sábado, 10 de julho de 2010

A VOCAÇÃO DA IGREJA


Por Jonas Madureira

Aproximou-se dele um dos escribas que os ouvira discutir e, percebendo que lhes havia respondido bem, perguntou-lhe: “Qual é o principal de todos os mandamentos?” Jesus respondeu: “O principal é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o coração, de toda a alma, de todo o entendimento e de todas as forças. E o segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”
(Mc 12.28-34)

A vocação da igreja é amar. Certamente, não é qualquer “amar”, mas um “amar” que se direciona a Deus e ao próximo. Isso parece ser fácil de entender. Mas não é! Temos uma forte tendência de separar radicalmente esse duplo direcionamento que caracteriza a vocação da igreja, porque estamos aparentemente convencidos de que “amar a Deus” e “amar o próximo” são duas coisas distintas e independentes uma da outra. Veja, poderíamos mostrar inúmeros exemplos de pessoas que se preocupam demasiadamente com o culto, a liturgia e a estética da adoração, e que infelizmente nada ou quase nada fazem pelo próximo. Portanto, parece razoável crer que é possível amar a Deus sem amar o próximo. Em contrapartida, poderíamos também mostrar vários exemplos de pessoas que estão mais preocupadas com as obras de caridade do que com a adoração a Deus. Para essas pessoas, o cristianismo se reduz a acolher os carentes, os marginalizados, os discriminados, e por aí vai... Por isso, parece ser bastante razoável acreditar que é possível amar o próximo sem amar a Deus.

Fato é que as coisas não são tão simples assim. É preciso entender que o “amar” que caracteriza a ação da igreja no mundo é uma vocação divina, ou seja, é um chamado, um mandamento (Mc 12.28-34). E isso faz toda a diferença, pois o “amar” da igreja não é resultado de uma tendência interna que supostamente acompanharia a essência da igreja. Pelo contrário, o “amar” da igreja deve ser resultado de sua obediência ao chamado divino. Ou seja, é Deus quem determina o modo que a igreja deve amar! E isso é o bastante para nos convencer de que, em primeiro lugar, precisamos abandonar qualquer perspectiva dicotomizadora da vocação da igreja, e, em segundo lugar, que é possível, sim, amar a Deus sem amar o próximo e amar o próximo sem amar a Deus, porém nenhum desses dois amores é o tipo de amor que Deus reivindica de sua igreja.

Entretanto, o que mais me preocupa não é a nossa tendência de separar o duplo direcionamento do amor que Deus requer de sua igreja. O que mais preocupa é que, no afã de abandonarmos nossa tendência dicotomizadora, acabemos por identificar radicalmente o duplo direcionamento do amor. Daí compreenderíamos muito mal a vocação da igreja, pois entenderíamos que amar a Deus é a mesma coisa que amar o próximo e amar o próximo a mesma coisa que amar a Deus. Recentemente, vi um líder de jovens pregando para a moçada da igreja. Ele dizia que, quando viu um menino de rua na sarjeta, estava vendo Jesus, e, ao abraçá-lo, estava abraçando Jesus, e, ao amá-lo, estava amando Jesus... Isso é muito bonito, soa agradável aos ouvidos. E dito ainda com palavras melodramáticas e lágrimas no rosto, tal discurso torna-se, para muitos, um apelo altamente piedoso! Porém, a dificuldade é patente: Como aceitar que o ato de amar o próximo seja o mesmo que o ato de amar a Deus? Jesus ensinou que não devemos confundir essas instâncias. Basta lembrarmos que, quando um de seus discípulos resmungou, porque uma mulher havia derramado um bálsamo caríssimo sobre sua cabeça, dizendo: “Para que este desperdício? Este perfume poderia ser vendido por muito dinheiro e dar-se aos pobres”, Jesus imediatamente lhe respondeu: “Ela praticou boa ação para comigo... Onde for pregado em todo mundo este evangelho, será também contado o que ela fez” (Mt 26.7-13). Nesse episódio, Jesus nos ensinou que “amar a Deus” não é a mesma coisa que “amar o próximo”.

Mas parece que teríamos ainda um problema, pois, ao que parece, no contexto da vocação da igreja, não poderíamos separar radicalmente os dois amores, nem tampouco identificá-los. Será que é isso mesmo? Sim! É isso mesmo! Ora, existem coisas no mundo que são assim, ou seja, coisas que não podemos identificá-las, mas que tampouco podemos separá-las. Por exemplo, a cor, a saturação, o brilho, o sombreamento, o timbre são coisas que não podem ser separadas de uma superfície ou de um corpo. Veja, um galho pode ser cortado de uma árvore, mas a cor vermelha não pode ser cortada da maçã. Portanto, existem coisas que podem ser distintas, porém não podem existir separadamente. E isso vale para a vocação da igreja, pois Deus não quer que o amemos sem amarmos o próximo, nem tampouco que amemos o próximo sem amá-lo. Por isso, todas as vezes que amamos a Deus somos convocados por ele a amar o próximo, e todas as vezes que amamos o próximo somos imediatamente convocados a amá-lo.

Portanto, se queremos cumprir nossa vocação, não podemos separar radicalmente o “amar a Deus” do “amar o próximo”. Esses dois amores são como a unidade de corpo e alma. Podemos distingui-los, mas jamais dicotomizá-los. Se amarmos o próximo sem amarmos a Deus, seremos como os ateus que são capazes de amar o próximo sem amar a Deus; se amarmos a Deus sem amarmos o próximo, seremos como os gnósticos que amam a alma e odeiam o corpo.

Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia seu irmão, é mentiroso. Pois quem não ama seu irmão, a quem viu, não pode amar a Deus, a quem não viu. E dele temos este mandamento: quem ama a Deus ame também seu irmão (1Jo 4. 20,21).

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