Por Jorge Fernandes Isah
A primeira pergunta que se tem de responder é: o que é igreja? O que os irmãos entendem por igreja?
Há
os que consideram-na apenas como uma construção, um edifício, e nada
mais do que isso. Há os que a têm por denominação, como uma instituição
meramente humana, onde um grupo de pessoas se reúnem para professarem
algum tipo de fé. Pode ainda ser utilizada para distinguir homens
religiosos de não religiosos. Em todos esses aspectos terminológicos, e
ainda em outros mais, o vocábulo igreja pode ser reduzido, o que
acabaria por não configurar o seu significado verdadeiro. De certa
forma, os termos aos quais ele é mitigado obscurece-o, não definindo a
sua real essência e o seu correto entendimento bíblico.
A
primeira lembrança que nos vem à mente é de que a igreja é o corpo de
Cristo. Esta é claramente a imagem que se descortina na mente do crente.
Ele, como membro, faz parte desse corpo, sendo portanto, parte da
igreja. Muitos afirmam que são a igreja, mas ela não é constituída por
um único membro, mas por milhões deles, o que configura um ajuntamento,
um agrupamento de pessoas atraídas por um mesmo chamado: aquele que
eficazmente Deus produz no homem, de forma que não se pode resistir nem
rejeitá-lo. Este é o chamado ao arrependimento, à regeneração, na qual o
homem natural se transforma em espiritual, de perdido a salvo, de
condenado a inocente; não por algum mérito que haja em si mesmo, mas por
aquilo que Deus realiza nele, por meio da obra redentora do Senhor
Jesus Cristo.
Assim,
essa é uma qualidade da igreja, a de ser um organismo, o que o corpo
nitidamente é. Como organismo, a igreja é o corpo místico de Cristo [1Co
12.12-13], o qual é a cabeça, que guiará o corpo em todo o cumprimento
da sua vontade; um povo escolhido para levar até os confins da terra o
seu santo e bendito nome [At 15.14]. De forma que a palavra grega
"eclesia", cuja tradução para o português é igreja, tem um significado
muito mais abrangente, daqueles que são "chamados para fora", dentre as
nações, ao nome do Senhor Jesus, para constituírem uma comunidade, uma
assembleia, na qualidade de seguidores de Cristo, chamados "cristãos", a
fim de obedecerem aos princípios por ele estabelecidos. A essa
qualidade da igreja, podemos chamá-la de organização.
O
que muitos cristãos esquecem-se é de que a igreja não é apenas um corpo
místico como pensam, o que é comumente chamado de "igreja universal",
mas de que ela foi instituída por Deus tanto como igreja universal como
igreja local. Essa doutrina de que a igreja local, como organização não
tem o respaldo bíblico é uma falácia. Basta ver que os irmãos em Atos
dos Apóstolos estabeleceram igrejas locais, suas prioridades,
designaram cargos, funções, como diáconos, pastores, bispos,
presbíteros, etc. O próprio apóstolo Paulo fala nos dons que Deus deu a
cada um dos membros, e de que esses membros trabalhariam em harmonia a
fim de que o corpo funcionasse em harmonia; a ordem do culto, como os
irmãos deveriam se portar na ceia do Senhor, e muitas outras
recomendações foram estabelecidas para uma igreja que se reúne,
congrega, e tem comunhão efetivas. Logo a ideia do crente solitário,
isolado, que assiste a prédicas pela TV, que acredita fazer parte de uma
igreja virtual através das redes sociais, que ceia via satélite,
simplesmente não existe. Com isso, não estou a dizer que não é possível
ter comunhão com um irmão distante, do outro lado do globo, por exemplo,
mas que isso não é o suficiente e não torna o trato virtual um tipo de
igreja. É-se necessário que exista o corpo local, e de que os cristãos
sejam partícipes dele, a fim de realizarem a obra que o Senhor nos deu a
fazer, em ordem, decência, e sob os cuidados de todos os irmãos, de
maneira que todos estejam participando ativamente e não sejam meros
espectadores. Muitos não valorizam o trabalho eclesiástico por
desconhecê-lo. Desprezam-no com argumentos particulares e que atribuem
ao geral, a todos. Se há apostasia, heresia, mau-uso do dinheiro,
despotismo, má-fé, e outros pecados, eles não podem ser imputados a todo
corpo local. Tal atitude é, além de absurda, soberba, pois demonstra a
quem a profere um tipo de "onipresença e onisciência" da qual nenhum
homem, por mais viajado e bem informado, é capaz de ter; esses são
atributos exclusivos de Deus e de mais ninguém.
Então
temos uma luta travada no próprio corpo, em que irmãos que se
organizam, tal qual a igreja primitiva se organizou, são acusados de
pecados que não cometeram. É como aquela piada da mãe que, vendo a água
suja na banheira, joga-a fora juntamente com o bebê. O desprezo que se
tem em certos grupos em relação à igreja institucional chega a ser
doloso. A maioria, por desconhecer as Escrituras ou impor a ela o seu
gosto pessoal, rebelam-se por seguir "mestres" sem entendimento e sem o
devido zelo. Muitas vezes, por terem passado "mau-bocados" em alguma
igreja ou sob a direção de algum pastor ou presbítero, acreditam que
todas as igrejas, e consequentemente todos os pastores, presbíteros e
diáconos, são deturpações da palavra de Deus, e obra exclusiva de
satanás. Tudo bem, estou exagerando um bocado, mas já tive discussões
com alguns irmãos que quase chegaram a essa afirmação, simplesmente não a
concluíram nos termos em que expus, mas os sentido estava lá, latente,
pronto a se manifestar. E, por isso [as vezes o sentimento de decepção,
de frustração ou de vingança] saem por aí, sem zelo, sem discernimento,
sem prudência, proclamando aos quatro ventos a "heresia da igreja
organizacional".
Esta semana me deparei com a seguinte mensagem em uma comunidade virtual:
"Quanto
mais a minha mãe fala para eu ir à igreja mais raiva eu tenho... Acabei
de discutir com ela falei: Diz alguém que vc levou para a igreja
enchendo a paciência assim? Algum irmão, o ex-marido? Fala um! Cansei!
Desculpa o desabafo... Mas toda a vez que eu vou me dá nos nervos e vejo
que perdi duas horas ou mais da minha vida, que podia estar
descansando, sei lá...".
Esta afirmação, que
ganhou a concordância de outros irmãos, me parece, além de triste,
infeliz, por vários motivos, mas apresentarei apenas dois:
1) A Bíblia nos ordena a
honrar pai e mãe. Ora, mesmo que eles estejam equivocados em um ponto
ou outro, isso não dá o direito de sermos desrespeitosos, impacientes e
belicosos. Deveríamos ouvi-los e meditar no que dizem. É possível que a
mãe exagere em seu cuidado e admoestação para que a filha procure uma
igreja e congregue, mas, sabendo dos sérios problemas que advém da
ovelha sem aprisco, se a filha soubesse, não agiria assim também com
aqueles que ama? De qualquer forma, o testemunho que ela dá com a sua
irritação para com a mãe é péssimo, e depõe para a fé cristã. Outra
coisa, ainda: se o chamado a congregar não é atendido por quem não se
interessa a congregar, o erro é de quem chama ou de quem não atende ao
chamado? Se fosse assim, não haveria a ordem de Cristo para proclamar o
Evangelho a toda criatura, pois o número daqueles que o rejeitam é muito
maior do que os que o aceitam. Essa é outra estratégia para transferir
ao outro a culpa que cabe somente a nós. Apelamos para o pragmatismo
quando o que acontece não é falta de eficiência de quem chama, mas
desobediência de quem rejeita. É o caso aqui, pois se todos rejeitam
devo me calar por conta da rebeldia de quem não quer ouvir?
2) Ao dizer que lhe dá
nos nervos as duas horas ou mais perdidas no culto, e de que poderia
estar descansando ou fazendo outra coisa, vem-me à mente o tipo de
cristão que se está construindo, ou melhor, que se está desconstruindo. É
claro que há igrejas em que o Evangelho não é pregado, pastores e
presbíteros são tão tolos que não deveriam guiar nem mesmo uma manada de
bois, que as músicas são tão vulgares como os piores exemplos
produzidos pelo mundo, mas generalizar é cair no mesmo caso de tolice e
soberba que apontei anteriormente. No mínimo, deve estar faltando
oração, pedindo-se a Deus que lhe destine um local onde possa servi-lo
verdadeiramente. A ideia que se quer passar é de que nenhuma igreja
presta, e de que todas representam perda de tempo. É melhor qualquer
outra atividade do que estar na congregação. Atitudes assim demonstram
desprezo e vaidade, além de individualismo e autosuficiência, do tipo,
não preciso disso, posso muito bem viver sem isso. Então, um pecado gera
o outro; e, deixo a pergunta, parafraseando o apóstolo do amor, João
Evangelista: se não me sujeito à autoridade da igreja que vejo, como
posso me sujeitar à autoridade de Deus que não vejo?
Penso que há uma guerra
barulhenta dos "sem-igrejas", não com o intuito de manterem seus
privilégios, mas de arregimentarem novos adeptos de uma prática que em
nada se configura cristã. Os exemplos tomados são sempre os piores,
nunca há nada de virtuoso a ser experimentado ou testemunhado, o que
garante o direito de se difamar homens e grupos religiosos cristãos como
se fossem um bando de malfeitores. Há livros, em profusão, acusando
pastores de "batedores-de-carteiras", e a igreja de quadrilha ou gang. A
esse tipo de arrogância e desprezo chegam os "gurus" dos "sem-igrejas".
São pessoas assim que elaboram os argumentos de uma vida tão apegada
aos valores mundanos que, em sua cegueira, considera-os espirituais...
Sem se preocuparem com a procedência desse espírito.
É claro que no corpo
local haverá, como o Senhor Jesus disse, o trigo e o joio, salvos e não
salvos, onde aqueles trabalham para a glória de Deus, enquanto esses são
empecilhos [ainda que em sua rebeldia também colaborem para a glória
divina]. Não é possível dizer quem é e quem não é salvo, mas é certo
poder dizer que os salvos estão entre os que se encontram sob a
autoridade da igreja. Mas quanto a este ponto, falarei mais à frente, no
decorrer das próximas aulas.
O fato é que a doutrina
do cristão sem-igreja não tem nada de santa, nem pura, nem cristã, nem
mesmo religiosa [no sentido mais estrito do termo], ela, de certa forma,
demonstra a incapacidade não do corpo local, mas daquele que se diz
cristão de não se sujeitar à autoridade; e penso que isso é extremamente
grave. As implicações vão desde uma vida vazia, sem qualquer testemunho
de fé, até erros doutrinários, chegando-se ao ápice das heresias. A
maioria deles não reconhece a Bíblia em sua infalibilidade, inerrância e
inspiração divina. Outros são adeptos da descontinuídade das
Escrituras. Outro tanto não reconhece nenhuma autoridade humana. E
quando me deparo com qualquer deles e seus discursos autônomos vislumbro
uma ovelha perdida, sem rumo, desgarrada. Opõem-se a todas as formas
não organizacionais da igreja, mas acabam por optar por uma forma, ainda
que não eclesiástica. Apenas querem cuidar dos seus narizes, sem
responsabilidade para com o corpo, mesmo que seja o chafurdar na lama.
Como já disse, não apelo para a perfeição da igreja local, mas não é
possível aceitar os argumentos que os "sem-igreja" desajuizadamente
querem dogmatizar. O interessante é que mesmo rejeitando um, alguns, ou
todos os dogmas, eles acabam por estabelecer os seus próprios, a se
agruparem, e terem uma convivência como qualquer outro grupo humano. Ao
apelarem para o espírito, entregam-se à carne. E, simplesmente, não
suportam a obediência, a fraternidade, a servidão e sujeição como marcas
do cristão bíblico. Se há algo que devem fazer é se arrepender, e
voltarem ao Evangelho. Pois, certamente, há igrejas onde ele é pregado, a
obra de Cristo é realizada, o Espírito Santo atuando, e Deus
glorificado.
Notas: Indico os seguintes textos, disponíveis no Kálamos, como leitura complementar:
1) Haraquiri Teológico - Um reino sem súditos2) Haraquiri Teológico - Parte 2: a ignorância não protege ninguém
dentre outros.
6) Baixe esta mensagem em Aula 43.mp3
Fonte: Kálamos
Nenhum comentário:
Postar um comentário