quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Análise Calvinista de Versículos “Arminianos”: 1 Timóteo 2.4


Heitor Alves

1 Antes de tudo, pois, exorto que se use a prática de súplicas, orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens, 2 em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade, para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito. 3 Isto é bom e aceitável diante de Deus, nosso Salvador,
4 o qual deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade.

Este é um dos textos preferidos pelos arminianos, pois, segundo eles, Deus deseja a salvação de todos os homens. Deus espera que todos se arrependam e creiam no evangelho e, desta forma, sejam salvos. Ainda segundo os arminianos, este texto revela que o livre-arbítrio do homem possui a capacidade de escolher a salvação, pois, como diz o texto, assim é do “desejo” de Deus.

A Palavra “Desejo” no Grego

Vamos começar analisar este texto à luz da compreensão calvinista começando pela palavra desejo. Nós temos duas palavras que, no grego, são traduzidas por “desejo”: a primeira é qelw (= thelõ), a segunda é boulomai (= boulomai). Apesar de terem a mesma tradução, “desejo”, elas se diferem quanto ao seu sentido. Vamos lá.

A palavra qelw(= thelõ) está mais para uma conotação de sentimento. Nas passagens em que esta palavra aparece, em todas elas dão a entender simplesmente um “querer” (de desejo), “querer ter”, “ter prazer em”, “gostar”. Esta palavra aparece em Mt 20.21; Mc 10.43; 12.38; Lc 20.46; Jo 9.27; Rm 1.13; Gl 4.20. Em todas estas passagens, e em tantas outras onde a palavra ocorre, a idéia que se tem é de um “desejo”, uma “vontade”, que pode acontecer ou não. No texto de Gl 4.20, Paulo expressa seu sentimento ao dizer para os gálatas: “pudera eu estar presente, agora, convosco e falar-vos em outro tom de voz; porque me vejo perplexo a vosso respeito”. A palavra destacada “pudera”, no grego, poderia ser traduzida sem nenhum problema como “desejava”, “desejaria”. Por mais que Paulo desejasse estar com os gálatas, ele sabia que isso não seria possível. Temos aí um exemplo de um desejo sentimental, algo que ele gostaria que acontecesse, mas que não será possível.

A palavra boulomai (= boulomai) tem a ver com a idéia de deliberação ou planejamento. É um “desejo” que vai ser realizado pois este “desejo” foi planejado, deliberado. Quando esta palavra aparece, temos uma idéia de “plano”, “propósito”, “resolução”, “decisão”, “motivo”, “estar disposto”, “disposição”, “ordenar”. Ela aparece em Mt 1.19; 11.27; Lc 22.42; At 5.28; 1 Co 12.11; Ef 1.11; Hb 6.17 e outros. Esta palavra expressa não um simples “desejo”, mas um “desejo” tal que foi planejado, foi ordenado acontecer ou não. Em Lc 22.45 vemos Cristo pedindo para que Deus afastasse o cálice. Ele diz: “Pai, se queres, passa de mim este cálice...”. Não temos aqui um caso onde, talvez, Deus desejasse livrar o seu filho do cálice, mas temos um caso onde Deus havia planejado não livrar seu filho daquela situação, pois foi Ele mesmo que, deliberadamente, colocou o Seu filho nesta situação. Em Ef 1.11 vemos uma predestinação feita sob a “ordenação” de Deus, algo que Ele deliberadamente planejou e que, por isso, é dado como certa a realização da Sua vontade.

Imagino que a essa altura, o leitor já esteja curioso em saber qual das palavras aparece em 1 Tm 2.4. Bem, temos a palavra qelw. Em 1 Tm 2.4, encontramos Paulo afirmando que Deus gostaria que todos os homens fossem salvos, mesmo que Ele mesmo não planejasse tal coisa. Ou seja, isso não significa que Deus deseja soberanamente que todo ser humano seja salvo (que Deus salva cada um).

Vontade de Propósito e Vontade de Prazer

Acredito que a dificuldade reside numa compreensão equivocada na doutrina da vontade de Deus. Vou procurar ser o mais breve possível aqui. Há uma distinção na vontade de Deus. Porém não são duas vontades. É apenas uma vontade.

Temos a vontade de propósito e a vontade de prazer em Deus. A vontade de propósito certamente acontecerá, pois está ligada a um decreto de Deus. A vontade de propósito de Deus infalivelmente se realizará, pois é Ele mesmo quem opera imediata ou mediatamente, ou seja, Ele opera diretamente ou usa meios (indiretamente) ou causas secundárias para a execução da sua vontade (2 Cr 22.7; Sl 103.20,21; Is 46.9-11; Is 53.10; Dn 4.35; Mt 6.10; Mt 26.42; Jo 4.34; Jo 6.38,39; At 21.11-14; Rm 1.9,10; At 16.6,7; Rm 9,19; Fp 2.13; 1Pe 3.17).

A vontade de prazer indica o que Deus gostaria que acontecesse, mas que não depende de uma obediência do homem para acontecer. É a vontade de Deus em coisas que Ele gostaria que acontecessem na vida dos homens, mas que nem sempre acontecem. É um desejo que expressa a natureza constitucional de Deus (Lc 13.34). No texto de Lucas temos a palavra “quis” (Gr. hqelhsa, do verbo qelw, “querer”, “desejar”)

É um desejo natural e espontâneo de Deus para com todos os homens (Ez 18.23; 33.11). Os versos de Ezequiel expressam uma vontade constitucional em Deus. Deus não tem prazer na morte do perverso, mas tem prazer na conversão do ímpio. Mas, por razões desconhecidas de nós, Deus determina não satisfazer ou realizar seu próprio desejo. Todos os ímpios são criaturas de Deus, isso explica por que Ele não tem prazer na condenação deles (lembrem-se que o inferno, originalmente, foi feito para o diabo e seus anjos, e não para os homens, Mt 25.41). Deus aplica-lhes a condenação porque Ele é justo, e não porque se alegra na condenação deles.

Podemos, sem muito esforço, deduzir que a passagem de 1 Tm 2.4 está relacionada com a vontade de prazer de Deus, uma vontade natural, espontânea e constitucional. Esse argumento da “vontade de prazer” em 1 Tm 2.4 é apoiado, como vimos, pela palavra grega “vontade” significando apenas um desejo prazeroso, sentimental de Deus, e não um desejo de propósito.

Deus Age com Justiça, Não com Sentimentos

O que encontramos em 1 Tm 2.4 é nada mais do que um sentimentalismo de Deus em ver todos os homens conhecedores da verdade e, enfim, salvos. É a benevolência geral de Deus de não ter prazer na morte do ímpio. Isso não significa que Deus terá seu desejo frustrado em ver os homens indo para a perdição. Por quê?

Ao longo das Sagradas Escrituras, vemos Deus inteiramente preocupado em glorificar a sua justiça. Deus deseja ser glorificado em tudo, inclusive no exercício de sua justiça e de seus juízos. Deus não coloca, de maneira nenhuma, o seu sentimentalismo acima da sua justiça. Se tiver que executar a sua justiça, Ele certamente o fará (Rm 1.18; 2.5; 3.5).

Deus não pode ignorar a sua justiça simplesmente salvando aquele que não crer no nome do unigênito Filho de Deus (Jo 3.18). Deus precisa mostrar a sua ira contra todos aqueles que se mantém rebelde contra sua palavra (Jo 3.36).

O Desejo de Deus não Depende do Livre-Arbítrio

Talvez algum arminiano queira retrucar: “Se o desejo de Deus em 1 Tm 2.4 é apenas sentimental, então isso abre as portas para um livre-arbítrio humano. O homem deve possuir um livre-arbítrio para realizar o desejo de Deus ou não. Ora, Deus jamais desejaria algo que jamais aconteceria a um homem sem livre-arbítrio, né?”.

Nós calvinistas reformados não podemos ignorar este argumento arminiano. É um argumento lógico, porém errado e antibíblico. Apesar do texto dizer que Deus deseja a salvação de todos os homens, nem todos os homens serão salvos simplesmente pela vontade de propósito do próprio Deus!

Essa é para os arminianos: como pode Deus esperar ter o seu desejo satisfeito pelo livre-arbítrio do homem, se há evidências de Deus não salvando pessoas que Ele saberia que se arrependeriam? É correto imaginar Deus se recusando salvar os homens? O que você me diria se Deus soubesse que uma determinada tribo indígena se converteria ao evangelho, caso fosse pregado entre eles, e, mesmo assim, Deus proibiria a pregação entre eles? Foi exatamente isso o que aconteceu em Mateus 11.20-24.

Deus sabia que algumas nações se arrependeriam e se converteriam ao evangelho com a pregação da palavra, mas, por motivos não revelados a nós, Deus simplesmente se recusou em levar as boas novas a eles. Mais uma pergunta para os arminianos: Se Deus deseja a salvação de todos os homens, então porque Ele mesmo impede que o evangelho chegue aos ouvidos e aos corações de alguns? (Is 6.9-13).

Conclusão

Em 1 Tm 2.4 mostra o desejo constitucional de Deus, que é a vontade de prazer ou do seu deleite. Contudo, Deus mesmo afirma claramente em Romanos 9.18 que Ele “tem misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz”.

Podemos também deduzir que “todos os homens” do verso 4 signifique todos os homens de todas as classes, não se referindo a cada homem. Isso está perfeitamente evidente dentro do contexto de 1 Tm 2.1-6, visto que aparece a expressão “todos os homens” (v. 1, v. 4) e “todos” (v. 6). Deus deseja e salva todos os tipos de pessoas, ou seja, Deus não escolhe seus eleitos de um único grupo apenas.

A verdade é que o texto de 1 Tm 2.4 não apóia a salvação universal (nem gramaticalmente e nem teologicamente), como querem os arminianos.

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