sábado, 28 de novembro de 2020

GRAÇA AO REJEITADO – A CURA DE UM LEPROSO

Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 5.12-15

INTRODUÇÃO

Aqui vemos Jesus tocando um intocável. Os leprosos eram proibidos de viver em sociedade, devido ao grau de contaminação que a lepra tinha, por causa disso eles eram expulsos da sociedade humana; tocá-los, e até aproximar-se deles, era quebrar a Lei. Mateus narrando esse acontecimento nos diz que “ao descer ele do monte, grandes multidões o acompanharam” (Mt 8.1). O estado de perplexidade registrado nos versículos imediatamente precedentes (Mt 7.28,29) justifica o fato de o povo não ter abandonado Jesus imediatamente, quando o sermão do monte foi encerrado. Ao descerem do monte, eles continuaram a segui-lo e a cercá-lo, e é bem provável que tenham se juntado a outros que ainda não o haviam ouvido falar. Observe o plural: “grandes multidões”. Contudo, exatamente quando e onde ocorreu esse milagre não é declarado nos Evangelhos, nem mesmo em Marcos 1.40 nem aqui em Lucas 5.12.  

A cura do leproso deve ter acontecido nas cercanias de Cafarnaum ou na própria Cafarnaum. O texto grego descreve de forma palpável a surpresa causada pelo imprevisto e terrível aspecto. O enfermo estava lá sem que alguém o tivesse visto aproximar-se. Com certeza isso era uma surpresa, afinal ele havia transgredido os preceitos da lei. A expressão grega pleres lepras (cheio de lepra), que pode ser traduzido por “coberto de lepra de alto a baixo”, é um termo técnico médico. A lepra já havia atingido o último estágio. Completamente sem esperança, o infeliz estava entregue à morte. O expulso buscava a Jesus, provavelmente porque já havia ouvido muito acerca dele, a fim de obter dele ajuda e cura [1].

Quais lições podemos tirar desse texto para nós hoje?

1 – AS CONSEQUÊNCIAS DA LEPRA (Lc 5.12).

“Lepra” se referia a várias doenças de pele, as quais hoje já têm outros nomes e tratamentos. A maioria delas era contagiosa por isso os doentes deviam ficar isolados da comunidade e da religião, devido a isso, eles não podiam frequentar nem sinagogas e nem o templo.

O que é a lepra – doença de Hansen. Essa doença é causada pela bactéria Mycobacteruim leprae, descoberto pelo cientista norueguês Gerhard Henrick Armauer Hansen (1841–1912). É uma doença infecciosa crônica causada por um bacilo que gravita nos nervos periféricos e nas áreas mais frescas do corpo. A pele, como a região mais fresca do corpo, é usualmente afetada primeiro e de forma mais relevante pela lepra. As partes afetadas ficam insensíveis e, devido a isso, muitas feridas não são tratadas. Suas condições são discutidas em dois extensos capítulos de Levítico 13 – 14 que parecem um manual antigo de dermatologia. O termo tsaraath cobre outras doenças de pele além da hanseníase, incluindo feridas purulenta (Lv 13.18), queimadura (Lv 13,24), coceira, frieira e problema no couro cabeludo. Naquela época, a lepra abrangia alergias de pele em geral, das quais os rabinos tinham relacionado 72, tanto de curáveis quanto incuráveis. [2].

Sabe-se hoje que a lepra (hanseníase) não é altamente contagiosa, uma vez que 90 a 95 por cento da raça humana está imune a ela. Exatamente como a doença é transmitida não se sabe ao certo, mas as pessoas que vivem em contato próximo com pessoas com hanseníase não tratada tinham um risco maior de se infectar.  

Lucas, o médico, descreve em Lc 5.12 esse doente como um homem que estava “cheio de lepra” (pleres lepras), isto é, que se encontrava no último estágio da doença. Como médico, Lucas sabia desse caso totalmente sem esperança, marcado pela morte iminente. Apesar de Jesus ter curado muitos leprosos, apenas dois casos são mencionados explicitamente no evangelho de Lucas. Esse caso que estamos analisando e em Lc 17 (a cura dos dez leprosos).

Em Israel os leprosos eram assunto da mais extrema repulsa. A lepra era a pior enfermidade em três sentidos:

1) No aspecto físico: Pústulas esbranquiçadas corroíam a carne, um membro após outro era atingido e, por fim, até os ossos eram carcomidos. Febre alta com insônia e pesadelos atormentava terrivelmente o enfermo. Era certo que a doença levava à morte. Por causa dessa total falta de esperança, o doente era igual a um cadáver vivo. Se porventura, por uma causa qualquer, acontecia uma cura, essa equivalia ao reavivamento de um morto.

2) No aspecto social: Pela natureza altamente contagiante da doença, o enfermo era isolado de sua família e excluído do convívio com as pessoas, ficando limitado apenas à companhia de outros infectados, igualmente infelizes. Via de regra os leprosos viviam em grupos, a certa distância de locais habitados (2Rs 7.3; Lc 17.12). As pessoas colocavam comida para eles em locais combinados. Quando se aproximavam, todos fugiam apavorados. Essa mais terrível de todas as enfermidades era chamada de “tirano de todas as doenças”. Os leprosos andavam sem cobrir a cabeça, ocultando o queixo. Deviam rasgar suas vestes e tinham a obrigação de se anunciar quando alguém se aproximava, exclamando: “Impuro, impuro!”. Ou seja, estou pesteado, envenenado, contagioso, sou um excluído, fique longe! – Não bastava que o doente tivesse lepra, ainda tinha de anunciar em voz alta sua condição lastimável (cf. Lv 13.45s). Em gratidão pelo lastimoso aviso, costumava-se enviar comida para os leprosos até seu lugar solitário. Contudo, quando o leproso se aproximava de um povoado humano qualquer, era apedrejado sem escrúpulos.

3) No aspecto religioso: A lepra tornava a pessoa impura no sentido levítico. A impureza do leproso superava qualquer tipo de impureza perante a lei. Pois não apenas tornava impuro tudo o que tocasse, mas a mera presença dele já bastava para contaminar tudo naquele local, mesmo sem contato físico. “Quando um leproso entra numa casa, no mesmo instante em que entra nela todos os utensílios dentro dela ficam impuros, até a viga mais alta”. Como sinal de sua impureza, “ele deve”, assim exige a lei, “rasgar suas roupas, deixar crescer o cabelo sem cuidados e ocultar sua barba…” Por causa dessa impureza toda especial, a lepra também era um motivo pelo qual a esposa podia divorciar-se. O mais terrível era que a lepra se apresentava como um castigo direto de Deus, mais precisamente como castigo por difamação (Sl 101.5), orgulho (2Rs 5.1; 2Cr 26.16,19), derramamento de sangue (2Sm 3.29), perjúrio (2Rs 5.23,27), lascívia (Gn 12.17), etc. Essa era a situação terrível para o leproso, que ele tinha de considerar-se como alguém amaldiçoado por Deus, deserdado por Deus. Enquanto a doença durava, persistia sobre ele a sentença condenatória. Como na maioria dos casos a doença acabava na morte horrível, uma pessoa assim infeliz morria nas trevas do desespero total, repelido eternamente por Deus, destinado a ir ao encontro da condenação e do inferno eternos. Ao tormento temporal seguia-se o tormento eterno [3]. Essa era uma interpretação errada, mas prevalecia naquela época e perdura na mente de muitos hoje. Se uma pessoa fica enferma e, de acordo com a enfermidade, ela está sendo castigada por Deus. Os amigos de Jó pensavam assim e temos muitas pessoas que pensam o mesmo hoje.

2 – A LEPRA É UM SÍMBLOLO DO PECADO.

Os milagres que Jesus realizava sempre tinham um paralelo com alguma lição que o Senhor queria ensinar. As curas e os milagres não eram um fim em si mesmo.

Lucas nos diz: “E aconteceu que, quando estava numa daquelas cidades, eis que um homem cheio de lepra, vendo a Jesus, prostrou-se sobre o rosto, e rogou-lhe, dizendo: Senhor, se quiseres, bem podes limpar-me” (Lc 5.12). Lucas não compôs as histórias subsequentes em ordem cronológica, mas segundo um critério determinado. Os relatos do capítulo 5 revelam de forma flagrante essa peculiaridade.

Esse milagre da cura desse leproso tem uma ligação direta com milagre da pesca maravilhosa e o chamado de Pedro para ser discípulo de Cristo. Por causa de sua pecaminosidade, Pedro pensava que fosse indigno da comunhão com Jesus (Lc 5.8), assim como a sociedade tem repulsa do estado calamitoso de uma pessoa leprosa, Pedro, diante de Jesus se sentia assim. Por isso a lepra é um simbolismo do pecado. No entanto, tanto um quanto o outro o Senhor tem poder para purificar.

A lepra era um símbolo da ira de Deus contra o pecado. Os rabinos consideravam a lepra um castigo de Deus. Ela foi infligida por Deus para punir rebelião (Miriã), mentira (Geazi) e orgulho (Uzias). Mas nem todos que estavam debaixo dessa enfermidade estavam debaixo da ira de Deus como muitos pensavam.

O pecado e a lepra – A lepra acomete finas raízes nervosas, o que faz com que a pessoa passe a não ter mais sensibilidade naquela região do corpo que está afetada. É o que o pecado faz com aqueles que dele estão cativos: se tornam insensíveis à verdade, parecem cauterizados, não sentem mais a presença de Deus. O pecado (lepra espiritual), deixa marcas espirituais terríveis, gerando separação entre a pessoa e Deus, por isso Jesus veio para nos curar das marcas deixadas pela lepra do pecado.

O pecado é a falta de conformidade com a lei de Deus, em estado, disposição ou conduta. Romanos 6.23 nos diz: “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor”.

A lepra era um símbolo do pecado e como tal, possui várias características:

Em primeiro lugar, a lepra é mais profunda que a pele (Lv 13.3). A lepra não era apenas uma doença dermatológica. Ela não ataca meramente a pele, mas, também, o sangue, a carne e os ossos, até o paciente começar a perder as extremidades do corpo.

Semelhantemente, o pecado não é algo superficial. Ele procede do coração e contamina todo o corpo. O homem está em estado de depravação total, ou seja, todos os seus sentidos e faculdades foram afetados pelo pecado. O pecado atinge a mente, o coração e a vontade. Ele atinge os pensamentos, as palavras, os desejos, a consciência e a alma.

Em segundo lugar, a lepra separa. Além do sofrimento infligido por tal doença, a pessoa deveria ficar isolada da comunidade.

Assim é o pecado. Ele separa o homem de Deus (Is 59.2), do próximo (ódio, mágoas e ressentimentos) e de si mesmo (complexos, culpa e achatada autoestima).

Em terceiro lugar, a lepra insensibiliza. A área afetada perdia completamente a sensibilidade. De forma semelhante, o pecado anestesia e calcifica o coração, cauteriza a consciência e mortifica a alma. Como a lepra, o pecado é progressivo.

Em quarto lugar, a lepra deixa marcas. A lepra degenera, deforma, deixa terríveis marcas e cicatrizes. Quando a lepra atinge seu último estágio, o doente começa a perder os dedos, o nariz, os lábios, as orelhas. A lepra atinge os olhos, os ouvidos e os sentidos.

O pecado também deixa marcas no corpo (doenças), na alma (culpa, medo), na família (divórcio, violência).

Em quinto lugar, a lepra contamina. A lepra é contagiosa, ela se espalha. O leproso precisava ser isolado, do contrário ele transmitiria a doença para outras pessoas.

O pecado também é contagioso. Um pouco de fermento leveda toda a massa (1Co 5.6). Uma maçã podre num cesto apodrece as outras. Davi nos ensina a não andarmos no conselho dos ímpios, a não nos determos no caminho dos pecadores nem nos assentarmos na roda dos escarnecedores (Sl 1.1).

Em sexto lugar, a lepra deixa a pessoa impura. A lepra era uma doença física e social. Ela deixava o doente impuro. O leproso era banido do lar, da cidade, do templo, da sinagoga, do culto. Ele deveria carregar um sino no pescoço e gritar sempre que alguém se aproximasse: Imundo! Imundo!

O pecado também deixa o homem impuro. A nossa justiça aos olhos de Deus não passa de trapos de imundícia (Is 64.6). Nós somos como o imundo.

Em sétimo lugar, a lepra mata. A lepra era uma doença que ia deformando e destruindo as pessoas aos poucos. Elas iam perdendo os membros do corpo, ficando chagadas, malcheirosas e acabavam morrendo na total solidão. Um leproso era como um morto-vivo.

O pecado mata. O salário do pecado é a morte (Rm 6.23). O pecado é o pior de todos os males. Ele é pior que a lepra. A lepra só atinge alguns, o pecado atingiu a todos; a lepra só destrói o corpo, o pecado destrói o corpo e a alma; a lepra não pode separar o homem de Deus, mas o pecado o separa de Deus no tempo e na eternidade [4].

A grande crise da “lepra espiritual” é que muitas pessoas tentam escondê-la com maquiagem das boas obras. Alguns leprosos espirituais estão totalmente desfigurados e, devido a isso, nós facilmente os identificamos. No entanto, algumas dessas deformidades espirituais não estão à vista de todos. Por isso é mais fácil escondê-las. Talvez você esconda dos seus familiares e amigos mais íntimos, mas aos olhos de Deus “não há criatura alguma encoberta diante dele; antes todas as coisas estão nuas e patentes aos olhos daquele com quem temos de tratar” (Hb 4.13).

O problema não é termos um problema, mas não admitirmos que temos um problema. É olharmos para os outros e fazermos comparações quando deveríamos olhar para nós mesmos e nos vermos tal qual o outro é. Um bom exemplo disso é a parábola do fariseu e do publicano que nos fala de “uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros” (Lc 18.9-17).   

3 – O LEPROSO SE APROXIMA DE JESUS CRENDO NO MILAGRE (Lc 5.12).

Esse milagre nos ensina que jamais devemos perder a esperança. Por maior que seja nosso problema, por mais grave que seja a circunstância, por mais tenebrosos que sejam nossos sentimentos, Jesus pode reverter a situação [5].

Vamos analisar como este homem se aproxima de Jesus, mesmo correndo risco de ser apedrejado pela multidão.

1º) Ele se aproxima de forma humilde. Lucas nos diz que esse homem “prostrou-se sobre o rosto, e rogou-lhe, dizendo: Senhor, se quiseres, bem podes limpar-me” (Lc 5.12). Ele suportou a sua doença por muitos anos, pois a evolução da lepra se dá de forma lenta e progressiva. Aquele homem tinha tudo para ficar lamentando a sua má sorte, reclamando, blasfemando contra o céu e contra Deus.

É perfeitamente normal que pessoas passando por dificuldades enormes, como aquela enfermidade, tenham questionamentos que não são facilmente respondidos. Quem, em uma situação parecida, não se perguntaria, “por que eu?” Porém, Mesmo que não compreendesse os motivos de estar vivendo toda aquela tragédia, ele escolheu agir.

Não ficou se lamentando, nem com pena de si mesmo! Mas tomou a iniciativa, e partiu para um encontro com o seu Criador. Ninguém teria as respostas para as suas dores, a não ser aquele que tudo sabe e que tudo conhece.

Quando ele se aproxima de Jesus ele não faz como muitos tem feito hoje: “EU DETERMINO”, “EU TOMO POSSE”, “EU REIVINDICO” A CURA. Ele simplesmente se humilha perante o Todo Poderoso e lhe implora a bênção.  

2º) Ele reconhece a deidade de Jesus e o adora. Mateus nos diz: “E, eis que veio um leproso, e o adorou, dizendo: Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo” (Mt 8.2).

Mateus, Marcos e Lucas, são unânimes em registrar que o homem acometido de lepra aproximou-se de Jesus, curvando-se, em uma atitude de humildade e adoração.

Ele reconheceu que Jesus era Deus, e que tinha poder para curá-lo. Ele não chegou a Deus, cheio de exigência, mas demonstrou reverência e obediência, sabendo da grandeza daquele que diante dele estava.

O leproso não se dirigiu a Jesus com questionamentos, do tipo, “por que eu?”, “por que estou passando por isso?”, “eu não merecia tamanho sofrimento…”, “sempre fui tão bonzinho…”.

3º) Roga por misericórdia reconhecendo o poder curador de Jesus. Lucas nos diz que esse homem “prostrou-se sobre o rosto, e rogou-lhe, dizendo: Senhor, se quiseres, bem podes limpar-me” (Lc 5.12).

Em um aparente contrassenso, nem mesmo pela sua cura ele pediu. A frase “se quiseres, podes tornar-me limpo”, constitui-se muito mais na expressão do desejo de ser perdoado, do que de ter uma enfermidade física curada.

A palavra “limpo”, no original em Hebraico, é טָהוֹר “tahor”, que possui uma ligação muito forte com o conceito de pureza espiritual. Os Judeus acreditavam que a lepra estava intimamente ligada com a prática de pecado. Aquele homem pede que o Senhor o purifique de seus pecados.

4 – JESUS SE COMPADECE DO LEPROSO (Lc 5.13).

Ao contrário da população que expulsava e até apedrejava uma pessoa leprosa, Jesus não expulsa aquele impuro e nem o apedreja. Jesus faz o que outros não fariam, Jesus lhe dá atenção.

1) Jesus olha com misericórdia para este homem. Marcos narra assim: E Jesus, movido de grande compaixão, estendeu a mão, e tocou-o, e disse-lhe: Quero, sê limpo” (Mc 1.41). Jesus não considerava ninguém indigno, fosse ele leproso, ou cego, surdo, paralítico, etc. Ele veio ao mundo para ajudar, curar e salvar. O julgamento duro e grosseiro daqueles que relacionavam as aflições físicas individuais com os pecados individuais da pessoa afligida – como, por exemplo, um leproso físico, teria de ser também um leproso moral –, foi condenado por Jesus em termos muito claros (Lc 13.1-5; Jo 9.1-7) [6].

2) Jesus estende a mão e o abraça (Lc 5.13). “E Ele, estendendo a mão, tocou-lhe”. Os relatos dos três evangelistas coincidem textualmente em um detalhe que deve ter causado uma impressão muito viva nas testemunhas e foi preservado de forma literal: Ele estendeu a mão e o abraçou. A natureza contagiosa da lepra era de conhecimento geral. Pela lei, o contato com o leproso tornava a pessoa impura. Jesus, porém, não apenas tocou no leproso, mas o abraçou firmemente com a mão, pois a palavra que Almeida traduziu com “tocar” significa cingir, envolver e abraçar (Mc 10.13,16; 1Jo 5.18) [7].

3) Jesus determina a cura (Lc 5.13). “E ele, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, sê limpo. E logo a lepra desapareceu dele”. Os espectadores podem ter imaginado horrorizados que, neste toque, o puro ficou impuro. Entretanto, o puro purificou o impuro e o envolveu na imensa bondade de Deus. “Já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).

O puro toca o impuro sem ficar contaminado pela impureza. A cura não foi a crediário, em doses homeopáticas, mas instantânea, imediata e eficaz. A pele do homem foi completamente regenerada. Sua carne ficou sã. Suas cartilagens carcomidas pela doença retornaram ao estado original. Tudo se fez novo no corpo daquele homem já sentenciado à morte [8].

5 – A ABRANGÊNCIA DA CURA (Lc 5.14).

O que ocorreu com esse homem foi muito mais que uma cura física. Ela abrangeu áreas muito mais profundas em sua vida. Podemos destacar três áreas em que este homem foi curado.

1) A primeira cura foi a física. Como já comentamos, a lepra era uma doença incurável e com forte componente de segregação. Um leproso não podia viver em família nem em sociedade. Estava sentenciado a morrer só ou entre outros leprosos. Seu corpo ia aos poucos apodrecendo com um mau cheiro insuportável. Mas mediante a misericórdia do Senhor este homem alcançou a cura de todos esses males. Ele foi restaurado à sociedade. Restaurado a sua família. Aos seus entes queridos.  

2) A segunda cura foi a emocional. Quando Jesus abraçou aquele homem estava lhe mostrando que ele tinha valor e dignidade. Apesar da horrenda imagem diante de Jesus e daquela multidão, Jesus o acolhe e lhe dá aquilo que a muito tempo ele não tinha, atenção e um abraço fraterno. Mais que uma cura física, aquele homem recebe a cura para sua alma sofrida pelo abandono. A compaixão de Jesus lhe restaurou a vida física e emocional.

3) A terceira cura foi a espiritual. “E logo ficou purificado da lepra” (Mt 8.3). Quando Jesus tocou o leproso, contraiu a contaminação dele, mas também transmitiu sua saúde! Não foi exatamente isso o que fez por nós na cruz, quando se fez pecado por nós? “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21).

No momento em que recebemos o Senhor Jesus os nossos pecados são perdoados e alcançamos vida eterna. Nossa alma é restaurada. Passamos a ter comunhão plena com o nosso Deus. Saímos da morte para a vida (Ef 2.1-8). Em Isaías lemos também:

“Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Isaías 53.4,5).

6 – UM TESTEMUNHO EFICAZ (Lc 5.14).

Jesus lhe dá uma ordem expressa: “Mas vai, disse, mostra-te ao sacerdote, e oferece pela tua purificação, o que Moisés determinou para que lhes sirva de testemunho”.

Aquele que lhe disse que você não podia mais viver em sociedade será o que irá lhe liberar para retornar ao sua vida social, familiar e religiosa.

Após o exame e a comprovação da cura tinha que se oferecer um sacrifício no templo em Jerusalém (Lv 14.10,21s). Por isso Jesus acrescenta: e oferece pela tua purificação o que Moisés determinou.

O homem curado não se calou diante do ocorrido com ele, apesar de Jesus ter-lhe ordenado que não contasse a ninguém, como lemos em Marcos 1.44,45: “E disse-lhe: “Olha, não digas nada a ninguém; porém vai, mostra-te ao sacerdote, e oferece pela tua purificação o que Moisés determinou, para lhes servir de testemunho. Mas, tendo ele saído, começou a apregoar muitas coisas, e a divulgar o que acontecera; de sorte que Jesus já não podia entrar publicamente na cidade, mas conservava-se fora em lugares desertos; e de todas as partes iam ter com ele”

Aquele homem não se conteve diante do ocorrido com ele. Isso é uma grande lição para nós, pois muitas vezes nos calamos quando deveríamos falar para o mundo o que Jesus tem feito por nós.

Diante desse acontecido a fama de Jesus correu ainda mais. Mas mesmo diante de tanta fama, Jesus se retirava para os desertos, e ali orava (Lc 5.16). Jesus não permitiu que a fama e as necessidades das pessoas tirassem dele a comunhão com o Pai. Isso também é um grande exemplo para nós. Muitas vezes nos tornamos escravos do trabalho e, por consequência, escravos deste mundo quando não oramos, quando não temos horas de solidão com Deus, quando não levamos uma vida de oração como Jesus.

CONCLUSÃO

A história desse pobre homem tem sido a história de muitas pessoas hoje. Quantas pessoas estão doentes emocionalmente, fisicamente e pior, espiritualmente. Como já falamos, o pecado é pior que a lepra, pois enquanto uma nos afasta das pessoas, o pecado nos afasta de Deus e nos leva para o inferno.

Há muitas pessoas buscando a cura física, mas não se veem doentes pelo pecado. A lepra espiritual não lhes permite sentir em suas almas a ausência de Deus e o quanto Ele é o único que pode lhes dar a salvação mediante o sacrifício de Jesus na cruz.

Pense nisso!  

Bibliografia

1 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 2005, p. 87.

2 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Santo Amaro, SP, Ed. Sheed, 2019, p. 222.

3 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Mateus, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 1998, p. 82.

4 – Lopes, Hernandes Dias. Marcos, O Evangelho dos Miagres, São Paulo, Editora Hagnos, 2006, p. 107, 108.

5 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, São Paulo, Editora Hagnos, 2017, p. 147.

6 –Hendriksen, William. Marcos, Comentário do Novo Testamento, São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2003, p. 55.

7 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 2005, p. 87.

8 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, São Paulo, Editora Hagnos, 2017, p. 149. 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

A PESCA MARAVILHOSA

Por Pr. Silas Figueira

Texto base: Lucas 5.1-11

INTRODUÇÃO

Lucas começa esse capítulo dizendo: “E aconteceu que, apertando-o a multidão, para ouvir a palavra de Deus, estava ele junto ao lago de Genesaré”. Lucas, ao contrário dos outros evangelistas, nunca se refere ao “mar da Galileia”, mas sempre de “ao lago”. A famosa extensão de água da Galileia tem três nomes diferentes: Mar da Galileia, Mar do Tiberíades e Lago do Genesaré. Tem uns vinte quilômetros de comprimento por treze de largura. Descansa em uma depressão a uns duzentos metros sob o nível do mar. Este fato lhe dá seu clima quase tropical.

Esse texto não tem qualquer paralelo direto com outros textos sinóticos (Mateus e Marcos), pelo que se deve considerar como peculiar de Lucas. Leon L. Morris diz que há uma possibilidade de que Marcos tenha contado o incidente sem o milagre, mas é mais provável que Lucas se refira a um incidente diferente [1]. 

Pedro era natural de Betsaida, na época uma aldeia de pescadores não muito distante de Cafarnaum e que ficava na região costeira do mar da Galileia (Jo 1.44). Alguns sugerem que sua residência realmente fosse em Cafarnaum, e Betsaida apenas sua aldeia de origem. Cerca de um ano antes, Pedro, André, Tiago e João conheceram Jesus (Jo 1.35-42) e o seguiram por algum tempo e, depois, retornaram ao seu negócio de pesca. É nesse momento que Jesus os chama para o discipulado de tempo integral.

O chamado de Simão é descrito nos evangelhos em três estágios sucessivos: (1) o encontro inicial com Jesus (Jo 1.41) em que ele recebeu um novo nome: “Você é Simão, filho de João. Será chamado Cefas (que traduzido é Pedro)”; (2) o chamado a abandonar tudo e se tornar discípulo de Jesus (Mc 1.16-18; Lc 5.11), “de agora em diante você será pescador de homens”, (3) o chamado ao apostolado (Lc 6.14) [2].

Aquele dia parecia ser um dia comum para Pedro e seus sócios, exceto que estiveram trabalhado a noite toda e nada haviam pescado. Uma noite ruim de trabalho como, certamente, já havia acontecido outras vezes. Eles voltaram de uma noite frustrada sem nada apanharem, sendo assim, não tinham nada a oferecer aos seus clientes. No entanto, ao chegarem a praia encontram Jesus cercado por uma multidão querendo ouvi-lo. Jesus então pede a Pedro para entrar em seu barco para poder ensinar melhor a multidão.

Diante desse texto nós podemos tirar cinco lições preciosas para as nossas vidas.

1 – ENCONTRAMOS UMA MULTIDÃO CARENTE DA PALAVRA DE DEUS (Lc 5.1-3).

O texto nos diz que a multidão estava ávida por ouvir a Palavra de Deus. O Senhor não os deixou sem ouvir os seus ensinamentos. O Senhor aproxima-se, então, dos quatro pescadores, rodeado por uma multidão que o pressiona de modo tumultuado e até mesmo sem a menor consideração, pois deseja escutar novamente esse extraordinário orador. O Senhor entra em um dos barcos ancorados na margem, de propriedade de Simão, pedindo-lhe que afaste o barco um pouco da terra. Jesus deseja encontrar um lugar melhor para observar seus ouvintes durante a pregação.

O Senhor pede a Simão, Ele não ordena. Com que precisão esse pedido humano e cordial (erotesen) é diferenciado da poderosa palavra do v. 4, que ordena: “Faze-te ao largo…”.

Pedro aqui ainda é chamado de Simão. Ele ainda é designado com seu nome hebraico, pois ainda não está no serviço de Jesus. Cabe constatar que Simão aparece nitidamente como líder do empreendimento da pesca. É a ele que Jesus pede. É a ele que também pode pedir. Afinal, não faz muito tempo que Jesus curou sua sogra da febre (Lc 4.38s). Jesus está à vontade para pedir e esperar que Pedro coloque o barco à disposição do Senhor por tanto tempo até que Jesus conclua seu ensinamento [3].

Jesus faz do barco de Pedro um púlpito, da praia um templo, e da água espelhada um amplificador de som. Dali ele ensina a grande multidão, que bebia a largos sorvos seus ensinamentos [4]. Jesus não falava como um estudioso do Antigo Testamento, ou como um teólogo. O que ele falou não era especulação filosófica ou tradição rabínica; Jesus era a voz de Deus aos ouvidos da multidão.

Jesus aproveitou a oportunidade para ministrar a Palavra de Deus para aquelas pessoas. No entanto, nos dias e hoje, nós temos vivenciado alguns extremos em nosso meio em relação a ministração da palavra:

1) Achar que devemos estar em todo e qualquer lugar para pregar a Palavra. Usam o texto de Filipenses 1.18: “Mas que importa? Contanto que Cristo seja anunciado de toda a maneira, ou com fingimento ou em verdade, nisto me regozijo, e me regozijarei ainda”. Com isso em mente, dizem que podem e devem estar em bloco de carnaval gospel, show gospel, stand up gospel... Apresentam música gospel em show de auditório com mulheres seminuas... Usam de estratégias no mínimo polêmicas para anunciar a Cristo. Tem até “arrocha gospel”. Tenho certeza que Paulo jamais se regozijaria com isto, pois ele mesmo disse:

“Porque nós não estamos, como tantos outros, mercadejando a palavra de Deus; antes, em Cristo é que falamos na presença de Deus, com sinceridade e da parte do próprio Deus” (2Co 2.17).

“Pelo que, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos; pelo contrário, rejeitamos as coisas que, por vergonhosas, se ocultam, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus; antes, nos recomendamos à consciência de todo homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade” (2Co 4.1-2)

Isso não passa de banalização do sagrado. Como disse Charles H. Spurgeon: “Chegará um dia em que no lugar dos pastores alimentando as ovelhas haverá palhaços entretendo os bodes”.

2) Não testemunhar de Cristo em todo e em qualquer lugar. Uma coisa é querer usar meios polêmicos para pregar a Palavra de Deus, outra, completamente diferente é não testemunhar em “certos” ambientes. Para algumas pessoas o evangelho só deve ser testemunhado na igreja, não fora dela. A fé para estas pessoas não é a vida em Cristo é só o momento. Algumas pessoas acham que não devem se comportar como cristãos em ambiente não cristão. É o famoso crente camaleão. É a história de um determinado pastor que foi cumprimentado em seu local de trabalho por uma pessoa que o conhecia. A pessoa o chamou de pastor. Ele a corrigiu e disse que ali ele não era pastor.  

3) Só pregar para as multidões. Já ouvi muitos casos de pastores que não pregam para menos de quinhentas pessoas. São pregadores das multidões.

A. W. Tozer certa feita disse: “Nunca preguei a grandes multidões, pelo menos na minha própria igreja. Mas preguei um Cristo coerente. Esse desejo de obter seguidores, de ser reconhecido, de ter reputação, não é para os que estão vivendo a vida crucificada”.

Creio que alguns deveriam aprender com o falecido A. W. Tozer a esse respeito, pois muitos desses que não pregam para grupos pequenos, nem quando estão com as multidões pregam o verdadeiro evangelho.

4) Não pregar em lugares de pessoas simples. Para alguns pregadores é uma desonra para eles pregar em lugares simples, para um auditório “iletrado”. Tais pregadores não levam à sério a palavra de Paulo a Timóteo: “Que pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina” (2Tm 4.2).

Jesus aproveitou a oportunidade para pregar a palavra de Deus, pois diante dele havia um povo ávido pela palavra. Jesus pregava no templo, nas sinagogas, nas ruas e praias, para multidões e para uma só pessoa. Assim devemos fazer também.

J. Vernon McGee disse: “Todo púlpito é um barco de pesca, um lugar para proclamar a Palavra de Deus e para tentar pegar peixes” [5].

2 – UMA ORDEM EXPRESSA A TRABALHADORES FRUSTRADOS (Lc 5.4,5).

Emprestar o barco para Jesus ministrar a palavra para a multidão não foi difícil para Pedro, o difícil foi aceitar uma ordem, no seu modo de pensar, absurda.

Depois de trabalharem a noite toda sem nada apanharem, estavam exaustos, e agora Jesus lhe diz para ir para o mar alto. Não era nem na praia, mas no mar alto. As redes não eram redes pequenas usadas por indivíduos que pescavam a partir da costa ou em águas rasas, mas grandes redes usadas para a pesca em águas mais profundas do lago.

Sentado em seu barco, ouvindo a Palavra de Deus, Pedro constituía um “público cativo”. “A fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rm 10.17). Em pouco tempo, Pedro teria de exercitar sua fé, e Jesus o estava preparando para isso. Primeiro, pediu que Pedro “afastasse [o barco] um pouco da praia”. Se Pedro não tivesse obedecido a essa primeira ordem, aparentemente tão insignificante, jamais teria participado de um milagre.

Os grandes milagres em nossa vida ocorrem mediante a obediência as ordem de Deus. Sejam pequenos pedidos ou pedidos, na nossa interpretação, absurdos. Devemos obedecer a Sua Palavra.

O senhor dá uma ordem direta a Pedro. Observe que o texto diz: “E, quando acabou de falar, disse a Simão...”. Abandone essa frustração e se lance em águas mais profundas. A ordem foi dada a Pedro, o lançar a rede foi dada a todos.

A primeira resposta de Pedro a ordem de Jesus foi: “Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos”. Pedro está dizendo para Jesus que ele era experiente e perito pescador. A pesca era a sua especialidade. Pedro está dominado por um realismo profundo. Ele “sabia” o que estava falando. Pedro sabe por experiência a futilidade de pescar depois do pôr do sol.

Jesus começa a jornada de Pedro no discipulado desafiando à prática mais destemida de sua profissão, e não chamando para de afastar dela. Jesus não afirma seu senhorio no ponto mais fraco de Pedro, mas em seu ponto mais forte – sua experiência profissional como pescador.  

Assim são muitos de nós. Por mais que não queiramos admitir, há muito de Pedro em todos nós. Olhamos para o que temos controle e dizemos que não há nada mais o que fazer. Desacreditamos na intervenção de Deus na história. Pelo menos na nossa história. Falamos de milagres, mas muitas vezes desacreditamos deles em nossa própria vida.  

O servo de Eliseu é um bom exemplo de vermos o que é aparente e não a mão de Deus para nos ajudar. Veja o texto de 2Rs 6.15-17: “E o servo do homem de Deus se levantou muito cedo e saiu, e eis que um exército tinha cercado a cidade com cavalos e carros; então o seu servo lhe disse: Ai, meu senhor! Que faremos? E ele disse: Não temas; porque mais são os que estão conosco do que os que estão com eles. E orou Eliseu, e disse: Senhor, peço-te que lhe abras os olhos, para que veja. E o Senhor abriu os olhos do moço, e viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu”.

Andar por fé é crer nas Escrituras e nas suas promessas. Ainda que elas não ocorram como esperamos, mas isso não quer dizer que não pode vir a ocorrer.

A palavra final de Pedro, contudo, não se baseia na sua experiência, por mais razoável que esta seja, mas na autoridade de Jesus. A forma como Pedro se dirige a Jesus, Mestre (gr. epistates), já mostra um indício de sua fidelidade suprema.

“Mestre, mas sobre a tua palavra, lançarei a rede” (Lc 5.5). O termo traduzido por “Mestre”, é usado apenas por Lucas e possui vários significados, sendo que todos se referem à autoridade: comandante supremo, magistrado, governante de uma cidade, presidente de uma sociedade. Mesmo sem entender tudo o que Jesus estava fazendo, Pedro mostrou-se disposto a se sujeitar a sua autoridade. É importante lembrar, também, que uma grande multidão os observava da praia [6]. Nem um milagre tem um fim em si mesmo, sempre irá abençoar a muitos.

Aqui Jesus não pede como fez no v. 3, mas ordena. Aqui é uma ordem e ela é obedecida. Ainda que sua experiência lhe mostre o contrário, Pedro vai para as águas profundas com seus amigos. Mas dessa vez, Jesus está no barco.

Nós não fomos chamados para discutir com Jesus, mas para obedece-lo. Faça como Pedro: “sobre a tua palavra, lançarei a rede”. Mas não deixe Jesus na paria, leve-o com você. Com Jesus no barco tudo vai bem!

3 – A FÉ É HONRADA COM O MILAGRE (Lc 5.6,7).

Pedro obedece e lança as redes e o milagre acontece.

Duas coisas podemos destacar aqui: a onisciência e a onipotência de Jesus. O Senhor sabia aonde estaria o cardume de peixes. Isso é um fato. Mas, de conformidade com sua natureza divina, ele não só era onisciente, mas também onipotente. Portanto, não podemos excluir a possibilidade de que ele não só soubesse que em determinado momento esse enorme cardume de peixes se encontraria, mas que realmente ele mesmo o fizesse dirigir-se àquele ponto! Com Deus não existe coincidência. Existe Jesuscidência!

O Senhor tem poder sobre a sua obra criada. Não existe lei da natureza. Existe a lei de Deus que a natureza tem que obedecer.

Veja alguns exemplos. Na vida do profeta Jonas: Deus ordena uma tempestade para assolar o barco em que estava Jonas (Jn 1.4). acalmou a tempestade quando Jonas foi lançado ao mar (Jn 1.15). O Senhor envia um grande peixe para que o tragasse e ele ficou três dias e três noites dentro de seu ventre (Jn 1.17, 2.10 conf. Mt 12.40). Ordenou que o vomitasse na terra seca (Jn 2.10). O Senhor fez nascer uma planta para fazer sombra sobre Jonas (Jn 4.6). O Senhor enviou um verme para matar a planta (Jn 4.7). O Senhor enviou um vento calmoso e o sol para incomodar Jonas (Jn 4.8).

Na vida do profeta Elias. Elias orou e não choveu e nem orvalho caiu em Israel por três anos e meio (1Rs 17.1). Orou de novo e fogo desceu do céu, Deus mandou chuva em abundância (1Rs 18.38,39,42-46). Deus sustentou Elias com pão e carne levados por corvos (1Rs 17.6).

Isso sem contar as dez pragas do Egito, o Mar Vermelho que se abiu, o maná que desceu por quarenta anos no deserto, o Jordão que se abriu para Israel passar para tomar posse da nova terra. As tempestades no mar que Jesus acalmou, a multiplicação de pães e peixes para alimentar as multidões. Isso sem contar as curas que Jesus realizou.  

Se a ordem de Jesus surpreendeu-os, o resultado os deixou absolutamente estupefatos. Quando eles lançam as redes, para sua surpresa eles encontraram uma grande quantidade de peixes. Nada em sua experiência poderia tê-los preparado para algo tão inédito que era a capturas de tantos peixes no meio do dia. “O não é possível se tornou possível!”.

É interessante observarmos que depois de sua ressurreição, o Senhor mais uma vez diz a Pedro e seus companheiros onde lançar as redes para uma enorme captura de peixes (Jo 21.1-6).

Quando Deus criou o homem, deu-lhe “domínio sobre os peixes do mar”. Até certo ponto pelo menos, esse domínio foi perdido quando o homem caiu. Em Cristo ele é restaurado (Gn 1.28; Mt 11.27; 28.18; Hb 2.5-8).

Muitas pessoas querem justificar o milagre. O escritor e comentarista bíblico William Barclay disse que no Mar da Galileia existiam cardumes fabulosos que cobriam o mar como um manto sólido de mais de meia hectare de superfície. O mais provável é que o olho agudo de Jesus visse um e tenha parecido assim um milagre. Necessitamos olhos que realmente vejam, disse ele. Para Barclay, o que havia ocorrido ali não passava de algo natural. Não foi à toa que morreu negando a fé.

Pedro não tenta justificar o que havia ocorrido como fez William Barclay. Ele reconhece que algo extraordinário acabara de acontecer. Pedro reconhece que havia ocorrido um milagre e que ele estava diante do Deus encarnado.

Uma vez eu orei por uma senhora que estava com câncer no pulmão. Foi feita a biópsia e radiografia. Alguns dias depois eu fui ao INCA para conversar com o especialista. Chegando lá, o médico me falou que ele era o melhor em sua especialidade e que a senhora estava com câncer. Até aí ele não me havia falado nada demais. Mas depois disso ele começou a se justificar dizendo que havia ocorrido algo inexplicável. O câncer havia desaparecido e ele não sabia como explicar o que havia acontecido. Meus irmãos, Deus ainda opera sinais e prodígios. Ele ainda faz milagres. Creia.

Em Hebreus 11, que trata da galeria dos heróis da fé, nos é mostrado duas categorias de pessoas: “os que foram honrados por Deus por sua fé, e os que honraram a Deus com sua fé”. Pedro em sua vida aprendeu essas duas coisas. Precisamos entender que cada um de nós deve viver assim também, sendo honrados pela nossa fé ou honrado a Deus com a nossa fé.

4 – PEDRO E SEUS COMPANHEIROS SÃO IMPACTADOS DIANTE DO MILAGRE (Lc 5.8,9).

Diante do milagre Pedro reage com essas palavras: “Senhor, ausenta-te de mim, que sou um homem pecador”. Segundo o entendimento daquela época, a confissão de Pedro (“Senhor, sou uma pessoa pecadora”) expressa que sua vida até então transcorrera à margem da lei conforme explicada pelos fariseus. Pedro não se sente “justo”, como ocorria com os fariseus, motivo pelo qual se define como pecador. Pedro sabe que não é possível ver o poder miraculoso de Deus nem ouvir a palavra de Jesus sem ter consciência do pecado e da culpa! [7].

No entanto, Jesus não se afasta de Pedro, porém o atrai ainda mais para si. Diz para ele não temer. O mesmo Jesus que ordenara a Pedro lançar as redes ao mar, agora, pesca Pedro com a rede da graça. O mesmo Jesus que manifestou seu poder na pesca maravilhosa, agora, vai através de Pedro, fazer a mais gloriosa das pescarias, a pescaria de homens [8].

A pesca milagrosa e o chamado de Pedro começaram quando Jesus viu (v. 2) um barco como púlpito. O complemento da fé ocorre quando Pedro viu (v. 8), por intermédio do milagre, o Senhor por trás desse milagre [9].

“Senhor, ausenta-te de mim, que sou um homem pecador”. Enquanto Pedro reage dessa forma diante do milagre operado por Jesus, muitas pessoas hoje não reconhecem a misericórdia e graça de Deus em suas vidas. A forma de reagir ao sucesso é uma indicação do verdadeiro caráter.

Quem não consegue ver a boa mão do Senhor nas pequenas coisas, nunca a verá nas grandes. Infelizmente existem muitas pessoas que agem como Nabucodonosor:

“Falou o rei, dizendo: Não é esta a grande babilônia que eu edifiquei para a casa real, com a força do meu poder, e para glória da minha magnificência? Ainda estava a palavra na boca do rei, quando caiu uma voz do céu: A ti se diz, ó rei Nabucodonosor: Passou de ti o reino” (Dn 4.30,31).

Pedro e seus companheiros reconheceram o milagre, e você tem visto o milagre de Deus todos os dias em sua vida? Diante dos milagres você se vê melhor que os outros, ou um pecador dependente da graça e misericórdia de Deus em sua vida como fez Pedro?

5 – DIANTE DO MILAGRE DEIXARAM TUDO E PASSARAM A SEGUIR A JESUS (Lc 5.10,11).

Aquela pescaria tinha um significado muito maior. O Senhor os estava comissionando como discípulos de tempo integral. O reconhecimento da culpa e indignidade não afastaram a pessoa de Deus. Antes, esse reconhecimento, em um paradoxo de graça, atrai o indivíduo para Deus.

No Salmo 51.17 Davi escreveu: “Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus”.

Por meio do profeta Isaías, Deus declara: “Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é Santo: Num alto e santo lugar habito; como também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos, e para vivificar o coração dos contritos” (Is 57.15).

No seu momento de profunda alienação, quando oprimido por sua pecaminosidade, Pedro, Tiago e João procuraram fugir, Jesus estendeu a mão para puxá-los para Si mesmo. Este é o momento glorioso de seu arrependimento. Ele fez o mesmo com Isaías, que, na presença de Deus, amaldiçoou o seu próprio pecado e considerou-se indigno de estar na presença do Santo. Mas o Senhor o procurou e o limpou para usá-lo como Seu instrumento (Is 6.5-9).

O Senhor fala para esses homens temerosos: “Não temas; de agora em diante serás pescador de homens. E, levando os barcos para terra, deixaram tudo, e o seguiram” (Lc 5.10,11). No auge de suas carreiras terrenas, tendo feito a maior captura de peixes já vista nesse lago, eles abandonaram seus barcos, viraram as costas para o seu negócio de pesca, deixaram tudo e seguiram Jesus (cf. Lc 9.23-25).

Eles passaram suas vidas na captura de peixes vivos com o propósito de matá-los; agora eles iriam passar o resto de suas vidas pescado homens mortos para dar-lhes vida mediante a fé em Jesus (Ef 2.1-10).

Muitas pessoas pensam que o chamado para o ministério se dá quando todas as coisas estão dando errado. Quando todas as portas estão fechadas. Quando nada vai pra frente, então entendem que Deus os está chamando para realizar a sua obra. Quem pensa assim não entendeu nada do que significa seguir a Cristo.

No melhor momento de suas carreiras Pedro, Tiago e João deixaram tudo para estarem com Jesus.   

Tem muitas pessoas que dizem que irão seguir a Cristo quando deixarem esse ou aquele vício. Quando as coisas melhorarem. Quando os filhos crescerem. Quando tiverem tempo... As desculpas são as mais variadas.

Mas veja o que Jesus nos fala a esse respeito: “Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei também diante de meu Pai, que está nos céus. Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim trazer paz, mas espada; porque eu vim pôr em dissensão o homem contra seu pai, e a filha contra sua mãe, e a nora contra sua sogra; e assim os inimigos do homem serão os seus familiares. Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim. E quem não toma a sua cruz, e não segue após mim, não é digno de mim. Quem achar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a sua vida, por amor de mim, achá-la-á” (Mt 10.32-39).

O melhor momento para deixar tudo e seguir a Cristo é agora!

CONCLUSÃO

Diante da pesca maravilhosa os discípulos deixaram tudo e passaram a seguir a Cristo. Foi uma decisão para toda a vida. Foi uma decisão única. Foi uma decisão consciente. Assim devemos proceder também. Devemos seguir a Cristo por amor ao que Ele é e não pelo o que Ele dá e faz. No auge do sucesso os discípulos abriram mão do ramo de pesca para serem o que o Senhor queria deles, serem pescadores de homens.

Seguir a Cristo é abrir mão de nossas vontades e sucessos para fazermos a vontade do Senhor. Nem todos são chamados para deixarem seus empregos e servi-lo em tempo integral, mas todos nós fomos chamados para servi-lo onde estivermos.

Pense nisso!   

Bibliografia:

1 – Morris, Leon L. Lucas, introdução e comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, 1986, p. 106.

2 – Bruce, F. F. Organizador. Comentário Bíblico NVI, Ed. Vida, 2009, p. 1656.

3 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 2005, p. 83.

4 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, São Paulo: Editora Hagnos, 2017, p. 140.

5 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, 2012, p. 239.

6 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, 2012, p. 239.

7 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, 2005, p. 84.

8 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, 2017, p. 143.

9 – Edwards. James R. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, 2019, p. 217.

sábado, 14 de novembro de 2020

UM MINISTÉRIO DINÂMICO – CURA, LIBERTAÇÃO, ORAÇÃO E PREGAÇÃO

Por Pr. Silas Figueira

Texto Base: Marcos 1.32-9; Lucas 4.40-44

INTRODUÇAO

Após Jesus ter ministrado a palavra na sinagoga de Cafarnaum e liberto um homem possesso, Jesus se dirige para a casa de Pedro e André e encontra a sogra de Pedro enferma, com febre e acamada. Chegando lá, ele a cura. Tudo isso ocorreu num dia de sábado.

A notícia da expulsão do demônio e da vitória sobre o terrível ataque da febre da qual fora curada a sogra de Pedro correu célere, e muitas pessoas renovaram as suas esperanças de cura para os seus entes queridos. Resultado: A tarde, ao cair do sol, trouxeram a Jesus todos os enfermos e endemoninhados. Mateus diz: “Chegada à tarde” (8.15); Lucas diz: “Ao pôr-do-sol” (4.40). Marcos diz: “Quando já estava se ponde o sol” (1.32), as pessoas da cidade trouxeram várias enfermos e endemoninhados para o Senhor os curar e libertar. Foi um dia cansativo, no entanto, logo pela manhã Jesus estava em um lugar deserto orando. Quando os discípulos o encontram Jesus disse que era necessário pregar a palavra em outras aldeias também.

Quais as lições que podemos tirar desse texto para nós hoje?

1 – CAFARNAU ERA UMA CIDADE CARENTE DE CURA E LIBERTAÇÃO (Lc 4.40,41, Mc 1.32-34).

No evangelho de Marcos lemos que “toda a cidade se ajuntou à porta” (Mc 1.33). Isso nos mostra que na cidade de Cafarnaum havia muitos enfermos e endemoninhados. O retrato desta cidade tem sido o retrato de muitas cidades hoje. No entanto, onde Jesus se faz presente revela-se a real situação das pessoas e do ambiente em que elas se encontram. Observe que havia um endemoninhado dentro da sinagoga, ele só se manifestou porque Jesus estava ali. Na casa de Pedro a cura entrou de forma milagrosa porque Jesus manifestou ali a sua graça. Onde Jesus está algo extraordinário sempre acontece.

Devido ao agir de Jesus nessas duas situações, Ele não pode ocultar-se. Quando a notícia se espalhou a respeito do poder e da autoridade que Jesus tinha sobre os demônios e doenças, Ele foi procurado por toda a cidade. Por isso, ao cair da tarde, a casa de Pedro tinha sido sitiada por uma multidão que procurava o toque curador de Jesus. Aguardaram até ao pôr do sol porque a Lei proibia que se atravessasse uma cidade em dia sábado levando cargas (Jr 17.24). Levar os enfermos e endemoninhados até a casa de Pedro para Jesus os curar e libertar poderia ser interpretado como um trabalho, e estava proibido trabalhar no sábado. A Lei dizia que o sábado tinha terminado e era outro dia a partir do momento em que podiam ver-se três estrelas no céu. De maneira que a multidão de Cafarnaum esperou até o sol se pôr e então saíram, levando seus doentes a Jesus; e Ele os curou.

É interessante observar que muitas pessoas aproveitaram a presença de Jesus ali para ver seus entes queridos curados e libertos, mas quantos desses que levaram os enfermos e possessos admitiam que estavam doentes e precisavam de libertação também? Quantas pessoas conseguem olhar para si e admitir que precisam do toque curador e libertador de Jesus em suas vidas? 

Nesses anos de ministério em tenho observado muito poucas pessoas admitindo que tem um problema, sempre são os outros; e quando admitem, o do outro é que é relevante. 

Um homem uma vez socorreu várias pessoas que estavam sofrendo de intoxicação alimentar. Quando ele chega com a última pessoa no hospital o médico que estava atendendo as pessoas lhe disse para se deitar na maca, pois ele também estava intoxicado. Ele viu o mal nos outros, mas não percebeu que estava infectado. 

Outra coisa que gostaria de destacar, muitas pessoas chamam de doença e espírito maligno na vida, quando na verdade não passa de obras da carne. Veja a lista dessas obras em Gl 5.19-21:

“Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, fornicação, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações [ciúmes, invejas, competições, competições, rivalidades], iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus”.

Não podemos jogar na conta do diabo o que é consequência de um coração pecaminoso que precisa de conversão. Observe o que Jesus falou em Mateus 15.18-20: 

“Mas, o que sai da boca, procede do coração, e isso contamina o homem. Porque do coração procedem os maus pensamentos, mortes, adultérios, fornicação, furtos, falsos testemunhos e blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem; mas comer sem lavar as mãos, isso não contamina o homem”.

Não estou dizendo que Satanás não acentua esse agir pecaminoso, mas não procede dele, procede do próprio homem pecador. Tais pessoas precisam de nova vida em Cristo e não de libertação como temos visto por aí.                                                                              

2 – JESUS MANIFESTOU SUA GRAÇA E MISERICÓRDIA SOBRE OS ENFERMOS E ENDEMONINHADOS (Lc 4.40,41; Mc 1.34). 

Apesar de ser um dia intenso, a misericórdia do Senhor era maior que seu cansaço. A casa de Pedro naquela noite tornou-se um lugar de peregrinação e bênçãos alcançadas. As pessoas iam esperançosas e retornavam felizes por terem alcançado algo que era impossível alcançar. Jesus libertou os cativos de duas formas: 

1º - Jesus curou os enfermos (Lc 4.40). O texto de Lucas nos diz que o Senhor pôs as mãos sobre todos os enfermos e os curou. Ele se dedicou de forma especial a cada um. Ele não estava realizando curas em massa.

Jesus lida com indivíduos. Cada pessoa é diferente uma das outras. Nem todos recebem a cura da mesma forma. Assim como nem todos são gratos pelas bênçãos que recebem do Senhor, uns voltam para agradecer, outros não (ex. os dez leprosos). 

Ainda hoje é assim. Jesus continua manifestando a sua graça sobre os enfermos de forma individual. Quando Ele impõe as mãos sobre cada pessoa, Ele está mostrando que cada um de nós é especial para Ele. A cura física é também a cura da alma. Isso implica em valorização da vida. 

Observe que o texto de Marcos nos diz que Jesus curou muitos que se achavam enfermos (Mc 1.34). Curou muitos, não todos. Não é porque o Senhor Jesus não cura a todos que Ele deixa de ser Deus e de nos amar. Um exemplo disso encontramos na vida do apóstolo Paulo que orou três vezes para que lhe fosse tirado o espinho da carne (uma dificuldade muito grande que estava enfrentando), e o Senhor lhe disse que Sua graça era suficiente para ele (2Co 12.7-13). Isso não significa falta de fé como muitos costumam ensinar. Entenda, o Senhor é livre para curar quem Ele quer, quando Ele quer e se Ele quiser. Mas nem por isso Ele deixa de nos amar. 

Temos por exemplo a vida de Joni Eareckson Tada (Baltimore, 15 de outubro de 1949). No dia 30 de julho de 1967, Joni sofreu uma fratura cervical que a deixou tetraplégica (hoje com limitados movimentos nos braços). No entanto, ela dava testemunho do amor de Deus por ela nas campanhas evangelísticas de Billy Grahan, apesar de ser uma pessoa com problemas físicos. A cura não foi no seu físico, mas na sua alma.

2º - Jesus libertou os endemoninhados (Lc 4.41). Muitos daqueles doentes estavam possessos de espíritos malignos também. O fardo que carregavam era muito mais pesado do que imaginavam. Satanás pode causar doenças físicas, mas nem todas as doenças físicas são causadas pelo poder demoníaco.

Na sua primeira carta João nos diz assim: “Para isto o Filho de Deus se manifestou: para desfazer as obras do diabo” (1Jo 3.8). Em Atos 10.38 lemos: “Como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude; o qual andou fazendo bem, e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele”.

Jesus veio ao mundo para desfazer as obras do diabo, e uma dessas obras é a cegueira espiritual. Principalmente em relação as doenças. Uma das coisas que tem causado grande confusão na mente de muitas pessoas é pensarem que toda e qualquer doença é causada pelo diabo. Por exemplo, quantas vezes você já ouviu dizer que pessoas que sofrem de depressão estão com uma doença espiritual. Que a depressão é causada pelo diabo. Já ouvi isso de pessoas esclarecidas, de gente com certo grau de conhecimento. Isso nos mostra o grau de cegueira espiritual que muitas pessoas ainda se encontram.

Em Lucas 4.41 nos diz que Jesus repreendia os demônios, não os deixando falar. Jesus não aceitava testemunho de demônio algum. Ainda que eles estivessem falando a verdade, o Senhor os calava, pois por mais que estivessem testemunhando da verdade, quem deveria reconhecer que Jesus era o Messias eram as pessoas, e isso deveria acontecer pela fé em Cristo e não pelo testemunho do diabo. Todo conhecimento em relação a Cristo que fica só no campo do intelecto, mas não é precedido de fé, reconhecendo o Senhor Jesus como salvador pessoal não tem nenhuma valia para quem tem esse conhecimento.

Um exemplo triste é do escritor e comentarista do Novo Testamento William Barclay. Ele negou a divindade de Cristo, a inspiração das Escrituras, os milagres de Jesus e a Sua expiação substitutiva. Ele acreditava na eventual salvação de toda a humanidade. Todo seu conhecimento não desceu ao coração, só ficou em sua mente. E por fim negou até o que havia escrito. Hoje temos visto esse mesmo episódio acontecendo com muitos líderes em nossos arraias. Muitos líderes têm trocado o Evangelho de Cristo pela teologia liberal e a teologia mata a igreja, pois arruína a fé.

Como disse Steven Lawson: “Você pode ter a Bíblia na sua cabeça, e não ter Cristo no seu coração”.  

3 – APESAR DE TODOS O PROCURAREM, JESUS NÃO DEIXOU DE SEPARAR UM TEMPO PARA A ORAÇÃO (Lc 4.42; Mc 1.35).

Depois de um dia longo e cansativo, Jesus, que era não somente divino, mas também humano, sentiu uma grande necessidade de orar. Teria Jesus passado a noite na casa de Pedro e ao despertar esse discípulo, descobrira que o Mestre já havia partido? É possível, mas não o sabemos. O que sabemos é que segundo Marcos 1.35: “bem de manhã, sendo ainda noite”, isto é, ainda escuro, porém começava a clarear (Lc 4.42), Jesus levantou-se, saiu e foi a um lugar solitário ou deserto, a um retiro tranquilo. Ali, de novo, segundo Marcos, ele derramou seu coração em oração a seu Pai celestial [1].

Podemos destacar três fatos importantes a respeito da vida de oração de Jesus [2].

Em primeiro lugar, o cansaço físico não impedia Jesus de orar (Lc 4.42; Mc1.35). Ele tinha plena consciência que não podia viver sem comunhão com o Pai, por meio da oração. Jesus entendia que intimidade com o Pai precede o exercício do ministério. Como disse alguém: “Eu tenho tanta coisa para fazer hoje que terei de passar as primeiras quatro horas em oração”.

Em segundo lugar, a oração para Jesus era intimidade com o Pai e não desempenho diante dos homens (Lc 4.42; Mc 1.35). Jesus buscava mais intimidade com o Pai do que popularidade. Ele era homem do povo, mas não governado pela vontade do povo.  Jesus não permitirá que o povo em geral lhe diga o que fazer nem aonde deva ir, nem mesmo que seus discípulos façam o mesmo [3]. Sempre que os homens o buscaram apenas como um operador de milagres, viu nisso uma tentação, mais do que uma oportunidade e refugiava-se em oração.

Em terceiro lugar, Jesus dava mais valor à comunhão com o Pai do que ao sucesso diante dos homens (Lc 4.42; Mc 1.37). A multidão desejava ver a Jesus novamente, mas não para ouvir sua Palavra, porém, para receber curas e ver operações de milagres. Mas o sucesso não lhe subiu à cabeça, pois Ele tinha consciência de que o que Ele realizava procedia do Pai, pois Ele estava em total submissão a Ele. Como lemos em João 5.19:

“Mas Jesus respondeu, e disse-lhes: Na verdade, na verdade vos digo que o Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma, se o não vir fazer o Pai; porque tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente”.

Por que temos tanta dificuldade de orar? Porque a oração é um ato antinatural. Desde o nascimento aprendemos as regras da autoconfiança enquanto nos esforçamos e batalhamos para ganhar autossuficiência. A oração vai contra esses valores profundamente estabelecidos. É um atentado à autonomia humana, uma ofensa à independência do viver. A oração não faz parte de nossa orgulhosa natureza humana. No entanto, em algum momento, quase todos nós chegamos ao ponto em que caímos de joelhos, inclinamos a cabeça, fixamos nossa atenção em Deus e oramos [4].

“Alguém já disse que quando trabalhamos, nós trabalhamos, mas quando oramos, Deus trabalha”.

O sucesso do ministério público é alimentado no lugar secreto da oração. Só podemos nos levantar diante das pessoas em público, se primeiro nos prostramos diante de Deus em secreto [5]. Foi depois de uma noite em oração do Getsêmani que Jesus se levantou e enfrentou a cruz. A oração renova as nossa forças espirituais.

Como disse o Reverendo Augustus Nicodemus: “Orar é para os fracos, é por isso eu oro”.

4 – JESUS PRIORIZAVA A PREGAÇÃO DO EVANGELHO (Lc 4.43,44; Mc 1.38,39).

Lucas nos diz: “Também é necessário que eu anuncie a outras cidades o evangelho do reino de Deus; porque para isso eu fui enviado (Lc 4.43). Em Marcos 1.38 lemos: “Vamos às aldeias vizinhas, para que eu ali também pregue; porque para isso vim.

E o que Jesus iria pregar? Resposta: as boas-novas do reino de Deus.

O apóstolo Paulo escrevendo aos Romanos disse: “Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados? como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas. Mas nem todos têm obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rm 10.13-17).

O verdadeiro milagre é a salvação das almas e não a cura do corpo. A pregação da Palavra de Deus traz vida eterna aos que ouvem e recebem a salvação que o Senhor Jesus veio oferecer. Por isso Jesus afirmou que era necessário pregar o evangelho em outros lugares e não só permanecer em Cafarnaum e curar os doentes. A prioridade é a pregação da Palavra. Como disse Pedro a Jesus: “Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna” (Jo 6.68).

Muitas pessoas hoje dizem que creem na Palavra de Deus, no entanto, frequentam igrejas onde a Palavra de Deus não é pregada. Ouvem de tudo, menos a explanação das Escrituras, e quando a Bíblia é citada, é texto fora de contexto com escusos pretextos.

A MENSAGEM CRISTOCÊNTRICA É AQUELA QUE APRESENTA JESUS.

A mensagem deve estar centralizada em Cristo e não no pregador, na denominação... Jesus deve ser o ponto central, pois tudo converge nele. Atos 5.42 diz o seguinte acerca dos apóstolos: “E todos os dias, no templo de casa em casa, não cessavam de ensinar e de pregar Jesus, o Cristo”. Paulo fala do conteúdo de sua pregação: “Nós pregamos a Cristo crucificado” (1Co 1.23); A pregação apostólica é, portanto, inconfundivelmente Cristocêntrica. Paulo considera maldito, aquele que prega outro evangelho que vá além do puro e autêntico evangelho de Cristo (Gl 1.1-9);

Conta-se uma história que: “uma menina na idade da pré-escola tinha de fazer o papel de Maria, mãe de Jesus numa peça teatral natalina. No início tudo ia muito bem, Maria sorria com satisfação enquanto admirava o boneco na manjedoura. Mas logo os animais, e pastores e outras pessoas encheram o palco, até que ninguém podia ver o berço. A menina então levantou o boneco acima da cabeça de todos, onde ela ficou até o fim da peça. Perguntaram… Por que você fez isso? Todos estavam tirando o seu lugar… eu tinha que levantar Jesus”.

Vivemos dias que necessitamos tornar Cristo verdadeiramente conhecido. Precisamos voltar ao genuíno Evangelho. Pedro e João sofreram hostilidade dos religiosos de sua época por causa da mensagem que pregavam. E também porque eles estavam dispostos a quebrarem os paradigmas religiosos de sua época. Que em nossos dias possamos ter essa disposição, assim como aqueles homens em seus dias.

A prioridade de Jesus era pregar o Evangelho do Reino. As curas e libertações eram a prova cabal de que o Senhor era o Cristo de Deus. Mas a prioridade sempre foi e deve ser a mensagem de salvação e não focarmos nos milagres. A fé vem pela pregação e não por meio de milagres. A fé gera o milagre, mas o milagre não gera fé.

O maior milagre é a vida eterna alcançada mediante o genuíno Evangelho pregado.

CONCLUSÃO

Foi depois de um dia de ensino e pregação na sinagoga que Jesus libertou um homem possesso e curou a sogra de Pedro. Foi só depois disso que Ele curou os enfermos da cidade e libertou os cativos do diabo.

Mas pela manhã Jesus estava em oração e saindo da cidade de Cafarnaum para pregar em outras aldeias e cidade da região da Galileia. As curas e os milagres são reais em nossos dias, disso eu não duvido. Mas o verdadeiro milagre não é a cura física, mas a salvação mediante a pregação do Evangelho puro e simples. Através da pregação cristocêntrica.

Como disse Jesus: “Também é necessário que eu anuncie a outras cidades o evangelho do reino de Deus; porque para isso eu fui enviado” (Lc 4.43)

Pense nisso!

Bibliografia: 

1 – Hendriksen, William. Lucas, Vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 368.

2 – Lopes, Hernandes Dias. Marcos, o Evangelho dos Milagres, São Paulo, SP, Ed. Hagnos, 2006, p. 98.

3 – Hendriksen, William. Lucas, Vol. 1, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 369.

4 – Hybels, Bill. Ocupado Demais Para Deixar de Orar, Campinas, SP, Ed. United Press, 1999, p. 1.

5 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, São Paulo: Editora Hagnos, 2017, p. 136.