terça-feira, 23 de outubro de 2012

Quem tem medo da Missão Integral?

 
Por Marcelo Lemos

Recentemente topei com o seguinte questionamento no Facebook (tomo a liberdade de reformular a questão, colocando-a na interrogativa): “Por qual motivo os líderes que combatem a Teologia da Prosperidade não combatem com a mesma força a Teologia da Missão Integral?”

Por trás desse questionamento há a ideia de que a Teologia da Missão Integral nada mais é que uma “variante da Teologia da Libertação”, uma visão marxista da vida e da sociedade dentro da Igreja evangélica. Ou seja, assim como os católicos reúnem seus marxistas ao redor da Teologia da Libertação, os evangélicos reúnem os seus na mesa da Missão Integral. Bem, se isso é verdade, a Missão Integral deve ser tida como coisa anátema. Sei que isso deixará chateados meus irmãos mais ‘progressistas’. Lamento.

Considero tal questionamento valioso, e por isso, tento em algumas linhas traçar algumas observações que refletem meu posicionamento pessoal sobre a questão.

Para começar, uma pergunta: que a Missão Integral tem haver com marxismo? Muitos que hasteiam a bandeira da TMI defendem a ideologia da luta de classes, o ideal revolucionário, e assim por diante. Não é difícil encontrar pastores evangélicos, de renome, abertamente adeptos da TMI, defendendo (ou sendo condescendente com) o aborto, o casamento homossexual, o intervencionismo estatal, o paternalismo, a luta de classes, e tantas outras coisas semelhantes – certamente em defesa do tal estado laico, do bem comum, da ‘justiça social’ ou qualquer outra coisa de nome bonitinho. Isso é Missão Integral?

Uma rápida pesquisa na Internet irá mostrar diversos sites onde se diz que a Teologia da Missão Integral nasceu na América Latina, e é uma ‘resposta’ da Igreja local contra a teologia dos imperialistas e colonizadores. É nossa [evangélica] teologia feita a partir da ótica dos oprimidos. Bem, pode até ser, querida Wikipédia.

Contudo, a coisa não é tão simples assim. Historicamente, a base da Missão Integral é um documento chamado Pacto de Lausanne, que de marxismo e luta de classes não tem nada. O que esse documento diz, e não tem nada de errado com isso, é que a pregação do Evangelho não visa preparar o homem apenas para o céu, mas também para a vida terrena. Ou seja, o Evangelho é capaz de restaurar a alma e o corpo do homem, a pessoa por inteiro. Daí o nome missão integral.

Afinal, como a Missão Integral chegou a ter sua imagem associada ao marxismo? Infelizmente, a interpretação do Pacto de Lausanne foi politizada por inúmeros líderes evangélicos latino-americanos, incluindo brasileiros. Essas pessoas deram uma leitura marxista para o documento de Lausanne, e o estrago aconteceu. E muitos demonizam o Pacto de Lausanne por isso. Tal demonização se justifica? Estou convencido que Lausanne não tem nada haver com essa visão simplista, romântica e ingênua do mundo, defendida pelos teólogos marxistas. Na verdade, a profundidade teológica de Lausanne é tão factual, que os delírios juvenis dessa gente mal conseguem atingir a superfície.   

Ora, o Pacto de Lausanne é um documento cristão, ortodoxo e reformado. O liberalismo moral (aborto, homossexualismo, etc), e o marxismo passam bem longe de suas linhas, como facilmente se pode demonstrar com algumas citações.

DEUS E SUA SOBERANIA:
“Afirmamos nossa crença no único Deus eterno, Criador e Senhor do Mundo, Pai, Filho e Espírito Santo, que governa todas as coisas segundo o propósito da sua vontade” (Artigo 1).

AUTORIDADE DAS ESCRITURAS:
“Afirmamos a inspiração divina, a veracidade e autoridade das Escrituras tanto do Velho como do Novo Testamento, em sua totalidade, como única Palavra de Deus escrita, sem erro em tudo o que ela afirma, e única regra infalível de fé e prática” (Artigo 2).

EXCLUSIVISMO DO EVANGELHO:
“Reconhecemos que todos os homens têm algum conhecimento de Deus através da revelação geral de Deus na natureza. Mas negamos que tal conhecimento possa salvar, pois os homens, por sua injustiça, suprimem a verdade” (Artigo 3).

CONTRA O SINCRETISMO RELIGIOSO:
“Também rejeitamos, como depreciativo de Cristo e do evangelho, todo e qualquer tipo de sincretismo ou diálogo cujo pressuposto seja o de que Cristo fala igualmente através de todas as religiões e ideologias”.

O RETORNO DE CRISTO:
“Cremos que Jesus Cristo voltará pessoal e visivelmente, em poder e glória, para consumar a salvação e o juízo”.

Que isso tem haver com marxismo? Que isso tem haver com Teologia da Libertação? Que isso tem haver com liberalismo moral? Que isso tem haver com a negação de doutrinas fundamentais da Fé Cristã, como se vê no discurso de famosos líderes ligados a Teologia da Missão Integral? Vale a pena recordar que um famoso expoente da TMI no Brasil, causou polêmica ao afirmar que o Retorno de Cristo é mera utopia, que Deus não é soberano sobre a História, e tantas outras heresias. Nada disso encontra respaldo no Pacto de Lausanne, portanto, se Missão Integral é qualquer dessas coisas, devemos afirmar que Lausanne e Missão Integral são coisas completamente distintas.

Seja como for, havendo ou não relação legítima entre Lausanne e TMI, o fato é que existe uma Teologia da Missão Integral. Essa deve ser a missão da Igreja, se é que realmente almejamos tornar o Reino de Deus visível entre os homens: “assim na Terra como [é] no céu”. E creio que a verdadeira Missão Integral da Igreja está muito bem exposta e representada no Pacto de Lausanne, um documento cristão, ortodoxo e evangélico por natureza. Quanto a Teologia da Missão Integral ‘politizada’, e por isso mesmo, falsa e não integral, digo que sequestrou o Pacto de Lausanne, causando prejuízo imenso à Igreja.

Acredito necessária essa distinção a fim de manter as coisas em seus devidos lugares. Certamente o leitor conhece aquela anedota que fala de alguém que viu a água da banheira suja, e jogou fora também a criança que tomava banho. Pois bem, se é verdade que alguns sequestraram Lausanne em nome de uma falsa Missão Integral, cabe a nós resgatarmos sua legitima teologia em prol de da verdadeira integralidade da Pregação Cristã.

Infelizmente, ocorre que para algumas pessoas, o simples fato de um documento como Lausanne fazer menção ao papel social da Igreja, já é o bastante para transformá-lo em uma conspiração marxista! Contudo, denunciar explorações, desigualdades, discriminações e injustiças sociais não é criação do marxismo. Lutar por uma sociedade melhor não é criação marxista. Na verdade, me perdoem alguns, o marxismo é justamente o oposto de tudo isso (risos). E se existe algo capaz de transformar o mundo, esse algo atende pelo nome de Evangelho. O Pacto de Lausanne, assim como a Doutrina Social da Igreja (documento da Igreja Católica), tentam apenas apontar alguns valores bíblicos para a vida em sociedade, e se alguns politizam suas assertivas, lamento.

Por fim, creio que apenas na Teologia Reformada podemos encontrar uma teologia realmente Integral. Não há dicotomias no pensamento reformado. Não acreditamos na existência de algo especial na vida monástica, ou no legalismo religioso. Não sacrificamos o corpo em prol do espírito, ou vice-versa. Para nós, o homem é um todo, e a vida cristã também. Confessamos que a Bíblia é toda suficiente e necessária, possuindo resposta para todas as perguntas do homem. Isso é missão integral.
 

4 comentários:

  1. muito bom ver a TMI por um angulo dogmatico.

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  2. muito bom ver a TMI por um angulo dogmatico.

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  3. Respostas
    1. Graça e paz Djair.
      Como dizem alguns: "uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa". Mas parafraseando o que disse Marcelo Lemos: "uma coisa é a mesma coisa". E isso não passa de uma má interpretação do Evangelho.
      Que a TMI seja reavaliada e aplicada biblicamente.
      Que Deus o abençoe.
      Fique na Paz!
      Pr. Silas Figueira

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