"Precisamos viver uma vida mais revolucionária que a dos revolucionários." Irmão André
Vamos
pensar nesses termos em seu sentido mais básico e universal. O que são
as tradições em si? Apenas o saber humano acumulado ao longo do tempo e
cristalizado em linguagens, costumes, valores morais, comportamentos,
leis. Nada são, se Deus não as sanciona, ou seja, se não procedem da
sabedoria divina. E o que são as revoluções? Apenas as mudanças radicais
e corajosas.
Nessa
apreciação mais ampla da palavra, Jesus foi, sim, um grande
revolucionário em sua época. Ele desafiou e aboliu as tradições vazias
do judaísmo que vigorava então, oferecendo a quem desejasse um
relacionamento profundo e verdadeiro com Ele, a fonte de vida. Da mesma
forma, podemos dizer que nossa fé é revolucionária: enquanto todas as
demais religiões enaltecem o mérito humano, pois procedem do coração
enganoso, viver na graça de Deus será sempre novidade de vida enquanto
estivermos neste mundo. Por outro lado, Jesus deixou muito claro que não
vinha para abolir a Lei judaica, mas para a cumprir. Reportava-se
sempre ao Antigo Testamento como fonte de verdade, assim como fazemos
hoje em relação à Bíblia inteira. Ele não jogou tudo fora, muito pelo
contrário: seus embates com os fariseus objetivavam restabelecer o
espírito original e legítimo da Lei. Assim, Jesus também foi um
conservador, afirmando o sentido correto de uma tradição que não vinha
de mãos humanas, mas havia sido entregue aos homens pelo próprio Deus.
A
questão central, como o leitor já deve ter percebido, não é a postura
conservadora ou a postura revolucionária em si, mas a boa triagem do que
se deve conservar e do que se deve abolir - um equilíbrio que deve ser
mantido tanto no nível individual quanto no da sociedade, já que tal
equilíbrio é responsável pelo progresso. Não se consegue muito na vida
apegando-se demais ao passado, sem critério algum; muito menos
projetando tudo para o futuro, sem o devido apreço por aquilo que
funciona adequadamente há gerações.
Tendo
dito isso, passo a considerar o sentido moderno e contextualizado no
mundo ocidental dos termos "conservador" e "revolucionário". Afinal,
palavras e conceitos não são unívocos, mas ganham sentidos específicos
de acordo com cada tempo e cultura. Assim, há certo consenso em torno
dos termos "conservador" e "revolucionário" hoje quando usados como
"termos técnicos", ou seja, por gente que entende minimamente de
política.
Esse
sentido, moderno e contextualizado, obviamente tem história, e sua
história se confunde com a do próprio cristianismo ocidental. Através da
graça comum de Deus, o Ocidente passou a moldar-se pela ampla
influência da igreja cristã, desde os tempos do primeiro imperador
cristão, Constantino (272-337), dando um fim aos aspectos mais cruéis
dos costumes romanos. Esse processo gerou aos poucos um consenso
cultural em torno de valores legitimamente bíblicos, tais como: a
apreciação incondicional pela vida humana independentemente de status
social; o amor como mais alto ideal; o amor pelos inimigos; a
importância da interioridade; a inviolabilidade da consciência; o
cuidado com os mais fragilizados da sociedade (pobres, estrangeiros,
órfãos e viúvas); a valorização da mulher e da criança, e muitos outros.
Se você abre sua Bíblia, encontra nela esses valores e concorda com
eles de imediato, como se respondesse "é óbvio" à Palavra de Deus, não
se engane: foram necessários séculos para que você chegasse a esse
estado. A graça comum de Deus gerou consensos na cultura e você, leitor,
como ser social, também é fruto desses consensos.
No
século XIX, Karl Marx (1818-1883) definiu toda a realidade em torno do
conceito de luta de classes. Para ele, uma sociedade igualitária seria
desprovida de classes sociais, diferenças econômicas e divisão do
trabalho. Ora, tal nivelamento não-natural dos indivíduos só pode ser
conseguido através de um poder gigantesco que atue em duas frentes:
coerção violenta (prisões arbitrárias, execuções sumárias, instituição
do crime de consciência) e pressão ideológica onipresente (controle
estatal da mídia e da educação). Assumido como tarefa do Estado, tamanho
ideal aniquilava as vocações pessoais, as benesses merecidas por
esforço, o livre pensar, a individualidade. O povo precisava deixar
seus princípios mais básicos de lado e consentir com assassinato, roubo,
mentira, manipulação, tudo em nome da idolatria ao Estado. Quem não se
adaptasse seria suprimido - por isso os regimes comunistas e socialistas
mataram tanto na antiga União Soviética, na China, e ainda matam em
Cuba e na Coreia do Norte.
Nos
países mais democráticos, imaginava-se que, expandindo-se o marxismo
pelo mundo, o proletariado se levantaria naturalmente para lutar pela
causa socialista. Tal não ocorreu, e os ideólogos da Escola de Frankfurt
culparam os valores cristãos pela ausência de um espírito
revolucionário espontâneo. O Deus cristão, zeloso e exclusivista, passou
a ser novamente o alvo maior por parte de poderosos e aspirantes ao
poder, tal como havia sido na época do Império Romano. A diferença é
que, enquanto a ambição dos ditadores romanos não era totalitária, a
nova ideologia coletivista demandava que essa idolatria fosse prestada
de coração, substituindo por completo tanto a consciência individual
inviolável perante Deus quanto os limites morais em conformidade com os
dez mandamentos e os ensinamentos de Jesus. Para isso, em prol da
revolução por vir, conforme concluíram esses ideólogos, a "cultura
judaico-cristã" teria de ser combatida. Sob as bandeiras da modernidade,
do progressismo, da juventude e do amor, as mentes revolucionárias de
nosso tempo buscam solapar toda ideia do Deus cristão, negando o certo e
o errado, a moral sexual, os laços familiares, a noção dos deveres.
Intentam criar uma geração de pessoas vazias, mesquinhas e devassas,
mais facilmente corruptíveis ou manipuláveis.
Esses
são os "revolucionários" de hoje, que, além da revolução socialista
propriamente dita, geralmente defendem causas relacionadas ao marxismo
cultural, ou pensamento politicamente correto, aferrando-se ao
feminismo, ao movimento gay, às ações afirmativas, à negação de qualquer
autoridade (divina ou constituída por Deus), a projetos de
descriminalização do aborto, do infanticídio (cf. Peter Singer) etc. Em
contraste, os conservadores ocidentais (sempre nessa segunda acepção,
mais específica) são os não-socialistas que se importam com a manutenção
do substrato cristão na cultura, cujos ideais são frontalmente opostos
aos anteriores. Esses sabem que a preservação dos valores cristãos que
compõem a civilização judaico-cristã é fundamental para impedir a morte e
a destruição de pessoas e sociedades - em um sentido literal. Sabem
que, quando abençoa a cultura, o cristianismo:
- protege o indivíduo, impedindo a injustiça e a opressão máxima, inclusive a estatal (pois estamos todos igualmente debaixo de autoridade divina e a ela respondemos);- protege os laços familiares (pois milita contra o divórcio e o adultério);- protege a mulher do abandono e da maternidade enquanto solteira (pois a ajuda a guardar-se para um homem que realmente se comprometa com ela);- protege a criança no ventre e fora do ventre (pois abomina o aborto, o infanticídio e os abusos sexuais).
Esses
são aspectos concernentes à graça comum. Mas sabemos que o cristianismo
ultrapassa em muito os benefícios para esta vida, iniciando-se com a
morte do velho homem e o renascimento espiritual em Cristo. Assim, caso
sejam cristãos verdadeiramente convertidos, os conservadores conseguirão
escapar ao moralismo raivoso e infrutífero que por vezes os
caracteriza, salgando e iluminando a terra, ao mesmo tempo em que
apontarão para a necessidade de conservar, sem tradicionalismos vãos,
mas de modo vívido e atento, todas as bênçãos advindas da graça comum de
Deus para a sociedade, através da infusão da Bíblia na cultura. E é por
amor que o farão.
É claro
que, na prática, o espectro de variações é enorme. Há os conservadores
naturais, pouco afeitos a mudanças, e os revolucionários naturais,
muitas vezes "rebeldes sem causa". No âmbito político, além de
conservadores e revolucionários, há os liberais, que defendem o Estado
mínimo mas, presas de um economicismo que é quase a outra face da moeda
marxista, não se importam com o fim dos valores cristãos na cultura; nos
EUA, há os "neocons", menos apegados ao cristianismo. Mas atenção: no
Brasil, "direita" é coronelismo e militarismo; nunca houve um verdadeiro
conservadorismo histórico em nosso país. Existem esquerdistas
moderados, não totalitários, mas são bichos raros na América Latina,
continente rico de vitimizações e antigos complexos de colônia, onde se
espera que tudo venha do governo. O Brasil, infelizmente, tende à
esquerda "deixe que o governo faça por você". Entre os cristãos, além
dos conservadores convictos, há muitos conservadores inconscientes que
simpatizam de longe com a esquerda somente pela "causa social". Conheço
alguns deles e, quando encontro abertura, procuro ajudá-los a
compreenderem melhor sua posição. E há muitos esquerdistas cristãos que
tentam, sem sucesso, preservar a ideologia, rejeitando o relativismo
moral que lhe é inerente e adotando apenas o amor aos pobres e o sonho
de uma sociedade igualitária. O problema é que, ao sancionarem regimes
como o de Cuba ou demonstrarem indiferença diante das matanças
comunistas, aderem ao relativismo moral inescapavelmente (em outras
questões também, via de regra - e quanto mais socialistas, mais tenderão
a confundir revolução com Reino de Deus).
Ainda uma nota sobre Francis Schaeffer. Quando o grande apologista escreveu isto:
"A maior injustiça que se pode pedir a um jovem é pedir que ele seja conservador. O cristianismo não é conservador, mas revolucionário. Ser conservador é não entender o principal, pois o conservadorismo significa permanecer na corrente do status quo, e isso não mais nos pertence."
Espero
que tenha ficado claro agora, com meu artigo, que ele se referia ao
sentido universal de "conservador", e não ao sentido moderno, político.
Na política, Schaeffer era indiscutivelmente conservador, ou seja, não
comungava de modo algum com os ideais esquerdistas. Se você não leu o
suficiente de sua obra para constatar isso, fique atento, pois pretendo
escrever mais sobre o tema "Schaeffer conservador" no futuro. Se tiver
pressa, porém, leia O grande desastre evangélico e Como viveremos, e
depois venha falar comigo nos comentários.
Por fim,
uma observação pessoal. É no sentido político que me considero
conservadora, e não no sentido amplo. Nunca deixei de ter coragem para
mudar, e quem me conhece há muitos anos sabe disso. Aliás, minhas
inclinações naturais sempre foram progressistas em vários aspectos, mas
foi Deus que me ensinou a abandonar os deslimites tão daninhos
incentivados hoje pela cultura e a abraçar Seus limites protetores.
Glória a Ele por isto!
_________________________
Sobre a autora: Norma Braga é doutora em literatura francesa pela UFRJ e mestranda em teologia filosófica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper.
Fonte: Norma Braga Via: Bereianos
Sobre a autora: Norma Braga é doutora em literatura francesa pela UFRJ e mestranda em teologia filosófica pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper.
Fonte: Norma Braga Via: Bereianos
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