quarta-feira, 11 de maio de 2011

Como era a Inglaterra em que Spurgeon pregou


Por I. Murray

É impossível avaliar a significação da vida de C. H. Spurgeon sem conhecer algo das condições do país no tempo em que o seu ministério começou, em meados do século dezenove. O cristianismo protestante era mais ou menos a religião nacional; o domingo era observado rigorosamente; as Escrituras eram respeitadas; e, fora os milhares de pessoas não sensibilizadas de algumas das maiores cidades, a freqüência à igreja era costume geral. Essas coisas eram aceitas tão comumente e, segundo se via, tão entrincheiradas, que as mudanças que daí em diante varreram a nação eram tão remotas para a mente vitoriana média como os automóveis e os aviões. Contudo, não é preciso demorar muito num exame para ver no cristianismo que prevalecia na década de 1850 alguns sinais muito pouco parecidos com o que vemos no Novo Testamento - era muito elegante, muito respeitável, e estava em demasiada paz com o mundo. Era como se textos semelhantes ao que diz "o mundo inteiro jaz no maligno" (1 João 5:19, ARA) já não fossem certos.

A Igreja não tinha falta de riqueza, nem em homens, nem em dignidade, mas lamentavelmente lhe faltavam unção e poder. Havia a tendência geral de esquecer a diferença entre o saber humano e a verdade revelada pelo Espírito de Deus. A eloqüência e a cultura não eram raras nos púlpitos, porém era marcante a ausência da espécie de pregação que quebranta o coração dos homens. Talvez o pior de todos os sinais fosse o fato de que poucos estavam despertos para essas coisas. A Igreja era exteriormente próspera, o bastante para contentar-se em manter a rotina dos anos passados. Um escritor contemporâneo, lamentando esse formalismo insípido, observou: "O pregador fala durante o seu tempo habitual; o povo fica sentado pacientemente quanto necessário, talvez; canta-se o número de estrofes usuais, e assim se termina a atividade do dia; em geral não há nada mais que isso. Ninguém pode negar que esta é, nem mais nem menos, uma simples exposição do real estado em que se encontra a maioria das nossas igrejas na atualidade. Se o pregador deixar cair seu lenço no seu hinário, ou der um murro um pouco mais forte do que o comum com o punho eclesiástico, isso será notado, lembrado e comentado, ao passo que haverá nada menos que o total esquecimento do assunto e a natureza do tema discutido".

Spurgeon logo se pôs a atacar, numa linguagem mais direta, esse tradicionalismo sem vida. "Vocês pensam que porque uma coisa é antiga, por isso deve ser venerável. Vocês são amigos de antiqualha. Vocês não consertam a estrada porque o seu avô dirigia a carroça pelo sulco que lá está. "Deixem-na lá como sempre esteve", vocês dirão, "deixem-na assim, como sulco fundo até o joelho." Seu avô não passava por lá quando o sulco, cheio de lama, dava nos joelhos? E por que vocês não fariam o mesmo? Era suficientemente bom para ele; é suficientemente bom para vocês. Vocês sempre se acomodaram bem em seus bancos na capela. Nunca viram um avivamento; e não querem vê-lo".

Os segmentos evangélicos (bíblicos) não escaparam às tendências dominantes na época. A obra de Whitefield e a de Wesley eram admiradas, mas pouco seguidas. As lâminas cortantes da verdade evangélica tinham sido abrandadas aos poucos. As ásperas doutrinas metodistas, que tinham aba­lado o país um século antes, não foram abandonadas - e uns poucos ainda as apregoavam fervorosamente - porém o sentimento geral era que na era vitoriana necessitava-se de uma apresentação mais refinada do evangelho.

Com essa generalizada maneira de ver as coisas, era inevitável que a precisa e forte teologia reformada da Inglaterra dos séculos 16 e 17 não gozasse nenhum favor. O historiador da Reforma Merle d'Aubigné, de Genebra, em visita a este país em 1845, declarou que se viu forçado a perguntar a si mesmo: o puritanismo "ainda existe na Inglaterra? Não terá caído sob a influência dos desenvolvimentos nacionais e do escárnio dos romancistas? Seria necessário, enfim, voltar ao século 17 para encontrá-lo? Não obstante, é verdade que alguns dos líderes evangélicos do país, particularmente os mais velhos, estavam profundamente preocupados com as condições espirituais das igrejas. John Angell James, por exemplo, que fora ministro da famosa Igreja Congregacional de Carr's Lane, Birmingham, a partir de 1805, escreveu em 1851: "O estado da religião em nosso país é baixo. Creio que nunca preguei com menos resultados salvadores desde quando me tornei ministro; e essa é a situação de muitos outros. Essa é uma queixa geral". Se essas coisas eram verdadeiras com relação ao país em geral, eram particularmente verdadeiras com relação a Lon­dres, e a Capela Batista da Rua do Novo Parque, situada numa "obscura e suja" região, próxima da margem sul do Tâmisa, em Southwark, não era exceção. Os membros da igreja tinham uma grande história, que se estendia até ao século 17, todavia agora os restantes eram como os barcos largados ali perto, na lama, na maré baixa. Durante alguns anos estiveram em declínio, e o grande e bem adornado edifício, construído para acomodar cerca de mil pessoas sentadas, tinha três quartos dos seus bancos vazios. Esse foi o cenário com o qual se defrontou o jovem de Essex, com dezenove anos de idade, quando subiu pela primeira vez ao púlpito da Capela da Rua do Novo Parque na fria e sombria manhã de 18 de dezembro de 1853. Foi a primeira vez que se ouviu a voz de Spurgeon em Londres, porém quase imediatamente ele foi chamado para iniciar um pastorado que haveria de continuar por trinta e oito anos, até sua morte, em 31 de janeiro de 1892.

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