sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

"SUICÍDIO DE PASTORES: Uma análise dos fatores de risco que contribuem para a consumação do suicídio


Por Everton A. P. Lacerda

Oliveira entende que historicamente foi construída por parte das comunidades cristãs uma imagem distorcida da figura do pastor, atribuindo aos pastores praticamente o título de “semideuses”, cuja atribuição de poder imputada à pessoa do pastor elimina a possibilidade de que o mesmo externe suas crises e temores, isto é, qualquer sinal de limitação, desgaste, fragilidade e cansaço seja ele de ordem física, mental ou espiritual na realização de suas atividades pessoais e comunitárias. Isso fará com que ele desenvolva um estilo de vida demasiadamente exaustivo que não se pode viver por não ser autêntico, podendo o pastor “estar de tal forma identificado com o seu papel, que se perde a humanidade em função da profissão”. 

Segundo a psicóloga Dâmaris C. de Araújo Malta, esse estilo de vida, por não ser autêntico, pode desencadear um quadro doentio de depressão uma vez que a Depressão é uma síndrome biopsicossocial, um distúrbio de humor. Atualmente é a doença que mais tem incidência nos consultórios médicos. Em termos biológicos, há uma alteração fisiológica; em termos psicossociais, a depressão pode estar relacionada a algum sofrimento individual ou coletivo. O relacionamento do ser consigo mesmo, com os outros ou com um Ser Superior influencia seu modo de atuação e percepção do mundo. A depressão pode ser um resultado da interação do homem com o mundo, que muitas vezes lhe é inóspito. Pode ser a manifestação da escolha inautêntica do Ser.

Oliveira destaca três patologias citadas pelo teólogo Leonardo Boff que podem ser desencadeadas em função dessa auto desumanização. Trata-se da “negação, a obsessão e o descuido”. 

Na negação, o “ritmo frenético” em que o pastor desenvolve suas funções faz com que o mesmo, consciente ou inconscientemente seja indiferente quanto aos cuidados para consigo mesmo, não respeitando os limites e necessidades sinalizados pelo seu corpo. Sendo assim, aspectos simples e importantes relacionados às suas necessidades básicas como “alimentação, sono, lazer e descanso” são ignorados completamente. Essa negligência tem contribuição relevante para que haja o desenvolvimento desse processo de desumanização.

Na obsessão, o pastor “se perde no enfoque entre cuidado de si mesmo e o do outro, passando a se proteger de tal forma que prejudica o seu exercício profissional e suas próprias relações. A relação de ajuda acontece de forma impessoal, técnica e comercial”.

No descuido, devido à falta de percepção quanto à importância do cuidado de si mesmo, o desempenho do cuidador será totalmente comprometido e prejudicado, tornando sua jornada insustentável mediante o excesso de compromissos e responsabilidades. O produto desse descuido contribuirá para o aumento do número de divórcios, doenças e suicídios que acometem os pastores.

A construção dessa imagem pastoral distorcida desrespeita, deforma e agride a humanidade desse pastor, contribuindo para que os pastores sabotem de forma oculta as suas próprias emoções e “temam ao mostrar determinadas emoções e sentimentos, a dúvida, a fragilidade, os desejos e interesses estritamente pessoais ou tudo quanto puder ser visto por outros como uma falha”. A internalização contínua dessas emoções resultará no desenvolvimento de graves enfermidades de ordem física, mental e emocional. 

Diante dessa realidade, o pastor por sua vez, pressionado a não viver sua humanidade, nega seu cansaço, seus sentimentos de tristeza e fracasso, em seu sofrimento, descuida dos aspectos importantes da sua vida e submete-se em nome da “Obra do Senhor” (e de acordo com a sua visão de ministério) a um ativismo alienante que pode levá-lo a uma vida extremamente solitária. Embora cercado de tantos irmãos, sente-se impedido de expressar seus autênticos sentimentos e sua vida diante deles.

Segundo Camon, psicoterapeuta e Assessor do Serviço de Atendimento aos Casos de Urgência e Suicídio da Secretaria de Saúde de São Paulo, essa condição existencial solitária ao ser vivenciada, consequentemente estabelece uma filosofia de vida insuportável de se viver por causa do isolamento. Esse sofrimento extremo ocasionado pela ausência do outro iniciará um “processo contínuo e doloroso” que desembocará, portanto, no desespero pela opção do suicídio. “A morte se apresenta, então, como única alternativa para a sensação de não suportar o peso da própria vida, da própria condição humana”.

A psicóloga Oliveira não somente concorda com Camon, como deixa sua contribuição esclarecendo que “a solidão é um perigo que ameaça constantemente os cuidadores e tem sido uma das principais queixas de pastores que precisam remover a couraça da solidão. Não se trata de uma solidão física, mas existencial”. 

Sejam as demandas desmedidas estabelecidas por parte da comunidade ou por parte do próprio pastor, a realidade é que No meio eclesial, nós, ministros religiosos, temos sofrido sob fortes pressões na área do trabalho. Algumas são impostas pela comunidade, outras são assumidas por nós mesmos. Nossa tarefa tem sido descobrir e trabalhar necessidades emocionais negadas ou atrofiadas por fatores, tais como: compreensão errônea do papel desempenhado na comunidade (super pastor); sobrecarga de atividades e agenda sempre cheia; expectativas em relação à família pastoral de ser uma família perfeita, etc. 

Pastores se suicidam quando não são cuidados em suas crises.

Dentro desse complexo contexto, é de grande relevância o relato do pastor norte-americano Bill Hybels quando diz que uma das maiores preocupações e foco de grande tensão e conflito pessoal interno demonstrado por pastores, estão diretamente relacionados ao elevado nível de estresse e ao peso das pressões que são exercidas sobre eles. Portanto, nenhum pastor está imune de vivenciar a experiência de sentir que a emoção de servir a Cristo foi “substituída por uma sensação d morte iminente”.

O mesmo autor menciona a insegurança dos mesmos em relação à capacidade de resistência em relação a elas, alguns de maneira desesperadora procuram forças para seguir em frente, outros questionam a si mesmos quanto à possibilidade de continuar no ministério, enquanto outros demonstram estarem a ponto de ter um colapso nervoso. Também outros se indagam se conseguiriam sobreviver ao seu chamado. 

Tais aspectos de comportamentos mencionados por Hybels são alarmantes e dão claras evidências de sinais de depressão, uma vez que Os sinais de depressão incluem tristeza, apatia e inércia, tornando difícil continuar vivendo ou tomar decisões; perda de energia e fadiga, normalmente acompanhadas de insônia; pessimismo e desesperança; medo, autoconceito negativo, quase sempre acompanhado de autocrítica e sentimento de culpa, vergonha, senso de indignidade e desamparo; perda de interesse no trabalho, sexo e atividades usuais, perda de espontaneidade dificuldade de concentração; incapacidade de apreciar acontecimentos ou atividades agradáveis; e, frequentemente perda de apetite.

Segundo Oliveira, como são muitas as limitações e as fraquezas do pastor, assim também são muitas as crises vivenciadas por ele. A incapacidade dos pastores de reagir diante das exigências utópicas e desmedidas que lhes são impostas tem colaborado para o desenvolvimento de graves crises que não são tratadas adequadamente, como crises relacionadas ao seu pastorado, “de identidade, vocacionais, crises de relevância e metodologia, crises diante da queda de um colega, crise diante do desalento e temor, crises familiares, sociais, econômicas e crises espirituais”. Os desdobramentos mediante o não acolhimento de alguém que está passando por essas crises podem originar um quadro de angustia e depressão irreversível, resultando na descontinuidade permanente das atividades pastorais.

Pastores se suicidam quando entram em Burnout.

Oliveira também alerta para uma doença chamada Síndrome de Burnout, sendo considerada como “síndrome da desistência, de exaustão ou de consumição”. Ainda que pouco conhecida, tem sido muito comum diagnosticá-la em pastores devido às demandas desmedidas e metas utópicas as quais se submetem e se frustram por não atingirem. Embora muitas vezes confundida com o “Stress”, a Síndrome de Burnout é provocada pelo excesso ou sobrecarga de trabalho, provocando no pastor não somente esgotamento físico, mas também mental, emocional e espiritual.

Segundo a definição de Maslach e Jackson, essa síndrome “é uma reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e excessivo com outros seres humanos, particularmente quando estes estão preocupados ou com problemas”, seus sintomas produzem “exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal”.

Oliveira entende que a exaustão emocional pastoral é “caracterizada por um sentimento muito forte de tensão emocional que produz uma sensação de esgotamento, de falta de energia e de recursos emocionais próprios para lidar com as rotinas de prática profissional”. Essa incapacidade emocional gera a “despersonalização” que fará com que as pessoas compreendidas até então em um vínculo de afetividade sejam negativamente coisificadas e tratadas a partir de então como objeto e não mais como pessoas. Essa desumanização que não entende mais o ser humano como pessoa e sim como coisa ou objeto produzirá inevitavelmente a “falta de realização pessoal”, que comprometerá negativamente o desempenho de suas habilidades.

O doutor Dráuzio Varela, citado pela psicóloga Oliveira, entende que: O sintoma típico de Burnout é a sensação de esgotamento físico e emocional, que se reflete em atitudes negativas, como ausência no trabalho, agressividade, isolamento, mudanças bruscas de humor, irritabilidade, dificuldade de concentração, lapsos de memória, ansiedade, depressão, pessimismo, baixa autoestima. Dor de cabeça, enxaqueca, cansaço, sudorese, palpitação, pressão alta, dores musculares, insônia, crises de asma, distúrbios gastrintestinais são manifestações físicas que podem estar associada à síndrome.

Segundo o pastor Ednilson Correia de Abreu, os pastores não somente têm todo o “perfil” como também estão inclinados a desenvolverem essa doença. Sendo assim, o Burnout é “um mal que parece ter sido feito sob medida para os líderes pastorais”, uma vez que pregar, ensinar, liderar, aconselhar, visitar, consolar, encorajar, corrigir, planejar, mediar e administrar a instituição eclesiástica são tarefas que têm tudo a ver com a possibilidade de sofrer com esta síndrome. A ausência de cuidados específicos desse problema pode trazer grandes riscos à saúde física, mental, emocional e também espiritual, sendo necessária uma intervenção médica psiquiátrica devido o perigo de um possível suicídio no avanço da doença.

Olhando para esse cenário, e a fim de manter robusta a vocação pastoral, destaca o pastor Nelson que, o contexto social em que vivemos tem afetado diretamente o pastor e sua família. Essa temática exige de todos nós um esforço concentrado, visando analisar, sob todos os aspectos, a realidade em que nos encontramos. Se conseguirmos nos despertar para a urgência e a necessidade de levar a sério a questão e tomarmos algumas providencias pessoais, familiares e institucionais, isso nos levará a alcançar condições mais favoráveis e saudáveis para os relacionamentos que envolvem a figura pastoral.

Fonte: Extraído parte do livro "SUICÍDIO DE PASTORES: Uma análise dos fatores de risco que contribuem para a consumação do suicídio. Do pastor Everton A. P. Lacerda

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Os Desigrejados


Por Augustus Nicodemus Lopes 

Para mim resta pouca dúvida de que a igreja institucional e organizada está hoje no centro de acirradas discussões em praticamente todos os quartéis da cristandade, e mesmo fora dela. O surgimento de milhares de denominações evangélicas, o poderio apostólico de igrejas neopentecostais, a institucionalização e secularização das denominações históricas, a profissionalização do ministério pastoral, a busca de diplomas teológicos reconhecidos pelo estado, a variedade infindável de métodos de crescimento de igrejas, de sucesso pastoral, os escândalos ocorridos nas igrejas, a falta de crescimento das igrejas tradicionais, o fracasso das igrejas emergentes – tudo isto tem levado muitos a se desencantarem com a igreja institucional e organizada.

Alguns simplesmente abandonaram a igreja e a fé. Mas, outros, querem abandonar apenas a igreja e manter a fé. Querem ser cristãos, mas sem a igreja. Muitos destes estão apenas decepcionados com a igreja institucional e tentam continuar a ser cristãos sem pertencer ou frequentar nenhuma. Todavia, existem aqueles que, além de não mais frequentarem a igreja, tomaram esta bandeira e passaram a defender abertamente o fracasso total da igreja organizada, a necessidade de um cristianismo sem igreja e a necessidade de sairmos da igreja para podermos encontrar Deus. Estas idéias vêm sendo veiculadas através de livros, palestras e da mídia. Viraram um movimento que cresce a cada dia. São os desigrejados.

Muitos livros recentes têm defendido a desigrejação do cristianismo (*). Em linhas gerais, os desigrejados defendem os seguintes pontos.

1) Cristo não deixou qualquer forma de igreja organizada e institucional.

2) Já nos primeiros séculos os cristãos se afastaram dos ensinos de Jesus, organizando-se como uma instituição, a Igreja, criando estruturas, inventando ofícios para substituir os carismas, elaborando hierarquias para proteger e defender a própria instituição, e de tal maneira se organizaram que acabaram deixando Deus de fora. Com a influência da filosofia grega na teologia e a oficialização do cristianismo por Constantino, a igreja corrompeu-se completamente.

3) Apesar da Reforma ter se levantado contra esta corrupção, os protestantes e evangélicos acabaram caindo nos mesmíssimos erros, ao criarem denominações organizadas, sistemas interligados de hierarquia e processos de manutenção do sistema, como a disciplina e a exclusão dos dissidentes, e ao elaborarem confissões de fé, catecismos e declarações de fé, que engessaram a mensagem de Jesus e impediram o livre pensamento teológico.

4) A igreja verdadeira não tem templos, cultos regulares aos domingos, tesouraria, hierarquia, ofícios, ofertas, dízimos, clero oficial, confissões de fé, rol de membros, propriedades, escolas, seminários.

5) De acordo com Jesus, onde estiverem dois ou três que crêem nele, ali está a igreja, pois Cristo está com eles, conforme prometeu em Mateus 18. Assim, se dois ou três amigos cristãos se encontrarem no Frans Café numa sexta a noite para falar sobre as lições espirituais do filme O Livro de Eli, por exemplo, ali é a igreja, não sendo necessário absolutamente mais nada do tipo ir à igreja no domingo ou pertencer a uma igreja organizada.

6) A igreja, como organização humana, tem falhado e caído em muitos erros, pecados e escândalos, e prestado um desserviço ao Evangelho. Precisamos sair dela para podermos encontrar a Deus.

Eu concordo com vários dos pontos defendidos pelos desigrejados. Infelizmente, eles estão certos quanto ao fato de que muitos evangélicos confundem a igreja organizada com a igreja de Cristo e têm lutado com unhas e dentes para defender sua denominação e sua igreja, mesmo quando estas não representam genuinamente os valores da Igreja de Cristo. Concordo também que a igreja de Cristo não precisa de templos construídos e nem de todo o aparato necessário para sua manutenção. Ela, na verdade, subsistiu de forma vigorosa nos quatro primeiros séculos se reunindo em casas, cavernas, vales, campos, e até cemitérios. Os templos cristãos só foram erigidos após a oficialização do Cristianismo por Constantino, no séc. IV.

Os desigrejados estão certos ao criticar os sistemas de defesa criados para perpetuar as estruturas e a hierarquia das igrejas organizadas, esquecendo-se das pessoas e dando prioridade à organização. Concordo com eles que não podemos identificar a igreja com cultos organizados, programações sem fim durante a semana, cargos e funções como superintendente de Escola Dominical, organizações internas como uniões de moços, adolescentes, senhoras e homens, e métodos como células, encontros de casais e de jovens, e por ai vai. E também estou de acordo com a constatação de que a igreja institucional tem cometido muitos erros no decorrer de sua longa história.

Dito isto, pergunto se ainda assim está correto abandonarmos a igreja institucional e seguirmos um cristianismo em vôo solo. Pergunto ainda se os desigrejados não estão jogando fora o bebê junto com a água suja da banheira. Ao final, parece que a revolta deles não é somente contra a institucionalização da igreja, mas contra qualquer coisa que imponha limites ou restrições à sua maneira de pensar e de agir. Fico com a impressão que eles querem se livrar da igreja para poderem ser cristãos do jeito que entendem, acreditarem no que quiserem – sendo livres pensadores sem conclusões ou convicções definidas – fazerem o que quiserem, para poderem experimentar de tudo na vida sem receio de penalizações e correções. Esse tipo de atitude anti-instituição, antidisciplina, anti-regras, anti-autoridade, antilimites de todo tipo se encaixa perfeitamente na mentalidade secular e revolucionária de nosso tempo, que entra nas igrejas travestida de cristianismo.

É verdade que Jesus não deixou uma igreja institucionalizada aqui neste mundo. Todavia, ele disse algumas coisas sobre a igreja que levaram seus discípulos a se organizarem em comunidades ainda no período apostólico e muito antes de Constantino.

1) Jesus disse aos discípulos que sua igreja seria edificada sobre a declaração de Pedro, que ele era o Cristo, o Filho do Deus vivo (Mt 16.15-19). A igreja foi fundada sobre esta pedra, que é a verdade sobre a pessoa de Jesus (cf. 1Pd 2.4-8). O que se desviar desta verdade – a divindade e exclusividade da pessoa de Cristo – não é igreja cristã. Não admira que os apóstolos estivessem prontos a rejeitar os livre-pensadores de sua época, que queriam dar uma outra interpretação à pessoa e obra de Cristo diferente daquela que eles receberam do próprio Cristo. As igrejas foram instruídas pelos apóstolos a rejeitar os livre-pensadores como os gnósticos e judaizantes, e libertinos desobedientes, como os seguidores de Balaão e os nicolaítas (cf. 2Jo 10; Rm 16.17; 1Co 5.11; 2Ts 3.6; 3.14; Tt 3.10; Jd 4; Ap 2.14; 2.6,15). Fica praticamente impossível nos mantermos sobre a rocha, Cristo, e sobre a tradição dos apóstolos registrada nas Escrituras, sem sermos igreja, onde somos ensinados, corrigidos, admoestados, advertidos, confirmados, e onde os que se desviam da verdade apostólica são rejeitados.

2) A declaração de Jesus acima, que a sua igreja se ergue sobre a confissão acerca de sua Pessoa, nos mostra a ligação estreita, orgânica e indissolúvel entre ele e sua igreja. Em outro lugar, ele ilustrou esta relação com a figura da videira e seus galhos (João 15). Esta união foi muito bem compreendida pelos seus discípulos, que a compararam à relação entre a cabeça e o corpo (Ef 1.22-23), a relação marido e mulher (Ef 5.22-33) e entre o edifício e a pedra sobre o qual ele se assenta (1Pd 2.4-8). Os desigrejados querem Cristo, mas não querem sua igreja. Querem o noivo, mas rejeitam sua noiva. Mas, aquilo que Deus ajuntou, não o separe o homem. Não podemos ter um sem o outro.

3) Jesus instituiu também o que chamamos de processo disciplinar, quando ensinou aos seus discípulos de que maneira deveriam proceder no caso de um irmão que caiu em pecado (Mt 18.15-20). Após repetidas advertências em particular, o irmão faltoso, porém endurecido, deveria ser excluído da “igreja” – pois é, Jesus usou o termo – e não deveria mais ser tratado como parte dela (Mt 18.17). Os apóstolos entenderam isto muito bem, pois encontramos em suas cartas dezenas de advertências às igrejas que eles organizaram para que se afastassem e excluíssem os que não quisessem se arrepender dos seus pecados e que não andassem de acordo com a verdade apostólica. Um bom exemplo disto é a exclusão do “irmão” imoral da igreja de Corinto (1Co 5). Não entendo como isto pode ser feito numa fraternidade informal e livre que se reúne para bebericar café nas sextas à noite e discutir assuntos culturais, onde não existe a consciência de pertencemos a um corpo que se guia conforme as regras estabelecidas por Cristo.

4) Jesus determinou que seus seguidores fizessem discípulos em todo o mundo, e que os batizassem e ensinassem a eles tudo o que ele havia mandado (Mt 28.19-20). Os discípulos entenderam isto muito bem. Eles organizaram os convertidos em igrejas, os quais eram batizados e instruídos no ensino apostólico. Eles estabeleceram líderes espirituais sobre estas igrejas, que eram responsáveis por instruir os convertidos, advertir os faltosos e cuidar dos necessitados (At 6.1-6; At 14.23). Definiram claramente o perfil destes líderes e suas funções, que iam desde o governo espiritual das comunidades até a oração pelos enfermos (1Tm 31-13; Tt 1.5-9; Tg 5.14).

5) Não demorou também para que os cristãos apostólicos elaborassem as primeiras declarações ou confissões de fé que encontramos (cf. Rm 10.9; 1Jo 4.15; At 8.36-37; Fp 2.5-11; etc.), que serviam de base para a catequese e instrução dos novos convertidos, e para examinarem e rejeitarem os falsos mestres. Veja, por exemplo, João usando uma destas declarações para repelir livre-pensadores gnósticos das igrejas da Ásia (2Jo 7-10; 1Jo 4.1-3). Ainda no período apostólico já encontramos sinais de que as igrejas haviam se organizado e estruturado, tendo presbíteros, diáconos, mestres e guias, uma ordem de viúvas e ainda presbitérios (1Tm 3.1; 5.17,19; Tt 1.5; Fp 1.1; 1Tm 3.8,12; 1Tm 5.9; 1Tm 4.14). O exemplo mais antigo que temos desta organização é a reunião dos apóstolos e presbíteros em Jerusalém para tratar de um caso de doutrina – a inclusão dos gentios na igreja e as condições para que houvesse comunhão com os judeus convertidos (At 15.1-6). A decisão deste que ficou conhecido como o “concílio de Jerusalém” foi levada para ser obedecida nas demais igrejas (At 16.4), mostrando que havia desde cedo uma rede hierárquica entre as igrejas apostólicas, poucos anos depois de Pentecostes e muitos anos antes de Constantino.

6) Jesus também mandou que seus discípulos se reunissem regularmente para comer o pão e beber o vinho em memória dele (Lc 22.14-20). Os apóstolos seguiram a ordem, e reuniam-se regularmente para celebrar a Ceia (At 2.42; 20.7; 1Co 10.16). Todavia, dada à natureza da Ceia, cedo introduziram normas para a participação nela, como fica evidente no caso da igreja de Corinto (1Co 11.23-34). Não sei direito como os desigrejados celebram a Ceia, mas deve ser difícil fazer isto sem que estejamos na companhia de irmãos que partilham da mesma fé e que crêem a mesma coisa sobre o Senhor.

É curioso que a passagem predileta dos desigrejados – “onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18.20) – foi proferida por Jesus no contexto da igreja organizada. Estes dois ou três que ele menciona são os dois ou três que vão tentar ganhar o irmão faltoso e reconduzi-lo à comunhão da igreja (Mt 18.16). Ou seja, são os dois ou três que estão agindo para preservar a pureza da igreja como corpo, e não dois ou três que se separam dos demais e resolvem fazer sua própria igrejinha informal ou seguir carreira solo como cristãos.

O meu ponto é este: que muito antes do período pós-apostólico, da intrusão da filosofia grega na teologia da Igreja e do decreto de Constantino – os três marcos que segundo os desigrejados são responsáveis pela corrupção da igreja institucional – a igreja de Cristo já estava organizada, com seus ofícios, hierarquia, sistema disciplinar, funcionamento regular, credos e confissões. A ponto de Paulo se referir a ela como “coluna e baluarte da verdade” (1Tm 3.15) e o autor de Hebreus repreender os que deixavam de se congregar com os demais cristãos (Hb 10.25). O livro de Atos faz diversas menções das “igrejas”, referindo-se a elas como corpos definidos e organizados nas cidades (cf. At 15.41; 16.5; veja também Rm 16.4,16; 1Co 7.17; 11.16; 14.33; 16.1; etc. – a relação é muito grande).

No final, fico com a impressão que os desigrejados, na verdade, não são contra a igreja organizada meramente porque desejam uma forma mais pura de Cristianismo, mais próxima da forma original – pois esta forma original já nasceu organizada e estruturada, nos Evangelhos e no restante do Novo Testamento. Acho que eles querem mesmo é liberdade para serem cristãos do jeito deles, acreditar no que quiserem e viver do jeito que acham correto, sem ter que prestar contas a ninguém. Pertencer a uma igreja organizada, especialmente àquelas que historicamente são confessionais e que têm autoridades constituídas, conselhos e concílios, significa submeter nossas idéias e nossa maneira de viver ao crivo do Evangelho, conforme entendido pelo Cristianismo histórico. Para muitos, isto é pedir demais.

Eu não tenho ilusões quanto ao estado atual da igreja. Ela é imperfeita e continuará assim enquanto eu for membro dela. A teologia Reformada não deixa dúvidas quanto ao estado de imperfeição, corrupção, falibilidade e miséria em que a igreja militante se encontra no presente, enquanto aguarda a vinda do Senhor Jesus, ocasião em que se tornará igreja triunfante. Ao mesmo tempo, ensina que não podemos ser cristãos sem ela. Que apesar de tudo, precisamos uns dos outros, precisamos da pregação da Palavra, da disciplina e dos sacramentos, da comunhão de irmãos e dos cultos regulares.

Cristianismo sem igreja é uma outra religião, a religião individualista dos livre-pensadores, eternamente em dúvida, incapazes de levar cativos seus pensamentos à obediência de Cristo.
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NOTA:
(*) Podemos mencionar entre eles: George Barna, Revolution (Revolução), 2005; William P. Young, The Shack: a novel (A Cabana: uma novela), 2007; Brian Sanders, Life After Church (Vida após a igreja), 2007; Jim Palmer, Divine Nobodies: shedding religion to find God (Joões-ninguém divinos: deixando a religião para encontrar a Deus), 2006; Martin Zener, How to Quit Church without Quitting God (Como deixar a Igreja sem deixar a Deus), 2002; Julia Duin, Quitting Church: why the faithful are fleeing and what to do about it (Deixando a Igreja: por que os fiéis estão saindo e o que fazer a respeito disto), 2008; Frank Viola, Pagan Christianity? Exploring the roots of our church practices (Cristianismo pagão? Explorando as raízes das nossas práticas na Igreja), 2007; Paulo Brabo, Bacia das Almas: Confissões de um ex-dependente de igreja (2009).

sábado, 25 de novembro de 2017

FABRICANTES DE DEUSES


Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Jeremias 2.26-28

INTRODUÇÃO

Certa feita um professor perguntou a um jovem oriental que estava completando seus estudos de pós-graduação nos Estados Unidos qual era o seu projeto de pesquisa, e ele disse que era mostrar que a América era politeísta. Isso soou como uma ofensa, e aquele professor fez questão de mostrar como seu país tinha sido levantado com base nas Escrituras e que toda a sua história estava ancorada nas leis de Deus. Mesmo assim, permitiu que o jovem oriental, procedente de um país com práticas politeístas, apresentasse seu estudo. Era um desafio que o professor tinha certeza de vencer.

Após algum tempo, o jovem voltou com seu projeto. Nele afirmava que a América do Norte só tinha um nome para chamar seu Deus, mas servia a vários deuses. Dizia que os norte-americanos cultuavam no domingo o Deus único, mas quando faziam negócios seguia leis que contrariam as leis desse Deus. Nos ajuntamentos religiosos, só um Deus era invocado, mas quando a questão era comércio internacional, as leis adotadas eram contrárias às do Deus que invocavam. Cantavam a respeito de um Deus amoroso e perdoador, mas quando tratavam com outros povos não era o amor e o perdão que estabeleciam os parâmetros do relacionamento. Um só Deus chamado pelo nome, mas muitos outros deuses eram obedecidos.

Para perguntar qual é o seu deus, basta perguntar quais são os valores que guiam sua vida e quais os critérios que você usa para tomar decisões. Assim você saberá se há um ou vários deuses em sua vida.

JEREMIAS PROFETIZOU PARA UMA NAÇÃO QUE NÃO OUVIA AO SENHOR

O ministério profético de Jeremias foi dirigido ao Reino Sul (Judá), durante os últimos quarenta anos de sua história (626-586 a.C.). Ele viveu para ser testemunha das invasões babilônicas em Judá, que resultaram na destruição de Jerusalém e do templo. Tudo isso ocorreu porque a nação não deu ouvidos a voz do Senhor por intermédio do seu profeta (cf. Jr 6.8,10, 14,15, 22,23, 7.24). Jeremias testemunhou a queda de Jerusalém, capital de Judá, esmagada sob as forças do exército babilônico. Presenciou todos os horrores da guerra que proclamou, pois, parte das suas profecias se cumpriram enquanto estava vivo.

JEREMIAS: UM PROFETA QUE VIVIA O QUE PREGAVA.

A função de um profeta é convocar as pessoas a viverem de forma certa – a serem fieis a Deus. Profecia é muito mais que previsão de eventos futuros, é Deus chamando de volta para si os que o rejeitaram. Porém, isso é mais do que apenas transmitir essa mensagem, é necessário também vivê-la. O profeta deve ser aquilo que prega. Da mesma forma nós, crentes em Jesus, temos a obrigação de viver o que pregamos principalmente os pastores, pois são os primeiros a exortarem a igreja a ter uma vida com Deus e, infelizmente, pelo que temos visto por aí, alguns são os últimos a tentarem por em prática o que pregam. Abençoam as famílias, mas são divorciados. Pregam fidelidade, mas são infiéis. Falam sobre liberalidade, mas são apegados ao dinheiro. Dizem que tudo que fazem é para glória de Deus, mas estão visando mesmo é a sua própria glória. Dizem que estão à sombra da cruz, mas estão mesmo é a luz dos holofotes. Pregar é muito fácil, difícil é ser como Jeremias, coerente com o que se está pregando. Em outras palavras: falam em nome de Deus, mas na prática adoram outros deuses.

O profeta Jeremias no texto que lemos chama a atenção do povo para um detalhe, eles estavam depositando a sua fé em deuses fabricados por eles mesmos, mas quando a situação complicava eles pediam socorro ao Senhor.

O capítulo 2 de Jeremias nos mostra a infidelidade de Israel, mas esse texto tem muito a nos ensinar hoje. Vejamos algumas lições que podemos tirar desse capítulo.

A PRIMEIRA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE O SENHOR SEMPRE ENVIA OS SEUS PROFETAS PARA ALERTAR O SEU POVO (Jr 2.1,2).

O Senhor sempre levantará profetas em todo o tempo para alertar ao seu povo. Sejam pessoas com grande conhecimento como foi o apóstolo Paulo, sejam pessoas simples como foi o apóstolo Pedro, mas o Senhor nunca deixará de alertar o Seu povo. No caso de Jeremias há algo interessante, ele era da linhagem sacerdotal (Jr 1.1). Ele um sacerdote separado por Deus para ser profeta (Jr 1.4,5).

Com isso em mente eu entendo três coisas:

1º - Se o Senhor nos envia os Seus profetas em todo tempo, então somos indesculpáveis em não ouvi-los (Jr 2.4-6). O Senhor levantou o profeta Jeremias antes da queda de Jerusalém. Antes de Judá ser invadida pelos babilônicos, no entanto a nação não quis dar ouvidos a voz do Senhor através de seus profetas.

Observe que o Senhor questiona o porquê de eles terem se afastado dEle. Não havia motivo; muito pelo contrário, o Senhor os guiou a uma terra que manava leite e mel como havia prometido aos seus pais (Jr 2.2).

Hoje não é diferente. O Senhor tem levantado seus profetas para trazerem uma mensagem de alerta ao seu povo, mas infelizmente, as pessoas preferem dar ouvidos aos falsos profetas que lhes profetizam vida abundante, mas sem nenhum compromisso com o Senhor. Gente que vive na prática do pecado, mas os falsos profetas lhes dizem que são santos de Deus. Gente que anda longe da verdade do Evangelho, mas dão crédito as mentiras dos falsos profetas.

O que temos visto hoje são falsos profetas que levam as pessoas a gargalharem e não chorarem diante de seus pecados. Falsos profetas que profetizam só vitória e não mostram as pessoas os seus fracassos e as suas misérias espirituais. Com essas mensagens a igreja atual está igual a igreja de Laodicéia que se via rica e autossuficiente, no entanto ela estava desgraçada, miserável, pobre, cega e nua (Ap 2.17).

2ª – Por não ouvirmos os Seus profetas sofreremos consequências amargas (Jr 2.19). Entenda uma coisa meu irmão e minha irmã, o Senhor está falando aqui em consequência do pecado. Observe bem o texto! Senhor não tem compromisso com quem não tem compromisso com Ele.

É muito fácil culpar o Senhor pelas lutas e adversidades que enfrentamos, mas o quanto é difícil assumir os nossos pecados! Poucos são os que agem como Davi fez no Salmo 51 onde ele lamenta, não nas as consequências do pecado, mas o seu pecado. Quem diz que segue ao Senhor e não o ouve sofrerá consequências amargas em suas vidas. Eu não me refiro ao ímpio, mas as pessoas que estão dentro de nossas igrejas e que dizem ser suas servas.

O Senhor Jesus deixou isso bem claro no Sermão no Monte quando disse:

“E aquele que ouve estas minhas palavras, e não as cumpre, compará-lo-ei ao homem insensato, que edificou a sua casa sobre a areia; e desceu a chuva, e correram rios, e assopraram ventos, e combateram aquela casa, e caiu, e foi grande a sua queda” (Mateus 7.26,27).

3º - Por não ouvirmos os Seus profetas seremos corrigidos pelo Senhor (Jr 2.30). Enquanto o Senhor corrigia o erro do povo e dos seus líderes, eles mataram os profetas que o Senhor havia enviado. Sem nenhuma misericórdia calaram os profetas do Senhor.

Hoje o mesmo está ocorrendo. Há pessoas preferem ficar no erro do que ouvir a correção através da boca dos profetas que o Senhor tem levantado nas igrejas. Tais profetas não são bem-vindos. Aí quando vem as consequências se fazem de vítimas, não assumindo os seus erros.

Quando, em 1921, perguntado pelo rabino H. Goldstein, de Nova York, se acreditava em Deus, o físico Albert Einstein respondeu: “Acredito no deus de Espinoza que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pelo destino e pelas ações dos homens”.

Baruch de Espinoza (24 de novembro de 1632, Amsterdã — 21 de fevereiro de 1677, Haia) foi um dos grandes racionalistas e filósofos do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, juntamente com René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu em Amsterdã, nos Países Baixos, no seio de uma família judaica portuguesa e é considerado o fundador do criticismo bíblico moderno.

Veja o que este Espinoza falou: “Para de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo. Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho… Não me encontrarás em nenhum livro! Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho?

Para de ter tanto medo de mim. Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. Eu sou puro amor.

Para de me pedir perdão. Não há nada a perdoar. Se Eu te fiz… Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.

Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?

Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?

Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? Que tipo de Deus pode fazer isso?”

Esse é o deus que está em muitos púlpitos hoje, um deus que é puro amor; mas amor que não corrige não é amor. O deus de muitos púlpitos hoje relativisa a Bíblia, não vê necessidade de arrependimento e muito menos fala em pecado e consequência do pecado. No entanto prega uma salvação universal e que o inferno é ideia de homens. 

Entenda uma coisa, o Senhor castiga a quem ama e isso é bíblico, o que não é bíblico é dizer que o Senhor não castiga ninguém, pois Deus é amor. Veja o que nos diz a Bíblia:

“Filho meu, não rejeites a correção do Senhor, nem te enojes da sua repreensão. Porque o Senhor repreende aquele a quem ama, assim como o pai ao filho a quem quer bem” (Provérbios 3.11,12).

“E já vos esquecestes da exortação que argumenta convosco como filhos: Filho meu, não desprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por ele fores repreendido; porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe por filho. Se suportais a correção, Deus vos trata como filhos; porque, que filho há a quem o pai não corrija? Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, sois então bastardos, e não filhos” (Hebreus 12.5-8).

A SEGUNDA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE MUITAS PESSOAS SÃO INFIÉIS A DEUS DIZENDO SER SUAS SERVAS (Jr 2.7-13).

O povo contaminou a terra que o Senhor os havia dado. Agiram com infidelidade e ingratidão manchando o Nome do Senhor. Eles contaminaram a boa terra com suas corrupções morais e idolatrias. Os próprios sacerdotes deixaram de buscar ao Senhor, apesar dos privilégios que tinham de serem separados para o ministério.

O profeta questiona se eles conheciam alguma outra nação que houvesse feito o que eles fizeram. Olhe as nações ao redor e diga qual delas deixou de servir aos seus deuses, ainda que não fossem deuses? No entanto, Judá o havia deixado.  
Como a infidelidade se revela?

1º - Não reconhecendo o seu benfeitor (Jr 2.7,8,11,12). A infidelidade se revela na ingratidão. Apesar de todos os benefícios recebidos do Senhor, Judá se voltou para outros deuses. A apostasia de Judá alarmou até os céus. Israel tornou-se uma nação apóstata. Observe que os que eram responsáveis em ensinar a Lei desconheciam ao Senhor e os profetas se tornaram profetas de Baal. 

Quando olhamos para determinados grupos religiosos hoje – leia-se igreja evangélica – o que temos visto é uma verdadeira apostasia. No momento em que se troca o Evangelho puro e simples por outro evangelho que não é evangelho (Gl 1.6,7), onde o foco está nas bênçãos e não no abençoador; onde no púlpito há barganha em vez do Evangelho de Cristo, isso não passa de apostasia e ingratidão, pois as pessoas não reconhecem o Senhor e nem lhe dão a devida glória.

O que aconteceu com Judá é a mesma coisa que está ocorrendo hoje em muitas igrejas.

2º - Achando que são autossuficientes (Jr 2.13). O povo cometeu duas maldades, deixaram a Fonte de Água Viva e foram cavar cisternas que não retém as águas. Passaram a se ver autossuficientes, se viam como pessoas que não precisavam mais do Senhor. Deixaram de buscar ao Senhor para se satisfazerem em outros deuses.

Por isso que o Senhor Jesus em João 7.37-39 disse:

“Se alguém tem sede, venha a mim, e beba. Quem crê em mim, como diz a Escritura, rios de água viva correrão do seu ventre. E isto disse ele do Espírito que haviam de receber os que nele cressem; porque o Espírito Santo ainda não fora dado, por ainda Jesus não ter sido glorificado”.

Muitas pessoas hoje não estão bebendo da Água da Vida, mas estão bebendo água que muitas igrejas andam vendendo por aí, dizendo que são águas milagrosas. Águas do rio Jordão, como se a água de lá operasse milagres. Isso não passa de idolatria, de cisternas rotas que não retém a verdadeira Água que mata a sede espiritual.

Só há uma maneira do homem ser saciado de sua sede espiritual, ela só pode ser saciada no Senhor. Como disse Davi no Salmo 42.1,2:

“Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?”

3º - Não se vendo culpados dos seus pecados (Jr 2.31-35). A nação havia se afastado completamente do Senhor e se via como inocente. Viviam na prática do pecado e se achavam a mais pura das nações.

Eles estavam com as vestes sujas de sangue de inocentes, sangue dos profetas, mas em hipótese alguma conseguiam ver os seus pecados. E o Senhor mostra que eles não faziam questão nenhuma esconder tal ato, estava à vista de todos (Jr 2.34).

O pecado, em determinados lugares que dizem buscar ao Senhor, é tão visível quanto no antigo Israel. Há um ajuntamento religioso, mas não para cultuar ao Senhor, mas para cultuarem a outros deuses, embora tenha o nome de igreja. E isso vai da igreja inclusiva, passando pela igreja da prosperidade, percorrendo pelas correntezas da teologia integral e desembocando na teologia liberal e se banhando no teísmo aberto. Nem podemos chamar isso de água, mas de lamaçal do pecado.

Isso tudo só gera uma igreja sem sentimento de culpa, pois o deus deles é literalmente o deus do Espinoza, como falamos há pouco.

Contra isso o Senhor já havia falado através da boca do profeta Isaías 1.2-16. 
        
A TERCEIRA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE QUANDO NÃO DAMOS OUVIDOS AOS PROFETAS DE DEUS, AUTOMATICAMENTE NOS TORNAMOS INFIÉIS E POR FIM, FABRICAMOS OS NOSSOS PRÓPRIOS DEUSES (Jr 2.26-28).

Assim como o ladrão quando é pego no ato do roubo passa vergonha, da mesma forma Israel passaria vergonha na hora da tribulação, pois os seus numerosos deuses que eles haviam criado não os poderia livrar.

Quando fabricamos os nossos próprios deuses cometemos três erros crassos:

1º - Quando fabricamos os nossos próprios deuses nós passamos a desacreditar da Verdade que liberta para darmos ouvidos a mentira que escraviza (Jr 2.14). Como disse Jesus: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). A verdade libertadora é a revelação plena de Deus através da Sua Palavra no coração do homem. Quando fabricamos os nossos próprios deuses deixamos Deus de lado e passamos a seguir pelos nossos próprios caminhos.

Nietzche estava certo quando disse: “logo que Deus fosse declarado morto, uma “chuva de deuses” se seguiria, e cada pessoa adoraria o deus da sua escolha”.

Quando construímos uma ideia sobre Deus a partir da nossa imaginação, essa idolatria do coração é tão ruim quanto a idolatria das mãos. O profeta Ezequiel proferiu uma mensagem penetrante para esse tipo de idolatria: “Então veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Filho do homem, estes homens levantaram os seus ídolos nos seus corações, e o tropeço da sua maldade puseram diante da sua face” (Ezequiel 14.2,3).

Não é de admirar que Calvino tenha dito que a humanidade é uma fábrica de ídolos.

Por isso que Israel fabricou o bezerro de ouro, eles buscavam um “deus” mais presente e mais real. Um deus que pudesse carregar e tocar – um deus segundo a vontade deles. Só que esse deus escraviza e não liberta.

2º - Todos nós precisamos de um deus, seja fabricado por nós mesmos seja o Deus verdadeiro. O homem é um ser espiritual e por isso somos dependentes de um ser divino para depositarmos a nossa confiança.

Como disse Davi no Salmo 20.7:

“Uns confiam em carros e outros em cavalos, mas nós faremos menção do nome do Senhor nosso Deus”.

Quando não confiamos plenamente no Senhor fabricaremos os nossos próprios deuses. Vejamos alguns deuses que muitas pessoas têm depositado a sua confiança. No deus de sua preferência:

a) O deus da saúde e da riqueza. Esse deus não se encontra na Bíblia, mas está em muitos púlpitos por aí. Esse é o deus do capitalismo, o deus do consumismo. É o deus do Ocidente, mas que não pode ser pregado em lugares onde o cristianismo é perseguido, como por exemplo em países muçulmanos, ou países de extrema pobreza.

b) O deus das minhas necessidades emocionais. É o deus que não questiona as minhas ações, que não me julga como pecador. É o deus que me leva à felicidade não importa o caminho que percorro. Como disse alguém: “Antes o homem vivia para glorificar a Deus; hoje, Deus vive para servir ao homem”.

c) O deus do meu sexo. É o deus da teologia inclusiva. É o deus que não vê com maus olhos o tipo de vida sexual que levo. É o deus da sexualidade anti-bíblica. É o deus que serve à causa feminista e o homossexualismo.

Há outros, mas esses são os principais. E há um detalhe muito importante, todos eles estão em vários púlpitos de muitas igrejas espalhadas em nossos arraiais.

3º - O deus fabricado é um deus antropocêntrico. Isso é tão lógico que não havia necessidade de citar, mas estamos citando para reforçar o que estamos falando até aqui. Esse deus é o deus do prazer do homem. É o deus que vive para glorificar o homem. É o deus que não dá vida eterna, mas faz o céu na terra para o homem, ou pelo menos ele pensa que é o céu.

Esse não é o deus bíblico, mas é o deus de muitos pastores. É o deus de muitos “evangélicos”. É o deus que não exige santidade, mas exige sacrifício material – é a fogueira tal, é a oferta especial, é o trízimo, é o poder do dinheiro comprando as bênçãos desse deus que se vê “obrigado” a abençoar quem assim procede. Esse é o deus gospel.

A QUARTA LIÇÃO QUE APRENDO É QUE PRECISAMOS VIGIAR PARA NÃO CAIRMOS NO MESMO ERRO QUE JUDÁ CAIU (Jr 2.32).

Judá se esqueceu do Senhor. Judá se envolveu com outros deuses que não eram deuses. Judá entristeceu ao Senhor com essa atitude. Não é possível uma noiva se esquecer dos seus paramentos e muito menos do seu noivo, no entanto Judá se esqueceu do Senhor.

Para que isso não ocorra conosco e venhamos a nos desviar do nosso compromisso com o nosso Deus e criarmos os nossos deuses, devemos ter muito cuidado e ter três profundas convicções como disse Erwin Lutzer [1]:

1º – Primeiramente, devemos obter conhecimento de Deus apenas a partir da Bíblia e não a partir de nossas experiências e preferências pessoais. A Bíblia é o nosso manual de regra, de fé e prática e não as minhas emoções. As minhas experiências não podem ditar a minha conduta e sim a Palavra. Corremos o risco de fabricarmos um Deus a partir de nossas experiências no momento que eu deixo a Bíblia de lado e passo a servir ao Senhor pelo o que eu sinto e não pelo o que a Bíblia diz.

A segunda convicção é que, quanto mais claramente virmos a Deus, mais claramente veremos a nós mesmos. Calvino estava certo quando disse que nenhum homem pode conhecer a si mesmo sem que primeiramente conheça a Deus. Na presença de Deus nós nos vemos como na realidade somos. A glória de Deus revela o nosso caráter e é como um espelho diante de nós (Is 6.5).

Quanto mais conhecemos a Deus estaremos mais bem preparados para ordenar a nossa vida de acordo com os valores eternos.

3º – Em terceiro lugar, quanto melhor conhecemos a Deus, mais intensamente o adoraremos. Quando Jó perdeu tudo que possuía, inclusive os filhos, Jó ainda não tinha o pleno conhecimento de Deus e, mesmo assim, não pecou. Mas quando o Senhor se revelou a ele, Jó se arrependeu e se abominou no pó e na cinza (Jó 42.6).

Quanto mais conhecemos a Deus, mais nós nos afastamos dos deuses fabricados pela mente humana. Queremos o Deus que se revelou na Palavra e não o Deus de nossas experiências. Se Jó se deixasse levar pelas experiências, provavelmente, teria deixado de adorar a Deus, mas por não se deixar levar por elas o Senhor se revelou de forma plena diante dele. Então ele pôde dizer: “Antes eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem” (Jó 42.5).

CONCLUSÃO

Esse texto de Jeremias é um alerta para todos nós. É um alerta para tomarmos cuidado para não cairmos no mesmo erro que Judá caiu de fabricar seus próprios deuses segundo a sua vontade, deixando de adorar e servir o verdadeiro Senhor que os libertou e lhes deu a sua terra. De nos esquecermos do nosso Senhor para servir os deuses da nossa preferência e experiência, os deuses da nossa vontade.

Pense nisso!

Fonte:

1 – Lutzer, Erwin. 10 Mentiras Sobre Deus. Ed. Vida, São Paulo, SP, 2001: p. 11-13.  

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Teologia do Coaching – A Substituta da Teologia da Prosperidade


Por Pedro Pamplona

A teologia da prosperidade já apanhou demais. Seus grandes ícones já foram expostos e desmascarados. Infelizmente ela ainda faz vítimas pela falta de conhecimento do povo, principalmente nas periferias, público alvo desse tipo de “teólogos”. Felizmente ela está cada vez mais marginalizada e ficando limitada a determinadas igrejas. Um bom números de crentes tem um grande repúdio por esse tipo de abordagem “evangélica”. Pois bem, eis que temos uma substituta para a tal da teologia da prosperidade (TP). Eu a chamo de teologia do coaching (TC). Usareis as siglas a partir de agora.

A Cultura do Coaching

Sou formado em administração. Cursei quatro anos de faculdade e fiz outros cursos na área. Na época o coaching não era tão conhecido como hoje. Sempre valorizei cursos com conteúdos práticos como finanças, marketing e recursos humanos. Nunca fomos ensinados que precisaríamos de pessoas nos acompanhando para ensinar, direcionar, motivar e cobrar. Nós mesmos faríamos isso. Então a cultura do coaching chegou. Vá a uma seção de administração e negócios de uma livraria hoje e você perceberá o que estou dizendo. Nunca me dei bem com ela para ser sincero. E quero explicar a razão usando duas citações do Instituto Brasileiro de Coaching. Primeiro, o que é o coaching?

“Um mix de recursos que utiliza técnicas, ferramentas e conhecimentos de diversas ciências como a administração, gestão de pessoas, psicologia, neurociência, linguagem ericksoniana, recursos humanos, planejamento estratégico, entre outras visando à conquista de grandes e efetivos resultados em qualquer contexto, seja pessoal, profissional, social, familiar, espiritual ou financeiro”

Agora pergunto: como o coaching acontece?

“Conduzido de maneira confidencial, o processo de Coaching é realizado através das chamadas sessões, onde um profissional chamado Coach tem a função de estimular, apoiar e despertar em seu cliente, também conhecido como coachee, o seu potencial infinito para que este conquiste tudo o que deseja”2

Antes de continuar deixe-me dizer algo para que fique claro. Acredito na liberdade de trabalho honesto. Se você gosta ou trabalha honestamente com isso, ok, é a sua escolha. Por mais que eu tenha críticas a essa prática, aqui entrarei na relação do coaching com a igreja. Usarei essas duas respostas dadas para analisar biblicamente o que chamo de TC. Minha argumentação será essa: Igreja e evangelho não combinam com o coaching e não devem se misturar jamais. Quando isso acontece temos uma nova TP com uma roupagem mais humanista e existencialista.

Junto com o coaching cresceu o chamado empreendedorismo de palco (EP). São aqueles profissionais que trabalham com palestras motivacionais e grandes palestras de coaching. Esse mercado tem crescido assustadoramente e também tenho sérias dificuldades com ele. Aqui se aplica a mesma observação que fiz aos profissionais de coaching. Mesmo assim indico um ótimo texto escrito por Ícaro de Carvalho chamado Por que o empreendedorismo de palco irá destruir você. O autor começa com uma afirmação que capta bem o ponto onde quero chegar:

“O empreendedorismo é a nova religião do homem moderno. Materialista e secular, ele substituiu os Santos do seu altar por fotografias de homens bem sucedidos; os seus Evangelhos são livros como “O sonho grande” e “A força do Hábito”. Ele acredita, de alguma maneira, que tudo aquilo irá aproximá-lo do seu objetivo principal: sucesso, fama e dinheiro…de preferência agora!”³

Essa cultura construída em torno do coaching e do EP é em sua maioria materialista. O objetivo de muitos é o sucesso financeiro, e isso significa enriquecer. Com um fator especial: o mais rápido possível. É comum ler e ouvir grandes promessas e ensinamentos sobre como trabalhar menos e ganhar mais. O foco está no esforço intelectual e físico daquele que está buscando seu lugar ao sol. É dessa cultura de palco, sonhos, riquezas e promessas que estou falando. Já viu onde isso vai chegar na igreja? Vamos falar disso agora!

O Coaching na Igreja

Eu já vi palestras de coaching acontecendo onde deveria haver uma pregação da Palavra. Isso mesmo, em pleno culto público. Infelizmente essa cultura chegou em muitas igrejas. E se eu já não me dou bem com ela no mercado de trabalho, na igreja não tenho medo de dizer que ela é minha inimiga. Assim como repudio a TP também o faço com essa nova onda da TC. Em alguns sentidos essa segunda chega a ser pior do que a primeira. Vamos analisar três pontos que constroem a TC.

Humanismo: O coaching utiliza de técnicas humanas num indivíduo que é o centro de tudo para que este alcance seus objetivos humanos. Muitos pastores e líderes tem enveredado por esse caminho. Tratam suas pregações como palestras motivacionais da fé que confundem fé com força e vontade, evangelho com motivacionismo e Cristo com um palestrante. O foco está naquilo que o homem pode fazer através da sua fé pessoal. Fé essa que passa por Cristo, mas que tem seu objeto na própria pessoa e nos seus esforços dirigidos. Muitas “pregações” tem o mesmo objetivo do coaching, ou seja, estão “visando à conquista de grandes e efetivos resultados em qualquer contexto, seja pessoal, profissional, social, familiar, espiritual ou financeiro”. O apelo pode ser até espiritual, mas ainda assim Você já deve ter escutado muito coisas do tipo “como ser o melhor marido”, “como atrair e fidelizar pessoas para o reino”, “alcançando sucesso através da fé.”. Tudo isso travestido de espiritualidade…

Materialismo: há um desejo enorme em conquistar coisas. Sejam elas produtos do mercado como carros, casas, roupas, viagens ou algo mais “espiritual” como paz, pessoas, bom casamento, filhos educados, castidade, etc. As pessoas querem conquistar, possuir e avançar, sendo tudo isso fruto não da humilhante auto confrontação e negação de si mesmo, mas da auto-afirmação. O papel do pastor se tornou muito parecido com o do coach: “estimular, apoiar e despertar em seu cliente (ovelha)… o seu potencial infinito para que este conquiste tudo o que deseja”. É exatamente isso que essa mistura humanista-materialista busca: o potencial infinito de cada ser humano para conquistar aquilo que ele deseja. Há uma conexão com o existencialismo, onde o indivíduo e sua busca pessoal por significado em si mesmo passa a ser o centro do pensamento filosófico.

Ceticismo: Humanismo e materialismo são marcas de seres céticos. A crença no Deus da Bíblia é cada vez mais fraca onde esse tipo de cultura se manifesta. Como eu já disse, a TC busca descobrir o potencial de cada pessoas para que ela alcance seus próprios objetivos. Dependência de Deus é algo apenas fantasiado. Orações são feitas apenas para que Deus abençoe nossos planos e para que Ele nos dê apoio em nossa própria empreitada. O sobrenatural é esquecido e Deus vai ficando cada vez mais distante. Na TC o soberano é o indivíduo com suas decisões de fé e sucesso. Em muitas igrejas tudo que você vai encontrar nos púlpitos são mensagens sobre o que os homens podem fazer para serem alguma coisa melhor do que já são. Até a mistura com conteúdos de coaching, marketing pessoal e psicologia você encontrará. Aliás, tem sido comum pastores e líderes entrarem nesses cursos e palestras para serem mais persuasivos, contagiantes e teatrais (pra não usar manipuladores). O Espírito Santo não tem muito espaço na TC, mesmo que usem seu nome.

São por esses motivos principais que digo que a TC está substituindo a TP. Esse discurso tem atraído jovens, empresários, profissionais liberais, e todo o tipo de gente, principalmente na classe média. E aqui está a transição entre as duas abordagens. A TP faz uma barganha com Deus crendo que Ele efetuará milagres para benefício material e espiritual do homem. A TC eliminou a barganha ao deixar Deus de longe, mas passou a ter no próprio homem a força “milagrosa” para seu benefício material e espiritual. Na TP ainda há uma certa dependência de Deus e seu agir sobrenatural, enquanto na TC o homem declarou sua independência. O relacionamento de barganha foi substituído para o relacionamento de platéia. O Deus da TC está assistindo e torcendo pelos grandes empreendedores no palco da fé. Talvez você ache ruim o uso do palavra coaching, mas pelo que você entenda a expressão completa “teologia do coaching” que estou usando para definir esse tipo de abordagem..

Essa é uma teologia mais sutil, que parece mais humilde, mas na verdade transborda soberba ainda mais do que a tenebrosa TP. Seu ambiente menos escandaloso e mais conformado a cultura secular permite que esse tipo de abordagem lote igrejas e obtenha grande aceitação. Geralmente se fala o que as pessoas querem ouvir e pecados são tratados como pedra e obstáculos no caminho que devem ser superados. A pregação fica até mais dinâmica, com uso de mídias, frases de efeito e motivação mútua. Tudo isso associado com o desejo material dos nossos dias só contribuem para que a TC ganhe terreno. Logo logo nós teremos grandes problemas com ela e talvez ela chegue ao mesmo patamar da TP. Que Deus nos livre e proteja disso!

O que Jeremias e Tiago Diriam?

Não quero tornar esse texto num texto longo demais. Portanto, encerrarei apenas com três passagens bíblicas (quem sabe um artigo completo poderá sair em breve sobre o tema). Compare com as ideias da TC e veja como a Bíblia é contrária a isso. Jeremias profetizou para um povo orgulho e que confiava em suas próprias forças e em sua “tradição espiritual”. Contra isso Deus falou por meio do profeta:

“Assim diz o Senhor: “Não se glorie o sábio em sua sabedoria nem o forte em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor, e ajo com lealdade, com justiça e com retidão sobre a terra, pois é dessas coisas que me agrado”, declara o Senhor” (Jeremias 9:23,24) 

Num momento mais a frente ele resume bem sua mensagem ao povo:

“Assim diz o Senhor: Maldito é o homem que confia nos homens, que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta do Senhor… Mas bendito é o homem cuja confiança está no Senhor, cuja confiança nele está” (Jeremias 17:5-7)

Encerro com a passagem de Tiago, um verdadeiro balde de água fria na teologia do coaching:

“Ouçam agora, vocês que dizem: “Hoje ou amanhã iremos para esta ou aquela cidade, passaremos um ano ali, faremos negócios e ganharemos dinheiro”. Vocês nem sabem o que lhes acontecerá amanhã! Que é a sua vida? Vocês são como a neblina que aparece por um pouco de tempo e depois se dissipa. Ao invés disso, deveriam dizer: “Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo”. Agora, porém, vocês se vangloriam das suas pretensões. Toda vanglória como essa é maligna.” (Tiago 4:13-16)

TP e TC, ambas são maléficas e distantes do cristianismo bíblico que leva o homem a negar a si mesmo, humilhar-se diante de Deus e depender dele em tudo. Ter sucesso profissional e conquistar riquezas não é pecado em si, mas isso não pode ser um dos pontos centrais de nossa espiritualidade cristã. Cuidado para não substituir a teologia da prosperidade pela teologia do coaching, em ambas o deus que adoram é o mesmo: o homem.