sábado, 17 de julho de 2010

Propósitos do Mal Moral na Providência Divina


Por Heber Carlos de Campos

Não há nada sem propósito debaixo do sol. Esse é o ensino do pregador. Tudo tem um sentido e uma finalidade. Não é diferente com respeito à existência do mal no universo que Deus criou. Paulo disse que

Cl 1.16-17 - “...Tudo foi criado por meio dele e para ele.”

Portanto, todas as coisas começam em Deus e terminam nele. Por isso, tudo é feito por meio dele e para ele. Deus não faz nada com base nos homens. Deus é base de tudo que faz e a razão última de todas as suas obras. Em última instância, Deus é a razão e o propósito das próprias coisas que faz. Veja a argumentação abaixo e verifique da veracidade dela:

A Manifestação da Glória de Alguns Atributos Divinos

Freqüentemente os ateístas tentam mostrar que Deus não existe por apontar para a existência do mal no mundo, como se a presença dele fosse incompatível com a existência Deus. É exatamente o contrário. Por causa da presença do mal no universo é que podemos verificar algumas facetas maravilhosas do caráter divino. Ele fez com que pela entrada do mal no universo fosse aberta a porta da manifestação de vários atributos de sua bondade que estariam eclipsados num mundo sem a existência do mal.

O aparecimento do mal moral no mundo tem um propósito definido. O mal moral veio à existência também para evidenciar os propósitos redentores de Cristo. Ele serviu-se dos males para tornar mais brilhante ainda o seu propósito salvador.

O Amor é Manifestado

A grande questão levantada por muitos é a seguinte: “Como pode um Deus de amor permitir a entrada do mal moral no mundo?” Essa pergunta revela a grande preocupação, especialmente a dos cristãos. Para eles o atributo amor elimina a possibilidade do mal ser permitido. Ao contrário. É num mundo cheio de maldade que o amor redentor fica em evidência.

Deus é amor na sua essência. Todavia, diferentemente da misericórdia e da graça que são mostradas somente após a entrada do pecado no mundo, o amor de Deus já era manifestado na eternidade entre as pessoas da Trindade. O Pai sempre amou o Filho e o Filho Pai. Portanto Deus é amor essencialmente e manifestou esse seu amor na eternidade. Eu também diria que mesmo antes da queda, Deus mostrou amor por suas criaturas quando as criou e quando as instruiu nas suas leis, mas o amor de que falo aqui é diferente na sua manifestação. É o amor redentor. Esse é o amor que excede todo o entendimento!

Todavia, a manifestação desse amor redentor é impossível num mundo santo. Na verdade, o amor redentor é que nos encanta, porque é amor mostrado a criaturas rebeldes e indignas! O amor mostrado entre as pessoas da Trindade é um amor a pessoas dignas, mas não é assim o amor de Deus por nós. Não há nada em nós que convide Deus ao amor. É um amor de condescendência, um amor voluntário e que vem em busca do objeto indigno que é amado. Como pode um Deus tão grande e santo ter amor por pessoas como nós, tão ingratas e más? É para que esse amor de salvação fosse maravilhosamente manifesto que o mal moral entrou em nosso mundo. O amor redentor de Deus só pode ser concebido num mundo de pecado, onde os homens são transgressores da lei divina.

A Misericórdia e Graça são Manifestadas

Deus é essencial e eternamente misericordioso. Mas nunca a sua misericórdia seria conhecida se não houvesse a manifestação do mal moral neste mundo. A misericórdia só pode ser entendida num mundo de miseráveis pecadores. Fora do contexto do pecado, jamais poderíamos ter noção desse maravilhoso atributo de Deus.

Embora Deus seja eternamente misericordioso, para que houvesse a manifestação da misericórdia, teria que haver pecadores necessitados dela. É nesse sentido que a entrada do mal moral neste mundo torna bela a manifestação da misericórdia divina. Nunca Deus poderia ser manifesto como misericordioso num universo onde a tônica fosse somente o bem. A misericórdia só se entende onde há merecedores de condenação.

Ainda assim, num mundo cheio de pecado, Deus não está debaixo da obrigação de mostrar misericórdia a quem quer que seja. Este é o ensino de Paulo em Romanos 9.15-18. A manifestação da misericórdia é produto da vontade divina. Não há nada no pecador que obrigue Deus ser misericordioso. A razão da misericórdia divina não é a miséria humana. Neste ponto também a Escritura é absolutamente clara. Todavia, se Deus resolve manifestar-se misericordioso, é num mundo de pecado que ele assim se manifesta.

A misericórdia divina é realçada quando ela é contrastada com a manifestação da ira divina. É por isso que, Daniel Fuller, maravilhado com esse assunto, levanta a seguinte pergunta: “Como poderia a misericórdia de Deus aparecer como grande misericórdia se ela não fosse estendida a pessoas que estão debaixo da sua ira e, portanto, poderiam somente suplicar por misericórdia?”[1] Se não houvesse o mal moral no mundo, nenhum ser criado haveria de suplicar pela misericórdia divina. Em outras palavras, o Deus misericordioso nunca haveria de ser glorificado.

A graça é o lado oposto da mesma moeda da misericórdia. Se, por um lado, na misericórdia Deus deixar de dar ao pecador o que ele merece — a condenação de morte, por outro lado, na graça Deus concede ao pecador o que ele não merece — a vida. O atributo da graça de Deus é glorificado quando Deus sem manifesta gracioso para com os ofensores dele. Nunca se pode pensar em graça a não ser num mundo onde é patente a presença do pecado.

A Santidade e Justiça são Manifestadas

A justiça de Deus nunca pode ser tratada à parte de sua santidade. Ira de Deus e santidade estão absolutamente juntas. É sua santidade que o obriga a manifestar justiça. A ira de Deus é a sua asserção justa de sua santidade contra o pecado. Se não houve a manifestação da sua ira, nunca conheceríamos a sua natureza santa que é zelosa da sua lei. Deus vindica a sua santidade na manifestação da sua justiça, condenando o pecado. É somente o contraste com o pecado que ficam realçadas a santidade e a justiça divinas.

Da mesma forma que raciocinei nos pontos anteriores, o faço aqui. Jamais conheceríamos o atributo da justiça divina se não houvesse um mundo contaminado pelo mal moral. Se não houvesse o mal moral, ou seja, o pecado entre suas criaturas, jamais ele poderia derramar a sua ira, como manifestação da sua santidade que exige a aplicação da justiça. A justiça divina é manifestamente exaltada quando da punição do mal moral. Assim como na misericórdia a bondade de Deus com as criaturas caídas é exaltada, assim também a manifestação da justiça divina em ira exalta a sua santidade.

A punição dos pecadores (que não aconteceria se não houvesse o mal moral no mundo) é a grande ocasião para Deus glorificar-se a si mesmo como o Deus santo, justo e poderoso. Santo porque não pode contemplar o mal impassível; justo porque, por sua natureza, ele não pode tolerar o mal sem puni-lo; poderoso porque tem todas as coisas em suas mãos e executa poderosamente a sua justiça em ira sobre os pecadores.

O Poder é Manifesto

No aparecimento do mal no universo o poder de Deus é exaltado tanto no que tange à misericórdia quando ao juízo. Não é estranho que o poder de Deus seja manifesto na punição dos ímpios. A sua justiça é manifesta com todo o poder. Deus lança os ímpios nas profundezas do inferno, no dia final. O julgamento do pecado é a reação da ira divina que demonstra a perfeição da sua santidade. Assim, quando Deus demonstra poderosamente a sua ira, ele é glorificado nela. Isso não significa que Deus tenha prazer na condenação do pecador, mas que ele tem zelo por sua própria natureza santa. Ele tem prazer na manifestação daquilo que lhe é próprio — a sua justiça.

Todavia, é extremamente curioso que o poder de Deus esteja ligado à manifestação da sua misericórdia. Mas parece ser exatamente isso que Paulo diz aos crentes de Roma:

Rm 9.22-24 - “Que diremos, pois, se Deus querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou não só dente os judeus, mas também dentre os gentios?”

Ao mesmo tempo em que Deus revela o seu poder em vasos de misericórdia que de antemão preparou, ele também glorifica o seu poder na manifestação da sua ira. Deus é poderoso no seu amor, na sua graça, na sua paciência e, também, na sua misericórdia. Quando falamos em misericórdia e paciência, temos que lembrar de que Deus exerce o seu poder sobre si mesmo, para não fazer descer a sua ira sobre o pecador. Por causa do seu poder sobre si (que se não exercido nenhum pecador receberia misericórdia) Deus não condena pessoalmente aqueles a quem ele amou. Sem exceção todos seriam pessoalmente punidos em virtude do merecimento dos seus pecados. Mas Deus resolve mostrar misericórdia com eles e, para que assim aconteça, ele exerce o seu grande poder sobre si, a fim de que os esses pecadores não sejam punidos. A santidade divina exige o pagamento dos pecados, mas a poderosa misericórdia faz com que o pecador não receba pessoalmente a penalidade dos pecados. O amor poderoso de Deus faz com que o pecador seja substituído por Jesus Cristo, pois a santidade de Deus exige a punição do pecado. Nesse caso, Deus é glorificado no poder da sua misericórdia!

Portanto, num mundo sem pecado o seu poder de salvação e condenação nunca seriam manifestados. O aparecimento do moral no mundo de Deus tem como objetivo exaltar a glória do poder de Deus. Não podemos fugir desse raciocínio, pois ele tem o pesado apoio das Santas Escrituras.

A Manifestação da Glória da Soberania de Deus

Deus criou todas as coisas para determinados fins, inclusive o ímpio para o dia da calamidade (). Essas palavras foram ditas por Salomão, o mais sábio entre os homens do seu tempo. Nada acontece à parte do plano soberano de Deus

Pessoalmente não creio que a soberania de Deus seja um atributo específico seu. Essencialmente Deus é soberano e, por causa disso, todos os seus atributos possuem a coloração da sua soberania. Deus é soberano em todos os seus atributos que o relacionam com a redenção do homens. Deus é soberano no seu amor, na sua misericórdia, na sua bondade, na sua paciência, na sua graça e nas decisões da sua vontade. Portanto, a soberania divina é glorificada também no aparecimento do mau nesse universo.

A sua misericórdia é uma manifestação da sua soberania. “Eu terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia” (Rm 9.15-18). Ninguém pode reclamar ou reivindicar misericórdia. A exigência da misericórdia é uma contradição de termos. Por essa razão, ele diz que a manifesta quando e a quem ele quer. O livro de Êxodo, no capítulo 33, declara a liberdade soberana na manifestação da misericórdia. Nesse capítulo, Moisés diz a Deus que quer ver a sua glória. Entre outras coisas, Deus afirma lhe afirma que ele haveria de mostrar a sua misericórdia dizendo que teria misericórdia de quem ele resolvesse ter misericórdia, o que mostra a gloriosa liberdade soberana de Deus de fazer todas as coisas como lhe apraz. Não há como discutir isso dentro da revelação das Escrituras!

O seu amor é uma manifestação da sua soberania. Deus elege as pessoas porque ele as ama. Ele resolve amar alguns e não demonstrar esse amor a outros. Sem levar em conta o que os homens haveriam de fazer, Deus disse: “Eu amei a Jacó e odiei a Esaú” (Rm 9.13). Amor não é dívida que Deus tem com os homens. É um produto de sua soberania. Ninguém pode reivindicar amor de Deus, porque ele não tem a obrigação de amar ninguém. Quando ele resolve demonstrar o seu amor, os homens devem apenas ser gratos por esse amor, amando-o de volta. O seu amor soberano deve ser sempre glorificado!

A glória da soberania divina sempre será glorificada na vida dos seres humanos, quer eles a aceitem ou não. Se não crêem em Deus, sobre eles já pesa a condenação. Nesse caso, o atributo da sua santidade é glorificado na manifestação da sua justiça. Se os homens não são salvos, mas deixados nos seus próprios pecados, a soberania dele é glorificada. Se os homens são salvos, o seu amor salvador é glorificado! Em todas as coisas que acontecem no mundo a determinação soberana de Deus é glorificada.

Todavia, se Deus resolvesse não mostrar nunca a sua misericórdia e o seu amor, ele não seria glorificado plenamente pelos homens, pois estes nunca conheceriam esses seus atributos. A sua glória nunca seria plenamente manifestada, pois os homens nunca poderiam conhecer essas características do caráter divino.

Na plena manifestação da sua glória (que requer o aparecimento do pecado no mundo) Deus está sendo muito amoroso e bondoso. Precisamos aprender a ver que todas as coisas têm significado e propósito no mundo de Deus. O pecado ou o mal moral não é uma exceção. Louve a Deus por sua soberania e veja que ela, nas suas múltiplas manifestações, contribui para o nosso conhecimento do caráter divino e as múltiplas possibilidades que temos para glorificar o seu santo Nome!

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Extraído do livro O Ser de Deus e as Suas Obras: A Providência e a sua realização histórica, Heber Carlos de Campos, editora Cultura Cristã, págs. 388-394.

Notas:
[1]
Daniel Fuller, The Unity of the Bible, citado por John Piper, The Justification of God: Na Exegetical and Theological Study of Romans 9.1-23, segunda edição (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1993), 315.

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