Por Maurício Zágari
Muita
gente se opõe à fé cristã por causa dos mandamentos de Deus. Acham
muito cheia de regras, de "pode" isso, "não pode" aquilo. Não querem se
submeter a ordens, desejam ser donas de sua própria vida, sem ter
ninguém que lhes diga o que podem e o que não podem fazer (ou devem e não devem).
Esse pensamento está tão entranhado no inconsciente coletivo de nossa
sociedade que chega a invadir as igrejas. O resultado são cristãos para
quem a defesa de mandamentos bíblicos acaba tornando-se legalismo ou
farisaísmo. Ou então irmãos confusos sobre sua conduta. Vamos pensar um
pouco sobre isso.
Deus
é soberano. Nós somos submissos. Deus é criador. Nós somos pó. Deus é
todo-poderoso. Nós somos impotentes sobre quase tudo o que nos acontece.
Ele manda. Nós obedecemos. Ele dita as regras do jogo. Nós as acatamos.
Tudo isso é fato e quem se opõe a essas verdades não alcançou ainda a
compreensão plena da natureza divina e da humana nem a revelação do
Senhor. Sim: Ele é o manda-chuva. Se Ele fala, a nós só resta dizer
"amém". E, se dizemos "amém" ao que Deus fala, não estamos fazendo nada
além de nos pôr em nosso devido lugar.
Então,
de forma bem crua e objetiva, é exatamente isso: Deus determina e nós
abaixamos a cabeça. Ponto. Não há democracia na relação entre nós e o
Senhor, assim como não há nas decisões que um pai toma por seu filho
pequeno. Papai disse que é assim e acabou. Do
mesmo modo, seria ingenuidade de nossa parte achar também que a graça
de Deus é barata (para usar a expressão de Dietrich Bonhoeffer). Não é: o
Criador tem um padrão ético e moral. O que, em outras palavras,
significa que para Ele há atitudes certas e atitudes erradas. Deus não
tolera tudo: se fazemos o que Ele considera errado estamos pecando. E
isso nos afasta dele e nos torna desesperadamente necessitados de Seu
perdão. Portanto, sim: existem coisas que o cristão pode e que não pode
fazer. Pode fazer o que Deus quer. Não pode fazer o que Deus não quer. E
se desobedecer está transgredindo o padrão divino de certo e errado.
Ponto final.
Até
aqui a coisa foi pesada, não é? Assustou? Posto dessa forma para
pessoas acostumadas à democracia parece que somos prisioneiros de um
campo de concentração terreno, sujeitos a um ditador celestial tirânico e
déspota. Sei que muitos veem o pode/não pode de Deus dessa
forma. Só que, apesar de tudo o que eu disse até aqui ser bíblico, há
uma outra forma de se ver a coisa. E ela passa pelos olhos do amor.
Se
você ama seu pai, não lhe obedece apenas porque ele mandou. Obedece,
acima de tudo, porque quer ver um sorriso no rosto dele. Quer vê-lo
feliz. Quer que ele se orgulhe de você e lhe considere um bom filho. Se
você ama a sua namorada,
não deixa de chegar na hora marcada ao encontro porque caso contrário
ela vai ficar fula por ter esperado tanto, mas por respeito a quem você
respeita. Quando você deixa de assistir ao seu jogo de futebol predileto
para levar sua mãe ao médico não o faz porque é o que tem de ser feito,
mas porque se preocupa com ela e deseja vê-la bem.
Assim,
existem duas maneiras de se encarar a obediência a Deus: como um fardo
pesado e uma violação do nosso desejo e da liberdade de autodecisão ou
como gestos de devoção praticados com felicidade e alegria para alguém
que amamos profundamente. Descobri que quando desobedeço a Deus, ou
seja, quando peco, não estou simplesmente infringindo ordens. É muito
pior do que isso: estou faltando com amor a alguém que me amou
profundamente a ponto de morrer por mim. Mais do que desobediência, é
ingratidão e desamor. Não faz de mim apenas um transgressor: faz de mim
alguém que se põe acima do Senhor na ordem de prioridades.
Vamos
pegar como exemplo uma discussão bem contemporânea: o dízimo - e que
não é o tema desta reflexão, falo sobre isso apenas para exemplificar.
Depois que o fenômeno do neopentecostalismo e seus escândalos fizeram a
entrega de dinheiro para igrejas tornar-se uma atitude questionável e
suspeita, pela primeira vez na história eclodiu entre os próprios
cristãos a ideia de que poderiam não entregar o dízimo. Acredite:
qualquer argumento contra o dízimo que você possa levantar eu já ouvi.
Porém, nenhum deles conseguiu até hoje me convencer de que não é um
mandamento de Deus válido ainda na Nova Aliança. Só que não é por isso
que entrego meu dízimo. Entrego por amor.
Pois
o amor torna o peso de ordenança de um mandamento algo secundário e,
até, desnecessário. Entrego o dízimo porque amo o que é feito com ele.
Amo saber que um santuário onde pessoas são edificadas tem sua conta de
luz paga graças a minha participação. Amo saber que meus pastores podem
dedicar seu dia a visitar doentes e enlutados e a aconselhar almas em
frangalhos porque eu participo do seu sustento. Amo saber que muitos
missionários podem ser enviados e mantidos em locais aonde eu não tenho
peito de ir porque entreguei o dízimo. Amo Deus. E é esse amor que me
faz dizimar. Não a obrigação. É um prazer e não um peso ou um
sofrimento.
Queiramos
ou não, é bíblico: há coisas que o cristão pode fazer e coisas que não
pode. O que tenta fugir disso usa de pura retórica. E se optarmos pela
transgressão haverá um preço a ser pago. Mas muito mais importante do
que ver a realidade dessa forma é saber que existem coisas que o cristão
faz ou deixa de fazer por amor ou desamor a Deus. Prefiro entender o
meu esforço por obedecer como um gesto realizado por apreço a Aquele que
a si mesmo entregou-se por mim. Assim, obediência é gratidão. É afeto. É
carinho. É amizade. É devoção. É amor.
Poucas
coisas doem tanto quanto o olhar de tristeza no rosto de alguém que
você ama provocado por algo que você tenha feito. Magoar quem você ama
corrói. Imaginar esse olhar no rosto do Jesus que amo é o que hoje me
motiva mais do que qualquer outra coisa a lutar para ser reto em meus
caminhos, muito mais do que o medo do inferno ou a obediência temerosa
de um pecador nas mãos de um Deus irado.
Pode, não pode... ok, não está errado, é bíblico. Só que, hoje, creio que a questão é muito maior do que essa. Passa, na verdade, por ama, não ama. Quando conseguimos ver dessa forma, o Evangelho ganha muito mais a cara de Jesus.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
Maurício
Maurício
Fonte: Apenas
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