monte] “o Pai reafirmou seu amor por seu Filho, seu Escolhido; na planície, um pai agonizantemente intercede por seu único filho, um filho gravemente afligido. Mostra-nos como o grande e unigênito Filho, em seu infinito amor, revelou seu poder e compaixão para com esse outro filho único e para com seu pai” [1].

Essa passagem nós encontramos também em Mt 17.14-23; Mc 9.14-32, sendo que em Marcos essa passagem é mais rica em detalhes.

Mas quais as lições que podemos tirar desse texto?

1 – A PRIMEIRA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE NO MONTE NOS ENCHEMOS DE FÉ, MAS É NO VALE QUE SE PRATICA ESTA FÉ.

A vida de fé é vivida no vale, não no monte. Há muitas pessoas que querem viver no vale uma vida de monte, mas não dá. No monte temos visão da glória de Deus, mas é no vale que as batalhas são enfrentadas todos os dias. No vale tem gente padecendo nas mãos do diabo e cabe a igreja levar a mensagem de fé e esperança para essas pessoas cativas do diabo.

Vemos na Escritura alguns exemplos do que estamos falando. Moisés desce da jornada santificada no monte Sinai para confrontar a rebeldia e a idolatria de Arão e do povo (Êx 32); Elias deixa a tranquila força do Horebe para enfrentar o paganismo de Jezabel e Acabe (lRs 19); [...] Jesus, na descida do monte da Transfiguração com Pedro, Tiago e João, é confrontado de imediato com a discussão entre os mestres da lei e seus discípulos e também com um pai lutando desesperadamente pela vida de seu filho e a existência de sua fé [2].

Com isso em mente podemos destacar duas coisas:

1º - A fé do monte não tem nenhuma valia se não praticada no vale. A fé dos montes é uma experiência válida, pois, é muitas vezes arrebatadora, mas é momentânea; no entanto, a fé do vale é diária. Por isso que não adianta termos uma fé arrebatadora no monte se ela não é interagida diariamente no vale. A expressão “é só vitória!”, vem mediante constantes lutas todos os dias. Como nos fala Paulo em Efésios 6.10-13: “Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas ciladas do diabo. Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais resistir no dia mal e, havendo feito tudo, ficar firmes”. Nosso campo de batalha é no nosso dia a dia.

2º - A fé do monte é um vislumbre do céu, mas a fé do vale é a dura realidade desta terra. Depois dessa incrível experiência do reino eterno e glória divina de Cristo Jesus, Pedro, Tiago e João voltam para a dura realidade da vida, em um mundo caído e mau. Isso porque o céu não é aqui. Por isso enfrentamos tantas adversidades nesta vida. A fé que nós cristãos precisamos ter e praticar todos os dias é a do vale. Temos como exemplo o apóstolo Paulo que foi até o terceiro céu, mas pôs em prática a fé no vale de dor (2Co 12.1-10). A nossa fé é amadurecida no vale.

2 – A SEGUNDA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE NO VALE HÁ PESSOAS PADECENDO NAS MÃOS DO DIABO (Lc 9.37-39).

Os contrastes entre os dois incidentes são marcantes. Um aconteceu em um monte, o outro em um vale. No monte havia glória, no vale a tragédia. Na monte Jesus Cristo exibiu Sua gloriosa majestade, enquanto que no vale Satanás mostrou sua terrível violência e crueldade. É no vale que as pessoas estão sofrendo nas mão de Satanás e é no vale que o Senhor manifesta sua misericórdia e graça.

Diante disso o que podemos destacar algumas lições:

1º - No vale há um pai aflito esperando um milagre para seu filho (Lc 9.38,39). Hoje, há muitos pais desesperados por causa do que Satanás tem feito na vida de seus filhos. Não foi diferente com esse pai que tinha esse único filho. Vemos aqui um pai desesperado (Mt 17.15), pois o diabo entrou em sua casa e estava destruindo a vida de seu único filho (Mc 9.18).

Observe que esse pai discerniu que era um espírito maligno que se apoderara de seu filho (Lc 9.39). Embora o pai se referisse ao comportamento do menino como um epiléptico (Mt 17.15), ele entendeu que a condição de seu filho não era fisiológica, mas demoníaca. Mateus acrescenta que o demônio repetidamente tentou destruir o menino, jogando-o no fogo e muitas vezes na água. Segundo a nota particular de Mateus, esses acontecimentos estavam associados às mudanças da lua, por isso o pai o chama de lunático. Marcos observa que o demônio fez o menino ficar surdo e mudo (Mc 9.17,25), e que o havia afligido desde que ele era uma criança (Mc 9.21). A palavra usada para meninice é bréfos, palavra que descreve a infância desde o período intrauterino. O diabo não poupa nem mesmo as crianças. Aquele jovem vivia dominado por uma casta de demônios desde a sua infância [3]. Como, por que ou em que idade a criança tornou-se possuído por demônios não é revelado, por isso é inútil especular.

Isso nos serve de alerta, se Satanás ataca os nossos filhos ainda na infância, devemos ser vigilantes e procurar leva-los a Cristo desde a sua tenra idade. Satanás não tem poupado as crianças, pois ele sabe que quando mais cedo começar, mas cedo irá destrui-los. Observe a geração de hoje como se encontra. Tanto dentro quanto fora da igreja.

No auge do desespero, o pai do jovem correu para os discípulos de Jesus em busca de ajuda, mas eles estavam sem poder. A igreja tem oferecido resposta para uma sociedade desesperançada e aflita? Temos confrontado o poder do mal? Conhecimento apenas não basta; é preciso revestimento de poder. O reino de Deus não consiste em palavras, mas em poder [4].

2º - No vale há muitas pessoas desesperadas, mas há também muita discussão desnecessária (Mc 9.14-16). Enquanto que no monte a conversa do Senhor Jesus com Elias e Moisés era a respeito da nossa salvação mediante a Sua morte na cruz, no vale estava havendo uma discussão infrutífera, porque os discípulos não conseguiram expulsar o demônio daquele menino. Os discípulos se envolveram numa interminável discussão com os escribas, enquanto o diabo estava agindo livremente sem ser confrontado (Mc 9.14).

Aliás, o diabo estava agindo na vida do pobre menino e causando confusão entre os discípulos de Jesus e os escribas. Por isso que eles estavam perdendo um tempo precioso discutindo com pessoas que eram opositoras da obra de Cristo. Muitas vezes a discussão é necessária e até saudável, mas perder tempo discutindo com quem não quer nada com Jesus muitas vezes será perda de tempo. Será uma distração diabólica. Será jogar pérolas aos porcos. Outro grande problema que temos visto hoje é que há muita discussão e conhecimento, mas que não exerce ação positiva na vida das pessoas. Conhecimento sem ação é inútil.

3 – POR QUE OS DISCÍPULOS NÃO PUDERAM EXPULSAR ESSA CASTA DE DEMÔNIOS DESSE MENINO? (Lc 9.40; Mc 9.28,29)

Um pouco antes desse fato aqui ocorrer os apóstolos haviam recebido de Jesus autoridade para pregar o Evangelho do reino, curar os enfermos e expulsar demônios (Mc 6.7,12,13). Mais tarde, quando Jesus e os discípulos entraram na casa (provavelmente em Cesaréia de Filipe), os discípulos começaram a questionar-lhe em particular: “Por que não pudemos nós expulsá-lo?”. Ao estudar os três relatos (Mt 17; Mc 9 e Lc 9), descobrimos o que faltava na vida deles.

1 – Faltava fé (Mt 17.19,20). Provavelmente, devido ao sucesso passado, eles passaram acreditar que o poder vinha deles mesmos e não de Deus. Muitas vezes somos levados a acreditar que nossos sucessos dependem somente de nós mesmos e não de Deus. Corremos o risco de descair da fé confiante em Deus e passamos a acreditar em nossa própria capacitação. Isso é uma grande lição para nós.  

2 – Oração e jejum (Mt 17.21; Mc 9.29). Indicando que esses nove homens haviam deixado sua vida devocional deteriorar-se durante a breve ausência de Jesus. Não importa quantos dons espirituais possuímos, seu exercício nunca é automático [5]. Vida de oração e consagração faz parte da vida do cristão. Nós nunca saberemos quando iremos enfrentar uma casta de demônios.

Isso me lembra um fato ocorrido com um irmão que eu conheço. A alguns anos ele foi chamado para ajudar a instalar uma antena parabólica na casa de um conhecido dele que estava se mudando. Ele iria morar de caseiro. Esse irmão me contou que estava tentando sintonizar a antena na casa desse amigo, mas nada dava certo. Tentou várias vezes, e nada. Até que a esposa desse amigo dele chegou e falou para esse irmão. Fulano, a dona do sítio me perguntou se você era crente, e eu disse que sim, aí ela me perguntou se você sabe expulsar demônio, porque a empregada dela está possessa lá na cozinha dela. Você pode ir lá e expulsar o demônio? Esse amigo conta que desceu e foi até a cozinha e encontrou realmente a empregada possessa. Ele chegou expulsou o demônio em nome de Jesus, pregou o Evangelho para ela e voltou para tentar sintonizar o sinal da parabólica. Ele conta que quando voltou não levou cinco minutos e resolveu o problema, ou seja, Deus não permitiu que ele sintonizasse o sinal porque havia uma mulher que precisaria ser liberta naquela tarde da ação de Satanás.  

4 – A REAÇÃO DE JESUS DIANTE DO SOFRIMENTO DAQUELE PAI.

Se há algo que precisamos entender é que o Senhor não fica alheio ao sofrimento humano. Podemos até não entender o sofrimento e nem porque o Senhor o permite em nossas vidas. Mas alheio ao nosso sofrimento Ele não fica. Ainda que aparentemente Ele não esteja se importando.

Vejamos como o Senhor interviu naquela situação.

1º - Jesus acabou com a discussão desnecessária (Mc 9.14-16). Enquanto Satanás agia os discípulos discutiam com os enviados do diabo. Uma coisa que o diabo faz muito bem é nos distrair com conversas inúteis na hora que temos de agir.

2º - Jesus mandou trazer o menino (Mc 8.19,20). Muitas vezes estamos levando os nossos problemas para quem não pode resolvê-los. Observe que no momento em que o menino possesso chegou perto de Jesus o demônio se manifestou. Devemos levar os nossos problemas para Cristo, pois só Ele tem poder para nos dar a solução para resolvê-los. Mas entenda uma coisa, muitas vezes o problema irá aparentemente piorar. Veja que na hora que o menino chegou os demônios se manifestaram. Quando levamos os nossos problemas para Deus, o mesmo pode acontecer, mas é nessa hora que devemos confiar ainda mais na intervenção divina.

3º - Jesus trabalha a fé daquele pobre pai (Mc 9.21-24). O Senhor não estava pedindo para aquele pai lhe contar o que estava acontecendo para obter informações, pois ela já muito bem já sabia. Jesus queria que aquele pai expusesse toda sua dor perante Ele. Isso é oração. Aquele pobre pai não estava chegando à uma força impessoal, mas para uma Pessoa. Os milagres de cura que o Senhor efetuou revelam a compaixão de Deus e mostram o quanto Ele se preocupa com a dor e o sofrimento humano. Jesus permitiu que este homem que sofria pelo seu filho descortinasse toda sua dor perante Ele.

Isso é orar, mas também é crer, ou seja, o Senhor estava trabalhando no crescimento da fé daquele homem. Observe que esse pai diz: “Ajuda a minha incredulidade”. É bem provável que aquele homem estava com sua fé totalmente diluída. Já não sabia em quem, nem no que acreditar para ver seu filho liberto. A sinceridade desse homem não impediu o agir de Jesus, pelo contrário, foi a partir daí que o menino ficou liberto.

4º - Jesus intervém e a libertação acontece (Mc 9.25-27; Lc 9.42). Jesus ordenou ao espírito que mantinha o menino cativo ir embora e nunca mais voltar. Diante de todos os presentes o menino é liberto. Mas eu quero chamar a sua atenção para um fato curioso. Observe o que esse pai fala o que acontecia com este menino: “Senhor, tem misericórdia de meu filho, que é lunático e sofre muito; pois muitas vezes cai no fogo, e muitas vezes na água” (Mt 17.15). Mesmo antes da sua total libertação, o Senhor já vinha preservando a vida desse menino. Quantas coisas ruins já lhe ocorreram e você foi liberto delas. Isso já era a boa mão do Senhor guardando a sua vida. Deus tem cuidado de cada um de nós mesmo antes da nossa conversão.

5 – POR FIM, VEMOS A IGNORÂNCIA AINDA PRESENTE NO CORAÇÃO DOS DISCÍPULOS (Lc 9.44,45).

Os discípulos haviam escutado estas mesmas palavras em pouco mais de uma semana antes dessa ocasião. Mas agora, tal como na ocasião anterior, pareciam sem significado para eles [6].

A descrição da ignorância e insegurança dos discípulos faz com que reconheçamos Lucas como um excelente psicólogo. A causa principal de sua ignorância era que um véu cobria seu olhar interior. A opinião do Senhor, de que ele teria de ser entregue nas mãos dos homens conforme o desígnio de Deus, era inconcebível para eles. Jesus era o único que poderia ter-lhes clareado a escuridão. Eles, porém, não tinham coragem de perguntar-lhe. Em Mt 17.23, sua tristeza era a única coisa que não os deixava alcançar a visão clara. O temor de que todas as suas esperanças seriam destroçadas impedia-os de perguntar com mais pormenores ao Senhor acerca daquilo que ele lhes anunciava [7].

Devemos entender duas coisas com essas palavras de Jesus:

1º - Jesus não queria que os discípulos perdessem o foco do que em breve iria lhe acontecer. Tendo sido ensinado toda a sua vida que o Messias seria um libertador político e militar, eles acharam difícil deixar essas esperanças que estavam enraizadas em seus corações. Mas Jesus repetidamente deixava claro para eles que em sua primeira vinda ele não veio como conquistador e governante, mas como Salvador e sacrifício pelo pecado.

2º - Jesus não queria que os discípulos cultivassem falsas expectativas a seu respeito. Observe que o Senhor mais uma vez disse aos seus discípulos: “Ponde vós estas palavras em vossos ouvidos”. Exortou-os a ouvir; a prestar atenção e entender o que ele estava prestes a dizer-lhes. Jesus diz isso após a multidão ficar maravilhada com o que havia acontecido. A homenagem da multidão era inconstante; o louvor que lhe são oferecidos em admiração e reverência diante da grandeza de Deus, era algo trivial e temporário. Em cerca de seis meses, as pessoas iriam se voltar contra ele, rejeitá-Lo, e exigir que Ele fosse crucificado. Naquela época o Filho do Homem seria entregue nas mãos dos homens.

Jesus não se deixava impressionar pelas palavras de louvor dos homens e fazia de tudo para que tais palavras não fizesse os discípulos perderem o foco do que estava por lhe acontecer.

Isso é serve de lição para todos nós hoje. Precisamos pregar o Evangelho e esperar grandes resultados, mas não ficarmos surpresos quando as mesmas pessoas que foram alcançados pelas bênçãos de Deus o neguem depois. A história sempre se repete.

CONCLUSÃO

Aprendemos aqui que não devemos viver de experiências passadas, achando que elas serão suficientes para as lutas futuras. Devemos aprender mediante esse texto que devemos manter uma vida de oração, jejum e devoção constantes na presença do Senhor. Como disse Paulo aos Efésios: “Devemos estar revestidos de todas a armadura de Deus, para enfrentarmos o dia mal”. Esse dia pode ser a qualquer momento.

Pense Nisso!

Bibliografia:

1 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 681.

2 – Edwards, James R. O Comentário de Marcos, Ed. Sheed, Santo Amaro, SP, 2018, p. 347.

3 – Lopes, Hernandes Dias. Marcos, o evangelho dos milagres, Editora Hagnos, São Paulo, 2006, p. 318.

4 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, 2017, p. 311.

5 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 270.

6 – Ryle, J. C. Meditação no Evangelho de Lucas, Ed. Fiel, São José dos Campos, SP, 2002, p. 155.

7 – Rienecker Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 145.

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