Por Solano Portela
O novo líder da Igreja Católica, escolhido em um dia
considerado por muitos “cabalístico” (13.03.13), já recebeu diversos
comentários e reações aos seus primeiros pronunciamentos. Mesmo sendo muito
cedo para qualquer análise ou opinião, observamos que todos os segmentos, os
dos católicos, evangélicos e até os que se declaram sem religião, estão, por
razões diversas, perplexos.
Aqueles com os quais a mídia fez coro, na expectativa da
eleição de um Papa que fosse “progressista”, se espantaram com a posição do Dom
Jorge Mario Bergoglio, agora Papa Francisco, com relação à união de gays, à questão
do homossexualismo como “apenas” uma opção sexual e sobre o aborto. Ele é contra, ponto final! Na esfera
política latino-americana, o distanciamento do Papa da tiete chavista Cristina Kirchner e alegados
alinhamentos passados com a direita argentina, também fez com que este grupo
ficasse não somente eriçado, como igualmente frustrado. Em adição, muitos “sem
religião”, que dizem não ligar a mínima para o papado, têm comentado essas
posições e declarações do Papa, franzindo o cenho em desaprovação ainda que meio
veladamente.
Católicos se espantaram porque ele não colocou, de início, o envolvimento social como prioridade máxima da Igreja. Em vez
disso, contrariou a mensagem que tem soado renitentemente ao longo das quatro
últimas décadas, especialmente em terras brasileiras, proclamada pelos
politizados “teólogos da libertação”, ou da natimorta “teologia pública”. Ele
aparentou priorizar as questões espirituais!
Exatamente por isso, no campo evangélico, chamou atenção a
sua declaração de que a missão da Igreja é difundir a mensagem de
Jesus Cristo pelo mundo. Na realidade, o Papa disse que se esse não for
o foco principal, a Instituição da Igreja Católica Romana tende a se
transformar em uma “ONG beneficente”, mas sem relevância maior à saúde espiritual
das pessoas! Ei! Disseram alguns evangélicos – essa é a nossa mensagem!!
Bom, não é a primeira vez na história que um prelado
católico reconhece que a Igreja tem estado equivocada em seus caminhos e
mensagem. Já houve um monge agostiniano que, estudando a Bíblia, verificou que
tinha que retornar às bases das Escrituras e reavivar a missão da igreja na
proclamação do evangelho, libertando-a de penduricalhos humanos absorvidos
através de séculos de tradição. Estes possuíam apenas características místicas,
mas nenhuma contribuição espiritual e de vida que fosse real às pessoas. Assim
foi disparado o movimento que ficou conhecido na história como a Reforma do Século 16, com as mensagens,
escritos e ações de Martinho Lutero, em 1517. Lutero foi seguido por muitos
outros reformadores, que se apegaram à Bíblia como regra de fé e prática.
Entendo, portanto, que não
seria impossível uma “segunda reforma” dentro da Igreja
Católica, se esta declaração inicial do Papa Francisco for levada a sério, por
ele próprio e por seus seguidores. É importante lembrar, entretanto, que proclamar a mensagem de Jesus Cristo é algo
bem abrangente e sério. Entre outras coisas que poderiam ser mencionada, a
Igreja Católica precisaria se definir com coragem nessas cinco áreas cruciais:
1. Rejeitar apêndices
aos livros inspirados das Escrituras. Ou seja, assumir lealdade apenas às
Escrituras Sagradas, rejeitando os chamados livros apócrifos. Proclamar as
palavras de Jesus, nesta área, é aceitar tão somente o que ele aceitou. Em
Lucas 24.44, Jesus referiu-se às Escrituras disponíveis antes dos livros do Novo
Testamento, como “A Lei de Moisés, Os Profetas e Os Salmos” – essa era
exatamente a forma da época de se referir às Escrituras que formam o Antigo
Testamento, em três divisões específicas (Pentateuco, livros históricos e
proféticos e livros poéticos) compreendendo, no total, 39 livros. Representam
os livros inspirados aceitos até hoje pelo cristianismo histórico, abraçado
pelos evangélicos, bem como pelos Judeus de então e da atualidade. Ou seja,
nenhuma menção ou aceitação dos livros apócrifos, não inspirados, que foram
inseridos 400 anos depois de Cristo, quando Jerônimo editou a tradução em Latim
da Bíblia – a Vulgata Latina[1].
Evangélicos e católicos concordam quanto aos 27 livros do Novo Testamento, mas
essas adições à Palavra são responsáveis pela introdução de diversas doutrinas
estranhas, que nunca foram ensinadas ou abraçadas por Jesus e pelos apóstolos. Proclamar
a palavra de Jesus ao mundo começa com a aceitação das Escrituras do Antigo e
Novo Testamento, e elas somente, como fonte de conhecimento religioso e regra
de fé e prática.
2. Rejeitar a
mediação de qualquer outro (ou outra) entre Deus e as Pessoas, que não seja
o próprio Cristo. Não acatar a mediação de Maria, e muito menos a designação
dela como co-redentora, lembrando que o ensino da palavra é o de que “há um só Deus e um só Mediador entre Deus e
os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Timóteo 2.5). Na realidade, a Igreja
precisa obedecer até à própria Maria, que ensinou: “Fazei tudo o que Ele vos disser” (João 2.5); e Ele nos diz: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida;
ninguém vem ao pai, senão por mim” (João
14.6). Foi um momento revelador da dificuldade que o Papa tem na aderência a
essa mensagem da Bíblia, observar sua homilia pública (angelus) de 17.03.2013. Após falar
várias coisas importantes e bíblicas sobre perdão e misericórdia divina,
finalizou dizendo: “procuremos a
intercessão de Maria”... Não é assim que irá proclamar a palavra de
Jesus ao mundo, pois precisa apresentá-lo como único e exclusivo
mediador; nosso advogado; aquele que
pleiteia e defende a nossa causa perante o tribunal divino.
3. Rejeitar as
imagens e o panteão de santos composto por vários personagens que também são
alvo de adoração e devoção devidas somente a Cristo. Essa característica da
Igreja Católica está relacionada com a utilização de imagens de escultura, como
objeto de adoração e veneração; e também precisaria ser rejeitada. Ela
contraria o segundo mandamento e desvia os olhos dos fiéis daquele que é o
“autor e consumador da fé - Jesus” (Hebreus 12.2). Proclamar a palavra de Jesus
ao mundo significa abandonar a prática espúria e humana da canonização de
mortais comuns, pecadores como eu e você, em complexos, mas inúteis processos
eclesiásticos, que não têm o poder de aferir ou atribuir poderes especiais a
esses santos.
4. Rejeitar o ensino
de que existe um estado pós-morte que proporciona uma “segunda chance” às
pessoas. A doutrina do purgatório não tem base bíblica e surgiu exatamente
dos livros conhecidos como apócrifos (em 2 Macabeus 12.45), sendo formalizada
apenas nos Concílios de Lyon e Florença, em 1439. Mas Jesus e a Bíblia ensinam
que existem apenas dois destinos que
esperam as pessoas, após a morte: Estar na glória com o Criador – salvos pela
graça infinita de Deus (Lucas 23.43 e Atos 15.11), ou na morte eterna (Mateus
23.33), como consequência dos nossos próprios pecados. Proclamar a palavra de
Jesus ao mundo é alertar as pessoas sobre a inevitabilidade da morte eterna,
pregando o evangelho do arrependimento e a boa nova da salvação através de
Cristo, sem iludir os fiéis com falsos destinos.
5. Rejeitar os “mantras”
religiosos, que são proferidos como se tivessem validade intrínseca, como
fortalecimento progressivo pela repetibilidade. É o próprio Jesus que nos
ensinou, em Mateus 6.7: “... orando, não useis de vãs repetições,
como os gentios; porque presumem que pelo seu muito falar serão ouvidos”. É
simplesmente incrível como a ficha não tem caído na Igreja Católica, ao longo
dos séculos e, mesmo com uma declaração tão clara contra as repetições, da
parte de Cristo, as rezas, rosários, novenas, sinais da cruz etc. são
promovidos e apresentados como sinais de espiritualidade ou motivadores de ação
divina àqueles que os repetem. Proclamar a palavra de Jesus ao mundo é
dirigir-se ao Pai como ele ensina, em nome do próprio Jesus, no poder do
Espírito Santo, abrindo o nosso coração perante o trono de graça (Filipenses
4.6).
Confesso que admiro a coragem deste homem, que, enquanto
cardeal se pronunciou claramente contra alguns pecados aberrantes que estão
destruindo a família e a sociedade. Peço a Deus que dê forças às nossas
lideranças evangélicas, e a nós mesmos, para termos intrepidez no interpelar de
governantes e da mídia, quando promovem leis e comportamentos que contradizem
totalmente os princípios que Deus delineia em Sua Palavra. Estes sempre são os
melhores para o bem da humanidade, na qual o povo de Deus (incluindo nossos
filhos e netos) está inserido.
Mas quanto a uma possível Segunda Reforma, vou ficar
cauteloso e com muitas dúvidas. No momento em que eu testemunhar mudanças, como
as que apresentei acima, vou me animar, entusiasmar e bater palmas – talvez ela
esteja em andamento! Até lá, entretanto, continuarei triste em ver tantos olhos
e esperanças fixados em mitos, misticismo e na pessoa humana, em vez de no Deus
único soberano, esperança de nossas vidas, que nos fala em Cristo Jesus, pelo
poder do Espírito Santo, que é real e eterno e não temporal como o Papa.
[1] A
Vulgata Latina (382 – 402 d.C.), tradução para o latim, da Bíblia, contém 73
livros (e não 66) além de adições de capítulos em alguns livros do Antigo
Testamento, que não constam dos textos hebraicos, nem da Septuaginta (tradução
para o Grego, do Antigo Testamento, realizada em torno de 280 a.C.). Estes
livros adicionais são chamados de livros apócrifos (duvidosos, fabulosos,
falsos). O próprio Jerônimo colocou notas de advertências, quanto à
canonicidade e validade dessas adições, mas essa cautela foi suprimida nos
séculos à frente. Sua aceitação como escritura canônica, no seio da Igreja
Católica, foi formalizada pelo Concílio de Trento, em 1546 d.C. Desapareceu,
assim, a compreensão de que aqueles livros estavam ali colocados por “seu valor
histórico” ou devocional. É possível que se Jerônimo soubesse, que na
posteridade seriam considerados parte integral da Bíblia, provavelmente não os
teria incluído em seu trabalho.
Fonte: O Tempora! O Mores!
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