Por Clóvis Gonçalves
“Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar” At 2:39
O batismo com o Espírito Santo como experiência separada da conversão é uma doutrina distintiva do pentecostalismo. Como muitos não pentecostais admitem a atualidade dos dons espirituais, inclusive os de expressão verbal e o de cura, a separalidade do batismo com o Espírito Santo passa a representar o principal ponto que identifica um pentecostal. Neste artigo, vamos nos ocupar dessa doutrina, a partir da declaração de Pedro destacada acima.
A tese a ser defendida aqui é que a promessa referida pelo apóstolo é o batismo com o Espírito Santo. Uma vez demonstrado este ponto, argumentaremos em favor de sua separalidade em relação à conversão e da sua disponibilidade para os crentes de hoje. Evidentemente, no espaço que dispomos não será possível um tratamento com a profundidade necessária, mas pretendemos, mais que fazer uma apologia, esclarecer que a fé pentecostal funda-se em argumentos bíblicos e não em meras experiências.
Que a promessa de At 2:39 é o batismo com Espírito Santo é facilmente demonstrável a partir do contexto imediato, ou seja, o próprio discurso de Pedro. O versículo imediatamente anterior à declaração acima diz “arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2:38). A promessa é o recebimento do Espírito Santo. Mais uns versos atrás Pedro havia dito que Jesus “tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis” (At 2:33). O prometido era o Espírito Santo. E voltando para o início do discurso, temos a referência à promessa feita através do profeta Joel, que continha as palavras “e também do meu Espírito derramarei sobre os meus servos e as minhas servas naqueles dias, e profetizarão” (At 2:18).
Entretanto, Pedro não aduzia apenas à promessa feita pelo profeta Joel, haja vista que ele sabia que o ocorrido era o cumprimento da promessa feita pelo próprio Jesus Cristo. Lucas registra que Jesus “estando com eles, determinou-lhes que não se ausentassem de Jerusalém, mas que esperassem a promessa do Pai, que (disse ele) de mim ouvistes. Porque, na verdade, João batizou com água, mas vós sereis batizados com o Espírito Santo, não muito depois destes dias” (At 1:4-5). O próprio Lucas havia registrado as palavras de Jesus “eis que sobre vós envio a promessa de meu Pai; ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24:49). A mesma promessa fora dada anteriormente pelo ministério de João Batista: “eu, em verdade, tenho-vos batizado com água; ele, porém, vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1:8).
Da consideração das passagens bíblicas acima resulta que a promessa do Pai feita através do profeta Joel e reafirmada por Jesus era o batismo com o Espírito Santo. E que quando Pedro fez referência à promessa em seu discurso, estava falando da experiência do batismo com o Espírito Santo.
Tendo estabelecido que a promessa do Pai é o batismo com o Espírito Santo, convém agora analisar a sua natureza, especialmente quanto ao aspecto de ser ele uma experência distinta e logicamente posterior à conversão. Embora este ponto também seja evidente nos textos apresentados, ele representa a principal dificuldade para aceitação do batismo com o Espírito Santo pelos não pentecostais, mesmo os continuístas. Talvez na origem dessa rejeição esteja um mal entendido quanto à regeneração, que precisa ser esclarecido.
Os pentecostais não crêem que no batismo com o Espírito Santo a pessoa recebe o Espírito pela primeira vez, o que implicaria uma regeneração sem a operação sobrenatural da terceira pessoa da Trindade, o que nenhum pentecostal acredita. Embora a maioria deles creiam que a fé precede a regeneração, isso se deve ao arminianismo que predomina no meio pentecostal, e não por causa do batismo com o Espírito Santo. O fato é que os pentecostais crêem que a regeneração é uma obra do Espírito Santo e que desde o momento que crê, o crente passa a ser morada do Espírito Santo.
No batismo pentecostal o Espírito Santo não é recebido como poder salvífico, o que ocorre na regeneração, e sim como poder capacitante para o serviço. Ou seja, o batismo com o Espírito Santo é um revestimento de poder, visando a obra a ser feita. “Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra” (At 1:8) foi dito em conexão com a promessa do batismo com o Espírito Santo.
Que o batismo com o Espírito Santo não se confunde com o novo nascimento fica claro quando consideramos que a promessa foi feita a crentes, ou seja, pessoas que já haviam sido regeneradas: “vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado” (Jo 15:3), já haviam experimentado a “lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo” (Tt 3:5) quando receberam a ordem “ficai, porém, na cidade de Jerusalém, até que do alto sejais revestidos de poder” (Lc 24:49). O derramamento do Espírito Santo veio sobre crentes, pois “todos estes perseveravam unanimemente em oração e súplicas, com as mulheres, e Maria mãe de Jesus, e com seus irmãos” (At 1:14) quando a promessa se cumpriu. Sendo assim, o batismo com o Espírito Santo foi uma experiência distinta da conversão, o que pode ser dito também de outras ocorrências em Atos dos Apóstolos.
Finalmente, resta-nos analisar se o batismo com o Espírito Santo no Pentecostes é um evento histórico único ou recorrente até os dias de hoje. Se olharmos para a palavras de Pedro colocadas em epígrafe, a conclusão inevitável é que o batismo com o Espírito Santo, como promessa do Pai, não se limita àquele dia em Jerusalém. “A promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar” foram as palavras de Pedro. Uma promessa mais inclusiva, impossível. Incluía os que estavam naquele dia em Jerusalém, os filhos deles, alguns provavelmente tendo ficado em suas cidades de origem, os que não estavam presentes, enfim “a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar”, vale dizer, todos os crentes em todos os lugares a partir daquele momento!
Isto é reforçado por dois fatos. A duração dos “últimos dias” e os relatos posteriores de Atos dos Apóstolos. O período denominado “últimos dias” compreende do dia de Pentecostes até a volta do Senhor. Os sinais preditos por Joel e repetidos por Pedro não se cumpriram na sua totalidade, havendo detalhes que somente ocorrerão imediatamente antes ou no momento da vinda do Senhor: “e farei aparecer prodígios em cima, no céu; e sinais em baixo na terra, sangue, fogo e vapor de fumo. O sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes de chegar o grande e glorioso dia do Senhor” (At 2:19-20). Portanto, ainda nos encontramos nos “últimos dias”, nos quais o batismo com o Espírito Santo ocorreria. Além disso, há relatos de outros “pentecostes” no próprio livro de Atos, o que desfaz o argumento de um único evento histórico, mesmo quando se considera que os eventos seguintes foram desdobramentos do primeiro.
Mais poderia ser dito sobre o batismo com o Espírito Santo como promessa aos crentes de todas as épocas. Mas seria alongar o artigo que já ficou muito maior que o recomendável. Mesmo assim, coloco-me a disposição para complementar o que foi dito acima com argumentos bíblicos que expandem e aprofundam o que já foi exposto.
Soli Deo Gloria
Fonte: Cinco Solas
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