Mark Dever
Há um sentido em que o que nós conhecemos hoje como "membresia de igreja" não é bíblico. Não temos nenhum registro de um cristão do primeiro século que vivia, por exemplo, em Jerusalém Central e aí precisasse decidir se deveria se envolver com uma assembléia particular de cristãos em vez de alguma outra. Até onde podemos perceber, não havia troca-troca de igrejas porque só havia uma igreja em uma determinada comunidade. Nesse sentido, não sabemos de nenhum rol de membros de igreja no Novo Testamento. Mas existem listas de pessoas ligadas de alguma forma à igreja no Novo Testamento. Temos tanto as listas de viúvas sustentadas pela igreja (1 Timóteo 5) quanto os nomes escritos no Livro da Vida do Cordeiro (Filipenses 4:3; Apocalipse 21:27). E há passagens no Novo Testamento que apontam para definição e limites claros à membresia de uma igreja. As igrejas sabiam quem compunha o seu rol de membros. Por exemplo, as cartas de Paulo para a igreja de Corinto mostram que alguns indivíduos seriam excluídos (por exemplo, 1 Coríntios 5) e que alguns seriam incluídos (por exemplo, 2 Coríntios 2). Nesse segundo exemplo, Paulo menciona até mesmo uma "maioria" das pessoas (2 Coríntios 2:6) que são citadas como tendo infligido a “punição" de exclusão da igreja. Essa "maioria" só poderia estar se referindo a uma maioria do grupo das pessoas que foram reconhecidas como membros da igreja.
A prática da membresia de igreja entre cristãos desenvolveu-se como uma tentativa para nos ajudar a perceber um ao outro em responsabilidade e amor. Identificando-nos com uma igreja particular, permitimos que os pastores e demais membros daquela igreja local saibam que nós pretendemos manter um compromisso na freqüência, na oferta, na oração e no serviço. Nós ampliamos as expectativas de outros em relação a nós mesmos nessas áreas, e tornamos claro que estamos sob a responsabilidade desta igreja local. Nós asseguramos a igreja quanto ao nosso compromisso com Cristo ao servir com eles, e pedimos o compromisso deles quanto a nos servir em amor e nos encorajar em nosso discipulado.
Neste sentido, a membresia é uma idéia bíblica. Dentre outras coisas, procede do uso que Paulo faz da imagem do corpo para a igreja local. Procede de Cristo nos salvando por Sua graça e colocando-nos nas igrejas para servi-lO em amor enquanto servimos uns aos outros. Procede de nossas obrigações mútuas expressas nas passagens das Escrituras que falam sobre "juntos" e "uns aos outros". Tudo isso está encapsulado no pacto de uma igreja saudável.
Não deveria ser nenhuma surpresa que quando se traz a visão quanto ao evangelismo, conversão e Evangelho para mais para perto da Bíblia há implicações quanto à forma como se concebe a membresia de igreja. Quando isso ocorre começamos a ver a membresia menos como uma ligação frouxa eventualmente útil e mais como uma responsabilidade regular que envolve as vidas uns dos outros para o progresso do evangelho.
Não é nada incomum haver um abismo entre o rol de membros de uma igreja e o número de pessoas ativamente envolvidas. Imagine uma igreja de 3.000 membros com uma freqüência regular de apenas 600. Temo que, infelizmente, muitos pastores evangélicos hoje se orgulham mais da membresia declarada do que se incomodam com a baixa freqüência. De acordo com um recente estudo da Convenção Batista do Sul, isto é normal nas igrejas da denominação. A igreja batista do sul típica tem 233 membros e 70 pessoas no culto dominical matutino. Será que a nossa igreja está em melhor estado? Que congregações têm orçamentos que igualam – para não dizer excedem - 10% das rendas anuais combinadas dos seus membros?
Com exceção dos casos em que há limitações físicas que impedem a freqüência ou problemas financeiros que impedem a oferta, esta situação não sugere que a membresia vem sendo apresentada como não necessariamente requerendo envolvimento? Afinal o que este número de membros significa? Números escritos podem tornar-se ídolos tão facilmente quanto imagens esculpidas - talvez até mais facilmente. Entretanto será Deus que um dia avaliará nossas vidas, e Ele verificará o peso do nosso trabalho, creio eu, em vez de contar nossos números. Se a igreja é um edifício, então nós devemos ser tijolos nele; se a igreja é um corpo, então nós somos seus membros; se a igreja é a família da fé, presume-se que nós fazemos parte dessa família. Ovelhas permanecem no rebanho, e ramos na videira. Biblicamente, se uma pessoa é cristã ela precisa ser membro de uma igreja. Deixando os aspectos particulares de lado - se o rol de membros é mantido em fichários ou em discos de computador – o certo é que não devemos deixar de congregar-nos (Hebreus 10:25). Esta condição de membro não é um simples registro de uma declaração que fizemos uma vez no passado ou o apego a um lugar familiar. Deve ser o reflexo de um compromisso vivo, ou então é inútil e até mesmo pior que inútil: é uma condição perigosa.
Membros descompromissados confundem tanto os verdadeiros membros quanto os não-cristãos sobre o que significa ser cristão. E os membros "ativos" não fazem nenhum bem aos voluntariamente "inativos" quando lhes permitem permanecer como membros da igreja; porque a membresia é o endosso corporativo da igreja quanto à salvação de uma pessoa. Mais uma vez, isto deve ser claramente entendido: a membresia em uma igreja é o testemunho corporativo daquela igreja quanto à salvação do membro individual. Entretanto, como pode uma congregação testemunhar honestamente que alguém invisível para ela está correndo a corrida com fidelidade? Se membros deixaram nossa companhia e não foram para alguma outra igreja bíblica, que evidência nós podemos fornecer de que eles alguma vez fizeram parte de nós? Não necessariamente nós sabemos se tais pessoas descompromissadas são ou não cristãs; nós simplesmente não podemos afirmar que elas são. Nós não precisamos lhes dizer que nós sabemos que elas vão para Inferno, nós só não podemos lhes dizer que nós sabemos que eles vão para o Céu.
Para que uma igreja pratique uma membresia eclesiástica bíblica não é preciso perfeição, mas honestidade. Não pede decisões nuas e cruas, mas um verdadeiro discipulado. Não é composto somente de experiências individuais, mas de afirmações corporativas daqueles que estão em aliança com Deus e uns com os outros. Pessoalmente, eu espero ver os números da membresia da igreja em que sirvo tornando-se mais significativos, de tal forma que todos os que são membros de nome tornem-se membros de verdade. Para muitos, isto significou ter seus nomes removidos de nosso rol (mas não de nossos corações). Para outros, significou um compromisso renovado com a vida de nossa igreja. Novos membros estão sendo instruídos na fé e na vida de nossa igreja. Muitos de nossos membros antigos precisam de instrução semelhante e de encorajamento. Conforme fomos nos tornando a Igreja Batista saudável que éramos historicamente, nossa freqüência voltou a exceder o número de membros mais uma vez. Certamente este deveria ser o seu desejo para a sua igreja também.
A recuperação de uma cuidadosa de membresia de igreja trará muitos benefícios. Tornará o nosso testemunho aos não-cristãos mais claro. Também ficará mais difícil para a ovelha mais fraca vaguear longe do aprisco, enquanto ainda se considera ovelha. Auxiliará a dar forma e foco ao discipulado de cristãos mais maduros. Ajudará nossos líderes eclesiásticos a saberem com mais precisão por quem eles são responsáveis. E em tudo isso, Deus será glorificado.
Ore para que a o rol de membros das igrejas passe a ser algo mais do que é atualmente, de forma que nós possamos conhecer melhor por quem nós somos responsáveis, para possamos orar por eles, encorajá-los e desafiá-los. Jamais deveríamos permitir às pessoas permanecerem no rol de membros de nossas igrejas por razões sentimentais. Biblicamente falando, tal membresia não é membresia alguma. No pacto de nossa igreja nós nos comprometemos a "Caso nos mudemos deste lugar para outro, iremos procurar o mais rápido possível alguma outra igreja onde possamos colocar em prática o espírito deste pacto e os princípios da Palavra de Deus." Esse compromisso é parte integrante de um discipulado saudável, particularmente em nossos dias altamente transientes.
Ser membro de uma igreja significa ser incorporado de forma prática no corpo de Cristo. Significa viajarmos juntos como estrangeiros e peregrinos neste mundo enquanto caminhamos rumo ao nosso lar celestial. Certamente outra marca de uma igreja saudável é uma compreensão bíblica quanto à membresia de igreja.
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