sábado, 17 de dezembro de 2022

A PARÁBOLA DA FIGUEIRA INFRUTÍFERA - Lucas 13.6-9

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 13.9-6

INTRODUÇÂO

Matthew Henry diz que esta parábola tem o propósito de reforçar aquela palavra de advertência que veio imediatamente antes: “Se vos não arrependerdes, todos de igual modo perecereis; a não ser que mudeis o vosso comportamento, sereis destruídos, como uma figueira estéril; a não ser que gereis frutos, sereis cortados”. [1] Podemos dizer que Jesus está concluindo o seu sermão a respeito do arrependimento com esta ilustração. Esta parábola começa com um plantio e termina com uma ameaça de arrancar o que fora plantado. [2] Uma parábola simples, mas que não deixou dúvidas do que Jesus estava falando.

Quais as lições que podemos tirar dessa parábola para as nossas vidas.

1 – A FIGUEIRA SIMBLOLIZA ISRAEL (Lc 13.6,7).

Era um costume na Palestina antiga, assim como hoje, plantar figueiras e outras árvores nas vinhas. Era um meio de utilizar cada pedaço disponível de boa terra. A figueira aqui, como em todo o simbolismo bíblico, refere-se a Israel. [3] Havia em Israel árvores que eram comuns (figueiras e figos são mencionados mais de cinquenta vezes nas Escrituras), em condições favoráveis as figueiras podem atingir uma altura de quase sete metros. Além de fornecer frutas, figueiras foram uma excelente fonte de sombra (cf. Jo 1.48).

Diante desse quadro, podemos tirar três lições aqui:

1º - Em primeiro lugar, Israel recebeu privilégios especiais de Deus. John C. Ryle diz que do coração ao qual Deus outorgou privilégios espirituais Ele espera receber retorno proporcional [4]. Foi o que ocorreu com a nação de Isael. A nação recebeu de Deus o mais alto privilégio entre todas as nações. O comentário de que Deus plantou Israel como “figueira” em sua vinha expressa que Israel não se tornou povo de Deus por via natural, mas que, como uma árvore plantada de maneira especial, foi chamado para um relacionamento extraordinário com Deus por meio de atos singulares de Deus (Dt 7.6-8; Sl 80.9,15). Quando, pois, a figueira foi plantada na vinha de seu proprietário, ela obteve um privilégio especial. Israel desfrutou do privilégio de ser povo de Deus durante todo o curso de sua história.[5] Eles haviam sido separados das outras nações pela lei e ordenanças de Moisés, bem como pela situação de sua própria terra. Haviam recebido revelações que Deus não concedera a nenhum outro povo. É razoável pensar que que haveria em Israel mais fé, arrependimento, devoção e santidade do que entre os pagãos [6]. No entanto, não foi isso que ocorreu. Jesus enfrentou da parte dos líderes judeus a mais dura incredulidade, além de, no fim do seu ministério, a morte por parte deles.

2º - Em segundo lugar, Israel tornou-se uma nação estéril. A figueira na Palestina dá fruto dez meses em cada ano, de forma que quase em qualquer tempo o dono pode encontrar fruto nela [7], no entanto essa figueira da parábola estava estéril. Jesus coloca o cenário com uma figueira numa vinha (e, portanto, em solo fértil). Faz três anos que o dono vem procurando fruto, o que parece indicar uma árvore bem-estabelecida. A falta de dar frutos em três anos parece um mal sinal. Seria improvável que tal árvore desse fruto no futuro. Destarte, o dono dá a ordem: pode cortá-la. Além de não dar frutos, estava ocupando terreno que doutra forma poderia ser produtivo. [8]

3º - Em terceiro lugar, o dono da figueira veio procurar fruto.  Embora a figueira estivesse na vinha, ela não tinha outro propósito a não ser dar fruto. Da mesma forma, Israel só tinha uma razão para ocupar o primeiro ou qualquer outro lugar: cumprir a missão que lhe fora dada por Deus. Visto que a figueira era infrutífera, não teria o direito de existir; e visto que Israel se recusava a cumprir sua missão determinada por Deus, não tinha o direito de continuar.[9] Esta árvore também nos traz à memória a bondade especial de Deus para com Israel (Is 5.1-7; Rm 9.1-5) e sua paciência com eles. Deus esperou três anos durante o ministério de Jesus aqui na Terra, mas a nação não produziu frutos. Assim, esperou mais cerca de quarenta anos antes de permitir que os exércitos romanos destruíssem Jerusalém e o templo; e, durante esses anos, a Igreja testemunhou com poder a mensagem do evangelho. Por fim, a árvore foi cortada. [10]  

Da mesma forma que Israel era a videira de Deus, plantada por Deus, cuidada por Deus, assim nós somos a figueira de Deus, plantada e cultivada por ele. Ocupamos uma posição especialmente favorecida. Deus separou Israel dentre as nações. Protegeu, abençoou e deu sua lei, suas promessas, seus milagres e seus profetas. De igual modo, a nós, ele nos deu sua Palavra, o evangelho, o seu Espírito, a sua presença, o seu poder. Ele espera de nós frutos espirituais. Ele não se contenta com folhas. Ele quer frutos.[11]

A igreja atual não é estéril, muito pelo contrário, alguns ministérios têm dado muito fruto, mas o grande problema que tenho visto é que o fruto que está sendo produzindo é um fruto que não serve para consumo, pelo menos, não para Deus. A figueira (igreja) não está sendo adubada com a Palavra de Deus, mas com outras coisas. Quando olhamos para a igreja vemos que ela tem sido adubada com teologia liberal, teologia inclusiva, teologia da missão integral, evangelho da prosperidade, com o relativismo teológico... adubos esses que fazem com que a igreja gere frutos impróprio para o consumo. São frutos venenosos. São frutos amargos cheio de pecado. Que não servem para Deus e nem para os que amam ao Senhor, mas tem servido de alimento para os que não querem um relacionamento de santidade com Deus e observam com afinco a Sua Palavra. Em muitos ministérios o alimento não tem sido pastagens verdejantes, mas lavagem para porcos.

2 – A INTERCESSÃO DO VINHATEIRO (Lc 13.7-9).

Para entendermos melhor a profundidade dessa intercessão precisamos conhecer o contexto histórico. No livro de Levítico 19.23-25 lemos: “E, quando tiverdes entrado na terra, e plantardes toda a árvore de comer, ser-vos-á incircunciso o seu fruto; três anos vos será incircunciso; dele não se comerá. Porém no quarto ano todo o seu fruto será santo para dar louvores ao Senhor. E no quinto ano comereis o seu fruto, para que vos faça aumentar a sua produção. Eu sou o Senhor vosso Deus”.

Leis da Árvore Frutífera Incircuncisa. Por três anos, o fruto de uma árvore frutífera não podia ser consumido pelos filhos de Israel. Portanto, não podia ser vendido. Se alguém comesse de tal fruto, seria açoitado com quarenta açoites menos um (nos dias do segundo templo). No quarto ano, o fruto era colhido e dedicado a Yahweh, como oferta pacífica (de agradecimento). Somente no quinto ano seu fruto podia ser colhido e comido. Nesse ano, a árvore era desnudada de seu fruto, ficando assim completa a circuncisão da árvore. Dali por diante, o fruto daquela árvore pertencia ao proprietário, para uso próprio ou para comercialização. [12]

O dono da vinha não viria procurar do fruto impuro para consumo, mas provavelmente veio buscar no quarto ano para oferecer a oferta ao Senhor, no entanto, em ano nenhum ela havia produzido fruto. Pelos cálculos já haviam se passado entre sete a oito anos e a figueira continuava improdutiva.

Com isso em mente, podemos destacar algumas lições importantes para nós.

1º - Em primeiro lugar, a figueira aqui um é símbolo de julgamento (Lc 13.7). Os profetas do Antigo Testamento usavam com frequência a figueira como símbolo de julgamento (Is 34.4; Jr 29.17; Os 2.12, 9.10; Jl 1.7; Mq 7.1). A figueira funciona de forma semelhante nessa parábola, na verdade funciona enfaticamente assim, pois Lucas a coloca de forma proeminente no ponto mais importante da sentença e fala três vezes se sua falta de produtividade (vv. 6,7,9). [13]

A sentença que lhe foi dada: Corta-a. Note que nenhuma outra coisa deve ser esperada com relação a árvores estéreis além de serem cortadas. Assim como a vinha infrutífera é derribada, e transformada em pasto (Is 5.5,6), as árvores infrutíferas na vinha são retiradas e se secam, João 15.6. [14] O dono da vinha na parábola simboliza Deus Pai; o vinhateiro simboliza Cristo ou o Espírito Santo – Ele é o homem que poda as videiras e cuida da vinha. [15]

2º - Em segundo lugar a interseção do vinhateiro (Lc 13.8,9). Os pronunciamentos de julgamento são, geralmente, acompanhados de uma segunda chance. [16] Cristo é o grande Intercessor; Ele vive sempre intercedendo. Os ministros são intercessores; aqueles que cuidam da vinha devem interceder por ela. Devemos orar pelas pessoas para as quais pregamos, porque devemos nos entregar à Palavra de Deus e à oração.[17] Por causa da intercessão de Cristo, Deus nos trata com misericórdia e não nos julga consoante os nossos pecados. Ele nos dá mais uma chance. Oferece-nos mais uma oportunidade. Pedro e João Marcos poderiam testemunhar como Deus lhes concedeu uma segunda chance![18]

3º - Em segundo lugar, a paciência do dono da vinha tem um limite (Lc 13.9). Deus é muito paciente. Entretanto, sua paciência não dura para sempre. Um dia – somente Deus sabe quando esse dia chegará – a oportunidade de salvação será tirada. O procrastinador morrerá em seus pecados e se perderá para sempre. [19] Onde falta arrependimento, o juízo é inevitável. Depois do investimento, se a figueira ainda não der frutos, o machado do juízo decepará seu tronco e arrancará suas raízes. Sua morte será inevitável; sua condenação, inexorável. Sua ruína será total. Qual é a nossa condição? Deus está vendo em nós frutos? [20]

CONCLUSÃO

Deus procura frutos. Não aceitará substitutos, e a hora de arrepender-se é agora. Da próxima vez que ficar sabendo de outra tragédia que tirou muitas vidas, pergunte a si mesmo: “Estou só ocupando espaço neste mundo ou produzindo frutos para a glória de Deus?” [21]

A Bíblia exorta os pecadores: “Buscai ao Senhor enquanto se pode achar; invocai-o enquanto está perto” (Is 55.6). Jesus advertiu que a geração, “Por um pouco de tempo estou convosco, e depois vou para aquele que me enviou” (Jo 7.33); “Eu retiro-me, e buscar-me-eis, e morrereis no vosso pecado. Para onde eu vou, não podeis vós vir” (Jo 8.21). Para aqueles que vivem em tempo emprestado “agora é o tempo aceitável, eis aqui agora o dia da salvação” (2Co 6.2), antes que seu tempo acabe e seu destino eterno seja selado. Hoje é o dia da sua salvação em Cristo Jesus!

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 633.

2 – Kenneth Bailey. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, p. 154.

3 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 437.

4 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 234.

5 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 291. 

6 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 234.

7 – Kenneth Bailey. As Parábolas de Lucas, Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1985, p. 155.

8 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 209.

9 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 437.

10 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 292.  

11 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 420.

12 – Champin, R. N. O Antigo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2001, p. 554.

13 – Edwards, James R. O Comentário de Lucas, Ed. Sheed, Santo Amaro, SP, 2019, p. 502.

14 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 634.

15 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 438.

16 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 139.

17 – Henry, Matthew. Comentário Bíblico Novo Testamento Mateus a João, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2008, p. 634.

18 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 421.

19 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 139.

20 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 421.

21 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 292. 

domingo, 4 de dezembro de 2022

UM CHAMADO AO ARREPENDIMENTO - Lucas 13.1-5

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 13.1-5

INTRODUÇÃO

Entre o final do capítulo 12 e o princípio do capítulo 13 há uma dupla conexão: (a) temática: em ambos é enfatizada a necessidade de conversão; (b) temporal: note “nesse mesmo tempo” e, portanto, provavelmente durante a viagem final de Cristo para Jerusalém. Jesus rejeitou a teologia defeituosa que vê a calamidade como o julgamento de Deus sobre as pessoas particularmente perversos e ensinou que todos os pecadores estão vivendo em tempo emprestado. Ele assim o fez, tanto através da instrução direta e por meio de ilustrações.1 Foi durante esse percurso de Jesus para Jerusalém que alguns comentaram ocorrido com Jesus. É interessante salientar que nenhuma outra fonte registra os dois incidentes nos vs. 1 e 4;2 nem a chacina promovida por Pilatos e nem o incidente na torre de Siloé. Somente Lucas registrou esse fato em seu Evangelho.

O Reverendo Hernandes D. Lopes diz que as motivações de Pilatos nos são desconhecidas. As motivações das pessoas que narraram esse fato a Jesus também nos são encobertas. Entretanto, podemos pressupor três motivações possíveis. A primeira delas seria colocar Jesus contra Pilatos. Como Jesus era galileu, portanto, pertencente à jurisdição do tetrarca Herodes Antipas, o propósito desses informantes era que Jesus se posicionasse politicamente diante desse massacre. A segunda motivação seria alertar Jesus sobre as atrocidades cometidas por Pilatos contra os galileus. Assim, o objeto dessa informação seria proteger Jesus de Pilatos, em vez de empurrá-lo para uma nova crise. A terceira motivação seria especular sobre a morte dos galileus, como se mais pecadores eles fossem. Essa tendência era muito forte no imaginário do povo (Jo 9.1-12) e ainda hoje o é.3 É o famoso: “amigos de Jó”. É procurar pecado aonde não existe e tentar justificar as tragédias naquilo que não há justificativa.

Vejamos o que esse texto tem a nos ensinar.

1 – VIVEMOS EM UM MUNDO ONDE ESTAMOS SUJEITOS A MUITOS MALES (Lc 13.1,4).

Vivemos em uma era diferente de qualquer outro na história, uma era em que a mídia fornece de forma instantânea o que está acontecendo em todo o mundo. A internet veio para revolucionar os meios de comunicação. Notícias que levavam horas ou dias para ficarmos sabendo, hoje, mediante as redes sociais, sabemos em instantes ou ao vivo. Hoje está estampado diante dos nossos olhos as mais diversas notícias, desde desastres provocados pelo homem, como guerras, terrorismo, genocídio, crimes, motins e acidentes, além de crises social e econômica em todo o mundo, fazendo com que as pessoas, em todos os lugares, passem a experimentar vicariamente toda a dor, tristeza, sofrimento e morte que essas catástrofes trazem.

Isso só revela que a vida neste planeta está amaldiçoada pelo pecado (Gn 3.17), e por isso, este mundo está cheio de problemas, tristeza, dor e sofrimento. Isso é a mais evidente prova do testemunho das Escrituras da consequência do pecado.

Mas mesmo sabendo disso, vem sempre aquela pergunta: “Por que coisas ruins ocorrem com pessoas boas?”, ou, “Por que Deus permite as tragédias?”. Essa pergunta é relativamente fácil de responder, mas muito difícil de aceitar. Creio que a grande crise em aceitar a resposta de Deus seja a falta de maturidade espiritual em muitas pessoas. Não quero com isso amenizar a dor de quem passa pela crise, e que a pessoa deva fingir que não está doendo. Eu quero dizer é que muitas pessoas acabam culpando Deus pelas calamidades que muitas vezes causamos, ou são causadas por terceiros, ou que são consequências do mundo perverso que vivemos.   

Podemos responder esse dilema da seguinte forma, do ponto de vista bíblico:

Em primeiro lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para testar a validade de sua fé ((1Pe 1.6,7; cf. Dt 8.2; Pv 17.3). “Em que vós grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessário, que estejais por um pouco contristados com várias tentações, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e é provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e glória, na revelação de Jesus Cristo” (1Pe 1.6,7).

Em segundo lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para ensinar-lhes que eles não dependem de si próprios, mas dos recursos divinos (2Co 1.8,9; cf. 12.7-10). “Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a tribulação que nos sobreveio na Ásia, pois que fomos sobremaneira agravados mais do que podíamos suportar, de modo tal que até da vida desesperamos. Mas já em nós mesmos tínhamos a sentença de morte, para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos” (2Co 1.8,9).

Em terceiro lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para lembrá-los de sua esperança celestial (Rm. 5.3-5; cf. 2Co 4.17,18). Como disse o Reverendo Augustus Nicodemus: “O céu não é aqui”. “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas” (2Co 4.17,18).

Em quarto lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para revelar quem eles realmente amam (Gn 22.10-12; At 5.41; Rm 5 3,4; 1Pe 4.13). “E estendeu Abraão a sua mão, e tomou o cutelo para imolar o seu filho; mas o anjo do Senhor lhe bradou desde os céus, e disse: Abraão, Abraão! E ele disse: Eis-me aqui. Então disse: Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho” (Gn 22.10-12).

Em quinto lugar, Deus permite que coisas ruins aconteçam a seu povo para ensinar-lhes obediência (Sl 119.67,71; Hb 12.5-11). “Antes de ser afligido andava errado; mas agora tenho guardado a tua palavra. Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos” (Sl 119.67,71).

Jesus rejeitou a teologia defeituosa que vê a calamidade como o julgamento de Deus sobre as pessoas, particularmente as que julgamos perversas, e ensinou que todos os pecadores estão vivendo em um tempo que males ocorrem a todos. Ele assim o fez, tanto através da instrução direta como por meio de ilustrações.

2 – AS CALAMIDADES NÃO APONTAM PARA OS QUE SÃO MAIS PECADORES (Lc 13.1-5).

Jesus não condenou nem os galileus nem Pilatos, nem considerou as razões porque os desastres naturais recaem sobre alguns e não sobre outros. Sabendo que algumas pessoas interpretavam tais tragédias como justiça retributiva (aqui se faz, aqui se paga), [no entanto], Jesus afirmou aqui e no versículo 5 que não havia maior pecado por parte daqueles que tinham passado pelo sofrimento. Mas o seu ponto, sem considerar a causa da calamidade, era que seus ouvintes pereceriam como tinham perecido os galileus, se permanecessem impenitentes.4 Jesus deixa claro que existe uma tragédia muito maior, a falta de arrependimento pelos pecados e, devido a dureza do coração, a impossibilidade de entrar na vida eterna. Essa sim é a grande calamidade da vida, pois é para toda a eternidade.

Podemos destacar algumas lições aqui:

1ª - As pessoas se mostram mais propensas a conversar a respeito da morte dos outros do que a respeito da sua própria morte5 (Lc 13.1,2,4). E mais fácil especular sobre a vida dos outros do que enfrentar a nossa própria realidade. E mais cômodo pensar que a tragédia que desaba sobre a cabeça dos outros é um justo pagamento por seus erros do que enfrentar os nossos próprios pecados. E mais fácil julgar os outros do que julgar a nós mesmos.6 J. C Ryle diz que o estado de nossa própria alma deve ser nossa primeira preocupação. É eminentemente verdadeiro que o cristianismo autêntico começa em nosso próprio coração.7

Dois fatos merecem destaque aqui:

1) As vítimas de um massacre (Lc 13.1,2). Pôncio Pilatos, o governador romano, não se dava com os judeus, pois desprezava suas convicções religiosas. Um exemplo dessa falta de entendimento pode ser vista na ocasião em que Pilatos levou as insígnias romanas para a cidade de Jerusalém, enfurecendo os líderes judeus, que se ofenderam com a presença da imagem de César na Cidade Santa. O governador ameaçou matar os que protestaram; estes, por sua vez, se declararam dispostos a morrer! Ao ver sua determinação, Pilatos cedeu e transferiu as insígnias para Cesaréia, mas esse não foi o fim do conflito.8 Pilatos novamente enfureceu os judeus por tirar dinheiro de seu tesouro do templo para construir um aqueduto para levar água para Jerusalém.9

William Hendriksen é da opinião que o incidente registrado teria ocorrido em conexão com a Festa da Dedicação, e que a razão pela qual Pilatos teria feito isso era que esses homens da Galileia eram zelotes, membros de um partido nacionalista que pública e agressivamente se opunham ao governo romano. Mas tudo isso não vai além de teoria.10 O fato é que os galileus estavam em Jerusalém oferecendo sacrifícios no Templo. E enquanto estavam ocupados com isso, Pilatos enviou seus soldados para assassiná-los e, no processo, o sangue deles se misturou com o sangue dos animais que eles estavam oferecendo como sacrifícios.11 Eles foram massacrados impiedosamente. Pilatos matou-os, e matou-os com requinte de crueldade e sacrilégio. Não apenas eles foram mortos violentamente, mas sua religião foi profanada frontalmente. A grande pergunta é: essas pessoas assassinadas eram mais pecadoras do que os demais galileus ou habitantes de Jerusalém? O fato de serem vítimas de tamanha crueldade as colocava numa lista de pecadores mais culpados? Aqueles que morrem em massacres são mais pecadores do que aqueles que são poupados dos massacres?12 Spurgeon é enfático ao dizer que devemos ter muito cuidado de não concluir apressadamente e irrefletidamente sobre esses terríveis acidentes: que os que os sofrem, os sofrem por culpa de seus pecados.13

2) As vítimas de catástrofes naturais (Lc 13.4). Jesus passa, então, a falar numa outra desgraça em Jerusalém, que também nos é conhecida somente através desta referência. Seus ouvintes não devem supor que os dezoito que tinham morrido quando desabou a torre de Siloé e os matou fossem mais culpados (lit. “devedores”; homens que estão devendo obediência a Deus) do que outros. Mas seu fim é uma advertência ao auditório de Jesus quanto à urgência do seu arrependimento.14

Ainda hoje, diante de guerras sangrentas, terremotos e maremotos que vitimam milhares, e de atos terroristas que ceifam tantas pessoas, o questionamento é ainda feito. Por que alguns morrem e outros escapam? Será que aqueles que perecem são mais pecadores e mais culpados? A resposta de Jesus é categórica: Não eram, eu vo-lo afirmo; se, porém, não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis (Lc 13.3,3).15

2º - Aqueles que perecem em tais calamidades não são mais pecadores do que aqueles que sobrevivem (Lc 13.2,4). Jesus deixou claro que as tragédias que acontecem no mundo nem sempre são castigo divino e que é errado assumir o papel de Deus e julgar o semelhante. Os amigos de Jó cometeram esse erro ao dizer que as aflições de Jó evidenciavam seus pecados. Ao aplicar essa abordagem às tragédias em geral, será difícil explicar o sofrimento dos profetas, dos apóstolos e do próprio Senhor Jesus Cristo.16 O mundo não está dividido entre maiores pecadores e menores pecadores, entre mais culpados e menos culpados. O mundo está povoado por pecadores culpados. Não importa como se vive ou se morre, todos são pecadores e culpados aos olhos de Deus. Não existem uns melhores ou mais merecedores do que outros.17

Como disse Spurgeon: “Por que não pode acontecer a mim que muito prontamente e inesperadamente seja eu cortado? Tenho eu um contrato de aluguel de minha vida? Tenho algum amparo especial que me garante que não atravessarei inesperadamente os portais da sepultura? Recebi um título de privilégio de longevidade? Fui coberto com uma armadura tal que sou invulnerável às flechas da morte? Por que não irei morrer?”18

3 – O ARREPENDIMENTO É O ÚNICO ESCAPE DA MAIOR TRAGÉDIA DA VIDA (Lc 13.3,5).

Cada pessoa no auditório tinha o dever de examinar seu coração e vida, e fazer a si mesma a pergunta: “Concretizou-se em minha vida uma mudança básica, de Satanás para Deus, das trevas para a luz, do pecado para a santidade? Verdadeiramente me arrependi e tenho realmente posto toda minha confiança em Deus, servindo-o de maneira exclusiva? Em outros termos: Realmente me converti?” Se não, peça então a Deus poder para você dar esse importante passo. Disse Jesus: “A menos que se convertam, vocês também perecerão”.19

Arrependimento envolve dois elementos.

1º - Em primeiro lugar, os pecadores devem mudar sua mente sobre sua pecaminosidade. Eles devem reconhecer que a lei de Deus é absolutamente santa e obrigatória para eles, que eles a violaram e merecem punição eterna no inferno. Já os pecadores arrependidos devem primeiro concordar que o diagnóstico de sua condição é de miserável pecador, e que Deus é justo e santo, e que eles são impotentes para livrar-se da morte eterna a não ser pela misericórdia de Deus.

2º - O segundo elemento de arrependimento é afirmar que Jesus Cristo é o único Salvador (Lc 24.47). Arrependimento não é meramente abandonando do pecado, mas também voltar-se para Deus através de Cristo (1Ts 1.9,10).

Jesus deixa claro que o pecado é pior do que um massacre e pior do que um desabamento. O massacre ou o colapso de uma torre pode produzir morte física, mas o pecado causa a morte eterna. Sem arrependimento, mesmo vivendo, os homens estão mortos e, sem arrependimento, se morrerem na impiedade, perecerão eternamente. Oh, o pecado é a maior tragédia, e a falta de arrependimento, a causa da maior desventura!20

CONCLUSÃO

Jesus prosseguiu mostrando a conclusão lógica dessa argumentação: se Deus castiga os pecadores dessa maneira, todos ali presentes precisavam arrepender-se, pois todos os seres humanos são pecadores! A pergunta não é: “por que essas pessoas morreram?”, mas sim: “que direito tinham de viver?” Ninguém é isento de pecado, de modo que todos devem estar preparados.21

A grande questão da vida não é saber como morreremos, mas sim, de saber como estamos vivendo. Porque vivendo ou morrendo, sem Cristo estamos mortos eternamente e, morrendo com Cristo viveremos eternamente em Sua presença.

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 220.

2 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 220.

3 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 414.

4 – Ash, Anthony Lee. O Evangelho Segundo Lucas, Ed. Vida Cristã, São Paulo, SP, 1980, p. 221.

5 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 231.

6 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 415.

7 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 231.

8 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 291.

9 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 135.

10 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 221.

11 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 436.

12 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 416.

13 – Spurgeon, C. Haddon. Olhe Para Cristo, vol. 2, Acidentes, não castigo, Projeto Spurgeon, 2011, p. 88.

14 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 209.

15 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 417.

16 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 291.

17 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 418.

18 – Spurgeon, C. Haddon. Olhe Para Cristo, vol. 2, Acidentes, não castigo, Projeto Spurgeon, 2011, p. 96.

19 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 222.

20 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 419.

21 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 291.

sábado, 19 de novembro de 2022

A DIVISÃO CAUSADA PELO EVANGELHO - Lucas 12.49-59

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 12.49-59

INTRODUÇÃO

Jesus não mudou de assunto aqui; Ele simplesmente entrou em uma nova seção de seu discurso. A partir do versículo 14 Ele está discutindo o perigo de uma atenção egoísta às coisas deste mundo. Agora Ele vai em frente para dizer que a sua vinda à Terra não foi planejada para suavizar o caminho para o gozo do bem-estar deste mundo. Pelo contrário, a sua vinda traria, inevitavelmente, divisão e conflito.1

O Evangelho divide toda a humanidade em duas categorias, tanto para o tempo presente quanto para a eternidade: os salvos e os perdidos; os remidos e os não-redimidos; aqueles que vão passar a eternidade no céu, e aqueles que vão passa-la no inferno. Jesus deixou bem claro que existe o caminho estreito que leva ao céu e o caminho largo que leva ao inferno, a porta estreita que leva ao céu e a porta larga que leva ao inferno (Mt 7.13,14). Jesus mesmo disse que Ele era o caminho a verdade e a vida e que ninguém poderia ir ao Pai a não ser por Ele (Jo 14.6). Não existe um meio termo, uma terceira via, meios humanos para chegarmos a Deus. Por isso que o Evangelho não é palatável para o homem natural (1Co 2.14).

No entanto, andam pregando um evangelho relativista, com uma mensagem que oculta esses fatos que Jesus não deixou de falar abertamente com os seus discípulos. Como disse o Reverendo Hernandes D. Lopes “O cristianismo nunca será popular. O mundo odiou a Cristo e vai odiar seus discípulos, pois um cristão é uma pessoa que crê na verdade absoluta, mas vive num mundo de relativismo. A Palavra de Deus é a verdade e rege nossa fé e nossa conduta. O mundo, porém, repudia os preceitos de Deus e escarnece deles. Por isso, não fomos chamados para ser populares, mas para sermos fiéis. Nosso papel não é agradar o mundo, mas levar a ele a mensagem da salvação em Cristo”.2 Como bem disse A. W. Tozer: “Não devemos imaginar que fomos comissionados para tornar Cristo aceitável aos homens de negócio, à imprensa, ao mundo dos esportes ou à educação moderna. Não somos diplomatas, mas profetas, e nossa mensagem não é um acordo, mas um ultimato”.3

Pensando nisso, nós podemos tirar algumas lições desse texto para nós hoje.

1 – A CERTEZA DO JULGAMENTO VINDOURO (Lc 12.49-53).

Embora Jesus tenha vindo para salvar os perdidos, a missão de Jesus foi também um juízo; Ele veio para lançar fogo sobre a terra. O tema escatológico (doutrina acerca das coisas que hão de suceder depois do fim do mundo) começado em 12.35 continua na presente passagem com referência a “fogo”, “batismo” e “divisão na família”, o cerne da comunidade social humana.4 David Neale diz que essa passagem é o centro apocalíptico do Evangelho.5

Vamos analisar esses três fatos que Jesus destacou aqui.

1º - Em primeiro lugar, o fogo do julgamento (Lc 12.49). Jesus veio trazer fogo sobre a terra e estava desejoso de que ele já estivesse a arder. Esse é o fogo do julgamento contra o pecado. E o fogo da santidade de Deus que não suporta aquilo que é impuro.6

Hendriksen diz que o fogo de que Jesus fala com toda probabilidade se refere ao juízo de Deus sobre os pecados de seu povo. Esse juízo se realizará no Calvário. E Jesus mesmo quem fará satisfação à justiça de Deus e suportará o castigo.7 Nesse caso não se trata mais do povo judaico, mas de toda a humanidade, representada pelo termo “terra”.8

O povo judeu estava familiarizado com as previsões do Antigo Testamento de um julgamento de Deus com fogo, mas eles acreditavam que o julgamento cairia sobre os gentios. Eles não esperavam que a vinda do Messias traria julgamento sobre eles. Mas Jesus veio para salvar somente os pecadores perdidos que se arrependem e creem, e julgar aqueles que se recusam a fazê-lo, seja judeu ou gentio. “Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não veem vejam, e os que veem sejam cegos” (Jo 9.39; cf. 5.22-30).

O julgamento contra o pecado começou quando Jesus levou sobre si os nossos pecados, mas no fim dos tempos esse julgamento recairá sobre a humanidade perdida. Já não haverá remissão para ela. O Senhor é o justo Juiz que julgará com equidade todos os que não se arrependeram.

2º - Em segundo lugar, o batismo do sacrifício (Lc 12.50). As palavras batismo e ser batizado são aqui provavelmente usadas em um sentido figurado: Jesus está para ser “esmagado” pela agonia. Ele será mergulhado num dilúvio de horrível sofrimento. Jesus veio com o fim de tomar sobre si o fardo da ira de Deus que resulta do pecado de seu povo e sofrer as agonias do inferno – o inferno do Calvário.9 Antes julgar os incrédulos do seu pecado, o próprio Cristo foi julgado por Deus em nosso lugar. Isso aconteceu na cruz, quando Ele “nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós” (Gl 3.13; cf. Is 53.5,6,11,12; Rm 4.25; 2Co 5.21; 1Pe 2.24).

Champlim diz que a pessoa é inteiramente imersa por ocasião do batismo, e assim também, o ser inteiro de Jesus haveria de sofrer, sendo envolvido por todos os lados pelo sofrimento e pela morte.10 Ele, sendo santo, foi feito pecado. Sendo bendito, fez-se maldição. Sendo imaculado, bebeu sozinho o cálice amargo da ira de Deus contra o nosso pecado. Ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelos nossos pecados. Levou sobre si nossos pecados e morreu a nossa morte.11

3º - Em terceiro lugar, a divisão na família (Lc 12.51-53). Lucas começou seu livro anunciando paz na terra (Lc 2.14), mas agora Jesus fala que veio lançar fogo sobre a terra (Lc 12.49). Na verdade, Jesus concede paz aos que creem nele, confessam o seu nome e são justificados (Rm 5.1), mas essa confissão de fé se transforma numa declaração de guerra contra a família e os amigos.12

Fritz Rienecker é enfático em afirmar que a exigência de Jesus a respeito da entrega total a Ele acenderá uma guerra interior até mesmo na comunhão humana mais íntima, na família, a saber, causando uma discórdia capaz de romper os mais estreitos laços quando houver impedimento no seguir a Jesus.13 Jesus usou o texto de Miquéias 7.6 para ilustrar o que estava dizendo: “Porque o filho despreza ao pai, a filha se levanta contra sua mãe, a nora contra sua sogra, os inimigos do homem são os da sua própria casa”.

À pergunta de se achamos que Jesus veio trazer paz, a maioria de nós responderia “Sim” sem hesitação. Mas o Não de Jesus é enfático. Há, é claro, um sentido em que realmente traz a paz, aquela profunda paz com Deus que leva à paz verdadeira com os homens. Mas noutro sentido, sua mensagem é divisiva. A cruz é um desafio aos homens. Jesus conclama os Seus seguidores a tomar sua própria cruz enquanto O seguem (Lc 9.23ss.; 14.27). Quando os homens não ficam à altura deste desafio, não incomumente tornam-se críticos dos que o aceitam. As divisões que assim surgem podem percorrer famílias inteiras.14 Devemos entender que o parentesco na nova comunidade é baseado na obediência à Palavra de Deus: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a praticam” (Lc 8.21). E, afinal, uma questão de lealdade. A abnegação, o carregar de sua cruz e o ato de seguir Jesus são a “base para a lealdade cristã”.15

Jamais nos permitamos ser desmotivados por aqueles que acusam o Evangelho de ser a causa de contendas e divisões na terra. Não é o Evangelho e sim o corrupto coração do homem que deve receber a culpa. Não é o glorioso remédio de Deus que se encontra em deficiência, e sim a natureza enferma da raça de Adão, que, à semelhança de uma criança voluntariosa, rejeita o remédio que Deus providenciou para a cura. Enquanto existirem homens e mulheres que recusam arrepender-se e existirem outros que se arrependem e creem, haverá divisões.16 Não temos como fugir disso, a não ser que neguemos a fé.  

2 – O PERIGO DA FALTA DE DISCERNIMENTO (Lc 12.54-56).

A severidade e a veemência do Mestre nestes versículos parecem indicar que algumas das pessoas mostravam desagrado ou hostilidade em relação ao que Ele vinha dizendo. Talvez, mais uma vez, os fariseus estivessem incitando a oposição contra os seus ensinos.17

Com isso em mente, podemos destacar duas coisas:

1º - Em primeiro lugar, o discernimento das coisas secundárias (Lc 12.54,55). Depois que Jesus anunciou a seus discípulos a ruptura na família, da qual já visualizara os primeiros indícios e experimentara também em sua própria família, no final ele dirige-se outra vez “às multidões”. Jesus fala primeiramente dos sinais climáticos de fenômenos naturais: chuva e brilho do sol. Em vista desses sinais os camponeses consideram-se bons profetas do tempo, e de fato não são enganados pelos indícios. Contudo não colocam essa percepção de que o ser humano foi dotado a serviço de um interesse superior.18

2º - Em segundo lugar, a falta de discernimento das coisas essenciais (Lc 12.56). Mas aqueles que eram tão sábios para ler os sinais do céu não podiam, ou não queriam, ler os sinais dos tempos. Se tivessem podido fazê-lo teriam visto que o Reino de Deus se aproximava. Alguém como João Batista e como Jesus surge, vive e morre, e esse povo moralmente ignorante não entende em absoluto o que isso significa! Jesus caracteriza essa contradição em seu modo de agir por meio da palavra “Vós hipócritas!” Não lhes falta o olho, e sim a vontade de usá-lo.19

Muitas pessoas conseguem discernir as estações, mas são totalmente displicentes em discernir o tempo da vinda de Cristo. Muitas pessoas vivem como se o Senhor não estivesse preparando o mundo para o Seu retorno. Discernem se irá chover, se irá fazer sol, mas não discernem o tempo escatológico que se aproxima. Guerras, rumores de guerras, terremotos, fome, esfriamento do amor... leia 1Tm 4.1,2; 2Tm 3.1-13.

3 – A NECESIDADE DE DILIGÊNCIA (Lc 12.57-59).

Jesus conclui seu ensino contando uma parábola para mostrar a necessidade urgente e imperativa de se preparar para o encontro com o juiz de vivos e de mortos. Estamos a caminho da eternidade. Teremos de prestar contas da nossa vida. Nossas palavras, ações, omissões e pensamentos serão julgados naquele grande dia. Compareceremos perante o Tribunal de Deus. Somos devedores à lei de Deus. Pecamos contra a santidade de Deus. Não podemos comparecer a esse tribunal sem estarmos em paz com Deus. Precisamos ser reconciliados com Deus antes daquele grande dia. É consumada loucura deixar para a última hora esse ajuste de contas.20

Destaquemos três pontos aqui:

1º - Em primeiro lugar, cada pessoa deve examinar a sua vida (Lc 12.57). Jesus os chamou para julgar o que é certo, examinando suas vidas com referência ao pecado. Robertson diz que sem a presença e o ensinamento de Jesus, eles tinham luz suficiente para dizer o que é certo e, assim, não tinham desculpas, como argumenta Paulo em Romanos 1-3.21

2º - Em segundo lugar, faça as pazes com Deus enquanto há tempo (Lc 12.58). Ao meirinho, “o fiscal, o que cobra as multas, o que executa as punições”, essa expressão é somente encontrada aqui em Lucas.

Isto é apenas bom senso. Reconcilie-se antes de chegar ao tribunal, pois é certo que não encontrará clemência lá, apenas a plena força de uma lei violada. Qualquer acordo, em vista disso, é clemência, e a busca desse acordo é sabedoria. É óbvio que aqui é o adversário quem está do lado da lei, e que o outro é o transgressor. Na ilustração dada, as opções são reconciliação ou prisão; e só um tolo escolheria esta última. Em outras palavras Jesus está dizendo: “Por que vocês não podem ser suficientemente sábios para se humilharem e se reconciliarem com Deus – se converterem – em vez de se arriscarem às inevitáveis consequências de irem ao Julgamento como incorrigíveis adversários de Deus?”.22 Todo homem tem uma causa perdida na presença de Deus; e se for sábio fará as pazes com Deus enquanto houver tempo.

3º - Em terceiro lugar, depois do julgamento não há acordo (Lc 12.59). O Archon (magistrado) foi o oficial que conduziu a audiência preliminar. Se ele encontrou motivos suficientes para prosseguir com o caso, ele iria entregá-lo ao juiz que, se ele encontrou o acusado culpado, seria enviado ao oficial responsável pela prisão, e o oficial iria joga-lo na prisão. Se isso acontecesse, Jesus advertiu, ele não sairá de lá até que ele tinha pago o último centavo.

O criminoso na prisão tem a esperança da libertação. Há sempre uma chance de que, de alguma forma, ele possa pagar o derradeiro ceitil. Mas não há tal esperança para o pecador no inferno. Estas almas totalmente arruinadas não poderão jamais pagar a menor parte de suas dívidas inestimáveis.23

Por isso, o tempo de se reconciliar com Deus é hoje, pois, amanhã, pode ser muito tarde. Como diz o hino da Harpa Cristã número 570: A Última Hora.

CONCLUSÃO

O Senhor Jesus mais uma vez alerta aos seus ouvintes que o julgamento contra o pecado irá acontecer. Ele levará sobre si o pecados de todos os que se arrependerem, mas os que não se arrependerem serão lançados no inferno. Jesus não deixou de alertar aos seus ouvintes desse fato, no entanto, em muitos púlpitos hoje não se fala a esse respeito ou nunca foi falado. Por isso, esse é o alerta que o Senhor está nos dando hoje.

Pense nisso!

Bibliografia:

1 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 433.

2 – Lopes, Hernandes Dias. COMO PREGAR UMA VERDADE ABSOLUTA NUM MUNDO DE RELATIVISMO? https://www.facebook.com/hernandesdiaslopes/posts/como-pregar-uma-verdade-absoluta-num-mundo-de-relativismoo-cristianismo-nunca-se/532209750153421/, acessado em 16/11/22.

3 – Figueira, Silas; Castor, Cláudia. AS SETE PALAVRAS DA CRUZ: O Último Sermão do Monte (p. 8). Edição do Kindle.

4 – Edwards, James A. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 490.

5 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 133.

6 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 409.

7 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 206.

8 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 286.

9 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2003, p. 207.

10 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 133.

11 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 410.

12 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 290.

13 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 287.

14 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 207.

15 – Neale, David A. Lucas, 9 – 24, Novo Comentário Beacon, Ed. Central Gospel, Rio de Janeiro, RJ, 2015, p. 134.

16 – Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de Lucas, Ed. FIEL, São José dos Campos, SP, 2002, p. 228.

17 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 435.

18 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 288.

19 – Ibidem, p. 288.

20 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 411.

21 – A. T. Robertson. Comentário de Lucas, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 245.

22 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 435.

23 – Ibidem, p. 436. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A PARÁBOLA SOBRE O SERVO FIEL E O SERVO INFIEL - Lucas 12.41-48

Por Pr Silas Figueira

Texto base: Lucas 12.41-48

INRODUÇÃO

O Senhor ensinou esse mesmo princípio em Mt 24.44-51 (cf. Mc 13.33-37 e o ensinamento similar na parábola dos talentos Mt 25.14-30), indicando que esse assunto era um tema recorrente de seu ensino. Pedro, incerto de quem as analogias no ponto anterior foram dirigidas, agindo como sempre fazia, como o porta-voz dos outros discípulos disse: “Senhor, dizes essa parábola a nós, ou também a todos?”. Jesus não respondeu diretamente a Pedro, mas indiretamente o respondeu com outra parábola envolvendo dois servos.

Leon Morris diz que a pergunta de Pedro talvez visasse levantar a questão dos privilégios e das responsabilidades do apostolado. Certamente tem relevância à obra do ministério, tópico este que deve ter sido importante aos leitores de Lucas. Jesus não responde diretamente, mas chama a atenção à responsabilidade de todos os servos. Ressalta que quanto maior o privilégio, tanto maior a responsabilidade.[1]

Para Robertson, Pedro está certo de que o sermão se destina aos Doze, mas deseja saber se estão incluídos outros, pois Ele tinha se dirigido à multidão, nos versículos 13-21. A resposta de Jesus a Pedro deixa claro que Pedro é este mordomo prudente, cada um dos Doze o é, a despeito de quem quer que aja desta maneira.[2]

Com isso em mente, podemos tirar lições preciosas para nossas vidas.

1 – JESUS ALERTA A RESPEITO DA NECESSIDADE DE FIDELIDADE (Lc 12.41-44)

Como falamos, Jesus não respondeu diretamente a Pedro, mas indiretamente com outra parábola envolvendo dois servos. O primeiro é fiel, que representa os crentes, que estão prontos para o retorno de Cristo e serão abençoados. O outro é infiel, e representa os incrédulos, que não estão prontos para seu retorno e será punido. Uma vez que todas as pessoas caem em uma dessas duas categorias, a parábola de Jesus abrange todas as pessoas.

O servo fiel (Lc 12.42-44).  Jesus começa fazendo uma pergunta: “Qual é, pois, o mordomo fiel e prudente, a quem o senhor pôs sobre os seus servos, para lhes dar a tempo a ração?”. O mordomo (grego, oikonomos) era um escravo e este era responsável por cuidar de todas as coisas do seu senhor. Era o administrador geral da casa e de todos os bens do seu senhor. Nessa qualidade, o administrador recém-nomeado não só vigia o trabalho dos demais servos, mas também e especificamente cuida para que recebam as provisões necessárias.[3]

Os apóstolos eram responsáveis por alimentar a casa de Deus, sua Igreja. Porém, cada um de nós possui determinado trabalho a fazer neste mundo, uma incumbência que recebemos de Deus. Temos a responsabilidade de nos manter fiéis até sua volta. Talvez não pareçamos bem-sucedidos a nossos próprios olhos nem aos olhos do mundo, mas isso não importa. O que Deus quer é fidelidade: “Além disso requer-se dos despenseiros que cada um se ache fiel” (1Co 4.2).[4]

Esse servo fiel, como já falamos, representa todos os crentes que aguardam a volta do Senhor agindo com fidelidade àquilo que lhes foi determinado. Eles geram bens e riquezas espirituais que Deus confiou aos seus cuidados, e estão prontos para o retorno de Cristo.

Quais são as características desse mordomo fiel?

1º - Em primeiro lugar, o mordomo sabe que não é o dono da casa (Rm 1.1). “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho de Deus”. 1.1). A palavra grega doulos, traduzida por “servo”, significa escravo, aquele que foi comprado por um preço, pertence a seu senhor e está completamente à sua disposição. Um escravo não tem vontade própria nem liberdade para fazer o que lhe agrada. Um escravo vive para agradar a seu senhor e obedecer-lhe às ordens.[5]

Paulo foi um dos apóstolos que mais escreveu e doutrinou a Igreja de Cristo. Ele é um dos melhores exemplos de mordomo entre os apóstolos. Vejamos as suas credencias:

1) Era um servo de Jesus Cristo (Rm 1.1a). O termo que Paulo usa para servo era particularmente significativo para os romanos, pois se referia a um escravo. Acredita-se que havia cerca de sessenta milhões de escravos em todo o império romano, e um escravo não era considerado uma pessoa, mas apenas uma propriedade. Em sua terna devoção, Paulo tornou-se escravo de Cristo para lhe servir e fazer sua vontade.

2) Era um apóstolo (Rm 1.1b). O termo significa “alguém enviado por certa autoridade com uma comissão”. Naquela época, aplicava-se aos representantes do imperador ou aos emissários de um rei. Um dos requisitos para ser apóstolo da Igreja era ter visto o Cristo ressurreto (1Co 9.1,2). Paulo viu Cristo quando estava na estrada de Damasco (At 9.1-9), e foi nessa ocasião que o Senhor o chamou para ser seu apóstolo aos gentios. Paulo recebeu de Cristo revelações divinas que deveria compartilhar com as igrejas.

3) Era um pregador do evangelho (Rm 1.1c-4). Quando era um rabino judeu, Paulo consagrou-se, como fariseu, às leis e tradições dos judeus. Mas quando entregou a vida a Cristo, se consagrou ao evangelho e ao ministério. O termo evangelho significa “as boas novas”. É a mensagem de que Cristo morreu por nossos pecados, foi sepultado, ressuscitou e agora pode salvar todo o que crer nele (1Co 15.1-4). É o “evangelho de Deus” (Rm 1.1), pois Deus é sua origem; não foi inventado pelo homem. É o evangelho de Cristo, pois seu cerne é Cristo, o Salvador. Paulo também o chama de “evangelho de seu Filho” (Rm 1.9), o que mostra que Jesus Cristo é Deus!

Jesus Cristo é o cerne da mensagem do evangelho. Paulo identifica Cristo como um homem, um judeu e o Filho de Deus. Nasceu de uma virgem (Is 7.14; Mt 1.18-25) na família de Davi, fato que lhe conferia o direito ao trono de Davi. Morreu pelos pecados do mundo e foi ressuscitado dentre os mortos. É esse acontecimento maravilhoso da morte vicária e da ressurreição vitoriosa que constitui o evangelho, e era esse evangelho que Paulo pregava.[6]  

Paulo é um exemplo de um mordomo fiel. Ele sabia quem ele era – escravo de Jesus Cristo. Sabia quais eram as suas obrigações – chamado para ser apóstolo e separado para o Evangelho de Deus. O mesmo acontece hoje com os servos de Jesus Cristo, somos chamados para sermos fiéis e servi-lo com empenho e dedicação. Tendo uma vida exemplar para que a glória de Deus brilhe mediante o nosso bom testemunho (Mt 5.16).

2º - Em segundo lugar, um mordomo administra a casa como se fosse o Senhor da casa. Embora sempre falemos sobre as coisas como “nossas”, a realidade é que tudo que temos e tudo que somos pertence a outro – a Deus. Como disse o apóstolo Paulo: “Que tens tu que não tenhas recebido?” (1Co 4.7). Portanto, foi de Deus que recebemos nossa vida e o tudo que há nela; e somos responsáveis por isso. Temporariamente – ou seja, até que Deus os exija de nós – somos mordomos desses dons.

A mordomia, frequentemente é associada ao dinheiro, ela deve ser descrita também como incluindo o nosso tempo, talentos e riqueza. Mas a mordomia não diz respeito apenas a sermos bons administradores de nossa agenda, nossas habilidades e nossas coisas. A disciplina da mordomia bíblica nos chama a usar todas essas coisas da maneira como o Senhor quer, a empregá-las para a sua glória. No entanto, ninguém pode ser um mordomo no sentido bíblico se, antes disso, não entende o evangelho – a história do que Deus realizou por meio da vida e da morte de Jesus Cristo.

A pergunta do Senhor aos doze “Quem é, pois, o servo fiel e prudente?” deixa a resposta por conta de cada um. Cada um deve examinar seriamente a si mesmo. Até mesmo entre os discípulos estava Judas, o traidor, de modo que Jesus não podia considerar “todos” como fiéis e sensatos administradores. O Senhor visava levar os apóstolos a que cada um deles se decidisse por uma das duas descrições. Há diferenças entre os servos que são colocados como superiores de outros. Porém a “todos” Jesus incute a seriedade da responsabilidade.[7]

3º - O mordomo fiel será recompensado (Lc 43,44). Há alegria em servir a Jesus. Há recompensa também. Há aquela confiança e esperança íntima que se derivam de estarmos certos com Deus. Há um desenvolvimento espiritual que é satisfatório, pois assim estaremos deixando para trás o homem mortal e físico, tornando-nos semelhantes ao Homem imortal, ao próprio Senhor.[8]

Rienecker observa que há uma diferença entre a recompensa no v. 44, prometida ao mordomo fiel, e a recompensa no v. 37, prometida ao servo vigilante. A promessa dada ao servo vigilante tem algo mais íntimo em si. É expressão de apego pessoal, de gratidão do Senhor pelo amor pessoal que o servo fiel lhe demonstrou. A promessa dada ao administrador no v. 44 é mais honrosa. Ela é a recompensa oficial e pública pelos serviços prestados à casa. Assim como sua esfera de atuação aqui na terra foi ampla e pública, assim também sua posição na glória abrangerá um grande e elevado raio de ação.[9]

2 – JESUS ALERTA A RESPEITO DA INFIDELIDADE (Lc 12.45-48).

Em contraste com o servo fiel, o servo infiel ignora a exortação no versículo 40: “Portanto, estai vós também apercebidos; porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais”, e diz em seu coração: “O meu senhor, tarda em vir”.

Observemos como o servo infiel age e o seu fim:

1º - Em primeiro lugar, ele não tem senso de urgência (Lc 12.45). Na falta de um senso de urgência ele continuou a fazer o que o satisfaz. E isso incluía brutalidade infligida aos outros escravos, homens e mulheres, bem como continuar a comer, beber e ficar embriagado. Em vez de administrar adequadamente os recursos colocados à sua responsabilidade, ele usou e abusou para seu próprio prazer. Ele viveu sob a ilusão de que ele tinha muito tempo para desfrutar de seu pecado antes do seu senhor voltar. Leon Morris diz que a prolongada ausência do senhor, porém, poderia levar um mordomo descuidadoso a um falso senso de independência.[10]

Muitas pessoas vivem suas vidas sob a mesma ilusão, achando que podem fazer o que quiserem e que se converterão a Deus pouco antes do fim da vida terrena (da morte ou da vinda de Jesus). Tal raciocínio é tanto insensato quanto perigoso, uma vez que ninguém sabe quando vai morrer, ou quando o Senhor voltará. Esse raciocínio é um perigo mortal, pois é uma grande apostasia (cf. Hb 6.4-8). Tal pessoa não percebe que Deus pode endurecer os corações daqueles que persistem em seu endurecimento, a um ponto onde eles não podem se arrepender e crer (Jo 12.37-40.; Rm 1.24,26,28; Hb 10.26,27).

2º - Em segundo lugar, esse servo será castigado (Lc 12.46,47). Uma vez que o cristão começa a pensar que o Senhor não está prestes a voltar, sua vida entra num processo de deterioração.[11] O juízo será severo para os fingidos, os quais, o tempo todo, eram piores que os incrédulos declarados. Serão “despedaçados”, uma metáfora que ilustra o juízo de modo não literal, embora mostre sua severidade e inexorabilidade. Que ninguém se equivoque a respeito, pois a lei da colheita segundo a semeadura é absoluta em suas operações (Gl 6.7,8).

James Edwards diz que o termo grego dichotomein (cortar em pedaços, desmembrar, “separá-lo-á”, “cortá-lo-á pelo meio), não ocorre em nenhuma outra passagem da Escritura, embora vários Salmos lembrem uma imagem semelhante (Sl 50.22).[12] Isso só revela a seriedade do que é ser negligente a obra de Deus e agir de forma hipócrita dentro da Igreja. É o que vemos em Mt 7.22,23, ou seja, com Deus não se brinca, e quem acha que pode fazer o que bem entende sem sofrer consequências está muito enganado.  

3º - Em terceiro lugar, a ignorância não será inocentada (Lc 12.48). Jesus deixou claro que existem pessoas que não sabem a vontade de Deus, no entanto, a sua ignorância não irá exonerá-lo do julgamento, já que ele cometeu atos dignos de um açoitamento. O pecado por desconhecimento, embora traga trágicas consequências, é um atenuante que implica uma pena mais branda.[13] Será que essa palavra de Jesus constitui a base para os diferentes graus de punição no inferno? Para Childers o princípio dos graus de recompensa e punição é claramente ensinado aqui e em outras passagens do Novo Testamento, mas a forma exata como Deus aplicará o princípio nem sempre é aparente. Uma coisa é clara, entretanto: O grau de fidelidade ou infidelidade determinará o grau de recompensa ou punição e esta fidelidade é julgada à luz do conhecimento da vontade de Deus e das oportunidades que o servo tem.[14]

John MacArthur é enfático em dizer que o grau de punição é proporcional à intencionalidade do comportamento infiel. Observe, contudo, que a ignorância é indesculpável (v. 48). O fato de que haverá vários níveis de punição no inferno é claramente ensinado em Mt 10.15, 11.22,24; Mc 6.11; Hb 10.29.[15]

4º - Em quarto lugar, quanto maior a luz espiritual possuída por uma pessoa, tanto maior será a sua culpa (Lc 12.48b). A quem muito foi dado, Jesus advertiu, muito será exigido. Depois de falar aos de fora, Jesus volta-se novamente aos discípulos. Ele mostrara a culpabilidade de um servo desobediente, de um discípulo. O v. 48b: “Àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido”. Muito foi dado ao que pela fé acolheu o testemunho de Jesus. Será julgado segundo sua medida de conhecimento. Desse modo a frase leva nitidamente de volta à parábola dos v. 42-46. A pergunta de Pedro, portanto, foi exaustivamente respondida.[16]

CONCLUSÃO

O julgamento de Deus será justo. Tomará como base o que o servo sabe sobre a vontade de Deus. Isso não quer dizer que, quanto mais ignorantes somos, mais leniente será o julgamento final diante de Cristo! Somos admoestados a conhecer a vontade de Deus (Rm 12.2; Cl 1.9) e a crescer no conhecimento de Jesus Cristo (2Pe 3.18). Jesus está declarando um princípio geral: quanto mais recebermos de Deus, mais teremos de prestar contas diante dele![17]

Muitas vezes fazemos perguntas, mas será que estamos preparados para a resposta? Jesus não deixou de responder a Pedro, e a Sua resposta trouxe a todos os discípulos um senso de responsabilidade ainda maior. Somos discípulos de Jesus e essa mesma responsabilidade está sobre os nossos ombros hoje também.

Pense nisso! 

Bibliografia                                                                                         

1 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 205.

2 – Robertson, A. T. Comentário de Lucas, à luz do Novo Testamento Grego, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2013, p. 241.

3 – Hendriksen, William. Lucas, vol. 2, São Paulo, SP, Ed. Cultura Cristã, 2003, p. 202.

4 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 289.

5 – Lopes, Hernandes Dias. Romanos, O Evangelho segundo Paulo, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2010, p. 36.

6 – Wiersbe, Warren W. 1 Coríntios, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 668,669.

7 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 284.

8 – Champlin, R. N. O Novo Testamento Interpretado, versículo por versículo, Lucas, Vol. 2, Ed. Hagnos, São Paulo, SP, 2005, p. 132.

9 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 284.

10 – Morris, Leon L. Lucas, Introdução e Comentário, Ed. Mundo Cristão e Edições Vida Nova, São Paulo, SP, 1986, p. 205.

11 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 289.  

12 – Edwards, James A. O Comentário de Lucas, Ed. Shedd, Sto Amaro, SP, 2019, p. 488.

13 – Lopes, Hernandes Dias. Lucas, Jesus o homem perfeito, Editora Hagnos, São Paulo, SP, 2017, p. 409.

14 – Childers, Charles L. Comentário Bíblico Beacon, Lucas, vol. 6, Ed. CPAD, Rio de Janeiro, RJ, 2006, p. 433.

15 – MacArthur, John. Comentário Bíblico John MacArthur, Gênesis a Apocalipse, Ed. Thomas Nelson, Rio de Janeiro, RJ, 2019, p. 1266.

16 – Rienecker, Fritz. O Evangelho de Lucas, Comentário Esperança, Ed. Evangélica Esperança, Curitiba, PA, 2005. p. 286.

17 – Wiersbe, Warren W. Lucas, Novo Testamento 1, Comentário Bíblico Expositivo, Ed. Geográfica, Santo André, SP, 2007, p. 290.