segunda-feira, 12 de maio de 2014

A usura à luz da Bíblia


Por Antônio Pereira Jr.

Texto Básico: Levítico 25.35-38

INTRODUÇÃO

O que é usura? O Dicionário Aurélio define usura da seguinte forma: “Delito cometido por quem empresta dinheiro, cobrando taxa excessiva de juros; agiotagem. Juro excessivo, muito além da taxa usual ou legal” [1]. Alguns autores, entre eles, Houaiss derivam a palavra “juros” de “jus”, “juris” (“direito, justiça”). Os juros seriam, portanto, o que é direito receber pelo aluguel de uma determinada quantia. No decorrer da história vários conceitos e ensinamentos foram se desenvolvendo sobre o tema. Alguns a favor outros contra, nas mais variadas culturas. Usando os termos usura e juros como sinônimos. Somente no século 18, quando as leis da Economia começam a ser estudadas cientificamente, é que se propõe a distinção entre os vocábulos: “juros” e “usura”, usando-se juro para designar a taxa de remuneração pelo uso do dinheiro, e usura para o empréstimo de dinheiro a taxas superiores às legais.

A USURA AO LONGO DA HISTÓRIA[2]

Inicialmente, cumpre consignar que a usura teve diversas significações ao longo dos tempos, razão pela qual o seu estudo deve englobar, ainda, os contextos fáticos e sociais de cada época. A polêmica sobre os juros é que a cobrança excessiva sempre provoca maiores danos ao devedor. No conceito atual, usura não significa simplesmente o interesse devido pelo uso de alguma coisa. É o interesse excessivo, isto é, a estipulação exagerada de um juro, que ultrapasse ao máximo da taxa legal, ou a estipulação de lucro excessivo, ou excedente do lucro normal e razoável.

Vários códigos éticos mais antigos da humanidade já falavam sobre a usura, como o de Hamurabi, por exemplo. Aristóteles foi enfático ao condenar a usura. Condenava-a em qualquer forma. A tese dele era que a moeda, ao contrário dos seres vivos, não se reproduz, portanto, não poderia produzir filhotes.

O problema é o que caracteriza um juro abusivo? As taxas praticadas historicamente em diversos locais e povos variavam sensivelmente, conforme demonstra Alencar (2006, p. 1)[3]: Em Atenas a taxa de juros era de 12% ao ano; na China habitualmente cobrava-se 12%, elevando-se a taxa se o empréstimo era a longo prazo, podendo atingir até 30%; em Roma a taxa era de 12%, mas efetuavam-se empréstimos até 48%; na Idade Média os lombardos e judeus cobravam a taxa de 20%. Henrique VIII, na Inglaterra, em 1546, proibiu taxa superior a 10%; mas nas colônias inglesas, notadamente na Índia, cobrava-se até de 60%.

Desde muito tempo a Igreja Católica se manifestou sobre os ganhos usurários, apesar de explorar o povo de outras formas.S. Basílio em especial e S. Tomás de Aquino, ao longo da Idade Média, também condenou a usura. Essas condenações compartilham a característica de condenar qualquer cobrança de juros, sob o nome comum de usura, qualquer que seja a taxa praticada. Em 1745, o Papa Benedito XIV promulgou a encíclica “Vix Pervenit” condenando a usura. Santo Tomás de Aquino tinha a usura como pecado contra a própria justiça. A usura, segundo a Igreja, estaria ligada, ainda, à avareza e à preguiça, condutas estas que são claramente contrárias ao que se espera de um bom cristão.

Só no final do século XV surgem os primeiros diplomas legais que estipulariam os valores cobrados pelo empréstimo de dinheiro. Passou-se então a distinguir juro de usura. Juro era a taxa cobrada dentro dos valores estipulados em lei; usura seria o termo utilizado para se referir à cobrança de taxas superiores ao limite máximo permitido legalmente.

DA USURA E TAXAS DE JUROS NO DIREITO BRASILEIRO

O Brasil, no limiar de sua história, por ser colônia, submetia-se a norma jurídica de Portugal. Em 1446 as Ordenações Afonsinas já regulavam a usura. D. Pedro II, em 24 de outubro de 1832, sancionou a lei que exterminava com o limite de juros. Silenciam-se as Constituições de 1824 e a de 1891 sobre a usura ou sobre o limite das taxas de juros. Vigente, então, a lei de 1832. Prevalece a livre negociação dos juros.

Em 1º de janeiro de 1917 entra em vigor o Código Civil de 1916, que estabelece o limite de 6% (seis por cento) como os juros devidos por força de lei ou quando não convencionado pelas partes. Já se tratava de um avanço no sentido de coibir a usura. No ano de 1933, Getúlio Vargas promulgou a Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33), fixou um limite de taxa de juros de doze por cento ao ano (12% a.a.), bem como a impossibilidade do anatocismo (cobrança de juros sobre juros) com periodicidade inferior a um ano.

Na Constituição Federal de 1934, dispunha que a usura é proibida e será punida na forma da Lei. Mesmo fenômeno ocorre com a Carta Constitucional de 1946. A Carta Magna de 1967 atribui poderes ao Presidente da República e ao Senado Federal por intermédio de resolução alterar os limites dos juros. A Constituição brasileira de 1934 e sua sucessora, a de 1946, estabeleceram que a usura era uma prática proibida, bem como seria punida na forma da lei. Mais a mais, foi promulgada a Lei nº 1.521/51, que versava sobre os crimes contra a economia popular. Assim, a usura passou ao status de crime, observando-se mais um expoente legislativo no combate aos abusos na cobrança de juros.

A Carta Constitucional de 1988 determina que as taxas de juros reais não possam ser superiores a doze por cento ao ano, a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades. A despeito de ser reconhecida a prática da usura como proibida no país e de ser lei complementar, a prática usurária continuou e o teto jamais foi reconhecido pela Corte Constitucional.

O Supremo Tribunal Federal (STF) por intermédio da Súmula n. 596 alberga a possibilidade dos bancos ou agentes componentes do sistema financeiro nacional de cobrarem os juros no patamar que lhes melhor aprouver. Claro que em cada novo Presidente da nação a política financeira tem mudanças. O STF editou a Súmula n. 121, na qual é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada. Essa súmula impede, expressamente, o anatocismo. Tal qual já dispunha o Código Comercial.

O QUE A BÍBLIA FALA SOBRE A USURA?

Regra geral, a Bíblia condena a usura. Vejamos algumas passagens bíblicas:

Êxodo 22.25 – “Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não agirá com ele como credor que impõe juros”.

Levítico 25.35, 36, 37 – “Se teu irmão empobrecer, e as suas forças decaírem, então, sustentá-lo-ás. Como estrangeiro e peregrino ele viverá contigo. Não receberás dele juros nem usuras; teme, porém, ao teu Deus, para que teu irmão viva contigo. Não lhe darás teu dinheiro com juros, nem lhe darás alimento para receber usura”.

Deuteronômio 23.20 – “Ao estrangeiro emprestarás com juros, porém a teu irmão não emprestarás com juros, para que o SENHOR, teu Deus, te abençoe em todos os teus empreendimentos na terra a qual passas a possuir”.

Salmos 15: 1, 2, 5 – “Quem, SENHOR, habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo monte? O que vive com integridade, e pratica a justiça… o que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno contra o inocente. Quem deste modo procede não será jamais abalado”.

Lucas 6.34-35 – “E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, qual é a vossa recompensa? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para receberem outro tanto. Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus”.

Várias palavras, tanto no grego quanto no hebraico, tratam de forma geral sobre lucro: 1. Betsa ou batsa, «ganho desonesto», «despojo». Jz 5.19; Jó 22.3; Pv 1.19;15.27; Is 33.15; 56.11; Mq 4.13; Ez 22.13,27. 2. Mechir, «preço», «aluguel». Dn 11.39; Dt 23.18; II Sm 24.24; I Reis 10.28; II Cr 1.16; Sl 44.12; Jr 15.13. 3. Tebuah, «aumento», «fruto». Pv 3.14; 8.19; 15.6; 16.8; Is 23.3 e Jr 12.13. 4. Kérdos, «lucro». Fp 1.21; 3.7 e Tito 1.11. – O verbo, kerdalno, «lucrar», aparece por treze vezes, em Mt 16.26; 18.15; 25.17,20,22; Mc 8.36; Lc 9.25; At 27.21; I Co 9.19-22. 5. Porismôs,«obtenção», «provisão»: I Tm 6.5,6. 6. Ergasla, «esforço», «trabalho». Com o sentido de lucro: At 16.16,19; 19.24. A forma reforçada, prosergâzomai, «visar ao lucro», aparece por uma vez, em Lc 19.16. 7. Pleonektéo, «tirar vantagem de». II Co 12.17,18.

Conforme se vê na lista acima, as palavras apontam para um lucro obtido através da violência, da injustiça (Jz 5.19); para os despojos (Pv 1.19); para o ato de alugar, de contratar (Mq 4.13); ou então para uma recompensa (Dn 11.39) e para o ganho mediante o ato de compra (Dn 2.8). Deus condena a usura e riqueza desonesta. Jr 22.13; Tg 5.1-6; Ez 18.5-9.

Onde a ganância prevalece, aí surgem abusos. A prática de hipotecar terras, às vezes a juros exorbitantes, cresceu entre os judeus, durante o cativeiro babilônico, o que violava diretamente a antiga lei mosaica. Assim, Neemias precisou arrancar um juramento da parte de seus compatriotas, a fim de que esse abuso tivesse ponto final – Ne 5:3-13.

Os vocábulos gregos, usados no Novo Testamento, referem-se ao trabalho ou aos negócios (At 16.16,19); à vantajosa obtenção da vida eterna, adquirida por ocasião da morte biológica do crente (Fp 3.7); a algum meio de ganho (I Tm 6.5,6); a piedade é um grande lucro (vs. 6); obter ganho ou lucro (Mt 16.26; 18.15; 25.17); ao lucro por meio do comércio (Lc 19.16).

Resumidamente, portanto, um israelita não podia cobrar juros de um seu compatriota (Êx 22.25; Lv 25.36,37; Dt 23.19,20). Muitos deles praticam a agiotagem, a despeito disso ser-lhes vedado pela lei mosaica, onde é condenada como desonesta e imoral (Pv 28.28; Ez 18.13; 22.12). Todavia, juros podiam ser legitimamente cobrados de estrangeiros que pedissem empréstimos (Dt 23.20). Sabemos que, nos dias do Novo Testamento, os juros cobrados sobre os empréstimos eram a regra econômica da época (Mt 25.27; Lc19.23; Josefo, Guerras 2.17). Supõe-se que, na sociedade hebreia, a lei contra a cobrança de juros de algum irmão (compatriota israelita) prevalecia de modo geral, embora com abusos ocasionais.

PODE UM CRISTÃO COBRAR JUROS?

Existem vários tipos de juros. No caso aqui, penso que seja cobrar uma taxa por algum dinheiro emprestado. Jesus não condenou a prática de cobrar juros; mas não demonstrou apreciação pela prática da usura (Mt 6.19-21). Há um Senhor mais alto a quem devemos servir (Mt 6.24). Mateus 5.25-26 mostra-nos que Jesus preferia atitudes amigáveis e hospitaleiras como fatores para ajudar na solução de problemas surgidos entre credores e devedores, em lugar de coerção legal. No entanto, todos os cristãos devem pagar impostos nos países onde vivem. Essa é uma dívida legal e apropriada, conforme Romanos 13.6 em diante.

A usura está intimamente ligada à cobrança excessiva de juros e, por isso, constitui crime no Direito Penal brasileiro; aquele que pratica a usura é popularmente conhecido como agiota. Tal expressão se refere não somente ao particular, mas também às pessoas jurídicas que especulam indevidamente e ultrapassam o máximo da taxa de juros prevista legalmente, praticando crime contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/86).

PERGUNTAS PARA APROFUNDAMENTO:

O que você considera um juro justo?
Um cristão que está nas mãos de um agiota deve denunciá-lo? O que fazer?
Sua igreja tem ministrado estudos sobre administração financeira?
A igreja tem obrigação de ajudar quem está passando problemas financeiros?

[1] Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/Usura.html. Acesso em: 18.07.2013
[2] Da Silva, Alessandro Alcino. Da Proibição da Usura ao Longo da História e nas Diversas Culturas Humanas. Disponível em: http://jusvi.com/artigos/44626. Acesso em: 18.07.2013. Com algumas alterações e acréscimos.
[3] ALENCAR, Martsung F.C.R. Noções básicas sobre juros e o combate histórico à usura. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1000, 28 mar. 2006.

Fonte: NAPEC

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