terça-feira, 30 de março de 2010

Orações Imprecatórias


Por David Chilton

Levanta-se Deus, e sejam dissipados os seus inimigos! (Sl 68.1)

Há uma classe de orações “imprecatórias” (que amaldiçoam) na Bíblia, e esse fato ocasionalmente incomoda as pessoas: isso não parece concordar com o que lemos em outros lugares na Bíblia sobre amar nossos inimigos (Mt 5.44). Deveria existir tais orações, especialmente no Novo Testamento? Qual deveria ser o seu lugar no culto? Em certa extensão, no mínimo, parece claro que as imprecações são apropriadas no culto: elas são usadas na Bíblia. Grande parte do Livro dos Salmos lida com isso. Não existe na verdade uma categoria separada de “Salmos Imprecatórios” como tal (embora os Salmos 10, 83 e 94 sejam quase completamente imprecatórios). Praticamente todo Salmo tem passagens imprecatórias, e todo salmo é implicitamente imprecatório. Pedir a bênção de Deus sobre o justo é, por implicação, pedir que ele não abençoe o ímpio. Martinho Lutero observou: “Não posso orar sem amaldiçoar”; toda bênção implica uma maldição.

Sendo mais específico, a Bíblia contém maldições explícitas contra o ímpio. Moisés amaldiçoou Faraó (Ex 9.16). Samuel amaldiçoou Saul (1Sm 13.13-14; 15.28). Elias e Miquéias amaldiçoaram Acabe (1Rs 21.17-24; 22.19-23). Amós amaldiçoou Israel (Amós 9.9-10). Jesus amaldiçoou os fariseus (Mt 23). Paulo amaldiçoou Himeneu e Alexandre (1Tm 1.20; 2Tm 4.14). Mesmo os santos perfeitamente puros e justos no céu amaldiçoam seus perseguidores, pedindo a vingança de Deus contra eles (Ap 6.9-11). Não existe nenhuma razão bíblica pela qual isso não deveria continuar em nossas mentes em pelo menos cinco perspectivas:

1. Perspectiva Cristológica. Primeiro, todo o Saltério é Jesus Cristo orando ao Pai: mesmo as passagens onde ele confessa “seus” pecados, mostram belamente quão completamente ele se “fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2Co 5.21). Segundo, as maldições da lei foram cumpridas sobre Cristo, quando a vingança pactual terrível de Deus foi descarregada sobre ele. As orações imprecatórias da Escritura foram aplicadas a Jesus, para que não fossem aplicadas ao seu povo. Isso deveria ser deixado claro em nossa apresentação de tais orações a uma congregação. O melhor livro que já li é o de James Adams: Psalms of the Prince of Peace: Lessons from the Imprecatory Psalms. Outro bom livro sobre os Salmos em geral é o de Calvin Beisner: Psalms of Promise: Exploring the Majesty and Faithfulness of God; este tem uma seção de 20 páginas chamada “Maldições sobre os Violadores do Pacto”.

2. Perspectiva Soteriológica. Na oração, não pedimos simplesmente pela derrota dos inimigos de Deus, mas pela sua salvação também. Mesmo inimigos terríveis da Fé (tais como Saulo) têm sido gloriosamente convertidos. O ponto é a glória de Deus e o bem da igreja, e sempre deveríamos desejar a conversão deles. Sem dúvida, não deveríamos ficar cegos para o fato que alguns inimigos simplesmente não serão convertidos, e devem ser removidos de alguma outra forma.

3. Perspectiva Eclesiástica. Não deveríamos fazer orações imprecatórias contra as pessoas simplesmente porque não gostamos delas, nem mesmo contra aquelas que nos odeiam e perseguem; devemos “abençoar, e não amaldiçoar” (Rm 12.14; cf. Mt 5.43-48). As maldições deveriam ser pronunciadas oficialmente, sob a autoridade da igreja, e contra aqueles que procuram destruir a igreja. Oficialmente, podemos achar necessário pronunciar o julgamento divino contra os ímpios; pessoalmente, devemos mostrar amor e compaixão a todos os homens, mesmo nossos inimigos. Oramos para que nossos inimigos sejam removidos, não primariamente para evitar dificuldade e sofrimento, mas para que a igreja possa realizar sua tarefa.

4. Perspectiva Escatológica. Nem todas as coisas serão resolvidas nesta vida. Devemos confiar no julgamento final de Deus no Último Dia. Deus não manifestou sua ira imediatamente contra todos os perseguidores dos apóstolos, e nem o fará em nossos dias. Esperamos pela vindicação final no final da história.

5. Perspectiva Sociológica. Nosso propósito primário é adorar a Deus. Tanto quanto possível, portanto, deveríamos buscar edificar os adoradores. Alguns são tentados a adotar uma atitude “profética” e impensada, agindo como se todos que discordam deles fosse um inimigo cruel de Deus. Particularmente num dia quando o Cristianismo é igualado com sentimentalismo pegajoso e xarope, uma fé vigorosamente bíblica pode encontrar muito choque cultural com os crentes fracos. Mas o povo de Deus deve ser tratado com respeito e sensibilidade; eles devem ser cuidadosamente conduzidos (não empurrados) a uma cosmovisão centrada em Deus. Se tivermos uma escolha, então deixemos Deus cuidar de explodir os lobos; os pastores devem cuidar das ovelhas.

Uma apresentação honesta e justa dos Salmos imprecatórios tentará demonstrar a justiça e santidade de Deus de uma forma que seu amor e misericórdia brilhem também. Isso pode ser feito apenas mostrando como tais coisas estão relacionadas a Jesus Cristo, em quem “a misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram” (Sl 85.10).


Fonte: por David Chilton- Chalcedon Report, Março de 1997.
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto

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