Por: Rubens Muzio
A palavra grega usada para a idéia de proclamação no Novo Testamento é kerygma ou simplesmente “mensagem”. “Pregue a palavra; esteja preparado a tempo e fora de tempo” (2 Tm 4:2) A proclamação autêntica do evangelho é outra marca indispensável para plantar e crescer uma igreja saudável.
A igreja tem uma grande história a contar. Na linguagem comum dos cristãos, a mensagem é que Deus já derrotou “as potestades e principados” em Jesus e possibilitou que homens e mulheres fossem “herdeiros” do Criador. Agora há descanso, paz, restauração e redenção pela fé nEle. Em termos sócio-políticos, a igreja afirma que em meio a esta confusão de revoluções e cosmovisões, a realidade última e verdadeira está a caminho, pois a batalha decisiva teve lugar no Calvário. Esta proclamação do Evangelho é indispensável. Ela nega o universalismo, o humanismo, o agnosticismo ou qualquer outra maneira de se lidar com a pecaminosa e disfuncional condição humana. Jesus é Rei, Senhor e Salvador do Universo! A igreja vive essa história. Sua existência é definida no recriar, reviver, re-encarnar e re-dramatizar esta história da vida, morte e ressurreição de Jesus.
Textos como Romanos 11:25-26; 16:25; Efésios 1:9-10; 3:3-11; 5:32; Colossenses 1:26-27 e 1 Timóteo 3:16, demonstram que o senhorio de Cristo não resume-se apenas no seu domínio sobre a vida dos crentes. Ele tem proporções cósmicas e universais. Os evangelhos iniciam dando destaque a mensagem pregada por João Batista: “... está próximo o reino dos céus” (Mt 3:2). Jesus declara ter sido enviado para anunciar “o evangelho do reino de Deus” (Lc 4:43). A confissão kerigmática ”Jesus é o Senhor” implica obrigatoriamente num movimento para fora, em direção ao mundo. A Igreja reconheceu que o reino reconciliador, redentor desse Senhor é um reino universal que abraça todas as nações. “Jesus é o Senhor” significa “Jesus é o Senhor do mundo”. A Igreja não se pode furtar ao fato de que confessar que Jesus é o Senhor a faz voltar-se em grande escala para a sua própria universalidade – um movimento para fora, em direção as nações. Isso nos é apresentado de forma dramática na Grande Comissão de Mateus 28:19-20: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações”.
Sendo assim, a proclamação tem basicamente duas direções. Primeira, o evangelho deve ser proclamado na igreja. Somos informados de que a igreja é feita de joio e trigo (Mt 13:25, 30, 36), existem ovelhas e bodes no rebanho (Mt 25:32). O joio e o trigo crescerão juntos. A lição das cinco virgens néscias nos lembra que precisamos estar vigilantes a todo o tempo para encontrar o noivo. A separação, contudo, terá lugar no dia do julgamento. De fato, na igreja existem “igrejeiros”, “consumidores”, participantes, interessados e também existem os cristãos. O evangelismo na igreja é um ministério necessário. Existe uma imensa necessidade de reavivar a igreja, acordá-la do seu sono e capacitá-la para a ação. Segunda, o evangelho deve ser proclamado fora da igreja. Como Jesus disse, “este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo” (Mt 24:14), em todas as cidades, bairros, vilarejos, grupos étnicos, tribos indígenas.
O conteúdo da proclamação cristã é Jesus Cristo. A dimensão kerygmática do Novo Testamento se focaliza em Jesus como Senhor, Cristo e Salvador. João nos fala claramente que “aos que o receberam, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1:12). No entanto, o que constitui a proclamação? Bultmann entendeu a proclamação primariamente em termos de uma palavra ativa e efetiva, desafiando os seus ouvintes a uma decisão existencial. A proclamação que cause impacto e que seja persuasiva deve ter um bom conteúdo. A proclamação do evangelho feita por Paulo focalizava a pessoa de Cristo (Gl 1:16) e, mais especificamente, o Cristo crucificado e ressurreto dos mortos (1 Co 1:23; 15:23). A centralidade da cruz de Cristo tem sido por muito tempo um tema de destaque na teologia e espiritualidade evangélicas. McGrath insiste que
... a Cristologia desempenha um papel decisivo na teologia e reflexão espiritual evangélicas, e fornece à teologia evangélica tanto a sua coerência intelectual quanto o seu foco evangelístico e espiritual. A questão “quem é Jesus Cristo?” é, desta maneira, determinante para todo o empreendimento teológico evangélico (ano, pág).
A igreja evangélica não é um movimento imperialista, de cruzada nacional, fazendo do Brasil um país cristão, tomando conta da sua história, controlando da política à economia. Sua função é reviver e re-dramatizar os principais atos de uma peça viva que já tem capítulos bem definidos: o ministério, vida, morte e ressurreição de seu fundador. Não podemos esperar mais do que isso na vida cristã. Fazendo isso, entenderíamos melhor o significado do sofrimento, dor e morte.
Sempre que o evangelho é pregado, esta questão do sentido e significado último da história humana (e por que não da nossa estória de vida?) é exposto. Cristo se torna a chave para se entender a história. O sucesso não se encontra por detrás do projeto pessoal, prédios construídos ou programas ministeriais. O crescimento da igreja local ou desenvolvimento mental não é mero fruto do planejamento estratégico e trabalho duro. É ilusão achar que uma história pessoal de sucesso dará significado à sua existência, sua vida. O evangelho nos chama de volta à verdadeira chave, segredo da história: Jesus. O sentido não está no processo, na estrutura em si, mas que a história encontrará o significado que Deus deu a ela em Cristo Jesus. Não há nada mais crucial e decisivo na história que Jesus, através de quem todas as coisas vieram a existir e em quem tudo achará sua consumação (Newbigin, Logic of Mission).
Se orar é falar com Deus, então pregar é falar com pessoas sobre a Palavra, a vontade revelada, a cosmovisão de Deus. A pregação – evangelística e profética é uma grande responsabilidade. Ela requer estudo e diligência para a correta disseminação da Palavra. Como um grande pregador já disse: um pregador que deixa de estudar perde o seu direito à pregação. Martinho Lutero, filho de mineiro, costumava dizer que é preciso bater no texto inúmeras vezes, como a picareta quebrando a rocha insistentemente, até que finalmente encontra-se a jóia escondida por detrás das camadas externas. Uma rápida pesquisa online no Google e superficial visita aos sites de sermões em busca de mensagens com 3-4 pontos para pregar-se no domingo, não irão produzir bons resultados. Além de ser plágio.
Essencial para a proclamação é a autoridade: a ênfase evangélica sobre a autoridade de Jesus como Ele é revelado nas Escrituras (ao invés de como Ele é construído pelos grupos de interesse ou imaginado na cabeça das pessoas) é profundamente libertadora. Esta crença evangélica fundamental foi declarada com uma integridade eletrizante na Declaração de Barmen (1934) quando Hitler tentava fortalecer sua influência sobre uma igreja alemã culturalmente condicionada, antes de ela ser completamente seduzida pelo nazismo:
- Jesus Cristo, tal como ele é descrito para nós na Santa Escritura, é a Palavra de Deus que temos que ouvir e na qual temos que confiar e obedecer na vida e na morte
- A igreja cristã é a congregação de irmãos e irmãs na qual Jesus Cristo age presencialmente como o Senhor em Palavra e sacramento, através do Espírito Santo. Como igreja de pecadores perdoados, ela deve sustentar o seu testemunho em meio a um mundo pecaminoso, com a sua fé e obediência, com sua proclamação e com sua ordem, de que ela é posse dele apenas, e que ela vive e espera viver apenas a partir do seu conforto e da sua direção na expectativa da sua aparição... (McGrath, ano, p. 135).
Dietrich Bonhoeffe, teólogo-pastor-espião, enforcado durante a segunda guerra, costumava dizer que muitos cristãos se juntaram como urubus ao redor da carniça da graça barata e beberam o veneno que matou o discipulado de Cristo. A essência da pregação cristã primitiva deve ser a proclamação da morte, ressurreição e exaltação de Jesus, que leva à apreciação e aceitação de Sua pessoa como Senhor e Cristo, confrontando as pessoas com a necessidade de perdão dos seus pecados e sua aceitação como filhos de Deus. Esta mensagem sustenta que Jesus Cristo torna possível uma nova forma de existência evocada através de uma regeneração realizada por Deus nos crentes enquanto são conformados e transformados à imagem e semelhança de Cristo.
A pregação do Evangelho exige uma resposta de fé. Esta resposta se desenvolve num relacionamento de união com Cristo. Ela deve ser alimentada dentro da comunidade da igreja através da qual o crente encontra uma família, cresce em conhecimento da Sua palavra, desenvolve os seus dons e serve a Deus no mundo. Não se pode apenas pregar e deixar ao Espírito Santo os resultados. A igreja Argentina experimentou o grande perigo disso: após as diversas campanhas evangelísticas feitas pelos pregadores na década de 70 e 80, os milhares de argentinos que “aceitaram” Jesus nas grandes cruzadas foram recrutados e treinados pelos mórmons e testemunhas de Jeová. A igreja pouco cresceu. A obra de alcançar o mundo com o Evangelho não é apenas de plantar a semente, mas de regar, nutrir, colher, cuidar e liberar para o serviço nos campos que Jesus disse estarem prontos para a colheita.
As pessoas não estão procurando melhores argumentos sobre a existência de Deus ou sobre a veracidade do cânon! Elas estão procurando a demonstração de pessoas, aprendizes de Jesus, que estejam vivendo desta forma. Elas estão se perguntando: “Você poderia me mostrar como seria viver de maneira prática em paz e alegria com Cristo? Devemos sempre recordar a assertiva do líder indiano Mahatma Gandhi: “O vosso Cristo eu aceito. O que eu não suporto é o vosso cristianismo”. A igreja demonstra o evangelho da misericórdia, amor e justiça de Deus sendo uma comunidade misericordiosa, amorosa e justa. Isso somente é possível para uma igreja local que, independentemente da dor e falência do mundo, esteja profundamente dominada e seja constantemente mudada pelo evangelho da vida, morte e ressurreição de Jesus. O mundo está para ver o que Deus pode fazer através deste tipo de comunidade!
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