domingo, 27 de dezembro de 2020

O PERIGO DO LEGALISMO - O SÁBADO, A LEI E A GRAÇA

Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 6.1-5

INTRODUÇÃO

O texto que lemos nos mostra o Senhor Jesus atravessando com os seus discípulos as plantações de cereais da Galileia (trigo ou cevada). Acompanham-nos fariseus, observando-os com a intenção de pegá-los em algum erro em relação a Lei. A situação tinha se agravado a tal ponto que nem no campo, entre colheitas que amadureciam, Jesus e seus seguidores estavam livres do controle de seus adversários.

Em Mateus 12.1 lemos: “Naquele tempo passou Jesus pelas searas, em um sábado; e os seus discípulos, tendo fome, começaram a colher espigas, e a comer”. Seus discípulos estavam famintos... Isso é relatado só por Mateus, ainda que esteja também implícito em Marcos 2.25 e Lucas 6.3. Como não estavam mais trabalhando em suas ocupações anteriores, não surpreende que naqueles dias os discípulos – não se indica dessa vez quantos eram – tinham (ou “ficaram com”) fome. Jesus também, não só experimentou sede (Jo 4.6,7), mas igualmente fome (Mt 21.18). Esse pequeno grupo era pobre, necessitado e agora também faminto [1].

Foi diante dessa colheita para mitigar a fome que os fariseus os criticaram dizendo que eles estavam quebrando a Lei de Moisés. Mas diante desse episódio o Senhor Jesus lhes deu uma grande lição em relação ao sábado, mostrando o perigo do legalismo.

É sobre esse texto que quero pensar com você e aprendermos com Jesus lições preciosas para nossas vidas hoje.

1 – O PERIGO DO LEGALISMO SABÁTICO – ENTENDENDO O SÁBADO NA INTERPRETAÇÃO FARISAICA (Lc 6.1,2).

Legalismo pode ser definido como “relacionamento entre fé e prática baseado na obediência a regras e regulamentos”. É um envolvimento onde não prevalece a graça.

A maioria dos oponentes do Salvador eram aqueles que acreditavam que eles eram justos em si e por si mesmos, com base em seu zelo e compromisso com a lei de Deus.

Lutero disse: “É muito difícil para um homem acreditar que Deus é gentil com ele, o coração humano não consegue entender isso”. Se não olhamos para a graça, olhamos para nós mesmos e para nossos próprios esforços, e é aí que estão as raízes do legalismo.

Devemos buscar um ponto de equilíbrio. Se o legalismo é um zelo extremado pelas doutrinas (que é algo condenável e perigoso), o contrário disso também é muito perigoso, que é o de antinomianismo (transformar em libertinagem a graça de nosso Deus). Enquanto o legalismo é agarrado as regras o antinomianismo não se importa com elas. Os dois são perigosos e mortíferos. Enquanto o legalista exalta de tal modo a lei que chega a excluir a graça, o antinomiano é fascinado pela graça ao ponto de perder de vista a lei, como uma regra de vida.

Veja o que Paulo escrevendo aos Gálatas diz:

“Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão. Eis que eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. E de novo protesto a todo o homem, que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a lei (legalismo). Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis então da liberdade para dar ocasião à carne (antinomianismo), mas servi-vos uns aos outros pelo amor” (Gl 5.1-3,13).

O ponto de equilíbrio: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma” (1Co 6.12).

O que era o legalismo sabático.

A maioria das religiões do mundo veneram lugares sagrados: o islamismo honra Meca; o hinduísmo, o rio Ganges; e o xintoísmo, a ilha do Japão. O judaísmo também venerava Jerusalém e em especial o templo como lugar sagrado, mas venerava algo mais e talvez acima desses dois locais: o tempo, o sábado [2]. E foi devido a “quebra” do sábado que alguns fariseus questionaram Jesus e seus discípulos.

a) A observância do sábado era a característica definidora do judaísmo, era mais que a circuncisão. Para os doutores da Lei um indivíduo era um judeu praticante se guardasse de forma correta o dia de sábado. A circuncisão e o sábado marcavam os judeus de forma perceptível, a primeira na carne deles e a segunda no uso do tempo. O sábado estendia-se do pôr do sol da sexta até o pôr do sol do sábado [3]. A regra geral era da observância do sábado era para não começar um trabalho que pudesse se estender até o sábado, e não fazer qualquer trabalho no sábado que não fosse absolutamente necessário – entenda-se por “necessário” qualquer coisa que ameace a vida. Por exemplo, era proibido consertar um pé ou mão deslocado no sábado ou consertar um telhado caído.

A observância do dia do Senhor nunca teve a finalidade de ser imposta como algo injurioso à saúde do homem; nunca foi instituída para interferir nas necessidades humanas. O mandamento original: “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar” (Êx 20.8), não tinha o intuito de ser interpretado como prejudicial ao corpo do homem, ou como empecilho aos atos de misericórdia em favor do próximo. Esse era o ponto crucial que os fariseus tinham esquecido ou sepultado debaixo de suas tradições.

b) O sábado judaico tinha se transformado num carrasco do homem. Ele era um fardo insuportável em vez de um elemento terapêutico. Ele era um fim em si mesmo em vez de ser um instrumento de bênção para o homem. Por essa causa, os fariseus ao verem os discípulos de Jesus colhendo e comendo espigas nas searas em dia de sábado, debulhando-as com as mãos (Mc 2.23; Lc 6.1), advertiram a Jesus nesses termos: “Vê! Por que fazem o que não é lícito aos sábados?” [4].

c) O sábado havia se transformado num fardo impossível de carregar, símbolo da escravidão religiosa que prendia a nação. O povo que havia sido liberto do Egito, agora era prisioneiro do sábado e do legalismo farisaico. Os fariseus transformaram o sábado num fardo, descaracterizando o propósito divino de que fosse um dia de bênção.

De acordo com o livro dos Jubileus, do século II a.C., o sábado foi guardado primeiro no céu, pelo próprio Deus e os anjos das classes mais elevadas (2.18-21,30,31). Até no inferno os ímpios poderão descansar do seu sofrimento, no sábado. No entanto, Deus queria implantar o seu sinal também na terra, e para isso só precisava de um povo ao qual pudesse confiar esse pedaço do céu. Então ele criou Israel. Destarte, a santificação do Sábado é o motivo real da existência de Israel, e a guarda do sábado é, para Israel, não só um mandamento entre outros, porém nada menos que a preservação da própria eleição [5]. São nessas ideias aqui que os adventistas tanto se apegam.

No entanto Jesus falou: “O sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do sábado” (Mc 2.27). Jesus está mostrando aqui que o dia de descanso tem um objetivo de servir ao homem, de servir às necessidades de descanso do ser humano, de trazer a ele bênçãos, e não para ser um dia idolatrado.

Na época de Jesus, pregava-se que não respeitar o sábado atrairia desgraça para a família do desobediente. Inúmeras regras proibitivas atemorizavam as pessoas.

De acordo com a tradição judaica, havia 39 atividades que não podiam ser realizadas no sábado: Semear, arar, colher, agrupar feixes, debulhar, dispersar, catar, moer, peneirar, preparar massa, assar, tosquiar, lavar a lã, desembaraçar a lã, tingir a lã, fiar, tecer, dar dois nós, tecer dois fios, separar duas linhas, atar, desatar, coser, rasgar, caçar, abater, raspar o couro, curtir o couro, alisar o couro, demarcar o couro, cortar, escrever, apagar, construir, demolir, acender fogo, apagar ou diminuir o fogo, martelar e transportar algo desde um ambiente particular a um público.

Também estava proibido às mulheres olharem ao espelho no dia de sábado, pois poderiam descobrir algum fio de cabelo branco e querer arrancá-lo, o que seria um grave pecado. Um alfaiate não podia carregar uma agulha no sábado, para que não fosse tentado a costurar algo que rasgava. Um escriba não podia carregar sua caneta porque ele poderia escrever. Um aluno não podia levar seus livros porque ele poderia ler. Você não poderia examinar a roupa de ninguém, porque você pode encontrar um inseto e matá-lo. Matar insetos dava trabalho! [6].

O dia de sábado que era para ser um dia festivo virou um dia de escravidão. As pessoas se preocupavam mais em observar o que não se podia fazer do que desfrutar do dia do Senhor. Eles viraram escravos do sábado e os fariseus e os doutores da lei os carrascos para implantar a punição aos que o quebrasse.

Corremos o risco de cair no mesmo erro se nós não vigiarmos. O legalismo é uma armadilha para os bem intencionados. Conheço pessoas que vivem assim no domingo.

E o que foi mostrado aqui é só uma ideia de como procediam os fariseus. A coisa era muito pior.

2 – AS LIÇÕES DE JESUS EM RELAÇÃO AO SÁBADO (Lc 6.3-5).

O texto em questão reflete o conflito entre os fariseus, fiéis cumpridores da lei, e os discípulos de Jesus. O Senhor Jesus aproveita a oportunidade para explicar o verdadeiro sentido do sábado; dia de liberdade. Dia de festividade e não de tristeza.

1º - Jesus mostra que os seus discípulos não estavam fazendo nada que era proibido no sábado (Lc 6.1-3). Que dizia, afinal, o mandamento do sábado do AT? Em Êx 31.14 diz: “Guardareis o sábado, porque é santo para vós. […] Qualquer que nele fizer alguma obra será eliminado do meio do seu povo” (cf. Êx 31.15; 35.2; também Lv 23.30; Jr 17.27). Violação do sábado, portanto, dava pena de morte. Veja Nm 15.32,36; Ne 13.15,16,17,18; Ez 20.15s; Jr 17.21s!

Com base nesses textos do AT os fariseus pareciam estar com a razão. Porque, segundo sua opinião, arrancar espigas é “trabalho”. Quem trabalha viola o sábado e merece a morte por apedrejamento. Será que, com essa interpretação, os fariseus tinham razão? Não! Pois em Êx 12.16 consta expressamente: “Nenhuma obra se fará nesse dia, exceto o que diz respeito ao comer. Somente isso podereis fazer!” Aqui se afirma expressamente que a preparação de alimentos no sábado não constitui trabalho. Em que lugar da terra “matar a fome” poderia ser igual a “trabalhar”? A razão singela e sóbria já rejeita isso de antemão! O exemplo de Davi evidencia que a fome dos discípulos precisa ser levada a sério [7].

A prática de colher espigas nas searas para comer estava rigorosamente de conformidade com a lei de Moisés (Dt 23.24,25). A Lei dizia que se você estivesse com fome poderia comer até se fartar, não podia colocar no cesto e levar para casa. Aí seria considerado roubo.

2º - O conhecimento da Palavra nos livra da opressão do legalismo (Lc 6.3,4). Jesus não discutiu com eles, antes se referiu diretamente à Palavra de Deus (1Sm 21.1-6). O pão da proposição ou “pão sagrado” era, na realidade, um conjunto de doze pães, um para cada tribo de Israel, que ficava sobre a mesa no lugar santo do tabernáculo e, posteriormente, do templo (Êx 25.23-30; Lv 24.5-9). Todo sábado era colocado pão fresco sobre a mesa, e só os sacerdotes tinham permissão de comê-lo [8].

Jesus cita a Escritura para os fariseus e mostra como os sacerdotes, para mitigar a fome de Davi e de seus homens, quebrou a lei cerimonial lhes dando pães da proposição que era só permitido aos sacerdotes comerem. Jesus não usou texto fora de contexto, mas usou esse episódio para mostrar o quanto o Senhor é misericordioso e não um legalista.

“Vocês ainda não leram?” É como se quisesse dizer: “Vocês se orgulham de ser o próprio povo que defende a lei, e seus escribas se consideram tão bem versados nela que podem ensinar a outros; não obstante, vocês mesmos ignoram o fato de que ainda essa mesma lei permitia que suas restrições cerimoniais fossem passadas por alto em caso de necessidade?” [9]. A melhor maneira de adorar a Deus é ajudando as pessoas. O dia de descanso nunca é tão sagrado como quando é usado para prestar ajuda aos necessitados.

3º - O exercício da misericórdia é mais importante do que a oferta de sacrifícios (Mt 12.7). “Mas, se vós soubésseis o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifício, não condenaríeis os inocentes”. Mais uma vez o Senhor repreende os fariseus por seu fracasso em entender as Escrituras e, dessa vez, ele cita Oséias 6.6. Jesus mostra para os fariseus que é sempre certo mostrar misericórdia antes de observar preceitos da lei.

Esse foi o entendimento que o Senhor deixou e que Tiago em sua carta mostra de forma prática quando diz:

“Meus irmãos, que aproveita se alguém disser que tem fé, e não tiver as obras? Porventura a fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiverem falta de mantimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos, e fartai-vos; e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito virá daí? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma” (Tg 2.14-17).

Esse era precisamente o problema com esses fariseus: eram destituídos de compaixão. Não eram amantes da bondade. Portanto, a fome que afligia os discípulos de Jesus não podia acender nos corações de seus críticos qualquer sentimento de ternura ou solicitude para socorrê-los. Ao contrário, só sabiam condenar os discípulos.

Uma observação: A lei do sábado foi imposta para impor limites as pessoas, para evitar abusos, não para ser algo para ser aplicado como uma tirania. O sábado era dia de repouso e não dia de trabalho como nos dias anteriores. Quando Israel voltou do cativeiro passaram a quebrar a ordem do Senhor e Neemias teve que lhes corrigir esse erro:

“Naqueles dias vi em Judá os que pisavam lagares ao sábado e traziam feixes que carregavam sobre os jumentos; como também vinho, uvas e figos, e toda a espécie de cargas, que traziam a Jerusalém no dia de sábado; e protestei contra eles no dia em que vendiam mantimentos. Também habitavam em Jerusalém tírios que traziam peixe e toda a mercadoria, que vendiam no sábado aos filhos de Judá, e em Jerusalém. E contendi com os nobres de Judá, e lhes disse: Que mal é este que fazeis, profanando o dia de sábado? Porventura não fizeram vossos pais assim, e não trouxe o nosso Deus todo este mal sobre nós e sobre esta cidade? E vós ainda mais acrescentais o ardor de sua ira sobre Israel, profanando o sábado (Ne 13.15-18).

Observe o que nos diz 2Cr 36.20,21:

“Os que escaparam da espada, a esses levou ele para a Babilônia, onde se tornaram seus servos e de seus filhos, até ao tempo do reino da Pérsia; para que se cumprisse a palavra do Senhor, por boca de Jeremias, até que a terra se agradasse dos seus sábados; todos os dias da desolação repousou, até que os setenta anos se cumpriram”.

Entre o tempo de Moisés e o início do cativeiro, houve (cerca de) 70 ocasiões em que a Lei do ano sabático Levítico 25.3-5 havia sido violada. Cerca de 490 anos.

“Seis anos semearás o teu campo, e seis anos podarás a tua vinha, e colherás os seus frutos. Porém, no sétimo ano, haverá sábado de descanso solene para a terra, um sábado ao Senhor; não semearás o teu campo, nem podarás a tua vinha. O que nascer de si mesmo na tua seara não segarás e as uvas da tua vinha não podada não colherás; ano de descanso solene será para a terra”.

Veja o que o Senhor nos fala:

“Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores, pois assim dá ele aos seus amados o sono” (Salmos 127.2).

“Por isso vos digo: Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos, ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas; mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6:25,31-33).

Esse é o ponto de equilíbrio. Trabalhar, descansar e confiar no Senhor que irá suprir todas as nossas necessidades!

4º - O Soberano Senhor, inclusive do sábado, é o Filho do homem (Lc 6.5). Em Mateus 12.6 o Senhor diz: “Pois eu vos digo que está aqui quem é maior do que o templo”. O Senhor está deixando claro para os fariseus que Ele tinha autoridade, pois ele era maior que o templo e Senhor do sábado.

Jesus acaba de declarar seus discípulos “inocentes”. De fato estavam destituídos de culpa com respeito à acusação dos fariseus pronunciada contra eles, porque, ao colherem e (depois de debulharem o grão) comerem esse alimento, estavam fazendo o que Jesus lhes permitia e queria que fizessem. Estavam reconhecendo o senhorio de Jesus acima do senhorio dos fariseus e suas tradições muitas vezes tolas [10].

Jesus deixa claro que o legalismo é um caldo mortífero que envenena, asfixia e mata as pessoas, mas o governo de Cristo traz liberdade e alegria [11].

3 – O “SÁBADO CRISTÃO”, DIA DE CELEBRARMOS A DEUS.

Embora existam opiniões diferentes sobre se os cristãos devem guardar ou não o sábado, a Bíblia diz que não estamos mais debaixo da Lei, mas debaixo da graça (Rm 6.14). Assim, o domingo não é o sábado cristão, com uma lista de coisas que podemos ou não podemos fazer (Rm 14.5; Gl 4.10; Cl 2.16-17). No entanto, ao mesmo tempo há princípio nas Leis do sábado no Antigo Testamento que podemos e devemos aplicar hoje.

Para os cristãos, o Dia do Senhor não é um dia de regras humanas (Cl 2.16) para alcançar a salvação (Gl 4.9-10). Pelo contrário, é o Dia do Senhor (Ap 1.10), o dia para celebrar a ressurreição de Jesus Cristo (Jo 20.1, 19) e a vinda do Espírito Santo (At 2.1). É um tempo de renovação (Êx 20.8-11), bênção (Mt 12.9-14) e alegria (Is 58.13).

John Murray afirma corretamente que “... o Shabbath [...] não deve ser definido em termos de cessação das atividades, mas cessação do tipo de atividade que fazia parte do trabalho nos outros seis dias”. Domingo é um bom dia para investir tempo com outros crentes e tempo com o Senhor nos horários que estávamos ocupados durante a semana, no trabalho.

CONCLUSÃO

O legalismo mata a graça e destrói a alegria de viver a liberdade que o Senhor nos trouxe em Cristo Jesus. O legalismo escraviza e transforma as pessoas em vigilantes dos pecados alheios. O legalismo transforma as pessoas em juiz e carrasco ao mesmo tempo; o legalismo condena e mata sem misericórdia.

Foi assim no tempo de Jesus e dos apóstolos, tem sido assim nos dias de hoje. Devemos ser livres e sermos servos obedientes, sem sermos escravos do legalismo. O ponto de equilíbrio deve ser buscado e aplicado a nossas vidas, só assim viveremos a graça de Deus que o Senhor veio nos trazer.

Pense nisso!

Bibliografia

1 – Hendriksen, William. Mateus, vol. 2, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2001, p. 11.

2 – Edwards, James R. O Comentário de Marcos, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2018, p. 130.

3 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2019, p. 243.

4 – Lopes, Hernandes Dias. Marcos, O Evangelho dos Milagres, São Paulo, Editora Hagnos, 2006, p. 148.

5 – Pohl, Adolf. O Evangelho de Marcos, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 1998, p. 76.

6 – Immich, Vera Maria. Meditação do evangelho: Jesus é o Senhor do Sábado. https://cebi.org.br/reflexao-do-evangelho/jesus-e-o-senhor-do-sabado/ Acessado em 23/12/2020.

7 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Mateus, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 1998, p. 133.

8 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, 2012, p. 246.

9 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, 2012, p. 231.

10 – Hendriksen, William. Mateus, vol. 2, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2001, p. 17.

11 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, São Paulo: Editora Hagnos, 2017, p. 166.

domingo, 20 de dezembro de 2020

QUANDO A RELIGIÃO SE TORNA UM FARDO

Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 5.33-39

INTRODUÇÃO

O homem é por natureza um ser religioso, porque provém de Deus e para ele caminha, o homem só vive uma vida plenamente humana se viver livremente sua relação com Deus. Isso é um fato indiscutível, no entanto, quando a religião se torna algo maior que o Deus que se adora, aí ela se torna perigosa. Quando os preceitos religiosos (as doutrinas, mandamentos ou ensinamentos) viram uma obsessão, uma neurose, aí ela se torna perigosa. Ela vira um fardo. E o fardo religioso é um dos mais difíceis de carregar e de se deixar. 

Quando a religião se torna uma obrigação e não algo prazeroso temos que repensar nossa religiosidade.  Como disse o apóstolo Paulo aos Colossenses 2.21-23: “Não manuseie!” “Não prove!” “Não toque!”? Todas essas coisas estão destinadas a perecer pelo uso, pois se baseiam em mandamentos e ensinos humanos. Essas regras têm, de fato, aparência de sabedoria, com sua pretensa religiosidade, falsa humildade e severidade com o corpo, mas não têm valor algum para refrear os impulsos da carne” (NVI).

O texto que lemos nos mostra os discípulos de João, juntamente com os fariseus, questionando Jesus a respeito da prática do jejum. Esse questionamento tinha um certo peso de crítica, pois dentro da tradição judaica haviam três principais pilares: a oração, a caridade e o jejum. No entanto, os discípulos de Jesus não praticavam o jejum [1]. E isso estava trazendo um certo incômodo a esses religiosos.

A Lei determinava um jejum durante o ano todo, devendo acontecer no dia da expiação (Lv 16.29-34; 23.26-32; Nm 29.7-11; cf. At 27.9). No entanto, no decorrer dos anos, os jejuns começaram a se multiplicar, e essa prática do jejum fora dos princípios estabelecido na Lei foi aos poucos virando uma tradição. E ela estava tão enraizada nos religiosos que os que não a praticavam eram mal vistos por eles. Aliás, a grande crise que Jesus enfrentou entre os fariseus foi a observância da tradição dos anciãos como se fosse a Lei estabelecida por Deus.

Para responder a esse questionamento Jesus fala a respeito do casamento, do remendo em roupas e do vinho em odres. É sobre essa resposta de Jesus aos discípulos de João Batista e aos fariseus que eu quero pensar com você.

Quais as lições que podemos tirar desse texto para nós hoje, quando a religião se torna um fardo.

1 – A RELIGIÃO SE TORNA UM FARDO QUANDO NOS É IMPOSTA (Lc 5.33).

A religião – nesse caso estamos falando do cristianismo – se torna um fardo quando não servimos pelo prazer de servir, mas quando nos é imposta como se fosse uma obrigação.

Observe o que nos fala o versículo de Lc 5.33: “Disseram-lhe, então, eles: Por que jejuam os discípulos de João muitas vezes, e fazem orações, como também os dos fariseus, mas os teus comem e bebem?”. O discípulos de João Batista e os fariseus estavam inquietos com a vida religiosa que os discípulos de Jesus viviam.

Para eles os discípulos de Jesus eram pessoas sem compromisso com a religião e a Lei de Moisés. Na verdade eles estavam questionando o próprio Jesus que tinha fama de comilão e bebedor de vinho, como lemos em Mateus 11.18,19:

“Porquanto veio João, não comendo nem bebendo, e dizem: Tem demônio. Veio o Filho do homem, comendo e bebendo, e dizem: Eis aí um homem comilão e beberrão, amigo dos publicanos e pecadores. Mas a sabedoria é justificada por seus filhos”.

A Lei determinava somente um jejum durante o ano todo, devendo acontecer no dia da expiação (Lv 16.29-34; 23.26-32; Nm 29.7-11; cf. At 27.9). No entanto, no decorrer dos anos, os jejuns (nem sempre totais) começaram a se multiplicar, e nós lemos a respeito deles em outras ocasiões: do nascer ao pôr-do-sol (Jz 20.26; ISm 14.24; 2Sm 1.12; 3.35); por sete dias (ISm 31.13); três semanas (Dn 10.3); quarenta dias (Êx 34.2, 28; Dt 9.9, 18; lRs 19.8); no quinto e sétimo mês (Zc 7.3-5); e mesmo no quarto, quinto, sétimo e décimo mês (Zc 8.19). O clímax era a observância de um jejum “duas vezes por semana” para orgulho dos fariseus (Lc 18.12) [2]. Eles costumavam jejuar às segundas-feiras e as quintas-feiras regularmente.

Quando preceitos humanos são inseridos no cristianismo e passa ser uma obrigação acima do que a Bíblia ensina, isso se torna um peso. Por exemplo, usos e costumes, que é muito comum vermos em muitas denominações religiosas. Que vai desde uma mulher não poder usar uma calça comprida a homens não poderem usar barba; desde não poder comer mortadela a não poder tomar refrigerante...

O cristão deve se vestir e se portar com decência e ordem em todos os lugares, mas o que acontece é que muitas pessoas e igrejas querem impor o que elas acham que seja essa decência e ordem. Vou lhe dar um pequeno exemplo. Uma vez foi perguntado a um pastor que eu conhecia se o crente podia ouvir músicas seculares (do mundo). Ele respondeu que não, só se fossem músicas do Roberto Carlos. Aí podia. Meu filho foi em uma festa de quinze anos de uma amiga da escola dele. O avô da menina que era pastor não deixou tocar músicas seculares (do mundo), mas liberou tocar e dançar “Macarena”.

Eu penso que isso é coar a mosca e engolir o camelo.

“Condutores cegos! que coais um mosquito e engolis um camelo. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que limpais o exterior do copo e do prato, mas o interior está cheio de rapina e de intemperança. Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo e do prato, para que também o exterior fique limpo” (Mt 23.24-26). 

Quando o cristianismo é imposto (ou qualquer outra religião), se torna um peso. A pessoa pratica por obrigação e não pelo prazer de servir. Devido a essas obrigatoriedades infundadas que nós encontramos em muitas religiões os radicais extremados ou os que não vivem se forma coerente a fé que confessam.

Sempre devemos ficar com a Bíblia e nos seus ensinamentos. Veja o que o apóstolo Paulo nos fala a respeito em 1Co 6.12:

“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas; mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas”.

É aquela história que temos visto por aí, quando alguém pergunta para a outra pessoa porque ela não pratica tal coisa, e a resposta que geralmente dão é porque a sua religião não lhes permite; com essa resposta a pessoa está dizendo que se a sua religião não proibisse ela iria fazer tudo aquilo. Para a pessoa que pensa assim, o seu cristianismo (ou qualquer outra religião) é um peso. É uma religião de usos e costumes e de proibições. Não algo prazeroso.

2 – A RELIGIÃO SE TONA UM FARDO QUANDO É PRATICADA SEM ENTENDIMENTO (Lc 5.34,35).

Jesus disse que seus discípulos não jejuavam porque o noivo ainda estava com eles. Ou seja, Jesus era o noivo e os discípulos os amigos do noivo. Eles estavam em festa.

Jesus aqui compara sua bendita presença na terra com uma festa de núpcias. Repetidas vezes a Escritura compara a relação entre Yahweh e seu povo, ou entre Cristo e sua igreja, com o vínculo de amor existente entre o noivo e a noiva (Is 50.1 ss.; 54.1 ss.; 62.5; Jr 2.32; 31.32; Os 2.1ss.; Mt 25.1ss.; Jó 3.29; 2Co 11.2; Ef 5.32; Ap 19.7; 21.9) [3].

As festas de casamento dos judeus durava uma semana e eram ocasiões de grande alegria e celebração. Ao usar essa imagem, Jesus estava dizendo a seus críticos: “Eu vim para fazer da vida uma festa de casamento, não um funeral”. Mas Jesus deixou claro que, um dia, ele lhes seria “tirado”, uma indicação de sua rejeição e morte; mas enquanto isso não acontecia, havia motivos de sobra para alegria, pois os pecadores estavam se arrependendo [4].

Os seus questionadores não conseguiam entender que o tempo do jejum havia acabado. Lemos a seguinte doutrina judaica em Maimonides: “Todo jejum há de cessar nos dias do Messias, e não haverá outros dias bons e dias de alegria iguais àqueles, como está escrito em Zc 8.19”.

“Assim diz o Senhor dos Exércitos: O jejum do quarto, e o jejum do quinto, e o jejum do sétimo, e o jejum do décimo mês será para a casa de Judá gozo, alegria, e festividades solenes; amai, pois, a verdade e a paz” (Zc 8.19).

É nesse sentido que Jesus, contrariando seus interrogadores, se denomina de “noivo”, chamando o tempo de sua presença entre os seus de tempo de alegria nupcial. Ao perguntar se os companheiros do noivo podem ser induzidos a jejuar enquanto o noivo ainda estiver com eles, o Senhor diz que jejuar não combina com a alegria nupcial [5].

A religião judaica havia transformado a vida num fardo pesado e os ritos sagrados em instrumentos de tristeza e opressão. Os fariseus jejuavam para mostrar sua piedade, os discípulos de João para mostrar sua tristeza pelo pecado. A palavra aramaica para “jejuar” tem o sentido de “estar de luto”. Os judeus quando jejuavam e ficavam tristes tinham a intenção de conseguir algo de Deus: “Por que jejuamos nós, e tu não atentas para isso?” (Is 58.3). E os hipócritas jejuavam para serem vistos pelos outros (Mt 6.16).

É bom destacar que Jesus não estava contra o jejum. Ele mesmo jejuou quarenta dias e ratificou o jejum voluntário (Mt 9.15). Moisés jejuou quarenta dias no Horebe. Patriarcas, profetas, reis e sacerdotes jejuaram. Deus ordenou o jejum como um importante exercício devocional. Jesus e os apóstolos jejuaram. A Igreja de Deus ao longo dos séculos tem jejuado. Mas Jesus denunciou o jejum dos hipócritas que desfiguravam o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuavam (Mt 6.16). O jejum dos escribas e fariseus era um ritual para a sua própria exibição e não a expressão de um coração quebrantado [6].

Observe o que Jesus falou aqui no versículo 35: “Dias virão, porém, em que o esposo lhes será tirado, e então, naqueles dias, jejuarão”. Com referência a “dias virão”, seguido de “então, aqueles dias” de Lucas, Jesus está dizendo que sua morte violenta que se aproximava significará dias de luto para os discípulos. Então, naquela ocasião em particular, o jejum como expressão de dor estará em vigor e ocorrerá. João 16.16-22 indica que o luto não será de longa duração [7].

“Um pouco, e não me vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis; porquanto vou para o Pai. Então alguns dos seus discípulos disseram uns aos outros: Que é isto que nos diz? Um pouco, e não me vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis; e: Porquanto vou para o Pai? Diziam, pois: Que quer dizer isto: Um pouco? Não sabemos o que diz. Conheceu, pois, Jesus que o queriam interrogar, e disse-lhes: Indagais entre vós acerca disto que disse: Um pouco, e não me vereis, e outra vez um pouco, e ver-me-eis? Na verdade, na verdade vos digo que vós chorareis e vos lamentareis, e o mundo se alegrará, e vós estareis tristes, mas a vossa tristeza se converterá em alegria. A mulher, quando está para dar à luz, sente tristeza, porque é chegada a sua hora; mas, depois de ter dado à luz a criança, já não se lembra da aflição, pelo prazer de haver nascido um homem no mundo. Assim também vós agora, na verdade, tendes tristeza; mas outra vez vos verei, e o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém vo-la tirará”.

Por desconhecerem a presença do Messias entre eles, o jejum que praticavam era um jejum sem entendimento. A Bíblia é muito clara quando nos diz que o nosso culto deve ser um culto racional (Rm 12.1). Paulo está nos dizendo que o culto não é simplesmente um formalismo, mas a vida em total entrega a Deus.

O cristianismo tem que abarcar a totalidade da vida do indivíduo, se não for assim, não passa de um fardo moral e religioso. E isso vai desde o jejum a ir aos cultos na igreja. Tudo será um peso.

O cristianismo é uma festa de celebração. Como disse Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor, outra vez vos digo, alegrai-vos” (Fl 4.4). O Noivo esteve entre nós, foi para cruz, morreu em nosso lugar, mas ressuscitou ao terceiro dia, enviou o Espírito Santo para estar conosco; o Noivo voltará para buscar a Sua noiva que é a Sua Igreja, e estaremos com Ele para todo o sempre. Por isso quem conhece o que é realmente o cristianismo não vive um peso religioso, mas um fardo leve.

Hoje, celebramos a alegria da salvação, mas um dia entraremos na Casa do Pai, na glória celeste, e então, essa festa nunca vai acabar. Estaremos para sempre com Ele.

William Barclay conta que havia um criminoso japonês que se chamava Tockichi Ishii. Era um homem bestial, em quem não se manifestava a mais mínima piedade. Em sua carreira criminal tinha assassinado brutalmente homens, mulheres e meninos. Finalmente foi capturado e encarcerado. Duas mulheres canadenses visitaram a prisão. Nem sequer se pôde conseguir que falasse com elas, limitando-se a olhar com uma expressão bestial. Quando terminou a visita destas duas mulheres, deixaram-lhe uma Bíblia com a débil esperança de que a lesse em algum momento. E Ishii leu aquela Bíblia e a história da crucificação fez dele um homem novo.

Pouco tempo depois, quando o verdugo precisou levar aquele homem ao patíbulo, não encontrou o ser brutal e bárbaro que esperava, e sim a um homem radiante, sorridente, porque Ishii, o assassino tinha nascido de novo. O sinal visível daquele novo nascimento era um rosto iluminado pelo gozo. A vida que se vive em Cristo não pode ser senão uma vida cheia de gozo [8]. Porque o Evangelho não é o guardar regras e preceitos, o Evangelho é a Pessoa maravilha do nosso Senhor e Salvador Jesus em nossas vidas.

3 – A RELIGIÃO SE TORNA UM FARDO QUANDO CARREGAMOS O QUE DEUS NÃO DISSE PARA CARREGARMOS (Lc 5.34).

Jesus disse: “Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11.30). Se o fardo é leve, por que parece que está tão pesado?

Quando Jesus disse que o fardo dele é leve, é óbvio que entendemos o que ele disse, porém, não é tão fácil sentir essa leveza. Pense se não é assim: tudo o que envolve a vida religiosa, as orações, os cultos, os trabalhos, as obrigações morais, e também as restrições que nos impomos, é sentido como um fardo, e não exatamente como um fardo leve.  

Enquanto o cristianismo for apenas uma das áreas de nossa vida, enquanto ele for colocado no mesmo patamar de importância de outras coisas, mesmo como a família ou a igreja, tudo o que o envolve não será para nós nada mais que obrigações que cumprimos com muito esforço.

Quando os mandamentos de Deus se tornam penosos para nós?

1 – Quando a religião impõe exigências que não tem nada a ver com Deus. A religião coloca sobre nós exigências que nem o próprio Deus requer. O resultado é que a carga religiosa se torna mais pesada do que deveria ser. Muitas exigências dentro das igrejas não têm nada a ver com Deus. São meros mecanismos humanos de afirmação do poder religioso. Observe o que Jesus falou a respeito dos escribas e fariseus em Mateus 23.4:

“Pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com seu dedo querem movê-los”.

Eu conheço um pastor que faz parte de uma igreja que é proibido os membros terem televisão, no entanto, esse pastor tem uma tv escondida dentro de seu guarda roupas.

2 – Quando a religião desenvolve um sistema para agradar a Deus na base da causa e efeito. A isso podemos chamar de barganha e não de culto. A vida cristã não é um toma- lá-dá-cá. Não é uma negociata. Não quero com isso descartar a lei da semeadura que Paulo nos alerta em Gálatas 6.7: “O que o homem planta, colhe”. Uma das grandes verdades bíblicas é que temos um Deus que é muito mais amoroso do que guardador da lei. Ele é muito mais guardador de rebanhos do que guardador de livros. Ele é muito mais guardador de vidas do que guardador de preceitos. Então obedecemos a Deus não por medo, mas porque descobrimos um cuidado dele para com a nossa vida.

3 – Quando olhamos para Deus muito mais como um Juiz do que como um Pai.   Obedecemos ao Senhor não porque é uma imposição ou obrigação, mas porque temos um pai que deseja o nosso bem e nos alerta com amor sobre os riscos que podemos correr. Infelizmente vemos o Senhor como um juiz austero e duro que passa leis que nos são impostas, e não como um pai amoroso que deseja o nosso melhor.

4 – Quando criamos mecanismos de defesa que desenvolvemos em nós mesmos. Quando nos protegemos daquilo que somos fracos acabamos exigindo mais dos outros. Por exemplo, o que ora muito e trabalha pouco é impaciente com o que trabalha muito e não ora e vice-versa. Os nossos níveis de exigências se tornam cada vez mais intolerantes e nos tornamos menos misericordiosos. O resultado disso é que os nossos relacionamentos se tornam cada vez mais problemáticos, pesados e por isso muitos dizem que é difícil servir a Deus.

De fato, é apenas isso que sobra para o homem religioso que não toma a decisão de tudo viver em Cristo: um fardo de obrigações morais e religiosas que precisam ser cumpridas com muita dificuldade.

Mas quando andamos no aminho inverso e não vemos o cristianismo como uma via de obrigações podemos falar como Paulo falou em Gálatas 2.20: “Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim”.

4 – A RELIGIÃO SE TORNA UM FARDO QUANDO NÃO SE VIVE EM NOVIDADE DE VIDA EM CRISTO JESUS (Lc 5.36-38).

Jesus usou três figuras para responder aos seus inquisidores. A primeira foi a respeito da festa de casamento e agora ele usa a figura do remendo novo em tecido velho e do vinho novo em odres velhos.

O significado da parábola do remendo novo em pano velho e vinho novo em odres velhos diz respeito ao contraste entre a Lei Mosaica (AT) e a Nova Aliança (NT). Essa parábola fala que as velhas formas cerimoniais da Lei Mosaica são inadequadas à Nova Aliança em Cristo, à mensagem do Evangelho da graça.

Quais são as lições que essas figuras nos ensinam? 

1º - Em primeiro lugar, a vida cristã não é um remendo ou reforma do que está velho, mas algo totalmente novo (Lc 5.36). Um remendo novo num pano velho abre uma fissura ainda maior. Se se põe um remendo de lã, não-encolhido, numa roupa que já viu melhores dias, o resultado será que, quando essa peça não-encolhida se molha e encolhe, rasgará as bordas da costura. O remendo que deveria consertar a ruptura original, agora produz uma ruptura ainda maior.

O cristianismo não é uma reforma do judaísmo nem um remendo das práticas judaicas. A vida cristã não é apenas um verniz, uma caiação de uma estrutura rota, mas uma nova vida, algo radicalmente novo.

O vestido velho era o antigo sistema da lei e os velhos costumes do povo judeu. A salvação que Cristo oferece são as vestes alvas e a justiça de Cristo, o linho finíssimo. Em Cristo todas as coisas são feitas novas (2Co 5.17). A vida cristã não é uma mistura do velho com o novo. É algo completamente novo. O evangelho transforma e liberta. O Evangelho é a palavra de vida; o judaísmo com seus preceitos legalistas era letra morta. O evangelho liberta, o legalismo mata; o evangelho salva, o legalismo faz perecer.

2º - Em segundo lugar, a vida cristã não pode ser acondicionada numa estrutura velha e arcaica (Lc 5.37-39). Os odres eram recipientes feitos de pele de animais, era geralmente feito da pele de cabra ou de ovelha. Por causa da elasticidade do couro, as pessoas utilizam esse material no processo de fermentação do vinho. O vinho novo era colocado em odres; mas à medida que ele fosse fermentando, a pressão aumentava e esticava os odres. Um odre velho já havia sido dilatado ao máximo e não possuía mais a elasticidade necessária para um novo processo de fermentação. Um vinho novo posto em um odre velho seria desperdício.

Tudo isso significa que os rituais da Antiga Aliança apenas apontavam para a Nova Aliança. Eles cumpriram seu papel e cessaram. Tentar continuá-los após a chegada do Messias seria como usar remendo novo em pano velho; ou colocar vinho novo em odres velhos.

O cristianismo requer novos métodos e novas estruturas. Não podemos ter o coração duro como os odres ressecados pelo tempo. Precisamos manter nosso coração aberto à mensagem transformadora do evangelho.

5 – HÁ PESSOAS QUE SE ACOSTUMAM COM O FARDO PESADO (Lc 5.39).

Não são todas as pessoas que conseguem se adaptar a liberdade em Cristo. Ser livre implica em responsabilidades e nem todos têm condições de vivê-la de forma plena. Os doutores da Lei na época de Cristo questionavam a doutrina de Jesus. Para eles o Evangelho era algo inadmissível. Tanto que os judaizantes tentaram implantar ao Evangelho que Paulo pregava preceitos da Lei e a circuncisão, que, segundo eles, quem não o fizesse não poderia ser salvo (At 15.5).

O sistema legal é muito mais confortável porque é mais fácil oferecer o exterior a Deus, pelas práticas religiosas, do que render-lhe o interior, o coração. Quem se acostumou com o vinho velho, não gosta do novo. É espumante e borbulhante demais para ele. A nova natureza do Espírito traz consigo agitação. Quem prossegue nos trilhos antigos, fica desconfortavelmente incomodado. As pessoas preferem descansar tranquilamente nas práticas devotas exteriores [9].

CONCLUSÃO

Vimos que essa parábola foi motivada devido a um questionamento acerca do jejum. Então em outras palavras, de forma mais específica, Jesus responde aos discípulos de João Batista e os fariseus que o jejum cerimonial ou qualquer outra prática mosaica observada por eles e pelos fariseus, nada tinham a ver com o Evangelho. O Evangelho é nova vida. É vida no Espírito. É novidade de vida que só em Cristo podemos alcançar.

É o que o Senhor disse para Nicodemos: é o nascer de novo. É algo que não nos é imposto, mas vivido com alegria, pois o que nos move é o Espírito Santo. Como disse o apóstolo Paulo aos Filipenses 2.13: “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade”. 

Pense nisso!

Bibliografia

1 – Edwards, James R. O Comentário de Marcos, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2018, p. 125.

2 – Hendriksen, William. Marcos, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 131.

3 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 418.

4 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, 2012, p. 243.

5 – Rieneckerp Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 2005. p. 92.

6 – Lopes, Hernandes Dias. Marcos, O Evangelho dos Milagres, São Paulo, Editora Hagnos, 2006, p. 141.

7 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 419.

8 – Barclay, William. Marcos, Comentário do Novo Testamento, p. 65.

9 – Rienecker Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 2005. p. 94.

domingo, 13 de dezembro de 2020

CHAMANDO PECADORES AO ARREPENDIMENTO - A VOCAÇÃO DE MATEUS

Por Por Silas Figueira

Texto base: Lucas 5.27-32

INTROODUÇÃO

O chamado de Mateus ocorre nos três evangelhos sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas. No evangelho que leva o seu nome, ele se apresenta como Mateus (Mt 9.9), em Marcos (Mc 2.14) e em Lucas (Lc 5.27) ele é chamado de Levi. Naquela época, era comum os judeus terem dois ou até três nomes. “Levi” relaciona-se ao nome do terceiro filho de Jacó (Gn 29.34), enquanto “Mateus” deriva do aramaico para “Presente de Deus”. Marcos 2.14 acrescenta que ele era filho de Alfeu, o qual aparentemente não era o mesmo pai de Tiago, o menor (veja Tiago, filho de Alfeu). Mateus é mencionado nas quatro listas dos doze apóstolos (Mt 10.2-4; Mc 3.18; Lc 6.15; At 1.13), sempre colocado junto com Tomé ou Bartolomeu [1].

Assim como Mateus e Marcos, Lucas acrescenta diretamente à narrativa da cura maravilhosa do paralítico a história da vocação de Mateus (Levi). Enquanto Jesus saía da casa (talvez de Pedro) passando pelo lago de Genezaré (Mc 2.13), ele viu um coletor de impostos sentado na coletoria. Enquanto que ao paralítico curado Jesus disse: “vai para tua casa”, para Mateus ele diz: “Segue-me”.

Como disse Wiersbe: “Não tardou a ficar claro que Jesus se relacionava deliberadamente com os párias da sociedade judaica. Chegou até a chamar um coletor de impostos para ser um de seus discípulos! Não sabemos se Levi era um homem desonesto, apesar de a maioria dos coletores de impostos ser corrupta, mas o simples fato de trabalhar para Herodes Antipas e para os romanos já era suficiente para acabar com a reputação dele entre os judeus mais zelosos” [2].

Sobre esse chamado de Mateus que quero pensar com você e quais as lições que podemos tirar para as nossas vidas.

1 – JESUS NÃO FAZ ACEPÇÃO DE PESSOAS (Lc 5.27,29,30).

Para entendermos bem isso, devemos definir de forma clara como eram vistos os publicanos e os pecadores com quem Jesus se relacionava, e porque esse relacionamento causava tanto escândalo aos fariseus e aos doutores da lei.

1º - Quem eram os publicanos – Os publicanos eram judeus que trabalhavam para o governo romano. Eles eram cobradores de impostos. De todas as pessoas na Palestina os cobradores de impostos eram os mais odiados. Neste momento a Palestina era um país sob a soberania dos romanos. Os cobradores de impostos estavam a serviço do governo romano; e portanto, eram vistos traidores e renegados.

Os cobradores eram considerados ladrões, assaltantes e assassinos por definição. Não lhes era permitido entrar na sinagoga. Era permitido enganá-los e perjurar perante eles. Doações de caridade da parte deles eram recusadas. Eles não podiam comparecer no tribunal como testemunhas, cargos importantes lhes eram vedados. Suas famílias, que participavam da riqueza roubada, também eram marginalizadas. Um fariseu que se tornasse coletor era expulso, e sua esposa podia divorciar-se dele.

Eles não se impressionava nem com problemas de consciência nem com os preceitos de Deus. Disto resultava o oposto exato do fariseu, o judeu rigoroso na Torá (cf. Lc 18.9-14).

Os publicanos são símbolo da desonestidade, da arbitrariedade, do egoísmo e da ânsia de vingança. Eram pessoas que, para enriquecerem rapidamente, estavam a serviço dos inimigos da pátria. Eram pessoas que renegam seu povo, sua pátria e a fé.

Quem queria tornar-se publicano tinha de saber que:

• Estará separando-se conscientemente de Deus, do povo, da pátria;

• Cometerá consciente e continuamente pecados graves contra Deus, o povo e a pátria;

• Terá de suportar o desprezo de todas as pessoas decentes;

• Será castigado eternamente no inferno, segundo a concepção judaica.

Por isso os publicanos são equiparáveis a usurários, ladrões, assassinos, saqueadores, assaltantes e prostitutas. São pessoas das quais se afirma: “São amaldiçoadas!” (Jo 7.49) [3]. Eles representavam a escória da sociedade judaica.

O próprio Jesus mostrou que tais pessoas eram más e incorrigíveis. Veja o que Jesus nos fala sobre contenda na igreja que como devemos agir em Mateus 18.15-17:

“Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano.

Jesus nos mostra nesse texto que tais pessoas eram más e irreconciliáveis. Sem nenhum temor a Deus. A Bíblia nos mostra somente dois publicanos que foram salvos, Mateus e Zaqueu. Pode ser que muitos outros tenham sido alcançados, mas a Bíblia não registra.

2º - O pecadores“Pecadores” era usado como termo geral abarcando pessoas que não tinham permissão para agir como juízes ou testemunhas em virtude de sua falta de confiabilidade moral [4]. No entanto, foi com essas pessoas que o Senhor Jesus se identificou. Eram essas pessoas que foram acolhidas por Ele. Foi também por pessoas que o Senhor veio ao mundo dar a vida. Como nos fala Paulo em 2 Coríntios 5.21:

“Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”.

E em 1 Coríntios 1.27-29:

“Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são, para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante ele”.

Sinceramente, você também não ficaria escandalizado com Jesus? Por muito menos temos visto cristãos fazendo acepção de pessoas. Jesus veio chamar pecadores e não os santos. Ele veio curar os enfermos e não os sãos. Por isso ele chamou a mim e a você.  

2 – O CHAMADO DE JESUS É UM CHAMADO EFICAZ (Lc 5.27,28).

A Bíblia nos fala que “muitos são chamados, mas poucos escolhidos” (Mt 22.14). Isso quer dizer que existem dois chamados, um “externo” e outro “interno”. O “externo” vem da pregação e exposição da Palavra de Deus, dada a todas as pessoas que entram em contato com o Evangelho. E também há um chamado “interior” (ou vocação interna e eficaz) é dado pelo Espírito de Deus, o qual opera o novo nascimento. É exatamente este chamado “interna” que chamamos de “Chamado Eficaz”.

Foi esse chamado que operou no coração de Mateus no momento em que foi chamado por Jesus.

1º - O chamado de Jesus é mediante sua a graça (Lc 5.27). Jesus olha não para um homem qualquer, aquele que estava assentado na alfândega não era alguém pagando impostos, era o publicano. Observe que o texto nos diz que Jesus “viu um publicano, chamado Levi”. Mateus era um pessoa que para muitas outras pessoas não deveria ser salva. Para muitos ele não era merecedor da graça de Deus.

No entanto, o Senhor olha para ele com misericórdia, diferentemente de qualquer outra pessoa o olharia. Jesus não vê um publicano, Jesus vê uma pessoa. Onde todos olhavam e viam um ladrão, um assassino, uma pessoa repugnante, um traidor da pátria, Jesus viu gente. Um ser humano, a Sua imagem e Sua semelhança.

Foi esse mesmo olhar que Jesus teve com a mulher pega em adultério (João 8.1-11). Todos viam uma adúltera, Jesus viu uma mulher que merecia perdeu e uma segunda chance.

Como nos fala o apóstolo Paulo em Efésios 2.1-8:

“E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados, em que noutro tempo andastes segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos da desobediência; entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também. Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da sua graça pela sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus”.

Foi assim que o Senhor olhou para Mateus, para você e para mim. Entenda, não éramos diferentes de Mateus. Éramos pecadores carentes da graça do Senhor. Estávamos tão perdidos quanto ele, no entanto o Senhor olhou para nós com misericórdia e graça e nos salvou. Estávamos mortos e Ele nos deu vida, a Sua vida!

2º - O chamado de Jesus é pessoal (Lc 5.27). James R. Edwards diz que a palavra “viu” (gr. theasthai) usado por Lucas, é um tanto inesperado, pois a palavra significa “olhar com intenção e propósito”, indicando que Jesus olhou para uma pessoa real – até mesmo no interior desta – que tinha um nome, Levi [5]. Não foi um olhar ao acaso, foi intencional. Jesus olhou procurando por ele. Assim como o Senhor olhou para Pedro quando estava sendo julgado pelo sinédrio. O Senhor voltou-se e olhou diretamente para Pedro. Então Pedro se lembrou da palavra que o Senhor lhe tinha dito: Antes que o galo cante hoje, você me negará três vezes” (Lc 22.61).

Creio que haviam muitas pessoas na alfândega naquela dia, mas o chamado de Jesus foi dirigido somente a Mateus. No Evangelho de Mateus nos é dito: “Porque muitos são chamados, e poucos escolhidos” (Mt 22.14). Observe que é esse chamado eficaz que se referia o apóstolo Paulo, quando disse: “E aos que chamou, a estes também justificou” (Rm 8.30). Esse é um chamado pessoal, particular, que nos faz cristãos.

3º – O chamado de Jesus é irresistível. A palavra “siga” (gr. akolouthein) é usada nos evangelhos só para os discípulos de Jesus, nunca para aqueles que se opõem a ele. “Seguir” é um ato que envolve risco e custo; é algo que alguém faz, não apenas algo que pensa e crê [6]. 

Quando Deus chama um homem por Sua graça, ele não pode fazer outra coisa senão vir. Você pode resistir ao chamado do ministro, mas não o chamado do Espírito. Quando Deus chamou Paulo, ele atendeu ao chamado. Como ele mesmo disse: “Não fui desobediente à visão celestial” (Atos 26.19). Deus cavalga triunfante na carruagem do Seu Evangelho; Ele faz os olhos cegos enxergarem, o coração de pedra sangrar. Se Deus decide chamar um homem, nada pode ficar no caminho para impedir; as dificuldades se dissipam, os poderes do inferno se dispersam. “Quem jamais resistiu à sua vontade?” (Rm 9.19). Deus arromba as portas de bronze e quebra as trancas de ferro (Sl 107.16) [7].

4º – O chamado de Jesus é soberano. Jesus chamou um homem execrado publicamente e não deu nenhuma explicação a ele nem ao povo. Jesus tem autoridade para chamar quem Ele quer para a salvação e para o serviço. Sem o divino chamado ninguém pode ser salvo, pois jamais nos tornaremos para Deus a menos que Ele nos chame por sua graça, diz John Charles Ryle. Na verdade Jesus não fez um convite, Ele deu uma ordem. Ele chama a quem quer e isso, soberanamente. Não somos nós quem escolhemos a Cristo, foi Ele quem nos escolheu (Jo 15.16). Não fomos nós quem o achamos, mas foi Ele quem nos buscou (Lc 19.10). Nós o amamos, porque Ele nos amou primeiro [8].

5º – O chamado de Jesus é total. Ele vale para a vida toda. Jesus prende a si o discípulo com toda a sua existência. Desligado de Jesus, a existência de discípulo acaba. A vocação por Jesus, porém, não é apenas exigência, mas “dádiva e exigência” ao mesmo tempo. Somente o chamado de Jesus tem o poder de soltar uma pessoa de sua existência natural e de suas amarras [9]. O chamado de Jesus não tem prazo de validade, é para a vida toda e terá continuidade no céu. É para a vida toda e por toda a eternidade.

3 – MATEUS SE ALEGRA COM O CHAMDO DE JESUS (Lc 5.29-32).

Mateus agiu de forma semelhante a Eliseu que quando foi chamado pelo profeta Elias tomou a junta de bois que ele trabalhava e os matou e com os aparelhos dos bois cozeu as carnes, e as deu ao povo e passou a seguir o profeta Elias (1Rs 19.19-21).

Ele rompeu com suas atividades seculares para ser discípulo do profeta Elias e, posteriormente, se tornou profeta em seu lugar. Mateus quando recebeu o chamado de Jesus para ser seu discípulo rompeu com tudo fazendo uma grande festa também. E posteriormente se tornou apóstolo e escreveu o Evangelho que leva o seu nome.

Podemos tirar lições importantes aqui para nós:

1º – Os chamados devem chamar outros. Levi deu um grande banquete a Jesus e convidou numerosos publicanos e pecadores para estarem com Ele em sua casa (Lc 5.29,30). O que se torna tão grandioso em Mateus (Levi) é que a rendição de tudo o converteu em “o homem mais feliz do mundo”. Estava tão cheio de um profundo deleite interior que imediatamente ordenou uma festa em honra daquele a quem considerava seu Benfeitor! [10].

Ele abriu não só o coração para Jesus, mas também sua casa. Levi, ao mesmo tempo em que celebra a festa da sua salvação, abre sua casa para que seus pares conheçam também a Jesus e sejam salvos. Ele transformou seu lar num grande instrumento de evangelização. Ele queria que os seus colegas de profissão e os pecadores também se tornassem seguidores do Senhor Jesus [11]. É um dever cristão compartilhar a bênção que encontramos.

2º – Esteja pronto para receber críticas (Lc 5.30). Os fariseus e os escribas questionaram os discípulos do Senhor por não terem escrúpulos de comer e beber com essa sociedade decaída. Embora esse ataque visasse Jesus, era dirigido aos discípulos. Por isso o Senhor fez uso da palavra e defendeu sua conduta com as palavras: “Os que estão saudáveis não precisam de um médico, mas os que têm doença”.

Dificilmente alguém se alegrará com a sua alegria. Muitos até choram com sua dor, mas raramente se alegram com você pelas bênçãos recebidas. Mateus estava feliz por ter sido alcançado pela graça de Jesus, mas os fariseus e os escribas não conseguiam se alegrar com a alegria de Mateus. Por isso que Jesus os comparou ao irmão mais velho na parábola do filho pródigo (Lc 15).

4 – JESUS O MÉDICO DOS MÉDICOS (Lc 5.31,32).

A religião legalista não cura, adoece. Uma fé adoecida pelo legalismo gera doença na alma. O farisaísmo é algo tão doentio que o apóstolo Paulo encontrou muitas dificuldades com eles. A Bíblia nos fala que muitos fariseus haviam se infiltrado na igreja na época dos apóstolos e estavam dificultando o trabalho de evangelização dos gentios. Eles passaram a ser conhecidos como os judaizantes. Veja o que nos diz Atos 15.1,5:

“Então alguns que tinham descido da Judéia ensinavam assim os irmãos: Se não vos circuncidardes conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos. Alguns, porém, da seita dos fariseus, que tinham crido, se levantaram, dizendo que era mister circuncidá-los e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés”.

A carta aos Gálatas foi para resolver essa questão.

Os amigos de Mateus eram pacientes que precisavam de médico, e Jesus era esse Médico. O pecado pode ser comparado a uma doença, e que o perdão é a restauração à saúde. Jesus já havia deixado claro que tinha vindo ao mundo para converter os pecadores, não para elogiar os que se consideravam justos. Agora lhes dizia que viera para trazer alegria, não tristeza. Graças ao legalismo imposto pelos escribas e fariseus, a religião judaica havia se tornado um fardo pesado demais. O povo estava sobrecarregado com tantas regras e normas impossíveis de obedecer (Mt 23.4). “A vida não deve ser um funeral!” [12].

Por isso Jesus lhes diz: “Não necessitam de médico os que estão sãos, mas, sim, os que estão enfermos; eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores, ao arrependimento”.

Essa palavra utilizada pelo Senhor possui um duplo sentido. Ele dirigiu-a aos mestres e conselheiros espirituais de Israel, para que por meio dela estes fossem envergonhados como maus médicos, porque na verdade eram convocados para fortalecer os fracos e curar os enfermos (Ez 34.4). No entanto, eles estavam agindo com egoísmo e sem amor. Evitavam os enfermos, para não serem contagiados. A forma singular médico é concretamente impactante nos lábios do médico que a pronunciou.

Quem são, pois, os saudáveis, que não carecem do médico? O contexto revela que o Senhor na realidade não conhece “saudáveis” e “justos” na terra – eles é que se consideram saudáveis e justos. Diante de Jesus, o médico que visa curar o pecado, todas as pessoas são apenas enfermas e pecadoras [13]. Veja como o Senhor Jesus falou com Nicodemos: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3.3).

Diante de Deus todos nós somos pacientes. Porém, há três tipos de “pacientes” que Jesus não pode curar da doença do pecado: (1) aqueles que não o conhecem; (2) aqueles que o conhecem, mas se recusam a crer nele; e (3) aqueles que não admitem que precisam dele. Os escribas e fariseus se encaixavam nessa última categoria, como também todos os pecadores hoje que se consideram melhores do que as demais pessoas [14].

Mateus quando recebeu o chamado de Jesus deixou tudo para seguir o Médico dos médicos. Mateus estava enfermo e foi curado, os escribas e fariseus estavam doentes e se viam sãos, e você como se encontra?

CONCLUSÃO

Só os que se reconhecem doentes e pecadores têm consciência da necessidade da salvação. Só uma pessoa doente procura o médico. Só uma pessoa consciente do seu pecado busca a salvação. Não há fé sem arrependimento nem salvação sem conversão.

Uma pessoa antes de vir a Cristo, precisa primeiro sentir-se carente da graça de Deus. A salvação não é para aqueles que se consideram dignos, mas para os indignos que estão em situação desesperadora. Jesus veio para salvar os pecadores, perdidos, pobres, sofredores, famintos e sedentos (Mt 5.6; 11.28-30; 22.9,10; Lc 14.21-23; 19.10; Jo 7.37,38). Jesus não veio ao mundo apenas para ser um legislador, um mestre ou rei. Ele veio como o médico da nossa alma e como nosso redentor. Ele nos conhece, ama, cura, perdoa e salva. Mateus reconheceu que precisava de salvação deixando tudo para seguir o Mestre e você já foi alcançado pelo Senhor e o serve com alegria?

Pense nisso!

Bibliografia

1 – Gardner, Paul. Quem é Quem na Bíblia, Ed. Vida, 2009, p. 691.

2 – Wiersbe, Warren W. Marcos, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, 2012, p. 150.

3 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Mateus, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 1998, p. 59.

4 – Bruce, F. F. Organizador. Comentário bíblico NVI, Antigo e Novo Testamentos, Ed. Vida, 1ª reimpressão, 2009, p. 1567.

5 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2019, p. 235.

6 – Edwards, James R. O Comentário de Marcos, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2018, p. 117.

7 – Watson, Thomas. Acessado em 11/12/2020. https://voltemosaoevangelho.com/blog/2013/02/thomas-watson-chamado-eficaz-23/

8 – Lopes, Hernandes Dias. Marcos, O Evangelho dos Milagres, São Paulo, Editora Hagnos, 2006, p. 140.

9 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Mateus, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 1998, p. 99.

10 – Hendriksen, William. Lucas, Vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 410.

11 – Lopes, Hernandes Dias. Marcos, O Evangelho dos Milagres, São Paulo, Editora Hagnos, 2006, p. 141.

12 – Wiersbe, Warren W. Marcos, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, 2012, p. 152.

13 –Rienecker Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 2005. p. 92.

14 – Wiersbe, Warren W. Marcos, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, 2012, p. 151.