Por Jesse Campos
Nos filmes "Matrix", na porta da "Oracle"
há uma placa com a frase grega, numa versão em latim: "Conhece-te a ti
mesmo". Pausânias, pesquisador e viajante do segundo século, registrou
que a frase estava escrita no oráculo de Delfos no Templo de Apolo. A
autoria dela é incerta e tem sido atribuída a diversos pensadores da
antiguidade, incluindo Sócrates, Tales e Pitágoras. A origem é incerta,
mas o desafio desse pensamento, muitas vezes agonizante, não é. Uma das
mais profundas lutas do ser humano é conhecer a si mesmo. Bonhoeffer, o
pastor e teólogo que foi preso e morto por ordem de Hitler, escreveu na
prisão um poema inquietante: "Quem Sou Eu?".
A modernidade,
movida pela idade da razão dos séculos passados, cria que a razão humana
era suficiente para conhecer tudo e que atingiria o conhecimento
absoluto e universal. Vivemos dias quando essa confiança na razão se
enfraqueceu, se não de todo, desapareceu. Sabe-se que a razão humana tem
uma visão sempre limitada e parcial. Alguém já disse que todos conhecem
a partir de algum lugar. O conhecimento humano é definido pelo ângulo
da posição finita do observador ou conhecedor. É um conhecimento
parcial, se não tendencioso.
Se isso é verdade com relação ao
conhecimento externo, não é menos verdade quanto à interioridade ou a
conhecer-se a si mesmo. Mas, se o individuo não é suficiente em si mesmo
para conhecer a ele próprio, então ele necessita recorrer a alguém além
dele. Ele necessita, porque ninguém é um ser íntegro e significativo
enquanto não conhecer a si mesmo. Por isso, muitos recorrem a outro ser
humano, como a algum conselheiro das ciências humanas, ansiando conhecer
a si mesmo. Mas isso apenas leva o problema para um passo a frente.
Sendo o conhecimento humano parcial e limitado, assim também é o
conhecimento do conselheiro. É inevitável conectar essa busca de
aconselhamento com a indagação de Cristo: "Pode um cego guiar outro
cego?" (Lucas 6.39). Séculos antes de Cristo, o salmista já lidou com
essa questão, porém, de um modo totalmente diferente. Ele clamou:
"Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração; prova-me e conhece minhas
inquietações" (Salmo 139.23). Diante da insuficiência do conhecimento
humano, sobra apenas Deus para responder a ansiedade do
autoconhecimento. O ser humano conhece parcialmente a partir de um
lugar, mas Deus conhece a partir de todos os lugares. E é preciso haver
esse conhecimento absoluto e divino, ou o ser, existência e realidade
ficam desprovidos de qualquer nexo e significado. O vazio, inquietação e
agonia que isso causa é nitidamente revelado no destroçar das pessoas
na atualidade.
Reconhecendo a limitação encontrada em si mesmo, o
salmista vai se abrigar no conhecimento de Deus - "...conhece o meu
coração". Ele quer o conhecimento de Deus, especialmente sobre si mesmo.
Porém, o termo conhecer, aqui usado, precisa ser entendido. Não se
trata apenas de informação. Esse termo é usado nas Escrituras Sagradas
para o conhecimento relacional e formativo. Um relacionamento de amor. A
preocupação do salmista não é um mero coletar de informação. E nem é
transferência de informação de Deus para ele. Isso seria impossível. O
que o salmista quer é que Deus o conheça. Se ele fosse conhecido por
Deus, a vida dele faria todo sentido e cada passo dele seria discernido e
esclarecido a partir de Deus. Se ele fosse conhecido de Deus, então
haveria uma luz além de si mesmo para seus temores, fracassos,
preconceitos e vazio. O fato de ser conhecido por Deus não é apenas
conhecimento pleno, mas é conhecimento que dá significado e forma à
existência. Assim o salmista concluiu o salmo: "guia-me pelo caminho
eterno".
Deus abriu esse conhecimento a todos a partir da cruz de
Cristo. No encontro com a verdade da cruz, somos conhecidos por Deus e
reconhecemos nossa necessidade de depender do conhecimento e direção de
Deus. E nesse conhecimento, nossos fracassos e erros são tratados e
alcançamos um sentido eterno. Na cruz, pela nossa punição colocada em
Cristo, Deus revela quem somos diante dele, mas também nos recebe em
perdão eterno. E então, relacionados com Ele, mesmo enquanto limitados,
descansamos no fato de que somos dele, formados e dirigidos por Ele – o
soberano e eterno. Em Cristo, Deus nos conhece no seu conhecimento
pleno, mas em amor e graça.
Bonhoeffer, o pastor morto na prisão
de Hitler, assim concluiu seu poema: "Quem sou eu? Este ou outro? Sou
uma pessoa hoje e outra amanhã?... Ou há alguma coisa ainda em mim, como
um exército derrotado, fugindo em debandada da vitória já alcançada?
Quem sou eu?... Seja quem for eu, Tu sabes, ó Deus, que sou Teu!".
Fonte: Igreja Batista Via: Editora Fiel
Nenhum comentário:
Postar um comentário