quinta-feira, 22 de julho de 2010

Razão e neo ateísmo são auto-excludentes: fato

Por Luciano Henrique Ayan

Certas vezes me questiono: “Por que ateus radicais possuem tanto medo do William Lane Craig?”

Uma possível resposta é o fato de que nas últimas décadas, para executar pressão cultural, muitos humanistas seculares e ateus radicais passaram muito tempo com a bola no campo do adversário.

É mais ou menos o caso da seleção da Argentina na Copa do Mundo.

Tudo ia muito bem, pois ela atacava adversários que não resolviam testar a sua defesa. Foi quando veio a Alemanha e os atacou sem dó. O resultado foi aquele que todos viram. Um retumbante 4×0 que mandou os hermanos para casa mais cedo.

Já os times que estão acostumados a serem atacados constantemente, podem, por causa disso, desenvolver uma boa defesa.

Talvez por isso seja muito fácil derrubar argumentos do neo ateísmo, pois eles são exatamente como a seleção argentina na Copa. Eles aparentam muito confiantes quando estão no ataque, mas não se sustentam quando seus argumentos estão sob escrutínio, ou seja, quando estão sendo atacados.

Essa é a DICA QUE TEMOS QUE GUARDAR: os neo ateus e humanistas seculares se acostumaram a passar tanto tempo com a bola no campo do adversário, que não sabem o que fazer quando a bola está NO CAMPO DELES!

Falando em dica, para exemplificar este post, vou utilizar a ótima dica de um comentarista deste blog, MVR, que me recomendou este seguinte texto publicado no Bule Voador, com o título “Razão e Fé são auto-excludentes”.

O autor do texto é Pedro Almeida, que alega ser graduando em engenharia elétrica, na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Segundo seu míni currículo, ele atua com pesquisa experimental e desenvolvimento nas áreas de eletrônica de potência e iluminação moderna na mesma instituição.

Espero que sua atuação profissional diária não seja tão ilógica e inconsistente quanto foi seu artigo no Bule, pois, se for, a coisa anda feia por lá.

Talvez ele até seja capaz profissionalmente, mas só se torne um ser completamente irracional quando resolve falar de religião, talvez por que perca a cabeça, já que o tema parece lhe causar stress emocional, impedindo-o de pensar logicamente. Talvez.

A primeira alegação dele vem abaixo:

Vejo muitos colegas e outras pessoas por aí que se dizem (e são, muitas vezes) racionais, porém dizem também que racionalidade não exclui religião. De fato, a pessoa pode ser razoável e ainda assim religiosa ou crer em algum deus. Só que isto, apesar de longe de ser um problema, é uma seletividade conveniente associada à razão. Não existe fé racional – por definição, fé é crer, sem motivos razoáveis, lógicos ou evidência concreta, numa realidade transcendental não detectável.

O primeiro “argumento” é bem simples, mas se baseia completamente no erro da definição do que é “fé”, para um religioso.

Digo isso pois, se alguém quiser debater algo filosoficamente, terá que debater o conceito do oponente, e não um conceito inventado por si próprio.

Suponhamos que Pedro definiu fé da seguinte forma: “fé é a sensação de se acreditar em algo falso”.

Se a definição fosse essa, é claro que eu seria o primeiro a concordar com ele, pois estaríamos tratando da interpretação delirante, e não da fé religiosa.

Para evitar lacunas, vamos à correção.

Sendo fé religiosa aquela que COMPLEMENTA a razão, elas não podem ser auto-excludentes.

Naturalmente, pela razão não podemos dizer com 100% de certeza que Deus existe (assim como não é possível dizer que Deus não existe).

Mas podemos, através de argumentos racionais, chegar à conclusão de que os argumentos para a existência de Deus são melhores que os argumentos para a inexistência de Deus.

Ou seja, temos que estressar a razão até onde pudermos. Usá-la ao máximo possível.

Existem pessoas que acreditam somente por fé, sem pensar no aspecto racional de sua crença? Tipo aquelas bem humildes, que vão na Igreja do Bispo Macedo e não aceitam nenhum questionamento? Claro que sim. Mas isso nem de longe é representação da religião.

Quando Pedro diz “Não existe fé racional – por definição, fé é crer, sem motivos razoáveis, lógicos ou evidência concreta, numa realidade transcendental não detectável”, ele simplesmente mente do começo ao fim.

Pois se tomarmos a definição de “fé racional” como aquela fé que está mais próxima dos argumentos lógicos, aí sim teríamos fé racional.

Quando ele afirma que fé é crer “sem motivos razoáveis, lógicos”, naturalmente ele tenta maquiar de novo o conceito de fé.

Podemos dizer claramente que a atitude de mentir sobre o conceito de fé, como fez Pedro Almeida, não é nem de longe racional.

Aliás, esse ponto é engraçado. Ele questiona a crença em uma realidade “transcendental não detectável”. Mas não apresenta nenhum argumento para excluir a discussão lógica sobre aspectos transcendentais e nem demonstra que só aquilo que é detectável (empiricamente) é que pode ser discutido.

Até aqui, a nota de Pedro é zero.

Vamos adiante:

Para o Deus a que estamos acostumados, talvez não soe tão ilógico a princípio, mas é só dar uma olhada rápida para a religião ao lado que qualquer um vê quão pouco embasada é a fé pura e simples. Um cristão não acharia ridícula a transubstanciação da hóstia consagrada em sangue e carne de Jesus Cristo vivo, apesar de nenhuma mudança aparente, mas certamente teria um acesso de riso ao ouvir sobre como o deus egípcio Atum criou outros deuses através de sua masturbação divina, ou sobre como Xenu jogou bilhões de seres nos vulcões da Terra junto a bombas de hidrogênio e que suas almas são a causa de todo mal que aflige o ser humano hoje.É sempre assim: toda fé é ridícula, menos a sua.

Qual o argumento aqui?

Vejamos. Ele parte do princípio que existem várias doutrinas religiosas, e que elas são mutuamente auto-excludentes entre si. Se o cristianismo está correto, a crença egípcia (que exclui Jesus) não pode estar. Se a crença egípcia está correta, o cristianismo não está. Nessa parte ele está correto.

O problema é que o fato de que existem várias doutrinas divergentes NÃO IMPLICA em que todas sejam automaticamente falsas.

Pois o ateísmo é também uma cosmovisão.

Se o cristianismo diverge do judaísmo em alguns pontos, o ateísmo, enquanto cosmovisão, diverge dos outros dois em todos os pontos.

Logo, o argumento que ele usa para tentar invalidar a religião, serve mais ainda para invalidar o ateísmo.

Mas o melhor é não incorrer na mesma falácia que ele e mostrar o tamanho do equívoco no argumento.

Se isolarmos o argumento, teríamos algo assim:

  • (p1) Cristianismo diz uma série de coisas
  • (p2) Judaísmo diz uma série de coisas
  • (p3) Crença egípcia X diz uma série de coisas
  • (p4) Todas elas divergem em alguns pontos, não podendo ser verdadeiras entre si
  • (c) Logo, todas são falsas

Quer dizer, é um argumento que não dura segundos sob avaliação lógica. Portanto, zero de novo para ele.

Sigamos:

Alguns se prestam a dizer que a crença tem lá suas vantagens. Pode ser que seja, depende da interpretação dada à crença e como ela infere na sua vida. Mas a necessidade espiritual de uma crença, o bem estar ou suposto balizamento moral que ela venha a fornecer aos crentes não diz nada sobre sua veracidade. Você crer num Deus somente porque os seus ensinamentos acrescentam algo de espiritualmente relevante em sua vida ou te dão um consolo e razão de viver não implicará que ela é, necessariamente, verdadeira – você pode crer por conveniência e ainda assim estar errado. Aí que entra a diferença fundamental entre teísmo e ateísmo: ateísmo é, neste ponto, uma questão de escolher a verdade evidente em detrimento do conforto conveniente.

Quando eu digo que os neo ateus lêem livros de Richard Dawkins (principalmente), Sam Harris, Christopher Hitchens, Carl Sagan e patota, e depois saem repetindo o discurso no ritmo bate-estaca, sem qualquer análise crítica sobre o que leram, parece que estou exagerando.

Veja então o que diz Dawkins logo no prefácio de Deus, Um Delírio: “[...]devo repetir, mais uma vez, que o potencial de consolo de uma crença não eleva seu valor de verdade. É claro que não posso negar a necessidade de consolo emocional, e não tenho como defender que a visão de mundo adotada neste livro ofereça um consolo mais que apenas moderado para, por exemplo, quem perdeu um ente querido [...]“

E o engraçado é que a figura se orgulha de apresentar isso achando que vai invalidar a crença religiosa?

Antes de tudo, é fato que o consolo que uma crença traz realmente não comprova seu valor de verdade. Mas isso é aplicável para QUALQUER crença, incluindo o ateísmo.

O consolo da luta por Super-Homem, como feito por Nietzsche, não serve para validar o ateísmo. O consolo de Pedro em achar que está “do lado da ciência” (quando ele nem sabe do que fala, principalmente na questão científica) não serve também para validar o ateísmo.

Só que no final, ele tenta “vender” o ateísmo com um diferencial, o de que ele é “verdadeiro”.

O que não deixa de ser um raciocínio circular paupérrimo, a ponto de causar pena.

Para tentar defender seu raciocínio circular, ele dá sequência:

Uma coisa importante de apontar é que não advogo pela intolerância religiosa, de forma alguma. Crítica à religião sempre soa como intolerância, pois somos criados de forma a acreditar que religião não se critica e fé não se questiona. O que eu defendo, atualmente, é que reconheçam que não há lógica na fé, acredita-se por acreditar. Que não há razão para crer, senão a vontade própria. Que não existe evidência nenhuma que fundamenta os dogmas religiosos. Que vergonha há em aceitar que sua crença é por escolha, e não porque é evidente?! Se fosse evidente, não haveria pessoas sem fé como eu e tantos outros.

Bom, eu entendo que o texto dele é uma crítica à religião, não?

Não sei se é intolerância. Para mim, parece mais um raciocínio de auto-ajuda de última categoria, ilógico e com um self-selling patético.

Se “religião não se critica”, como foi que Lutero criou uma vertente do cristianismo? Como teólogos vivem questionando interpretações dos outros? Por que o molinismo, defendido por William Lane Craig, contraria outras versões?

A idéia de que “somos criados de forma a acreditar que religião não se critica e fé não se questiona” é apenas uma falácia do espantalho, portanto deve ser descartada.

Se vocês se lembram, logo no começo eu já refutei o primeiro argumento dele de que “razão é fé” são incompatíveis.

A proposta dele, ao final, tenta só repetir, por ad nauseam, a idéia natimorta: “O que eu defendo, atualmente, é que reconheçam que não há lógica na fé, acredita-se por acreditar. Que não há razão para crer, senão a vontade própria.”

Só fica a pergunta: por que eu teria que reconhecer que não há lógica em minha fé se ele não apresentou um argumento válido sequer para demonstrar isso? Eu acho que minha fé é completamente lógica, do início ao fim, mas se ele quiser me vender outra coisa, ele terá que se mexer, e não apelar à insistência.

E ele ainda tenta insistir: “Que vergonha há em aceitar que sua crença é por escolha, e não porque é evidente?”

Isso parece cantada barata.

Imaginem a situação. Ele chega para a menina e ela não lhe dá bola. Depois ele tenta: “Que vergonha há em aceitar que você gosta de mim, e não que você não quer nada?”.

Jogo psicológico infantil demais, que não vale como argumento.

A cereja do bolo é essa: “Se fosse evidente, não haveria pessoas sem fé como eu e tantos outros”.

Aqui é a falácia da credulidade/incredulidade pessoal. Ele quer nos convencer de que algo, para ser válido, depende da crença dele e da turma dele.

Seria algo do tipo: “Senhor X diz que é comunista, pois o capitalismo para ele é inválido, já que, se fosse válido, ele acreditaria”.

Pura palhaçada!

Tem mais:

O que eu espero do mundo, um dia, não é a total erradicação da religião. Crê quem quiser; quem dá valor à crença. O que eu gostaria de ver mesmo é o dia em que seria erradicada a irracionalidade gratuita, quando crença e verdade não se intercederiam em outro subconjunto que não no do conhecimento humano, agregado através de métodos lógicos, racionais, empirismo e ceticismo, com uma boa pitada de bom senso. Posso estar sendo utópico, mas aí, sim, teremos um mundo mais racional e caminhando melhor.

Todo comício tem que ter sua promessa, não?

E texto de neo ateu, como eles vivem para fazer propaganda, não poderia deixar de ser diferente.

Essa propaganda, no entanto, contém alguns furos.

Ele menciona empirismo e ceticismo. Eu concordo, por isso fui cético em relação ao discurso dele, e resolvi fazer a análise lógica. Nada do que ele argumentou passa no mínimo exame lógico.

O empirismo é ótimo, mas o texto dele não fala nada sobre isso. Então, eu gosto do empirismo, ele diz gostar, mas e daí?

Só que ele fala em “métodos lógicos e racionais”.

Será que isso que ele escreveu (para o qual vários leitores do Bule se derreteram), é o que ele considera usar “métodos lógicos e racionais”?

É só pegar um guia de falácias e analisar o texto do Pedro.

De qualquer forma, ele diz que do jeito que ele quer “teremos um mundo mais racional e caminhando melhor”.

É possível que o mundo melhore, mas praticar falácias aos borbotões é o oposto de caminhar em direção à racionalidade.

Ver um conselho de Pedro Almeida falando sobre “racionalidade” é o mesmo que um discurso de Fidel Castro falando de democracia.

Raci0nalidade e discurso neo ateu, esses sim, são auto-excludentes!

5 comentários:

  1. é quando leio pseudo-intelectuais assim que entendo que crer em deus definitivamente causa retardo mental.

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  2. Esse autor antes de escrever deveria ler mais, recomendo "Deus um Delírio" de Richard Dawkins

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  3. Seu Xarpe,

    O autor do texto leu e citou "Deus, um delírio" de Richard Dawkins.

    Paulo Freitas

    Ele é pseudo-intelectual porque você quer que ele seja? Me parece que ele conhece a argumentação neo-atéia razoavelmente, e, ao contrário do citado Pedro Almeida, analisa os argumentos de forma racional, ao criticar as premissas e as relações "pseudo-intelectuais" do texto a que se refere...

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  4. Parabéns ao Autor, também percebi falácias no texto do Pedro antes de chegar nesse Blog, mas não tinha como responder.

    Porem sua analise foi contundente.

    Sou deísta e sei que a Razão pode caminhar com a fé, pois se não os Próprios cientistas não produziriam experimentos, por não formularem teorias, pois teriam que ter fé que suas teorias pudessem ser provadas.

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  5. graça e paz Claudio.
    Você disse tudo. A fé tem que vir atrelada a ação se não vira uma fé teórica e não uma fé prática.
    Fique na Paz!
    Pr. Silas Figueira

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