quinta-feira, 1 de julho de 2010

Cristo, o pleno cumprimento do Sábado



Por João Calvino


O SENTIDO TIPOLÓGICO DO SÉTIMO DIA

A observância de um dia dentre cada sete representava aos judeus esta cessação perpétua de atividades, a qual, para que fosse cultivada com religiosidade maior, o Senhor a recomendou com seu próprio exemplo. Pois é de não somenos valia para aquecer o zelo do homem que saiba estar trilhando à imitação do Criador.

Se alguém procura algum sentido secreto no número sete, uma vez que na Escritura este é o número da perfeição, não sem causa foi ele escolhido para expressar perpetuidade. Ao que também confirma isto: que Moisés põe termo à descrição da sucessão de dias e noites com o dia em que narra haver o Senhor descansado de suas obras. Pode-se também apresentar outro significado provável do número, isto é, que o Senhor assim indicou que o sábado nunca haverá de ser absoluto até que tenha chegado o último dia. Pois aqui começamos nosso bem-aventurado descanso nele, descanso em que fazemos diariamente novos progressos. Mas, porque ainda incessante é a luta com a carne, não se haverá de consumar antes que se cumpra aquele vaticínio de Isaías [66.23], enquanto a lua nova for continuada por lua nova, sábado por sábado, até quando, na verdade, Deus vier a ser tudo em todas as coisas [1Co 15.28].

Portanto, pode parecer que, mediante o sétimo dia, o Senhor tenha delineado a seu povo a perfeição futura de seu sábado no Último Dia, a fim de que, pela incessante meditação do sábado, a esta perfeição aspirasse por toda a vida.

CRISTO, O PLENO CUMPRIMENTO DO SÁBADO

Se a alguém desagrada esta interpretação do número como sendo por demais sutil, nada impeço a que a tome em termos mais simples, a saber: que o Senhor estabeleceu um dia determinado em que o povo se exercitasse, sob a direção da lei, a meditar na incessabilidade do descanso espiritual; que Deus designou o sétimo dia, ou porque previa ser o mesmo suficiente para isso, ou para que, proposta uma imitação de seu exemplo, melhor estimulasse o povo, ou, na realidade, o exortasse a não atentar para o sábado com outro propósito senão que o conformasse a seu Criador.

Ora, pouco interessa que interpretação se adote, desde que subsista o mistério que principalmente se delineia: o referente ao perpétuo descanso de nossos labores. A contemplar isto, os Profetas reiteradamente revocavam os judeus, para que não pensassem haver-se desincumbido da obrigação do sábado com a simples cessação física do trabalho. Além das passagens já referidas, assim tens em Isaías [58.13, 14]: “Se apartares do sábado teu pé, para que não faças tua vontade em meu santo dia, e ao sábado chamares deleitoso e o dia santo do Senhor glorioso, e o glorificares, não seguindo teus caminhos e não fazendo tua vontade, de sorte que fales tua palavra, então te deleitarás no Senhor” etc.

Mas, não há dúvida de que pela vinda do Senhor Jesus Cristo o que era aqui cerimonial foi abolido. Pois ele é a verdade, por cuja presença se desvanecem todas as figuras; o corpo, a cuja visão são deixadas para trás as sombras. Ele é, digo-o, o verdadeiro cumprimento do sábado. Com ele, sepultados através do batismo, fomos enxertados na participação de sua morte, para que, participantes de sua ressurreição, andemos em novidade de vida [Rm 6.4]. Por isso, escreve o Apóstolo em outro lugar que o sábado tem sido uma sombra da realidade futura, e que o corpo, isto é, a sólida substância da verdade, que bem explicou naquela passagem, está em Cristo [Cl 2.17]. Esta não consiste em apenas um dia, mas em todo o curso de nossa vida, até que, inteiramente mortos para nós mesmos, nos enchamos da vida de Deus. Portanto, que esteja longe dos cristãos a observância supersticiosa de dias.

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