segunda-feira, 8 de março de 2010

O pastor e o preparo do sermão


Por Guilherme Kerr Neto

Algum tempo atrás alguém me perguntou se eu me dedicava somente ao ministério, ou se trabalhava também. O tom com que a pergunta foi feita me deixou a desagradável sensação de que existem dois tipos básicos de indivíduos (pelo menos na maneira de ver do meu interlocutor): aqueles que trabalham - espalhados nas mais diversas profissões e aqueles que quase não trabalham - entre os quais se incluem os pastores, os missionários, religiosos, filósofos, poetas e outras profissões semelhantes. Afinal de contas, afirmam alguns, o que um pastor tem de fazer? Pregar uma ou duas vezes por semana, fazer algumas visitas, bater papo com as pessoas, eventualmente celebrar batismos, casamentos e funerais. . . Sobra bastante tempo! Ou não sobra?

Tenho descoberto que na maioria das vezes o tempo mais nos falta do que nos sobra. No trabalho pastoral, a situação é contrária às inseguranças, oscilações e incertezas do mercado de trabalho secular, pois existe mais serviço do que pessoas dispostas a executá-lo. Nas palavras do Senhor: "... a seara é grande são poucos os ceifeiros.

Nos tempos idos de Seminário ouvíamos dos professores os termos de que se devia gastar um mínimo de quatro horas até dezoito ou vinte horas apenas no preparo de um bom sermão. Não duvido. . . mas, pelo tempo de que se dispõe em uma estrutura em que por vezes o pastor é uma espécie de "joão-faz-de-tudo", desde office-boy até administrador, passando por "tocador" de obras e construções e responsável direto pelo levantamento de fundos para a mesma, poucos são os que chegam a quatro horas no preparo de cada sermão. E, como não poderia deixar de ser, vivemos numa tremenda escassez de bons sermões.

O PREPARO FORMAL

A meu ver a tarefa prioritária do homem de Deus é o preparo e a entrega do sermão. 0 bom sermão exige o melhor do nosso tempo e esforço (talvez um pouco de luta contra estruturas viciadas). Poderia ser definido por algumas características fundamentais.

Fidelidade à Palavra de Deus

Isto significa que devo dizer aquilo que Deus diz. Significa pregar como Paulo afirma ter pregado aos efésios "todo o desígnio de Deus" (Atos 20:27). Isso exige de nós conhecimento bíblico, leitura constante e apaixonada do livro dos livros, estudo do contexto histórico, geográfico e cultural em que o texto foi escrito afim de abrir a nossa visão para entender qual tenha sido a intenção original do autor ao escrevê-lo. Acima de tudo isso exige submissão e unção do Espírito Santo, verdadeiro intérprete e ensinador das Escrituras (João 16:12-15). Diz-se de Spurgeon, o grande pregador do passado, que dominicalmente subia os degraus do palanque de onde pregava debaixo da seguinte convicção e repetindo a cada degrau: ". . . eu creio no Espírito Santo... eu creio no Espírito Santo... eu creio no Espírito Santo. . ." Falta-nos mais desta confiança no Espírito do Senhor. "Uns confiam em carros, outros em cavalos..." Creio que há mais palavra de homens do que Palavra de Deus em muito do que hoje se ouve dos nossos púlpitos e o resultado é o que se vê na vida do rebanho.

Aplicabilidade à vida dos ouvintes

Em sua visita ao Brasil, dizia-nos o Rev. Stott que o pregador deve ter a Bíblia em uma das mãos e o jornal do dia na outra. Não que ele quisesse dizer que ambos devem ter o mesmo peso. O pregador é por excelência um homem da Palavra. Todavia, o que desafortunadamente tem acontecido, é que muitos de nós temos a Bíblia somente como ponto de referência e pretexto de um discurso moralista e filosófico e, do jornal do dia pouco ou nada sabemos. Se sabemos o que está acontecendo no mundo, nada dizemos por temor de misturar o sagrado com o profano. O resultado é que os sermões se tornam muitas vezes irrelevantes: não falam às necessidades do rebanho; não se relacionam com a vida prática; não têm nada a ver com o aqui e o agora. O resultado é a mesma dicotomia se verificando na vida do rebanho: conversa religiosa no domingo e prática pagã no restante da semana. Temos a Palavra mas ela não nos tem.

Capacidade de desafiar profundamente os ouvintes à fé e à obediência

O sermão mal preparado conclui exatamente como começa - no ar. Devemos levar os ouvintes às alturas mais altas do céu e trazê-los de volta, com os pés no chão a um profundo sentimento de compromisso com Deus. Certamente isso envolve a compreensão do que Deus deseja para nós hoje, aqui e agora. Creio que há três coisas que nos ajudam a compreender isso: estudo da Palavra, conhecimento da vida das ovelhas (aconselhamento, visitação, conversas informais) e a oração.

O PREPARO INFORMAL

Se de um lado é necessário preparar-se formalmente para pregar, gastando horas de estudo no escritório, lendo e prescrutando o que Deus quer dizer, por outro lado o sermão nasce, cresce e amadurece no coração de um homem. Como não se pode separar totalmente um artista de sua obra de arte, assim também com respeito à pregação e ao pregador. È na vida prática que se colhe informações sobre as necessidades do rebanho. É num incidente na rua, no ônibus, no trânsito, no jornal, numa conversa com moços e senhoras da igreja que se revelam as verdadeiras e profundas ilustrações de um sermão, as verdadeiras e profundas ansiedades do seu povo. Às vezes é andando pela rua que Deus fala aos nossos corações: "isto é o que eu quero que você diga ao meu povo no domingo". Neste sentido, a vida toda do pastor faz parte do preparo do sermão. O verdadeiro pregador está a toda hora preparando seus sermões.

Assim também a oração deve ter também este caráter duplo: formal - quando peço a iluminação do Espírito ao estudar o texto bíblico; informal - quando, mergulhado na realidade de um Deus que rege todas as coisas, eu me vejo submerso em um "espírito de oração" em todas as circunstâncias da vida.

No preparo informal se incluem todas as outras informações que o Espírito Santo permite à minha mente e coração: a leitura de bons livros, as horas devocionais despreocupadas no preparo de mensagens, as informações de cunho geral como notícias políticas, econômicas, esportivas, etc. No preparo formal nós lemos a Bíblia à luz das realidades da vida. No preparo informal lemos as realidades da vida à luz da Bíblia. Tanto um como o outro são necessários. A. W. Tozer dizia com muita propriedade: "Profeta é alguém que conhece a sua época e sabe o que Deus está procurando dizer ao povo de sua época. O que Deus diz à sua igreja em algum dado período depende completamente da condição moral e religiosa desta e da necessidade espiritual da hora. Os líderes religiosos que continuam a expor mecanicamente as Escrituras, sem considerar a situação religiosa corrente não são melhores do que os escribas e os intérpretes da lei do tempo de Jesus, que papagueavam fielmente a lei, sem a mais remota noção do que ocorria espiritualmente em torno deles. . . Eruditos podem interpretar o passado, são necessários profetas para interpretar' o presente".

O PREPARO PESSOAL

Visto isso, fica apenas por dizer o que todos já sabemos, isto é, que o profeta se constitui em maior pregação do que a própria profecia, ou como dir-se-ia em outras palavras "não consigo ouvi-lo, sua vida fala mais alto que suas palavras". Talvez o maior desafio para todos nós, pregadores ou não, seja o desafio da coerência. Não conheço mal mais terrível do que a inconsistência ou incoerência que se aloja nos nossos corações. É esta incoerência que trouxe aos lábios de Jesus expressões tais como "hipócritas, sepulcros caiados, raça de víboras".

Não conheço maior malefício ao rebanho de Deus do que a vida incoerente de muitos pastores que "pregam o que não vivem e vivem o que jamais poderiam pregar". Reconheço que nenhum de nós é totalmente coerente, mas não há dúvida de que devemos caminhar mais decididamente em direção à santidade. Paulo desafia os líderes da igreja de Éfeso com estas palavras preciosas: "Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual Ele comprou com seu próprio sangue" (Atos 20:28). Chamo a atenção para o que foi grifado: "Atendei por vós. . ." Todos nós conhecemos exemplos tristes de pessoas que foram ávidas e céleres em pastorear as demais, enquanto perdiam a própria reputação, não sabendo sequer apascentarem-se a si mesmas.

Creio firmemente que o nosso preparo espiritual deve incluir pela ordem a nossa vida pessoal, a nossa vida conjugai, a nossa vida paternal e, só então a nossa vida pastoral. Ouvi certa vez de um amado companheiro de ministério a seguinte frase: "Com relação a nossa luta contra o pecado, aprendi a ser extremamente misericordioso para com os demais, e cada dia mais rígido para comigo mesmo". Infelizmente nem todos seguem esta mesma regra e vemos muita gente que consegue ser rígida e feroz para com todos e extremamente flácida para com seus próprios pecados.

Se queremos um ministério eficiente, uma pregação eficaz - Deus nos ajude e tenha misericórdia de nós - precisamos de homens mais sérios e mais coerentes no ministério pastoral.

Termino com palavras sábias de Tozer, arauto da vida de santificação: "Enfim, a obra do ministério é, em toda linha, demasiado difícil para qualquer homem. Ele é remetido a Deus para obter sabedoria. Ele deve buscar a mente de Cristo e pôr sua confiança no Espírito Santo para obter poder espiritual e acuidade mental à altura de sua tarefa".

Que assim nos ajude o Senhor!!

Fonte: Sepal

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