Por Carlos Osvaldo Pinto
A existência do mal, em suas variadas
formas, mas particularmente naquelas que são aparentemente
injustificadas, levanta dificuldades lógicas e psicológicas quanto à
existência e/ou ao caráter de Deus. Embora raramente isso seja levantado
pelos que argumentam contra a existência de Deus por causa da presença
do mal no universo, o problema não é uma questão de grau, mas de simples
existência.
“Mal” é um termo de difícil definição,
em particular devido à natureza limitada de nosso conhecimento e à falta
de um acordo quanto à perspectiva a partir da qual tentar uma
definição.
Via de regra, mesmo teístas ardorosos
acabam adotando uma definição antropocêntrica do mal, e isso lhes
dificulta um tratamento exegético adequado da evidência bíblica.
Por outro lado, uma definição mais teocêntrica fecha a possibilidade de um diálogo significativo com os “ateólogos”.
Em geral, um evento é entendido como “mal” (ou, se quisermos adjetivar, “mau”) se:
- Causar algum dano (de qualquer dimensão) ao bem estar físico e/ou emocional de uma criatura capaz de sensação;
- Ocorrer algum tratamento desumano ou injusto de uma criatura capaz de sensação;
- Causar perda de oportunidade ou desenvolvimento por causa de doença e/ou morte, particularmente “prematura”;
- Impedir que um indivíduo leve uma vida significativa e/ou virtuosa;
- Violar algum código moral ou roubar direitos essenciais a alguém;
- Constituir a “privação” ou a deterioração de algum “bem”.
Taxonomia do Mal
Mal Moral. Esta
categoria engloba males que resultam do mau uso da capacidade de escolha
de algum agente moral. Inclui atos específicos de “maldade” (mentira,
desonestidade, violência, destruição) em maior ou menor grau.
Mal Natural. Em
contraste com o mal moral, o mal natural resulta da operação de
processos naturais, nos quais nenhum agente moral pode ser
responsabilizado pelo dano resultante. Exemplos clássicos são desastres
naturais como furacões e tornados, terremotos e maremotos, deslizamentos
de terra e enchentes, e também doenças devastadoras como a leucemia e o
mal de Alzheimer.
Uma qualificação importante
Boa parte do que é considerado males
naturais consiste, na verdade, de males morais precipitados por
negligência, ganância ou pura e simples estupidez humana.
- Câncer no pulmão pode ser causado por fumo inveterado.
- Destruição em massa num terremoto pode ser causada pela ganância de empreendedores ou neligência de governantes (ou ambos).
- Enchentes têm como causa frequente a irresponsabilidade de cidadãos e/ou governantes.
Quando causados pelo exercício da
vontade de agentes morais, tais males são melhor qualificados como
morais, ou pelo menos híbridos, i.e., males naturais exacerbados por
erros de natureza moral.
Uma maneira alternativa de dizer isso
seria classifcar como males naturais apenas aqueles cuja ocorrência não
pode ser atribuída a agentes morais meramente humanos.
Uma categoria à parte é a do chamado mal hediondo, no qual agentes morais exacerbam a violência, a crueldade, a desumanidade em nome de preferências ou ojerizas pessoais.
Holocausto
- Linchamentos tipo Ku-Klux-Klan (e garotões de Brasília)
- Cárceres privados e incestos
- É geralmente essa categoria de males que provoca o desafio dos ateólogos à existência de Deus.
Maneiras Excludentes de Lidar Com o Problema
Ilusionismo – Negar a realidade do mal
Monismos orientais e ocidentais advogam que há uma única realidade e que o mal é uma ilusão.
- O hinduísmo tradicional diz que todo o mundo material é maya (ilusão).
- Baruc Spinoza argumentou que nada pode ser taxado de mau pois faz parte da infinita bondade do quadro total.
- Ciência Cristã afirma que “o mal . . . Não tem base real. É um erro do homem mortal.”
Respostas ao Ilusionismo
A impressão da existência do mal é uma persistência universal. Como explicar essa impressão?
Será que é prova de bom senso negar
totalmente a percepção sensorial de todas as pessoas? Isso tornaria a
própria percepção do panteísta altamente suspeita.
Se o mal é apenas ilusão, por que a dor que ele causa é real no nível mais íntimo do ser humano?
O Ateísmo – Afirmar a realidade do mal e negar a realidade de Deus
Um silogismo famoso (Epicuro, Hume, etc.)
- Se Deus é Todo-Poderoso, Ele pode eliminar o mal.
- Se Deus é Todo-Benevolente, Ele eliminará o mal.
- Mas, o mal continua a existir.
- Logo, Deus como entendido pelos teístas, não existe.
- I.e., se existir, não será onipotente.
- I.e., se existir, não será onibenevolente.
O Ateísmo – Negar a bondade de Deus ou negá-lO como a Realidade Última.
Um outro silogismo
- Ou (1) nosso senso moral existe porque Deus quis assim ou (2) Deus quis assim porque o senso moral sempre existiu.
- Se (1) é fato, Deus é arbitrário quanto ao que é certo, e não é essencialmente bom.
- Se (2) é fato, Deus não é a Realidade Última, pois ao menos uma vez esteve sujeito a algum padrão externo.
- Em qualquer um dos casos acima, ou em ambos, Deus não é o que os teístas reivindicam.
- Logo, Deus como entendido pelos teístas, não existe.
O Ateísmo – Há outras abordagens usadas por ateólogos para propor a inexistência de Deus ou a improbabilidade de Sua existência.
Deus e o mal são logicamente incompatíveis.
Deus e o mal são praticamente incompatíveis.
Deus poderia ter criado um mundo sem a presença do mal.
- Esta é a forma mais comum de crítica ao teísmo cristão em nossos dias.
- Ela não precisa recorrer às pressuposições embutidas nos silogismos anteriores.
Respostas Cristãs ao Ateísmo
Jay Adams ilustra uma abordagem calcada na soberania de Deus, baseando-se em Rm 9.17 (no livro The Grand Demonstration: A Biblical Study of the So-Called Problem of Evil, 1991), e argumentando que o propósito do mal (e da misericórdia) é revelar a natureza de Deus.
Vários outros autores seguem em parte o
argumento de Leibnitz (este é o melhor dos mundos possíveis), sugerindo
que embora este não seja o melhor dos mundos, é o melhor (e necessário)
caminho para o melhor dos mundos (onde sequer a possibilidade do mal
venha a surgir eternamente).
Para que o mal inexistisse, Deus poderia
(a) não ter criado mundo algum;
(b) ter criado um mundo sem criaturas livres;
(c) ter criado um mundo onde criaturas livres não pecassem;
(d) ter criado um mundo onde criaturas livres pecassem.
A resposta teísta à alegação dos
ateólogos que os cenários (a), (b) e (c) são melhores que o cenário (d) é
que o cenário (d) é o caminho para que tais criaturas livres
eventualmente fossem definitiva e eternamente livres da presença e da
ameaça do pecado e do mal por uma redenção em que o próprio Deus
experimentasse o maior dos males em favor de Suas criaturas.
Maneiras Abrangentes de Lidar Com o Problema
Aqui afirma-se a realidade de Deus e do Mal.
Dentre várias formas abrangentes, destacam-se:
O Dualismo
O Panenteísmo (ou teologia do processo)
O Finitismo em várias formas
- Deus não é onipotente
- Deus não é onisciente
- Deus não era livre (ou soberano) para não criar
O Dualismo – O Bem e o Mal em eterna oposição
Primeiro argumento dualista
- Bem e mal são antitéticos.
- Nada pode originar o seu oposto.
- Logo, Bem e Mal são eternos.
Resposta teísta
- A segunda premissa só é verdade em termos essenciais, não em termos incidentais.
- Além disso, a existência de opostos não garante a eternalidade de seus primeiros princípios.
Segundo argumento dualista
- Deus é o criador de tudo que existe.
- O mal é algo que existe.
- Logo, Deus é o autor do mal.
Resposta teísta
- A primeira premissa é verdade em termos essenciais, não em termos incidentais. Deus criou os elementos necessários à combustão, mas não os incêndios. Deus concedeu a liberdade, mas não é responsável pelo seu mau uso.
- Além disso, o mal não é uma entidade criada independente, mas a deterioração ou privação de algum bem numa entidade no que tange à sua natureza. Isso não equivale a negar a realidade do mal, mas sua realidade independente.
O Panenteísmo – Deus é coextensivo com a Criação
No panenteísmo o mal é inerente à matéria, que é vista como eterna ou pré-existente
- Deus não é o criador mas o modelador.
- O mal é algo que existe continuamente e será derrotado incrementalmente pela ação conjunta de Deus e dos que O Seguem.
- Deus quer, busca, tenciona, tenta e trabalha para eliminar o mal, mas ainda não tem poder agregado suficiente para fazê-lo.
Resposta teísta
O Neo-Teísmo – Há limitações autoimpostas por Deus ao criar seres moralmente livres.
- O neo-teísmo alega interpretar as Escrituras mais corretamente ao reconhecer limitações em Deus.
- Alega ainda atribuir uma atividade mais direta de Satanás nos chamados males naturais.
- Alega que a liberdade humana seja absoluta (ou libertária) para que Deus seja isento do Mal.
- Define mal (e bem) em termos essencialmente humanos (aquilo que nos causa medo, dor e tensão).
Respostas Teístas ao Neo-Teísmo
- O neo-teísmo lê seletivamente e deixa de lado aspectos contextuais e literários que justificam supostas limitações divinas.
- Concede a Satanás muito mais campo de ação do que as Escrituras sugerem, mesmo à luz de “ele foi homicida desde o princípio” (Jo 8.44).
- Acaba por isentar Deus da responsabilidade pelo bem, já que a criatura é plenamente responsável e livre.
- Desconsidera a glória de Deus como o propósito último e maior do universo (que inclui o desfrute de Deus pela criatura que a Ele responda em fé).
Algumas Sugestões
Precisamos abordar a questão do mal a
partir de uma plataforma de fé, e não apenas de reação aos argumentos
dos ateólogos. Mais precisa ser dito e escrito a partir das Escrituras.
Não basta apontar para os argumentos dos
ateólogos como fruto apenas de uma reação emocional à existência do mal
(embora esse fator me pareça preponderante).
Precisamos cuidar para não sermos
insensíveis à dor genuína, enquanto tentamos não ser coniventes com a
mera especulação diletante.
Precisamos lidar exegeticamente com as alegações do neo-teísmo e com a atitude laissez-faire que ele tende a produzir.
Fonte: Voltemos ao Evangelho
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