Por Daniel de OliveiraJá ouvi muitas vezes afirmações do tipo “O Brasil está cheio de teólogos”, “Há muitos teólogos por aí”, “Teólogo tem em cada esquina”. E, mais recentemente, ouvi de novo a pergunta: “Só a formação resolve?”.
Esta pergunta faz sentido se primeiro tivermos a tal formação, o que não é o caso. Sabemos hebraico, grego, aramaico, latim, alemão? Se ter formação é igual a ter diploma de bacharel em teologia, então temos milhares de “teólogos”. E o curioso é que muitos deles não leem nem em inglês! Ora, o conhecimento do inglês hoje é um pressuposto. Em outros tempos, latim e grego eram ensinados a crianças no nível fundamental. Redação em latim era requisito para ingresso na universidade, e hoje centenas de seminaristas não conseguem escrever sua monografia (ou TCC) em sua própria língua materna!
Quanto mais se fala na necessidade de nos desvencilharmos do imperialismo mais desprezamos as ferramentas da independência, nesse caso, o conhecimento das fontes, a habilidade do especialista. Por exemplo, está se formando o consenso de que não é preciso alguém saber línguas originais para ser exegeta, nem teologia (pasmem!) ou filosofia para ser teólogo, pois o importante é uma “vida de oração”, filiação a uma causa ou o voto certo. Mas essa não é a receita da maldita dependência?
O atual nivelamento por baixo e a ignorância como prova de santidade de propósitos rebaixa supostos filósofos e teólogos a papagaios de autoridades semianalfabetas, simples repetidores de uma ladainha destruidora da teologia que diz construir. Só é possível ver longe se tivermos altura para olhar por cima do muro do gueto de ignorância que nos prende. Ao contrário do que se pensa, não é sinal de inteligência fazer perguntas difíceis, e sim saber respondê-las, ou pelo menos entendê-las.
Esse ponto é importante porque a busca por autores nacionais, não raro é doloroso porque, com exceções, produzem uma cópia ruim do que existe em inglês, ou às vezes em português mesmo como tradução. Mas quem pode oferecer o que não tem? Precisamos da formação antes da tão sonhada independência. Os próprios critérios de avaliação do que é científico, técnico, intelectualmente elevado vão se diluindo em uma inconsciência geral do que é ciência e trabalho acadêmico sério. Alguns parecem pensar que com apenas umas boas risadas já podemos oferecer o produto de nossa elevada pesquisa diante das grandes bibliotecas do Primeiro Mundo. Conta-se que Aristóteles frequentou a academia de Platão por cinco anos sem fazer uma única pergunta, apenas ficou ouvindo. O filósofo Olavo de Carvalho começou a escrever aos 48 anos, depois de décadas de leitura e reflexão. No entanto, muitas vezes alunos são incentivados a debater quando ainda não dominam minimamente o tema. Este é o problema, pensa-se que se pode falar sobre qualquer coisa desde que se tenha boca. Prova de que a presunção acompanha de perto a ignorância. Chegamos ao ponto de não ter vergonha de não saber porque não sabemos o quanto somos ignorantes.
A honra do diploma deveria ser acompanhada de sua justificação no mérito. O diploma deve resultar da leitura de muitos e bons livros, do conhecimento dos autores importantes da área escolhida, da familiaridade com as questões das quais vamos tratar, talvez, por toda a vida. No entanto, já encontrei alunos que parecem fazer um pacto de não aprender absolutamente nada em seu curso, a não ser um certo liberalismo de costumes.
Onde está essa formação? Onde estão os teólogos? Diploma, validado ou não, é sinônimo de formação? O espaço vago deixado pelo estudo sério será infestado por aproveitadores e charlatães. Escritores de quinta categoria, aterrorizados pela possibilidade de serem desmascarados pelo progresso do conhecimento, esmagarão toda voz discordante apelando ao poder da honra conquistada injustamente.
Por que chamar de teologia o que muitas vezes é reflexão pastoral? Se a teologia como ciência não é importante por que usar ainda essa palavra para designar o que teologia não é? É claro que algo pode ser edificante e não ser teologia, mas uma edificação sem base teológica sólida desmoronará.
A burrice nacional causa a burrice pessoal, geralmente inconsciente, pois sobre o conhecimento alguém disse que “quanto menos se tem, menos se percebe sua falta”. Daí que a questão não é se devemos criar uma teologia ou pensamento nacional, e sim se conseguimos traduzir o pensamento internacional. Tentamos colocar o teto em uma casa sem alicerces. O fato de dar a isso um nome pomposo não evita o desastre certo. Precisamos incentivar o estudo em primeira mão da filosofia, da história das ideias, dos idiomas relevantes etc., para então termos pessoas formadas em teologia e Bíblia que possam contribuir com essas áreas do conhecimento de forma relevante e honesta, e não apoiadas no discurso covarde e imbecil do oprimido versus opressor.
É preciso lembrar que a escolha que fizemos da academia exige leitura, muita leitura de livros inteiros, e nem tanto falatório e questionamento apressado. A essas pessoas lidas vamos indagar se só a formação basta, e vamos descobrir, num caminho inverso, que quanto mais sabemos, mais temos consciência de nossa ignorância e que, portanto, a formação não é o bastante, quando ela existe de fato.
Confesso que falo a partir de uma impressão geral sentida no ambiente das editoras e seminários. Parece-me urgente evitar que nossos critérios de excelência decaiam ao ponto de não percebermos a troca de uma coleira imperialista por outra, historicamente muito mais apertada e sufocante.
Este texto se aplica a mim mesmo, em primeiro lugar, e a quem a carapuça servir.
Daniel de Oliveira é tradutor e professor de hebraico, grego e exegese bíblica em alguns seminários de São Paulo
Esta pergunta faz sentido se primeiro tivermos a tal formação, o que não é o caso. Sabemos hebraico, grego, aramaico, latim, alemão? Se ter formação é igual a ter diploma de bacharel em teologia, então temos milhares de “teólogos”. E o curioso é que muitos deles não leem nem em inglês! Ora, o conhecimento do inglês hoje é um pressuposto. Em outros tempos, latim e grego eram ensinados a crianças no nível fundamental. Redação em latim era requisito para ingresso na universidade, e hoje centenas de seminaristas não conseguem escrever sua monografia (ou TCC) em sua própria língua materna!
Quanto mais se fala na necessidade de nos desvencilharmos do imperialismo mais desprezamos as ferramentas da independência, nesse caso, o conhecimento das fontes, a habilidade do especialista. Por exemplo, está se formando o consenso de que não é preciso alguém saber línguas originais para ser exegeta, nem teologia (pasmem!) ou filosofia para ser teólogo, pois o importante é uma “vida de oração”, filiação a uma causa ou o voto certo. Mas essa não é a receita da maldita dependência?
O atual nivelamento por baixo e a ignorância como prova de santidade de propósitos rebaixa supostos filósofos e teólogos a papagaios de autoridades semianalfabetas, simples repetidores de uma ladainha destruidora da teologia que diz construir. Só é possível ver longe se tivermos altura para olhar por cima do muro do gueto de ignorância que nos prende. Ao contrário do que se pensa, não é sinal de inteligência fazer perguntas difíceis, e sim saber respondê-las, ou pelo menos entendê-las.
Esse ponto é importante porque a busca por autores nacionais, não raro é doloroso porque, com exceções, produzem uma cópia ruim do que existe em inglês, ou às vezes em português mesmo como tradução. Mas quem pode oferecer o que não tem? Precisamos da formação antes da tão sonhada independência. Os próprios critérios de avaliação do que é científico, técnico, intelectualmente elevado vão se diluindo em uma inconsciência geral do que é ciência e trabalho acadêmico sério. Alguns parecem pensar que com apenas umas boas risadas já podemos oferecer o produto de nossa elevada pesquisa diante das grandes bibliotecas do Primeiro Mundo. Conta-se que Aristóteles frequentou a academia de Platão por cinco anos sem fazer uma única pergunta, apenas ficou ouvindo. O filósofo Olavo de Carvalho começou a escrever aos 48 anos, depois de décadas de leitura e reflexão. No entanto, muitas vezes alunos são incentivados a debater quando ainda não dominam minimamente o tema. Este é o problema, pensa-se que se pode falar sobre qualquer coisa desde que se tenha boca. Prova de que a presunção acompanha de perto a ignorância. Chegamos ao ponto de não ter vergonha de não saber porque não sabemos o quanto somos ignorantes.
A honra do diploma deveria ser acompanhada de sua justificação no mérito. O diploma deve resultar da leitura de muitos e bons livros, do conhecimento dos autores importantes da área escolhida, da familiaridade com as questões das quais vamos tratar, talvez, por toda a vida. No entanto, já encontrei alunos que parecem fazer um pacto de não aprender absolutamente nada em seu curso, a não ser um certo liberalismo de costumes.
Onde está essa formação? Onde estão os teólogos? Diploma, validado ou não, é sinônimo de formação? O espaço vago deixado pelo estudo sério será infestado por aproveitadores e charlatães. Escritores de quinta categoria, aterrorizados pela possibilidade de serem desmascarados pelo progresso do conhecimento, esmagarão toda voz discordante apelando ao poder da honra conquistada injustamente.
Por que chamar de teologia o que muitas vezes é reflexão pastoral? Se a teologia como ciência não é importante por que usar ainda essa palavra para designar o que teologia não é? É claro que algo pode ser edificante e não ser teologia, mas uma edificação sem base teológica sólida desmoronará.
A burrice nacional causa a burrice pessoal, geralmente inconsciente, pois sobre o conhecimento alguém disse que “quanto menos se tem, menos se percebe sua falta”. Daí que a questão não é se devemos criar uma teologia ou pensamento nacional, e sim se conseguimos traduzir o pensamento internacional. Tentamos colocar o teto em uma casa sem alicerces. O fato de dar a isso um nome pomposo não evita o desastre certo. Precisamos incentivar o estudo em primeira mão da filosofia, da história das ideias, dos idiomas relevantes etc., para então termos pessoas formadas em teologia e Bíblia que possam contribuir com essas áreas do conhecimento de forma relevante e honesta, e não apoiadas no discurso covarde e imbecil do oprimido versus opressor.
É preciso lembrar que a escolha que fizemos da academia exige leitura, muita leitura de livros inteiros, e nem tanto falatório e questionamento apressado. A essas pessoas lidas vamos indagar se só a formação basta, e vamos descobrir, num caminho inverso, que quanto mais sabemos, mais temos consciência de nossa ignorância e que, portanto, a formação não é o bastante, quando ela existe de fato.
Confesso que falo a partir de uma impressão geral sentida no ambiente das editoras e seminários. Parece-me urgente evitar que nossos critérios de excelência decaiam ao ponto de não percebermos a troca de uma coleira imperialista por outra, historicamente muito mais apertada e sufocante.
Este texto se aplica a mim mesmo, em primeiro lugar, e a quem a carapuça servir.
Daniel de Oliveira é tradutor e professor de hebraico, grego e exegese bíblica em alguns seminários de São Paulo
Fonte: Blog do Jonas
Nenhum comentário:
Postar um comentário