terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Espiritualidade ou misticismo?

AugustusNicodemus Augustus Nicodemus Lopes contrapõe a verdadeira espiritualidade com o novo modelo, praticado pelos cristãos atualmente

Existe em todo o mundo um movimento entre católicos e protestantes que visa resgatar a mística medieval, especialmente as práticas e as disciplinas espirituais dos monges e freiras da Idade Média, como modelo para uma nova espiritualidade hoje. Esse movimento, geralmente conhecido como "espiritualidade", tem sido defendido por líderes católicos e protestantes e apresenta-se como uma reação à frieza, à carnalidade e ao mundanismo da cristandade moderna, especialmente da ala mais conservadora.

Não discordo de tudo o que os defensores da espiritualidade dizem. Quebrantamento, despojamento, mortificação, humildade e amor ao próximo são conceitos bíblicos e encontramos esses conceitos em vários dos seus escritos. Meu problema não é tanto o que eles dizem, mas o que eles não dizem ou dizem muito baixinho, a ponto de se perder no cipoal de outros conceitos.

Sinto falta, por exemplo, de uma ênfase na justificação pela fé em Cristo, pela graça, sem as obras ou méritos humanos, como raiz da espiritualidade. Uma espiritualidade que não se baseia na justificação pela fé e que não nasça dela está fadada a virar, em algum momento, uma tentativa de justificação pela espiritualidade ou pela piedade pessoal, uma tentativa de se chegar a Deus de forma direta e imediata, sem a mediação de Cristo. Não estou dizendo que os defensores da espiritualidade neguem a justificação pela fé somente - talvez os defensores católicos o façam, pois a doutrina católica de fato anatematiza quem defende a salvação pela fé somente. O que estou dizendo é que não encontro essa ênfase à justificação pela fé em Cristo nos escritos que defendem a espiritualidade.

Sinto falta, igualmente, de uma declaração mais aberta e explícita de que a espiritualidade começa com a regeneração, o novo nascimento, e que somente pessoas que nasceram de novo e foram regeneradas pelo Espírito Santo de Deus é que podem realmente se santificar, crescer espiritualmente e ter comunhão íntima com Deus. A ausência da doutrina da regeneração no movimento pode dar a impressão de que por detrás de tudo está a idéia de que a religiosidade natural, inata, do ser humano, por causa da imago dei, seja suficiente para uma aproximação espiritual em relação a Deus mediante o emprego das práticas devocionais.

O caráter progressivo na santificação também está faltando na pregação do movimento. Quando não mantemos em mente o fato de que a santificação é imperfeita nesse mundo, que nunca ficaremos aqui totalmente livres da nossa natureza pecaminosa e de seus efeitos, facilmente podemos nos inclinar para o perfeccionismo, que ao fim traz arrogância ou frustração.

Também gostaria de ver mais claramente explicado o que significa imitar a Jesus, um ponto que é bastante enfatizado no movimento. Até onde sei, Jesus não era cristão. A religião dele era totalmente diferente da nossa. Nós somos pecadores. Jesus não era. Logo, ele não se arrependia, não pedia perdão, não mortificava uma natureza pecaminosa, não lamentava e chorava por seus pecados. Ele não orava em nome de alguém e nem precisava de um mediador entre ele e Deus. Ele não sentia culpa pelo pecado - a não ser quando levou sobre si nossos pecados na cruz. Ele não precisava ser justificado de seus pecados e nem experimentava o processo crescente e contínuo de santificação. A religião de Jesus era a religião do Éden, a religião de Adão e Eva antes de pecarem. Somente eles viveram essa religião. Nós somos cristãos. Eles nunca foram. Jesus nunca foi. Como, portanto, vou imitá-lo nesse sentido? É esse tipo de definição e esclarecimento que sinto falta na literatura da espiritualidade, que constantemente se refere à imitação de Cristo sem maiores qualificações. Quando vemos Jesus somente como exemplo a ser seguido, podemos perdê-lo de vista como nosso Senhor e Salvador. Quando o Novo Testamento fala em imitarmos a Cristo, é sempre em sua disposição de renunciar a si mesmo para fazer a vontade de Deus, sofrendo mansamente as contradições (Fp 2.5; 1Pe 2.21). Mas nunca em imitarmos a Jesus como cristão, em suas práticas devocionais e na sua espiritualidade.

Faltam ainda outras definições em pontos cruciais. Por exemplo, o que realmente significa "ouvir a voz de Deus", algo que aparece constantemente no discurso dos defensores da espiritualidade? Quando fico em silêncio, meditando nas Escrituras, aberto para Deus, o que de fato estou esperando? Ouvir a voz de Deus com esses ouvidos que um dia a terra há de comer? Ouvir uma voz interior? Sentir uma presença espiritual poderosa, definida, que afeta inclusive meu corpo, com tremores, arrepios? Ver uma luz interior, ou até mesmo ter uma visão do Cristo glorificado e manter diálogos com ele, como alguns dizem ter experimentado? Ou talvez essa indefinição do que seja "ouvir a voz de Deus" seja intencional, visto que a indefinição abriga todas as coisas mencionadas acima e outras mais, unindo por essas experiências vagas pessoas das mais diferentes persuasões doutrinárias e teológicas, como católicos e evangélicos, conservadores e liberais?

Por todos esses motivos acima, nunca realmente me senti interessado na espiritualidade proposta por esse movimento. Parece-me uma tentativa de elevação espiritual sem a teologia bíblica, uma tentativa de buscar a Deus por parte de quem já desistiu da doutrina cristã, das verdades formuladas nas Escrituras de maneira proposicional. Prefiro a espiritualidade evangélica tradicional, centrada na justificação pela fé, que enfatiza a graça de Deus recebida mediante a Palavra, os sacramentos e a oração e que vê a santidade como um processo inacabado nesse mundo, embora tendo como alvo a perfeição final.

Enfim. Deus me guarde de ir contra a busca de uma vida cristã superior, de desenvolver a vida interior. Que Ele igualmente me guarde de qualquer tentativa de alcançar isso que não esteja solidamente embasada em Sua Palavra.
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Por: Augustus Nicodemus Lopes

Fonte: O Tempora, O Mores! Via: SOBERANA GRAÇA

2 comentários:

  1. Exemplo típico do que o prezado comenta esta em: http://cirozibordi.blogspot.com/2010/02/semana-nacional-de-oracao-e-jejum.html

    Ou seja, é passada uma idéia de piedade sob convocação nacional.
    Em meu blog há um artigo com várias perguntas feitas ao Pr. Ciro e pelo que vejo ele não tem respostas.

    Como tem relação com o assunto abordado as deixarei aqui e quem sabe alguem podera dar algumas respostas.
    E com relação ao jejum? Jesus por acaso não cumpre a promessa de estar conosco (começando com os apóstolos) todos os dias até a consumação dos séculos?

    E se Ele está não apenas conosco, mas principalmente em nós (como morada, tabernáculo) porque muitos utilizam o versículo de Mateus 9 "mas quando o noivo for tirado então jejuarão", argumentando que Jesus não está fisicamente conosco então isso valida o jejum na Nova Aliança.

    Minha pergunta é: Não estaremos tendo a mesma atitude de Tomé?
    Jesus tratava do Espiritual ou material (natural)?
    Somos chamados a crermos sem ver ou temos de ver?
    Segundo Mateus 9:14-19, Jesus era alfaiate e vinhateiro?
    Estaria ele ensinando como fazer um remendo ou fazer vinho?
    Todo o cap. em João 16 trata de que afinal? Não é referencia direta a Mateus 9?

    As antíteses sobre jejum X Jesus, ditas pelo próprio Jesus não significam nada no contexto desse assunto?

    Corrija-me se estiver errado. Jejum não significa desde o VT morte e luto (Davi antes da morte do seu filho com Beteseba e depois da morte de Saul), choro, separação, tristeza profunda, falta de força (fraqueza), desânimo, lembrança do pecado, medo, covardia (Pedro nega a Jesus) e outras coisas afins?

    A não ser para os fariseus que transformaram o ato em uma demonstração de “espiritualidade superior” e orgulho (jejuo duas vezes na semana e dou o dizimo...)

    Jesus conosco não significa: vida, alegria extrema, casamento, festa, núpcias, reconciliação, força e vigor, ânimo, perdão dos pecados, intrepidez, coragem (Pedro pregando Jesus em Atos 2 e 4) e presença do outro consolador.

    Precisamos fazer mais um sacrifício pessoal para agradar a Deus?

    Jejum, biblicamente, pode ser taxado de sacrifício? Onde há essa referencia?

    A linguagem irônica que Deus usa em Zc. 7, não quer dizer nada?
    “Foi para mim mesmo que vocês jejuaram todos esses anos?
    E quando vocês comeram e beberam, pra quem foi?”

    Isaias 58 trata do falso jejum em relação ao verdadeiro e vejam, se eu receber uma nota falsa, mesmo que seja de R$100,00, ela continuará falsa, não adianta eu tentar apagar o lobo que está impresso nela, pintar a garoupa e repassar adiante. Estarei cometendo crime, e incentivando a pratica de outras falsificações futuras.

    O falso deve ser rasgado, eliminado, substituído totalmente e não repintado para dar aparência de verdadeiro.

    É o que trata genericamente o livro de Hebreus.

    Será que o véu do templo, que foi rasgado de cima para baixo (na hora da morte de Jesus), foi recosturado ou remendado? Por quem?

    Deus, em Isaias 58 NÃO diz: “Façam jejum, mas alimentem os famintos e vistam os nus...”
    Isso é interpretação particular da pior espécie.

    O texto é exclusivo e não aditivo. (Está claro que deve-se fazer uma escolha entre duas coisas).

    Deus diz: “NÃO façam mais isto (ficar sem comer e sem beber com cara de sofredor) ou seja, o que quero que façam é alimentar os que tem fome, que vistam os nus, etc”

    Não podemos chupar cana e assoviar ao mesmo tempo.

    Será que Jesus revogou Is58 e Zc 7? Ou aprovou, em Mateus 9?

    Jejum nos torna mais santos? Ou mais espirituais?

    Os elementos de santificação são: O SANGUE DE JESUS, A PALAVRA DE DEUS e O ESPIRITO SANTO.

    Será que jejum é superior aos três?

    Os líderes modernos não estariam levando as ovelhas na mesma direção do farisaísmo?

    Tenho ainda outras perguntas pertinentes, mas primeiro aguardarei a respostas destas.

    Em Cristo, presente, conosco e em nós, sempre

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  2. Graça e paz Gilson.
    As respostas que você busca não podem deixar de ser respondidas, mas também não dá para respondê-las sem um bom respaldo bíblico e não no "achismo", ou mesmo com base bíblica, porém de forma superficial. Eu te prometo que estarei lhe respondendo muito em breve através de uma postagem, não sei se irá satisfazê-lo, mas responderei dentro do que eu vejo na Bíblia sobre esse assunto.
    Fique na Paz!
    Pr. Silas

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