Ultimamente, têm havido uma série de tentativas de livrar-se de
qualquer tipo de celebração ou reconhecimento público do verdadeiro
sentido do Natal. A última que li dizia respeito a um grupo ateu que
queria banir “A Charlie Brown Christmas” [no Brasil, Feliz Natal, Charlie Brown
] da televisão. Essas tentativas não nos surpreendem; como foi desde o
início, agora e para sempre, o mundo odeia Jesus, e o odiarão sem causa
(Jo 15.25). Papai Noel e bonecos de neve não ofendem, mas Linus, em
cadeia nacional, citando Lucas 2.8-14 como o verdadeiro significado do
Natal não pode ser tolerado.
Algo que li recentemente, entretanto, foi ainda mais perturbador. Um
pastor que se diz ortodoxo e evangélico estava defendendo que a única
maneira bíblica de entender Deus era por meio de uma “Cristologia
kenótica”. A palavra “kenótica” é retirada de Filipenses 2.7, onde Deus
diz (por meio de Paulo) que Cristo “esvaziou-se a si mesmo”. A palavra
grega para “esvaziou” nos dá a palavra “kenótico”.
Há diferentes versões de teorias da kenosis, dependendo das diferentes visões do que,
exatamente, Cristo esvaziou-se. Qualquer que seja a versão ou visão,
entretanto, o kenoticismo defende que Cristo abriu mão de alguns
aspectos, ou talvez de todos, da sua divindade essencial. Ele parou, de
alguma forma, ou totalmente, de ser Deus. Mas cristãos que desejam
manter o título de “ortodoxo” ou “evangélico” devem reconhecer que
nenhuma versão da cristologia kenótica pode misturar-se com essa
classificação. Assim como J. Gresham Machen censurou o liberalismo por
sua desonestidade, também é o caso aqui. Todos são livres para defender
uma perspectiva tão aberrante quanto o kenoticismo, mas ninguém é livre
para fingir que essas perspectivas são ortodoxas. Como o liberalismo, a
cristologia kenótica não pode ser transplantada no cristianismo
ortodoxo; ela deve ser corretamente rejeitada como uma substância
estranha em um corpo saudável e em crescimento. As razões para isso são
tão básicas quanto a própria ortodoxia.
Primeiro, o texto de Filipenses 2.7 explica o que “esvaziou”
signifca. Paulo não diz que Cristo esvaziou-se a si mesmo de sua
onipotência ou de sua onisciência, ou mesmo de sua divindade, é algo
muito mais radical que isso. Paulo diz que Cristo esvaziou a si mesmo.
Se nada mais fosse dito, então a conclusão seria que Cristo tornou-se
uma pessoa completamente diferente; o “eu” que Cristo era já não
existia. Mas Paulo deixa claro que o esvaziamento de Cristo inclui o
fato de ele não considerar a igualdade com Deus algo a que devia
apegar-se (Fp 2.6). Ou seja, houve um ponto (na eternidade) em que o
Filho de Deus concordou com sua própria humilhação; ele concordou com um
auto-esvaziamento. Mas Paulo prossegue dizendo que o auto-esvaziamento
voluntário de Cristo foi por adição, não subtração. Ele esvaziou a si
mesmo, não subtraindo sua divindade (que é impossível), mas assumindo a forma de servo. Isto é, o esvaziamento
de Cristo envolve assumir algo (uma natureza humana) que em si
pressupunha humildade (uma humildade, devemos destacar, que essa
passagem afirma que os cristãos devem imitar).
Segundo, não há maneira de defender uma visão ortodoxa (i.e.,
bíblica) da Trindade se Cristo esvaziou-se de sua divindade. Visto que
Cristo é em primeiro lugar o Filho de Deus, a segunda pessoa da
Trindade, ele deve ser sempre essa pessoa, e ele deve sempre ser total e
completamente o Filho de Deus. Se ele fosse esvaziar-se de sua
divindade, então haveria uma “bindade”, não uma Trindade. Não apenas
isso, mas se Cristo esvaziou-se de sua divindade, então Deus poderia, de
fato, negar a si mesmo (2 Tm 2.13); ele poderia tornar-se o que
essencialmente ele não é. Assim como Deus não pode mentir (Nm 23.19, Rm
3.4, Tt 1.2, Hb 6.18), ele não pode mudar seu caráter como Deus.
Essa verdade não apenas fundamenta a glória de quem Deus é, mas
também fundamenta nossa confiança em sua fidelidade (Hb 6.13-20).
Terceiro, se o Filho de Deus fosse abrir mão de sua divindade, não
haveria salvação para o homem. Expressando, como faz a Escritura, da
maneira mais simples: a mensagem de Natal é que aquele que salvará o
povo de Deus dos seus pecados é “Deus conosco”, Jesus Cristo (Mt 1.21-23). Se deve haver salvação, ela terá de ser conquistada por aquele que é Emanuel; ela não poderia ser conquista por aquele que costumava ser Deus, mas por aquele que agora está conosco.
Os judeus que estavam cegos para a identidade de Cristo como Deus
eram, de acordo com Jesus, não de Abraão, mas do próprio diabo. Abraão
alegrou-se ao ver o dia em que o “Eu Sou” viria para redimir seu povo.
Quando Jesus chamou a si mesmo de “Eu Sou”, os judeus sabiam que ele
tinha se feito igual a Yahweh do Antigo Testamento. Assim, ele pegaram
pedras para jogar nele (Jo 8.48-59). Salvação – em sua apresentação
claramente revelada (e prospectiva) no Antigo Testamento, assim como sua
apresentação claramente revelada (e já/ainda não) no Novo Testamento –
exige que Deus condescenda a estar com seu povo, e esteja com eles para
redimi-los, e tudo para sua glória.
Nenhuma divindade desnuda pode fornecer salvação real. Escritura e
história não fazem sentido se aquele que veio para nos salvar é apenas um de nós. Um Natal kenótico é um Natal Papai Noel; seu foco está apenas sobre um homem especial,
não sobre o Deus-homem. É um Natal que oferece desejos e presentes, que
deixa sua marca em algum tipo de mensageiro “especial”. Ele desvanece
tão logo a realidade de um Ano Novo traz seus inevitáveis
arrependimentos. É o “natal” do homem, que não é Christmas afinal, mas Manmas. [N.T.: como o trocadilho era quase intraduzível para o português, preferimos manter o original].
A mensagem do Natal é a mensagem de toda a história redentiva, de
Gênesis 3 ao novo céu e nova terra. Desde a entrada do pecado no mundo, e
em nós, há uma guerra cósmica em andamento. Não haverá paz nessa guerra
até e a não ser que o Príncipe da Paz venha para vencer o inimigo. Essa
vinda do Príncipe da Paz é claramente apresentada ao povo do Senhor no
Antigo Testamento. Ela alcança seu clímax, quando o tempo se cumpriu, na
Encarnação do Filho de Deus.
Tão magnífico foi esse clímax – tão espetacular e majestoso – que seu
anúncio veio por meio de um anjo e, “no mesmo instante” isso provocou
uma “uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus” (Lc
2.13-14). Esse anúncio incluiu a verdade central de que aquele que
estava vindo é “Cristo, o Senhor” (Lc 2.11). Aqueles que
ouviram esse anúncio teriam sabido, imediatamente, que este não era um
mero profeta que estava por vir, nem alguém simplesmente superior aos
outros que vieram antes. Aquele era “o Senhor”, era Aquele que
esteve lutando, guiando e redimindo seu povo por toda a história
redentiva. O “Eu Sou” (Ex 3.14) da história redentiva estava prestes a
nascer. O que Deus estava prestes a realizar em seu Filho somente
poderia ser forjado por uma sabedoria sobrenatural, uma sabedoria do
alto, e nunca pela sabedoria deste mundo (1 Co 1.20-25). O natal do
homem é fabricado e centralizado no homem. Mas o Natal é aquilo que olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, nem o coração do homem jamais imaginou (1 Co 2.9).
O milagre do Natal é o milagre da livre decisão do Deus Triuno em
criar e redimir um povo para si mesmo. É o milagre do compromisso eterno
de Deus de executar o plano da redenção na história. É o milagre de
Deus comprometendo-se a um sacerdócio real (1 Pe 2.9). É o milagre da
graça, o milagre do favor imerecido. É o milagre da paz cósmica ainda
porvir, mas já cumprida. É o milagre da vida ressurreta. É o milagre de
um novo céu e uma nova terra. É o milagre da glória de Deus, uma glória
que manifesta-se semelhantemente ao homem pecador. É o milagre de Deus
Filho, embora permanecendo Deus, também ser um de nós, e poder sofrer e
morrer, para que possamos viver eternamente.
Em nenhuma outra época do ano tantos, que não conhecem esse milagre, ouvem (talvez até cantem) “Cantai Que o Salvador chegou”. Em nenhuma outra época, tantos inimigos da cruz ouvem (talvez até cantem) “Ó vinde, adoremos”. Em nenhum outro tempo, tantos que anseiam por autonomia ouvem (talvez até cantem) “Vinde todos lhe rogar que nos venha abençoar. Deste mundo a luz é o Senhor Jesus”. Em nenhum outro tempo, tantos que adoram e servem algo criado ouvem (talvez até cantem) “Cristo,
o Filho entronizado, Sua glória abandonou. Entre os homens, humilhado,
cruz e morte suportou. . É bondosa a Divindade. É feliz a humanidade.
Esperança de Israel é Jesus, Emanuel”. Cristãos cantam essas
palavras, pela graça de Deus, como a verdade do Evangelho. Outros que as
ouvem (ou cantam) são chamados a respondê-las com arrependimento e fé.
Somente se o Natal é “Deus conosco” sua verdadeira mensagem
pode ser pregada e cantada. Cristãos creem e ouvem essa mensagem todo
dia, não apenas uma vez ao ano. Mas os inimigos de Cristo precisam
ouví-la desesperadamente; somente ao ouví-la há alguma esperança de
verdadeira e duradoura paz com Deus para eles. Então, talvez uma ou duas
vezes mais, muitos ouvirão Linus lembrar Charlie Brown do verdadeiro
significado do Natal – “Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o
Salvador, que é Cristo, o Senhor”.
Oh vem, oh vem, Emanuel!
Redime o povo de Israel,
Que geme em triste exílio e dor
E aguarda, crente, o Redentor!
Dai glória a Deus! Emanuel
Virá em breve, oh Israel!
Redime o povo de Israel,
Que geme em triste exílio e dor
E aguarda, crente, o Redentor!
Dai glória a Deus! Emanuel
Virá em breve, oh Israel!
Fonte: Ipródigo
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